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A reelegibilidade do vice-prefeito para o cargo de prefeito:

uma contribuição

01/08/2000 às 00:00
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As decisões do Tribunal Superior Eleitoral, em sede de consulta, são tomadas sem que se estabeleça o contraditório, normalmente versando sobre tema novo, cuja finalidade é nortear a aplicação da legislação eleitoral pelas instâncias inferiores e pelo universo de interessados (partidos, candidatos, eleitores, etc.). Por serem respostas a questões novas, ainda não consolidadas, não raras vezes são modificadas pelo próprio TSE, ou mesmo pelo STF, em caso de matéria constitucional que lá chegue através da interposição de recurso extraordinário, em processos litigiosos instaurados para discutir a aplicação daquelas resoluções ao caso concreto, objeto da demanda.


Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral fez publicar três Resoluções, as quais respondiam consultas sobre a possibilidade ou não do Vice-Prefeito concorrer ao cargo de Prefeito, mesmo tendo substituído o titular nos seis meses antes do pleito.

Essas questões foram respondidas do seguinte modo pela colenda Corte Superior Eleitoral:

"Resolução 20.587, de 28.03.2000.

          Relator: Nélson Jobim.

          Ementa: Vice-Prefeito. Substituição. Seis meses anteriores às eleições. O Vice-prefeito que substitui o titular nos 6 meses anteriores ao pleito fica inelegível para o cargo de prefeito.

DJU de 11.4.2000."

"Resolução nº 20.462, de 31.8.99

Relator: Maurício Corrêa.

          Ementa: Vice-Governador que suceder o titular poderá candidatar-se ao cargo de Governador para um único período subseqüente (CF, art.14, § 5º, modificado pela Emenda Constitucional nº 16/97)".

"Resolução nº 20.148, de 3103.98

          Relator: Eduardo Alckmin.

          Ementa: Vice-Governador que substituir o titular a qualquer tempo do mandato poderá candidatar-se ao cargo de Vice-Governador.

Vice-Governador que suceder o titular a qualquer tempo do mandato poderá candidatar-se ao cargo de Vice-Governador."

Analisando as três ementas de Resoluções do TSE, em resposta a consultas feitas sobre o tema, não há dúvidas da coerência das diversas soluções dadas. Porém, nos é lícito indagar qual o fundamento comum a essas respostas e, apreendida a medula do raciocínio judicial, confrontá-la com outras decisões do TSE, de modo a perceber se, diante de casos de fronteira, a Corte Eleitoral se houve fiel ao eixo desse mesmo raciocínio.

Na Resolução nº 20.148, o então Min. Eduardo Alckmin, estribou sua argumentação no art.14, § 5º da Constituição Federal, com a nova redação dada pela Emenda nº 16/97, bem como no art.1º, § 2º da LC 64/90. Com base nesses preceitos, a Assessoria Especial do Ministro asseverou: "(...) o vice, que substituiu ou sucedeu o titular no semestre anterior às eleições, somente poderá disputar a reeleição: reeleição ao cargo do titular, em caso de sucessão, e reeleição ao cargo de vice, em caso de substituição". Mais adiante afirmou: "Depreende-se, pois, da ratio constitucional, que a sucessão dar-se-á ocorrendo a vacância ao cargo e a substituição em hipóteses de impedimento de caráter temporário do Chefe do Poder Executivo Federal". Finalmente, concluiu: "Neste sentido, inexiste inelegibilidade do Vice-Governador que houver substituído, venha a substituir ou esteja substituindo o Governador do Estado - inclusive na data do pleito eleitoral - e que intente concorrer à reeleição de vice, vez que, efetivamente, ainda é detentor daquele mandato". (grifei). Com base nessa fundamentação, a Assessoria Especial chegou à seguinte resposta: "(...) o Vice-Governador que sucedeu o Governador, renunciou à condição de vice para erigir-se à de titular, termos em que poderá disputar a reeleição para o cargo no qual se encontra atualmente empossado - o de Governador. Contudo, encontra-se impedido, por força do disposto no § 2º, do art.1º da Lei Complementar nº 64/90, de disputar nova eleição, e não reeleição, para o cargo de Vice-Governador, a menos que se desincompatibilize no prazo legal" (novamente grifei).

