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A indisponibilidade da reserva de "área institucional" no parcelamento do solo urbano

24/06/2010 às 00:00
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Em tempos de crescimento urbano fomentado por políticas públicas de acesso a casa própria sobressai importante questão relacionada à reserva de "área institucional" nos loteamentos urbanos.

Por força da Lei Federal nº 6.766/79, todo loteamento urbano, para ser aprovado perante a Prefeitura, precisa reservar parte do imóvel, em percentual definido em lei municipal, para construção de praças, escolas, postos de saúde e outro equipamentos comunitários necessários ao atendimento dos futuros moradores daquele empreendimento.

Muitos loteadores questionam administrativamente, e por vezes até judicialmente, a necessidade de se reservar essa área, também conhecida como "área institucional", quando nas proximidades do imóvel objeto de loteamento já existem equipamentos comunitários suficientes para atender a população daquela região e a que está por se instalar. Alguns empreendedores chegam a oferecer ao Poder Público a entrega da área correspondente em outra localidade da cidade, sob o argumento de que como já há equipamentos comunitários suficientes para servir a população que ali vai se instalar sem prejuízo das demais, seria mais conveniente e oportuno ao interesse público a implantação dessa área em outra região do Município, carente daqueles serviços.

Nesse contexto, a questão que se põe está em saber se o Administrador Público pode aprovar o loteamento urbano apresentado nessas condições, ou mesmo depois de aprovado poderia eventualmente desafetar a "área institucional" originalmente reservada quando verificado que determinado bairro já está suficientemente equipado dos serviços e áreas públicas necessários ao bem-estar de determinada população.

Pensamos que não.

A Lei Federal nº 6.766/79, também conhecida como "Lei Lehmann", veio justamente para tentar impedir o crescimento desordenado das cidades, tendo estabelecido regras mínimas de parcelamento e desmembramento do solo urbano.

O legislador federal determinou que em todo parcelamento para fins urbanísticos deverá ser reservada área mínima, em percentual estabelecido pela legislação local, para implantação de "sistema de circulação", "equipamentos urbanos" [01], "comunitários" [02] e "espaços livres para uso público", proporcionais à densidade de ocupação (art. 4º da Lei Federal nº 6.766/79), sendo que, desde a data do registro do loteamento, essas áreas, também conhecidas como "áreas institucionais", passarão a integrar automaticamente o domínio do município (art. 22), que no caso passa a funcionar como verdadeiro tutor da população.

A intenção do legislador foi garantir infraestrutura mínima em todos os bairros da cidade, evitando-se, com a reserva da área institucional, que o espaço urbano continuasse a representar amontoados habitacionais sem qualquer planejamento ou controle estatal.

E a fórmula adotada foi muito simples.

A Lei Federal já determinou quais seriam os equipamentos mínimos que não poderiam deixar de constar em todo loteamento, ficando a cargo dos municípios, por meio de sua lei de parcelamento local, a definição do percentual do empreendimento que ficaria reservado para essas construções.

Em outras palavras, aos Municípios, no exercício de sua competência legislativa suplementar (CF, art. 30, II), coube apenas definir percentual de "área institucional" a ser reservada, sendo certo que essa fração não pode ser igual a zero e que a lei municipal não poderá permitir a instalação dessa área em localidade diferente, pois do contrário estar-se-ia violando a norma federal.

A regulamentação prevista na Lei nº 6.766/79 atende o comando constitucional da "função social" da propriedade (CF, art. 5º, XXIII; e art. 170, III), bem como a política de desenvolvimento urbano, cujo objetivo é "ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes" (CF, art. 182), razão por que a "Lei Lehmann" sempre foi aplaudida pelos urbanistas.

É importante ainda destacar que a Lei nº 6.766/79 não estabeleceu qualquer exceção à hipótese de reserva de áreas destinadas à construção de equipamentos urbanos e comunitários. Ao contrário, o legislador federal foi enfático em subordinar a aprovação do projeto de parcelamento à prévia indicação das chamadas "áreas institucionais" que passariam ao domínio público tão-logo aprovado o projeto de loteamento pelo Município (cf. art. 4º, I; art. 6º e art. 22 da Lei Federal nº 6.766/79).

Há que se registrar, também, que tal foi a preocupação do legislador federal que a Lei nº 6.766/79 chega, inclusive, a dizer que, após aprovação do projeto pela Prefeitura, os equipamentos urbanos e comunitários nele discriminados não poderão mais ter sua destinação alterada (art. 17).

Nesse particular, no Estado de São Paulo, a regra prevista no art. 17 da Lei nº 6.766/79 é reforçada pelo art. 180, VII, da Constituição Estadual.

