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A Lei Rouanet e os incentivos fiscais

22/06/2010 às 00:00
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O objetivo do presente estudo é sopesar as disposições da legislação que trata de incentivo à cultura, ou seja, como se dá o funcionamento da "Lei Rouanet" e os incentivos fiscais.

Antes de analisar essas normas propriamente ditas, cabe fazer algumas observações quanto à legislação que dispõe sobre incentivos tributários.

O Decreto nº 3.000, de 26.03.1999, que trata da cobrança e fiscalização do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (Regulamento do Imposto de Renda – RIR/99), assim regra nos seus artigos 475 e 476:

"Art. 475. A pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá deduzir do imposto devido às contribuições efetivamente realizadas no período de apuração em favor de projetos culturais devidamente aprovados, na forma da regulamentação do Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC.

§ 1º. A dedução permitida terá como base:

I – quarenta por cento das doações; e

II – trinta por cento dos patrocínios.

§ 2º. A dedução não poderá exceder a quatro por cento do imposto devido, observado o disposto no art. 543.

§ 3º. O benefício de que trata este artigo não exclui ou reduz outros benefícios, abatimentos e deduções em vigor, em especial as doações a entidades de utilidade pública.

§ 4º. Sem prejuízo da dedução do imposto devido nos limites deste artigo, a pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá deduzir integralmente, como despesa operacional, o valor das mencionadas doações e patrocínios.

§ 5º. As transferências a título de doações ou patrocínios de que trata este Capítulo não estão sujeitas à incidência do imposto de renda na fonte.

§ 6º. Não serão consideradas, para fins de comprovação do incentivo, as contribuições que não tenham sido depositadas, em conta bancária, específica, em nome do beneficiário, na forma do regulamento de que trata o ‘caput’.

§ 7º. As deduções referidas no § 1º poderão ser feitas, opcionalmente, através de contribuições ao Fundo Nacional de Cultura – FNC.

§ 8º. A soma das deduções previstas neste artigo e no art. 484, não poderá reduzir o imposto devido pela pessoa jurídica em mais de quatro por cento, observado o disposto no art. 543.

Art. 476. Na forma e condições previstas no ‘caput’ do artigo anterior, a pessoa jurídica tributada com base no lucro real, poderá deduzir do imposto devido, as quantias efetivamente despendidas, a título de doações e patrocínios, na produção cultural nos seguintes segmentos:

I – artes cênicas;

II – livros de valor artístico, literário ou humanístico;

III – música erudita ou instrumental;

IV – circulação de exposições de artes plásticas;

V – doações de acervos para bibliotecas públicas e museus.

§ 1º. A dedução de que trata este artigo não poderá exceder a quatro por cento do imposto devido, observado o disposto no § 8º do artigo anterior, e no art. 543.

§ 2. O valor das doações e patrocínios de que trata este artigo não poderá ser deduzido como despesa operacional." – destaques feitos nos originais

Por sua vez, o Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC, de que trata o artigo 475 acima, foi anteriormente instituído pela Lei nº 8.313, de 23.12.1991 ("Lei Rouanet").

Os artigos 18 e 26 dessa norma assim dispõem:

"Art. 18. Com o objetivo de incentivar as atividades culturais, a União facultará às pessoas físicas ou jurídicas a opção pela aplicação de parcelas do Imposto sobre a Renda, a título de doações ou patrocínios, tanto no apoio direto a projetos culturais apresentados por pessoas físicas ou por pessoas jurídicas de natureza cultural, como através de contribuições ao FNC, nos termos do art. 5º, inciso II, desta Lei, desde que os projetos atendam aos critérios estabelecidos no art. 1º desta Lei.

§ 1º. Os contribuintes poderão deduzir do imposto de renda devido as quantias efetivamente despendidas nos projetos elencados no § 3º, previamente aprovados pelo Ministério da Cultura, nos limites e nas condições estabelecidos na legislação do imposto de renda vigente, na forma de:

a) doações; e

b) patrocínios.

§ 2º. As pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real não poderão deduzir o valor da doação ou do patrocínio referido no parágrafo anterior como despesa operacional.

§ 3º. As doações e os patrocínios na produção cultural, a que se refere o § 1º, atenderão exclusivamente aos seguintes segmentos:

a) artes cênicas;

b) livros de valor artístico, literário ou humanístico;

c) música erudita ou instrumental;

d) exposições de artes visuais;

e) doações de acervos para bibliotecas públicas, museus, arquivos públicos e cinematecas, bem como treinamento de pessoal e aquisição de equipamentos para a manutenção desses acervos;

f) produção de obras cinematográficas e videofonográficas de curta e média metragem e preservação e difusão do acervo audiovisual; e

g) preservação do patrimônio cultural material e imaterial.

h) construção e manutenção de salas de cinema e teatro, que poderão funcionar também como centros culturais comunitários, em Municípios com menos de 100.000 (cem mil) habitantes."