O Ministro Eduardo Alckmin esposou o mesmo entendimento da Assessoria Especial, fundamentando o seu voto, no que aqui nos interessa, da seguinte forma: "(...) é possível ao Vice-Governador que substituir o Governador nos seis meses antes do pleito, mesmo estando no exercício do cargo na data da eleição, candidatar-se ao cargo de Vice-Governador". E prosseguiu: "(...) não tendo o Vice permanecido no cargo, não se pode falar em reeleição para o cargo do qual não é mais titular" (grifei).

Observe-se, por ser importante, que o raciocínio comum à Assessoria Especial e ao Ministro Relator tem o mesmo assoalho: o fundamental, para se concorrer à reeleição, é estar na titularidade do cargo, não necessariamente no seu exercício. É por isso que a Assessoria Especial frisou que o vice que sucedesse o Governador não poderia disputar a reeleição de vice porque já não mais se encontrava empossado nesse cargo.

As outras duas Resoluções do TSE, acima citadas, nada mais fazem que reproduzir os fundamentos assentados nessa Resolução nº 20.148, de 31.3.98.

Há, todavia, uma outra Resolução do TSE muito importante para uma maior compreensão do problema aqui enfocado: trata-se daquela de número 20.114, de 10.3.98, tendo por relator o Min. Néri da Silveira. Nesse aresto, o TSE respondia a uma consulta sobre a possibilidade de o Governador, que renunciasse seis meses antes da eleição, concorrer novamente ao mesmo cargo.

A Procuradoria Geral Eleitoral, em parecer parcialmente reproduzido no corpo da Resolução, colocou a questão no campo da inexistência de incompatibilidade, de modo que o Governador não precisaria se desincompatibilizar, lembrando que o TSE nunca havia "(...) vinculado a reeleição à permanência no cargo ou que semelhante procedimento se constituiria em condição imperativa e não mera faculdade para o titular".

Com esse entendimento, o Min. Néri da Silveira lembrou que poderia o Governador que havia renunciado, e o Vice, que lhe sucedera, saírem ambos concorrendo à reeleição. Afirmou ele: "Dir-se-á que, em decorrência disso, poderiam concorrer o sucessor do renunciante, então no exercício do cargo, postulando reeleição, eis que titular do mandato, à data do pleito, e quem ex-titular do mesmo cargo, no período que expira. Decerto, essa conseqüência poderá ocorrer (...)".

Houve voto divergente, vencido, do Ministro Nilson Naves. Raciocinando com os fundamentos das Resoluções acima citadas, obtemperou ele: "Na hipótese da consulta, a concorrência não deixa de ser a título de reeleição. Mas a reeleição pressupõe permanência no cargo; quem dele se afasta, em termos de renúncia (renuncia ao cargo), a ele não se volta por reeleição, pois reeleger-se é tornar a se eleger, e não se reelege quem já deixou o cargo. Pode voltar a ocupar o mesmo cargo, sem dúvida que pode, mas em circunstância diversa, que não se adapta à dicção do aludido § 5º" (grifos originais).

Ressumbra, de conseguinte, que aqui foi rejeitado o argumento que deu arrimo às Resoluções outras do TSE. Enquanto naquelas, para a reeleição, se fazia necessário a titularidade do cargo, independentemente do seu exercício, nessa Resolução o que importa é o ter ocupado o cargo como titular, mesmo que tenha depois renunciado, não possuindo com o cargo qualquer vínculo jurídico no momento da eleição. Mas tal regra não valeria para o vice. De fato, segundo a Resolução nº 20.148, se o vice suceder o titular, perde a condição de vice, de modo que apenas poderá concorrer à reeleição de titular, não mais de vice. A renúncia do cargo implicaria para o vice a impossibilidade de concorrer à reeleição a vice (já titular de um novo mandato, não poderia concorrer ao outro cargo de vice, mas apenas ao mesmo cargo que hoje ocuparia); não assim para o titular, que mesmo renunciando poderia concorrer à reeleição para o cargo que renunciou.

Há suporte jurídico para uma conclusão desse jaez?