A partir desses dispositivos, a jurisprudência paulista tem entendido que nem mesmo o próprio Município pode alterar a destinação dessas áreas, sob pena de violação da vontade do legislador. Nesse sentido: Incidente de Inconstitucionalidade n° 172.801-0/7-00, Rel. Des. José Santana, Órgão Especial, M.V., j. em 01/04/2009; ADI n° 169.056-0/9, Des. Relator Armando Toledo, Órgão Especial, V.U., j. em 22/07/2009; e Incidente de Inconstitucionalidade nº 178.011-0/5 da Comarca de Itápolis. Des. Rel. Souza Lima, Décima Primeira Câmara de Direito Público, V.U., 19/08/2009. Para elucidar, transcrevo abaixo a ementa do último julgado:

"INCIDENTE DE INCONST1TUCIONALIDADE - Lei n° 1.549/92, do Município de Itápolis, que desafetou área institucional reservada em loteamento, alterando sua destinação para conceder direito de uso a entidade privada, para destinação especial e diversa da prevista originalmente - Afronta aos arts. 180, inciso VII, e 144 da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade declarada – Argüição procedente."

Ainda que todos os adquirentes dos lotes se pronunciem favoravelmente à não construção de qualquer equipamento comunitário no local, que em última análise se destina ao melhor conforto daquela comunidade, o loteador não estará desobrigado de reservar, naquele terreno, o percentual mínimo previsto na lei Municipal, não sendo permitido nem ao Poder Público dispensar essa imposição. Nem mesmo a constatação de que na região do empreendimento já existem equipamentos públicos é suficiente para excepcionar a regra da reserva de "área institucional". Se o legislador federal quisesse dispensar a reserva institucional, em casos excepcionais, certamente assim o teria feito. Nesse ponto é oportuno observar que a própria Lei nº 6.766/79 previu a possibilidade de existência desses tipos de equipamentos no local em que se pretende lotear (cf. art. 6º, IV, in fine, e art. 9º, § 2º, IV), e mesmo assim não dispensou a reserva da área em nenhuma passagem do texto legal.

A única norma urbanística que possibilitou a exceção a essa regra foi a Constituição do Estado de São Paulo, na redação dada pela Emenda nº 23, de 31/01/2007 cuja inovação, aliás, é de constitucionalidade duvidosa.

Seja como for, vale registrar que a exceção prevista pelo constituinte reformador paulista aplica-se apenas ao loteamento "ocupado por núcleos habitacionais de interesse social" (art. 180, VII, "a"), e "equipamentos públicos implantados com uso diverso da destinação, fim e objetivos originalmente previstos quando da aprovação do loteamento" (art. 180, VII, "b"), cuja situação esteja consolidada desde dezembro de 2004 (art. 180, § 1º). Afora essas duas hipóteses absolutamente excepcionais e de aplicação cada dia mais reduzida (às situações consolidadas até 2004), não há nenhum outro dispositivo legal que permita a dispensa da "área institucional" ou sua instalação em localidade diversa do loteamento. Daí porque se defende aqui que a Prefeitura não está autorizada a receber determinada "área institucional" em outra localidade que não no loteamento, ainda que sob o pretexto de que se destinaria bem mais valioso ou que o interesse público seria melhor atendido com a destinação dessa área em outra região.

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É importante repetir. A preocupação do legislador em matéria urbanística não foi proporcionar acréscimo patrimonial ao Município ou a correção de distorções de ordem estrutural em áreas menos favorecidas da cidade.

O propósito da lei foi evitar o crescimento desordenado da cidade, hiper-inflacionando determinadas áreas do Município sem nenhum controle ou regulação do Poder Público.

Se determinada área da cidade onde já há ocupação urbana não é atendida adequadamente por serviços públicos ou espaços coletivos de interesse da população, cabe ao Estado concentrar investimentos para corrigir tal distorção.

A reserva da "área institucional" não se presta exclusivamente ao atendimento de uma demanda atual. Com a reserva dessa área assegura-se que, no futuro, mesmo que haja alteração da espécie de ocupação da região ou mudança das necessidades daquela população, ainda assim haverá espaços públicos para servir de válvulas de escape das tensões originadas da convivência em comunidade.

Seguindo essa linha de raciocínio, o ilustre jurista SÉRGIO A. FRAZÃO DO COUTO explica: "Assim como se exige do empresário o destaque de parte de sua gleba para a implantação de equipamentos urbanos, impõe a Lei, no mesmo dispositivo, a separação de áreas destinadas a equipamentos comunitários, entendidas essas como áreas reservadas a estabelecimentos educacionais, culturais, de saúde, de lazer e similares, cujas considerações mais detalhadas faremos adiante, esclarecendo desde já, no entanto, que mencionados equipamentos desempenharão papel de grande importância para o equilíbrio sócio-político-cultural-psicológico da população e como fator de escape das tensões geradas pela vida em comunidade. (...) Equipamentos comunitários vêm a ser, portanto, os aprestos do sistema social da comunidade previstos para atender a suas necessidades de educação, cultura, saúde e lazer" (Manual Teórico e Prático de Parcelamento Urbano. Editora Forense, 1981, p. 64/72)