"Art. 26. O doador ou patrocinador poderá deduzir do imposto devido na declaração do Imposto sobre a Renda os valores efetivamente contribuídos em favor de projetos culturais aprovados de acordo com os dispositivos desta Lei, tendo como base os seguintes percentuais:

I – no caso das pessoas físicas, oitenta por cento das doações e sessenta por cento dos patrocínios;

II – no caso das pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, quarenta por cento das doações e trinta por cento dos patrocínios.

§ 1º. A pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá abater as doações e patrocínios como despesa operacional.

§ 2º. O valor máximo das deduções de que trata o ‘caput’ deste artigo será fixado anualmente pelo Presidente da República, com base em um percentual da renda tributável das pessoas físicas e do imposto devido por pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real.

§ 3º. Os benefícios de que trata este artigo não excluem ou reduzem outros benefícios, abatimentos e deduções em vigor, em especial as doações a entidades de utilidade pública efetuadas por pessoas físicas ou jurídicas.

§ 4º. (VETADO).

§ 5º. O Poder Executivo estabelecerá mecanismo de preservação do valor real das contribuições em favor de projetos culturais, relativamente a este Capítulo." – destaques não constantes do original

Aparentemente há contradição entre o que estipulam as normas acima transcritas, notadamente o que dispõe o § 1º do artigo 26 e o § 2º do artigo 18, ambos da Lei nº 8.313/91, no que se refere ao tratamento dado às doações e patrocínios: tais valores são considerados como despesa operacional para fins de abatimento da receita tributável pelo Lucro Real?

O Decreto nº 1.494, de 17.05.1995, que regulamenta essa Lei nº 8.313/91, determina no seu artigo 20 que:

"Art. 20. O incentivador pessoa jurídica poderá, obedecido o limite máximo fixado em lei, deduzir do imposto devido mensalmente ou na declaração de rendimentos os valores efetivamente contribuídos no período de apuração, em favor de projetos culturais devidamente aprovados, nos percentuais de:

I – quarenta por cento do valor das doações;

II – trinta por cento do valor dos patrocínios.

Parágrafo único. A pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá também abater o total das doações e dos patrocínios como despesas operacional." – destaques devidamente feitos no original

Os autores Hiromi Higuchi, Fábio Hiroshi Higuchi e Celso Hiroyuki Higuchi, no seu Imposto de Renda das Empresas – Interpretação e Prática (34ª edição, 2009, IR Publicações Ltda., pág. 48), respondem a essa pergunta: "o § 1º do art. 26 que é da redação original da Lei nº 8.313, de 1991, está revogado pelo § 2º do art. 18, acrescido pela Lei nº 9.874, de 1999, por ser incompatível. As empresas deverão observar esse aspecto" – destacou-se

Em sendo assim, entende-se que as empresas tributadas pelo Lucro Real que fizerem doações ou patrocinarem os projetos elencados no § 3º do artigo 18 da Lei nº 8.313/91, terão os seguintes incentivos tributários:

1.o doador ou patrocinador tributado pelo lucro real poderá deduzir do IR devido na DIRPJ os valores efetivamente contribuídos, limitados a 40% (quarenta por cento) das doações e 30% (trinta por cento) dos patrocínios;

2.a dedução não poderá exceder a 4% (quatro por cento) do imposto devido; e

3.os valores de doações e patrocínios não poderão ser deduzidos como despesa operacional.

Já as empresas tributadas pelo Lucro Real que fizerem doações ou patrocinarem os projetos de que trata o artigo 475 do RIR/99 [projetos culturais devidamente aprovados, na forma da regulamentação do Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC (Lei nº 8.313/91 – "Lei Rouanet")], terão os seguintes incentivos tributários:

1.o doador ou patrocinador tributado pelo lucro real poderá deduzir do IR devido na DIRPJ os valores efetivamente contribuídos, limitados a 40% (quarenta por cento) das doações e 30% (trinta por cento) dos patrocínios;

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2.a dedução não poderá exceder a 4% (quatro por cento) do imposto devido; e

3.os valores de doações e patrocínios poderão ser deduzidos como despesa operacional.

Tal entendimento se reforça com a lição de Edmar Oliveira Andrade Filho (in Imposto de Renda das Empresas, 5ª edição, 2008, Editora Atlas, pág. 255):

"Sem prejuízo da dedução do imposto devido, e observado o disposto no art. 475 do RIR/99, a pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá deduzir integralmente, como despesa operacional, os valores efetivamente contribuídos em favor de projetos culturais ou artísticos, na forma da regulamentação do Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC). Essa permissão, todavia, não se aplica aos dispêndios com doações e patrocínios na produção cultural dos segmentos de que trata o art. 476 do RIR/99." – destaques feitos pelo autor

O Decreto Federal nº 1.494/95 traz várias definições para fins de análise da questão. Dentre esses conceitos, tem-se:

"Art. 3º. Para efeito da execução do Pronac, consideram-se:

(...)

