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Controvérsia jurisprudencial em face do marco inicial para contagem do prazo prescricional nos casos de indébitos tributários.

Autoridade do Supremo Tribunal Federal nas questões constitucionais

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25/06/2010 às 00:00
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4. Perspectiva de constitucionalidade da norma interpretativa prevista na Lei Complementar 118/2005 ou de moderação dos efeitos das decisões do STJ: decisão do Tribunal com atribuição natural para resolver questões constitucionais

Conforme exposto neste trabalho, a contagem do prazo prescricional nos casos de restituição ou compensação de tributos pagos indevidamente é questão que sempre provocou celeumas interpretativas.

Havia fundadas dúvidas sobre o marco inicial para a contagem do prazo de prescrição quinquenal: se começava a fluir logo depois do pagamento indevido; ou, de outro modo, se o começava a correr apenas cinco anos após o pagamento indevido, resultando, na prática, em um prazo de dez anos.

Antes da vigência da Lei Complementar nº 118/2005, a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça concluía que o pedido de repetição do indébito, no caso de tributos sujeitos a lançamento por homologação, teria prazo prescricional de 10 anos, por força de uma interpretação conjunta dos artigos 150, § 4º e 168, I, do Código Tributário Nacional.

A questão sofreu alterações com a edição da Lei Complementar nº 118/2005, ao determinar, em seu artigo 3º, que,

[...] para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1996 - Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei.

O artigo 4º da lei complementar determinou que a norma interpretativa prevista no artigo 3º se aplicaria, conforme o art. 106, I, do CTN, aos atos e fato anteriores a sua vigência.

O Superior Tribunal de Justiça, mesmo sem declarar de forma direta a inconstitucionalidade da norma, construiu a tese, aplicada de forma pontual em cada julgamento, de que a aplicação da norma a fatos anteriores a vigência da lei complementar ofenderia o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (art. 2º da Constituição Federal) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (art. 5º, XXXVI da Constituição Federal). Não houve, contudo, declaração forma de inconstitucionalidade da norma.

Instado a se pronunciar sobre essas decisões, o Supremo Tribunal Federal entendeu que, ao afastar a incidência da norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios diversos extraídos da Constituição, o STJ, na verdade, declarou a inconstitucionalidade da norma, embora sem o explicitar. Em conseqüência, o Supremo impôs ao STJ a obediência à norma do artigo 97 da Constituição Federal, determinando que fosse cumprida a "cláusula de reserva de plenário".

Obedecendo a decisão do STF, o Superior Tribunal de Justiça suscitou e acolheu incidente de inconstitucionalidade, consolidando o entendimento de que a norma interpretativa da Lei Complementar nº 118/2005 só seria aplicada aos pagamentos indevidos ocorridos após a vigência da lei.

Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal iniciou a análise do mérito da questão constitucional.

Neste ponto, reitera-se que a Constituição Federal confere ao Supremo Tribunal Federal a guarda da Constituição, cabendo-lhe, além da competência exclusiva para declarar a inconstitucionalidade no controle concentrado repressivo, a competência de órgão máximo revisor das decisões de todos os demais órgãos judicantes que praticam o controle de constitucionalidade difuso.

Assim, não há decisão definitiva, quando a questão é constitucional, antes do julgamento do Supremo Tribunal Federal.

No caso, o julgamento do Supremo ainda não concluído, faltando o voto de um Ministro (que pode ser somados ao voto do Presidente, se houver empate), mas já existe maioria consolidada no sentido de alterar a tese vencedora no STJ.

Dos onze Ministros do STF, quatro se posicionaram pela constitucionalidade plena da norma que determinou a retroatividade; quatro Ministros, incluindo a Relatora, reputaram a norma inconstitucional, mas entenderam que deveria ser aplicada a todas as ações ajuizadas depois da sua vigência; e apenas um Ministro ratificou a conclusão do STJ.

Formado esse panorama, independentemente dos votos faltantes – um, exceto se houver um improvável empate -, o Supremo adotará uma entre duas teses: declarará constitucional a norma; ou, ainda que declare inconstitucional a retroatividade plena da norma, entenderá que a norma aplica-se a todas as ações ajuizadas depois de sua vigência, realizando uma interpretação moderada,

A posição moderada da Ministra Relatora altera significativamente a tese vencedora no STJ.

O Superior Tribunal de Justiça consagrou uma tese radical, entendendo que a norma só seria aplicada aos pagamentos indevidos posteriores a sua vigência. Negou, portanto, qualquer irretroatividade à norma interpretativa.

A tese do STJ afastou a aplicação da norma interpretativa à maioria das ações em tramitação; enquanto a posição da Ministra Relatora, ainda que não dê provimento integral ao recurso, garante a aplicação da norma a todas as ações ajuizadas após a vigência da lei complementar, independente da época do pagamento indevido.