É de se notar, por primeiro, que a linguagem empregada nas Resoluções do TSE já traz um vício que empana todo o raciocínio. De fato, fala-se todo o tempo em vice e em titular do cargo, sem a percepção que também ele, o vice, é titular do cargo de vice. Afinal, não se pode confundir o vice, como suplente do titular do mandato principal, com o suplente de Senador da República, que não possui mandato nem cargo, senão na hipótese de substituir ou suceder o titular. O vice, diferentemente, ocupa um cargo e recebe remuneração pelo exercício do seu mandato. É, nesse sentido, titular de um mandato eletivo, diverso do mandato eletivo principal. Vale dizer, a acessoriedade do mandato de vice não implica em que não seja ele um mandato diferenciado: com o mandato do titular não se confunde.

Tão diversos são os cargos de Presidente e Vice, Governador e Vice, e Prefeito e Vice, que havia uma preocupação, ao tempo da regra da irreelegibilidade para cargos eletivos do Poder Executivo, de impedir que o Prefeito, por exemplo, se candidatasse a Vice para o período subseqüente. A Resolução nº 17.996, de 02.4.92, em resposta à consulta formulada sobre a possibilidade de o Prefeito Municipal, afastando-se do cargo no período determinado por lei, sair candidato a Vice-Prefeito na legislatura subseqüente à sua, respondeu imperativamente: "Não é permitido ao Prefeito Municipal ser candidato a Vice-Prefeito na legislatura subseqüente à sua, uma vez que violaria o princípio da irreelegibilidade". Vale dizer, embora sejam reputados diferentes os cargos eletivos, dada a ligação onfálica entre ambos, restava o Prefeito impedido de concorrer ao outro cargo de Vice-Prefeito, em razão do princípio da irreelegibilidade.

Essa razão pela qual profligamos, desde a 2ª edição da nossa obra (cujo título era "Teoria da Inelegibilidade e o Direito Processual Eleitoral, Belo Horizonte: Del Rey, p.123 et seq.) contra a interpretação literal do novel texto do § 5º do art.14 da CF/88, apegada às expressões "mesmo cargo" e "outro cargo". Tais expressões, apenas por si, mas encobrem do que explicam.

Nem sempre a titularidade importa exercício. Já o dissemos, e as resoluções do TSE o confirmam, que o Vice-Governador que assumir o cargo do titular interinamente, ainda que esteja no seu exercício, dele não é titular. Todavia, praticará todos os atos na qualidade de Governador em exercício, sem limites legais algum. Já houve caso - e por certo tem havido - em que o Vice passa quase todo o mandato no exercício da titularidade. Isso recentemente houve em Alagoas, como em tempos de antanho houve em Minas Gerais, consoante nos dá notícia o Acórdão-TSE nº 1.325, de 01.2.1955 (vide BEL - Boletim Eleitoral, vol. 54, p.440), com a seguinte ementa:

"Prefeito que exerceu o mandato durante um período, foi a seguir eleito vice-prefeito e, tendo exercido a prefeitura, como substituto, até seis meses antes do pleito para o terceiro período consecutivo, pretendeu candidatar-se a prefeito para este terceiro período. Inelegibilidade.

Fraude à lei.

Inelegibilidade reconhecida, uma vez que o candidato praticou aquela modalidade de fraude à lei, que consiste no fato astucioso de alguém abrigar-se atrás da rigidez de um texto, para produzir resultados contrários ao seu espírito.

Recurso conhecido, mas desprovido." (grifei)

Nessa época havia eleição independente para o cargo de prefeito e vice-prefeito. Já naquela quadra se fazia necessário invocar a irreelegibilidade do prefeito para o cargo de vice-prefeito. Ainda que outro fosse o cargo, a regra da irreelegibilidade se fazia aplicar, para evitar a fraude à lei, tal qual se fará aplicar, desse mesmo modo, hoje.

Então, o princípio da irreelegibilidade para um terceiro mandato consecutivo ficaria comprometido se o titular saísse candidato a vice, buscando, desse modo, perpetuar-se no poder. E aqui não se poderá argumentar com o jogo lingüístico do "outro" ou do "mesmo" cargo, como se tais expressões fossem a chave hermenêutica de todos os problemas.

O mais grave dessa celeuma toda, tem sido a utilização equivocada do preceito estampado no § 2º do art.1º da LC 64/90, cuja interpretação vem a amesquinhar a possibilidade de o Vice-Prefeito que substituir o titular, nos seis meses anteriores à eleição, sair candidato à reeleição de Prefeito.