Na mesma senda vem entendendo o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme se observa do trecho do voto proferido pelo Desembargador Laerte Sampaio na Apelação Cível n° 836.331-5 /0, da Terceira Câmara de Direito Público, julgado em 09/12/2008, por votação unânime, no qual o relator sobreleva o caráter de ordem pública das regras de urbanização:

"Como já ficou superiormente decidido (REsp 28.058/SP), a Lei n° 6.766/79 impõe uma interpretação sistemática dos artigos 4º, 17, 22 e 28 para reconhecer que a inalienabilidade de tais espaços, a sua transferência para o, domínio público e a obrigatoriedade do Município fiscalizar e respeitar os objetivos previstos na lei de parcelamento do solo, daí porque ´existe em relação a esses bens, uma espécie de separação jurídica entre o sujeito de direito da propriedade, o Município, e o seu objeto, a comunidade. Assim embora a norma jurídica em apreço se dirija ao loteador, retirando-lhe de forma expressa o poder de disponibilidade sobre as praças, ruas e áreas de uso comum, a razão de ser da norma, isto é, o seu espírito, cria limitações à atuação do Município, pois, a Administração que fiscaliza não pode violar a norma`. Por isso, se o objetivo da norma jurídica é vedar ao incorporador a alteração das áreas destinadas à comunidade, não faz sentido, exceto em casos especialíssimos, possibilitar à administração a fazê-lo. As referidas áreas foram colocada sob a tutela do Município para preservar os interesses dos administrados, principalmente os adquirentes dos lotes. A importância desse patrimônio público deve ser aferida em razão da importância de sua destinação tendo em vista sua função "ut universi"`."

Assim, parece equivocada a interpretação que invoca o pressuposto da discricionariedade do Administrador para justificar a não reserva de "área institucional" em determinado loteamento - com sua ocupação total - sob o frágil pretexto de que o interesse público dispensa mais espaços públicos naquele local. As normas aqui mencionadas não contemplam margem de discricionariedade pelo Administrador. Logo, em se tratando de reserva de "área institucional", não há espaço para juízo de conveniência ou oportunidade, de modo que o Poder Público não está autorizado a aprovar o parcelamento de forma diversa daquela prevista em lei, nem desafetar área institucional com base em fato posterior.

Nesse sentido defende a ilustre administrativista LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, para quem "é dever do Município o respeito a essa destinação, não lhe cabendo dar às áreas que, por força da inscrição do loteamento no Registro de Imóveis passaram a integrar o patrimônio municipal, qualquer outra utilidade. Não se insere, pois, na competência discricionária da Administração resolver qual a melhor finalidade a ser dada a estas ruas, praças, etc. A destinação já foi preliminarmente determinada." (Disciplina Urbanística da Propriedade, RT, 1980, p. 41).

Com base nesses argumentos, decidiu recentemente o Tribunal de Justiça Paulista, no julgamento dos Embargos Infringentes nº 680.260.5/6-01, Rel. Des. Regina Capristano, Câmara Especial de Meio Ambiente, julgado em 20/07/09, no qual se confirmou, à unanimidade, precedente segundo o qual, em tema de parcelamento e reserva de área institucional, "não existe discricionariedade contra a lei, consoante bem consignou o Des. Régis de Castilho Barbosa no AI n° 695.330.5/9-00, TJSP, 1ª Câm. de Direito Público, j. em 27/05/2008, p.m.v".

Em suma, ainda que já existentes outros equipamentos comunitários no local e haja outra região no Município mais carente de equipamentos comunitários, não é possível divorciar-se da regra de reserva de "área institucional" na propriedade objeto de parcelamento, sob pena de violação das leis urbanísticas aplicáveis à espécie.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COUTO, Sérgio A. Frazão do. Manual Teórico e Prático de Parcelamento Urbano. Editora Forense, 1981

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade, RT, 1980

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. Editora Malheiros. 16ª Edição. 2008


Notas

  1. Consideram-se urbanos os equipamentos públicos de abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado (art. 5º, parágrafo único).
  2. Consideram-se comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares (art. 4º, § 2º, da Lei Federal nº 6.766/79,).
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Sobre o autor
Fabrício Pereira de Oliveira

Pós-Graduado em Direito Público. Foi Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Itapetininga/SP (2009/2012) e Procurador do Município de Sorocaba/SP (2013/2018). Atualmente é Promotor de Justiça no Estado de São Paulo (desde 2018).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Fabrício Pereira. A indisponibilidade da reserva de "área institucional" no parcelamento do solo urbano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2549, 24 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15085. Acesso em: 24 nov. 2024.

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