III – doação: transferência gratuita em caráter definitivo à pessoa física ou pessoa jurídica de natureza cultural, sem fins lucrativos, de numerário, bens ou serviços para a realização de projetos culturais, vedado o uso de publicidade paga para divulgação desse ato;

(...)

IX – patrocínio:

a) transferência gratuita, em caráter definitivo, a pessoa física ou jurídica de natureza cultural, com ou sem fins lucrativos, de numerário para a realização de projetos culturais com finalidade promocional e institucional de publicidade;

b) cobertura de gastos ou utilização de bens móveis ou imóveis, do patrimônio do patrocinador, sem a transferência de domínio, para realização de projetos culturais por pessoa física ou jurídica de natureza cultural, com ou sem fins lucrativos;

c) apoio financeiro em favor de projetos de execução de planos plurianuais de atividades culturais apresentados por entidades culturais de relevantes serviços prestados à cultura nacional.

(...)." – destacou-se

Analisando a questão específica posta nestas considerações, ou seja, como se dá o funcionamento da "Lei Rouanet" e os incentivos fiscais, há que se elucidar – de maneira muitíssimo reduzida – o quanto segue.

A "Lei Rouanet" funciona, principalmente, como mecanismo de isenção fiscal, e todo o processo se dá da seguinte maneira:

1.o proponente inscreve o Projeto Cultural nos moldes da Lei nº 8.313/91 e do Decreto nº 1.494/95, preenchendo um formulário até bastante simples, e o Governo Federal (Ministério da Cultura – MinC) – através do Fundo Nacional da Cultura (FNC) – aprova (ou não) esse projeto, dando um documento que permite ao produtor buscar recursos nas empresas;

2.já do lado das pessoas jurídicas, após o cálculo de quanto IRPJ-Lucro Real o contribuinte tem a pagar (com a intenção de conhecer qual é o limite de recursos pode ser destinado ao patrocínio), devem verificar a regularidade do Projeto Cultural que pretendem patrocinar. Tal verificação se dará através da exigência da cópia do Diário Oficial em que foi publicada aprovação do Projeto pelo MinC;

3.depois de verificada a regularidade do Projeto Cultural, os patrocinadores deverão efetuar depósito bancário do valor do patrocínio na conta especial desse projeto, que apresentará às empresas patrocinadoras um recibo no valor do depósito efetuado, emitido de acordo com o modelo do MinC;

4.com este recibo, as empresas poderão deduzir do IRPJ (calculado pelo lucro real) a pagar a quantia referente ao patrocínio.

O procedimento é o mesmo que se faz, por exemplo, com um recibo de uma consulta médica: a dedução é feita no momento do pagamento do IR. Assim, se a empresa efetua pagamento mensal, pode deduzir no próprio mês em que foi pago o patrocínio. Se fizer pagamento anual, a dedução será feita no ano seguinte, quando do preenchimento da declaração do IRPJ.

Após o item 4 acima, claro que os Projetos Culturais aprovados e recebedores de doações/patrocínios são acompanhados/supervisionados e avaliados tecnicamente durante e ao término de sua execução/produção pelo MinC, mas tais atividades não influenciam os incentivos fiscais concedidos às empresas patrocinadoras.

Por fim, vislumbram-se as seguintes vantagens para as pessoas jurídicas que optarem por doar valores ou patrocinar eventos culturais/artísticos:

1.caso o projeto cultural seja aprovado na forma regulamentada pelo PRONAC, os valores de doações e patrocínios poderão ser deduzidos como despesa operacional, ou seja, a empresa calculará o IRPJ e a CSLL considerando dedutível a totalidade do valor da doação ou do patrocínio;

2.o doador ou patrocinador tributado pelo lucro real poderá deduzir do IR devido na DIRPJ os valores efetivamente contribuídos (limitados a 40% das doações e 30% dos patrocínios), dedução essa que não poderá exceder a quatro por cento do imposto devido; e

3.possibilidade de fazer um "marketing gratuito" da empresa, eis que, quando do apoio a algum evento do gênero do estudado, em geral, há indicação das empresas que doaram valores ou patrocinaram a produção do espetáculo.

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Sobre o autor
Renato Nunes Confolonieri

Advogado especialista em Direito Tributário e em Direito Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONFOLONIERI, Renato Nunes. A Lei Rouanet e os incentivos fiscais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2547, 22 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15080. Acesso em: 26 abr. 2024.

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