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Ora, esse preceito fora redigido ao tempo do princípio da irreelegibilidade para os cargos do Poder Executivo. Logo, ele não poderia ser aplicado em consórcio com o novel § 5º do art.14 da CF/88, sem os devidos cuidados quando da sua interpretação.

Quando aquela norma proibia o vice, que houvesse sucedido ou substituído o titular nos seis meses antes do pleito, de candidatar-se a outros cargos, inclusive preservando o seu mandato de vice, não subsumia ao conceito de outro cargo o de Prefeito, pela simples razão de que tal possibilidade era de todo vedada pelo princípio da irreelegibilidade. Aqui, mais uma vez, pouco importava se o cargo de vice era reputado outro cargo: a norma o tratava como se fora o mesmo.

Mais uma importante observação.

Há ainda, sobre esse tema, a disposição prevista no § 7º do art.14 da CF/88. A regra da incompatibilidade dos parentes do titular do cargo (ou porque eleito ou na qualidade de sucessor), na circunscrição do pleito, é idêntica à dos parentes de quem apenas substituiu o titular. Essa norma, consoante já havia eu próprio assentado, serve de espeque para justificar a possibilidade de o Presidente da Câmara Municipal, e.g., que vier a substituir o Prefeito nos seis meses antes da eleição, se candidatar à reeleição de Vereador, conforme jurisprudência do próprio Tribunal Superior Eleitoral:

"Inelegibilidade. Substituição de Prefeito. Presidente de Câmara Municipal. Reeleição.

Vereador que, na qualidade de presidente da Câmara Municipal, substitui o Prefeito nos seis meses anteriores ao pleito, não se torna inelegível para disputar a reeleição ao cargo de vereador, porque amparado pela regra da CF, art.14, parágrafo 7º.

Recurso especial não conhecido."

(Acórdão-TSE nº 11.041, de 152.1990. Relator: Min. Sydney Sanches, in: RJTSE, vol.1, t.1, p.195)

Essa norma do § 7º do art.14 da CF/88, ao tempo da originária redação do § 5º do mesmo art.14, que previa a irreelegibilidade, não podia ser invocada pelos vices, pois a eles se aplicava a irreelegibilidade para o mesmo cargo de vice e a irreelegibilidade para o outro cargo de Prefeito, ou Governador, ou Presidente da República.

Para finalizar nossa análise, é curial trazer à baila, por analogia, o preceito do § 1º do art.8º da Lei nº 9.504/97, que prevê a candidatura nata para os detentores do mandato eletivo do Parlamento, bem como para aqueles que tenham exercido esses cargos em qualquer tempo da legislatura. Ou seja, o exercício do cargo habilitaria o substituto, ainda que por poucas horas, a garantir o direito de ser indicado em convenção partidária.

De tudo quanto foi analisado e exposto, concluímos o seguinte: (a) para se candidatar à reeleição não é necessário estar na titularidade ou no exercício efetivo no mandato, desde que o tenha exercido durante aquela legislatura, ou como titular, ou como sucessor ou como substituto; (b) o Vice que suceder o titular pode sair apenas candidato à reeleição do cargo que sucedeu, não podendo concorrer à reeleição de Vice, não tanto por ter renunciado ao cargo, mas para evitar a fraude ao princípio da irreelegibilidade ao terceiro mandato subseqüente; (c) o Vice que substituir o titular pode sair candidato à reeleição de Vice ou à reeleição do mandato principal, em cujo exercício se houve.

Penso que tais asserções melhor se afeiçoam ao novel sistema das incompatibilidades, introduzido pela incidência do § 5º do art.14 da CF/88, com a redação que lhe deu a EC nº 16/97, superando as soluções conflitantes que a jurisprudência se verá enredada se persistir na interpretação limitada às expressões "mesmo cargo" e "outro cargo", consoante sobejamente exposta acima.

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Sobre o autor
Adriano Soares da Costa

Advogado. Presidente da IBDPub - Instituição Brasileira de Direito Público. Conferencista. Parecerista. Contato: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Adriano Soares. A reelegibilidade do vice-prefeito para o cargo de prefeito:: uma contribuição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1511. Acesso em: 22 dez. 2024.

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