Deve ser ressaltado que quatro Ministros consideraram plenamente constitucional a retroatividade da norma, divergindo totalmente da orientação do STJ.

Em relação à posição moderada, é importante mencionar que o STF possuía precedente ao menos semelhante ao presente caso, conforme exposto pela Ministra Relatora, que se reportou à Súmula nº 445 do STF ("A Lei nº 2.437, de 7-3-55, que reduz prazo prescricional, é aplicável às prescrições em curso na data de sua vigência (1º-1-56), salvo quanto aos processos então pendentes"), acrescentando que, ainda que a vacatio legis estabelecida pela LC 118/2005 fosse menor do que a prevista na Lei nº 2.437/55, objeto da citada súmula, deveria ser considerada a facilidade de acesso, nos dias de hoje, à informação quanto às inovações legislativas e repercussões, sobretudo, via internet.

Caberia ao STJ, mesmo declarando inconstitucional a norma, moderar sua aplicação, seguindo a jurisprudência sumulada do Supremo, citada pela Relatora. Em todo caso, caberia aos demais órgãos do Poder Judiciário continuar analisando livremente a questão, já que não é competência do STJ dar a última palavra na análise da adequação de normas legais à Constituição Federal.

O fato de ser Tribunal revisor localizado no cume da pirâmide não concede ao STJ uma preeminência em todas as questões. A Constituição Federal delimita de forma clara a competência dos Tribunais especiais, cabendo ao Supremo a decisão final nas questões constitucionais; e ao Superior Tribunal de Justiça, de forma primordial, a função de unificar a interpretação da legislação federal – desde que não envolva a análise de normas constitucionais.

E não há que se falar de superioridade hierárquica do Supremo Tribunal Federal, mas, sim, de preeminência relativa, dentro dos limites de competência determinados pela Constituição.

Quando a questão envolve a análise de norma constitucional, a decisão do STJ não tem maior relevância que a dos demais Tribunais, podendo até servir como indicativo, mas não como dogma. Nesses casos, a decisão do Superior Tribunal de Justiça traz uma segurança jurídica apenas aparente, mas longe de ser verdadeira.

Mesmo que o STJ sedimente determinada posição com base em normas constitucionais, cabe discuti-la, em todos os seus aspectos, porque a decisão final é, sempre, do Supremo Tribunal Federal.

Reitere-se que, tratando-se de questão constitucional, os precedentes do STJ não devem servir de orientação dogmática, porque não se trata do Tribunal legitimado pela Constituição para fazer a análise da questão de forma definitiva. A interpretação de questões constitucionais feitas pelo STJ é meramente indicativa, devendo ter aplicação jurisprudencial restrita ao próprio Tribunal.

Pode parecer que a delimitação constitucional das competências do STF e do STJ é conceito elementar no Direito Constitucional brasileiro: e teoricamente o é, mas não é o que ocorre na prática forense. No caso, a interpretação de uma norma legal pelo STJ, em face da Constituição, tornou-se praticamente vinculatória na jurisprudência, servindo de norte indiscutível – até que o Supremo Tribunal Federal enfrentou a questão.

Após corrigir o equívoco formal do STJ, que, efetivamente, declarara a inconstitucionalidade da norma interpretativa sem obedecer à cláusula de reserva de plenário, o Supremo Tribunal Federal está corrigindo a tese de mérito consagrada pelo STJ.

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Seja declarando plenamente constitucional a retroatividade da norma interpretativa ou limitando-a às ações ajuizadas depois do início da vigência da lei complementar, restará corrigida a posição do Superior Tribunal de Justiça.

A posição que prevalecerá, ao final, como tem que ser neste caso, é a do Supremo Tribunal Federal, que reafirma sua autoridade nas questões constitucionais.

Por fim, a conclusão que exsurge é a de que, nas questões constitucionais, até que ocorra o posicionamento definitivo do Supremo Tribunal Federal, não há jurisprudência, apenas precedentes.


Referências

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Sobre o autor
João Aurino de Melo Filho

Procurador da Fazenda Nacional, Especialista em Direito Público e Mestre em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO FILHO, João Aurino. Controvérsia jurisprudencial em face do marco inicial para contagem do prazo prescricional nos casos de indébitos tributários.: Autoridade do Supremo Tribunal Federal nas questões constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2550, 25 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15094. Acesso em: 26 abr. 2024.

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Título original: "Controvérsia jurisprudencial em face da norma interpretativa prevista na Lei Complementar nº 118/2005, que esclareceu o marco inicial para contagem do prazo prescricional nos casos de indébitos tributários: autoridade do Supremo Tribunal Federal nas questões constitucionais".

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