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Sigilo de dados cadastrais bancários e telefônicos e o poder geral de polícia

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05/07/2010 às 17:30
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6. Dados cadastrais telefônicos

Dados cadastrais telefônicos são as informações relativas ao proprietário de determinada linha telefônica (nome completo, número da linha de telefone, CPF, RG e endereço).

Devemos distinguir "comunicação telefônica", protegida por sigilo (artigo 5º, XII da Constituição da República) e acessível somente mediante autorização judicial (nos termos da Lei 9.296/96), de "dados cadastrais telefônicos", que são as informações mínimas sobre o proprietário da linha telefônica com finalidade de especificar o consumidor do serviço e cujo acesso não depende de autorização judicial. Como visto alhures, a mencionada proteção constitucional resguarda tão somente a comunicação, sendo possível a requisição de dados cadastrais diretamente pelo Delegado de Polícia, com fundamento no artigo 6º, III do CPP.

Nessa linha de raciocínio:

MANDADO DE SEGURANÇA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. SIGILO TELEFÔNICO. PEDIDO DE INFORMAÇÃO. CADASTRO DE USUÁRIO DE OPERADORA DE TELEFONIA MÓVEL. DELEGACIA DE POLÍCIA FEDERAL. INQUÉRITO. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. DIREITO DE INTIMIDADE. NÃO-VIOLAÇÃO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INEXISTÊNCIA.

1. Havendo inquérito policial regularmente instaurado e existindo necessidade de acesso a dados cadastrais de cliente de operadora de telefonia móvel, sem qualquer indagação quanto ao teor das conversas, tal pedido prescinde de autorização judicial.

2. Há uma necessária distinção entre interceptação (escuta) das comunicações telefônicas, inteiramente submetida ao princípio constitucional da reserva de jurisdição (CF, art. 5º, XII) de um lado, e o fornecimento dos dados (registros) telefônicos, de outro.

3. O art. 7º da Lei 9.296/96 – regulamentadora do inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal – determina poder, a autoridade policial, para os procedimentos de interceptação de que trata, requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público. Se o ordenamento jurídico confere tal prerrogativa à autoridade policial, com muito mais razão, confere-a, também, em casos tais, onde pretenda-se, tão-somente informações acerca de dados cadastrais.

4. Não havendo violação ao direito de segredo das comunicações, inexiste direito líquido e certo a ser protegido, bem como não há qualquer ilegalidade ou abuso de poder por parte da autoridade apontada como coatora". [22]

RECURSO – INTERESSE – CONHECIMENTO – COMPANHIA DADOS CADASTRAIS – SIGILO INEXISTENTE – OBRIGAÇÃO DE EXIBIR – SUCUMBÊNCIA – INCIDÊNCIA.

1. Pretendendo a recorrente a modificação da decisão singular, para dela excluir sua condenação nos ônus da sucumbência e, ainda, para fixar seu direito de manter o sigilo de seus cadastros, presente se faz o interesse de recorrer, o que autoriza o conhecimento da apelação.

2. Precisando parte de dados existentes em companhia telefônica para instruir possível ação criminal, tem ela a obrigação de os fornecer, não estando protegida pela inciso XII, do artigo 5º, da Constituição Federal.

3. A parte que sucumbe tem que suportar os ônus da sucumbência, nos exatos termos do artigo 20 do CPC, não importando que a parte adversa esteja atendida pela Defensoria Pública. [23]

"Em último nível, encontram-se os dados cadastrais dos usuários, entendidos como nome, endereço, telefone, RG e CPF (ou CNPJ). Tais elementos são de natureza objetiva e dizem respeito ao próprio exercício da cidadania e, em regra, não estão na esfera de proteção do art. 5º, X e XII, da Constituição Federal. Logo, a nosso ver, o seu fornecimento, sobretudo aos órgãos do Estado, prescinde de prévia autorização judicial." [24]

Outros argumentos utilizados para justificar o descumprimento à requisição policial são dispositivos constantes na Lei nº 9.472/97, que disciplina a organização dos serviços de telecomunicações, e na Lei nº 10.703/03, que dispõe sobre o cadastramento de usuários de telefones celulares pré-pagos. Porém, tais justificativas são equivocadas.

O inciso VI do artigo 3º da Lei nº 9.472/97, prescreve que o usuário de serviços de telecomunicações tem direito a não divulgação, caso requeira, de seu código de acesso. No entanto, tal direito se destina a não divulgação ao público em geral, através de lista de assinantes. O inciso IX do artigo 3º da mesma lei enuncia que o usuário do serviço telefônico tem direito "ao respeito de sua privacidade nos documentos de cobrança e na utilização de seus dados pessoais pela prestadora do serviço". Ou seja, a operadora de telefonia está impedida de utilizar comercialmente os dados de seus clientes, prática comum entre empresas. Assim, em ambas as situações, havendo investigação criminal em curso, prevalece a norma constante no inciso III do artigo 6º do Código de Processo Penal.

Já a Lei nº 10.703/03, em seu artigo 1º, parágrafo terceiro, prescreve que "Os dados constantes do cadastro, salvo motivo justificado, deverão ser imediatamente disponibilizados pelos prestadores de serviços para atender solicitação da autoridade judicial, sob pena de multa de até R$ 10.000,00 (dez mil reais) por infração cometida". E com base nessa menção à "solicitação judicial", alguns sustentam que o fornecimento dos dados cadastrais telefônicos seria condicionado a autorização judicial. Todavia, tal entendimento não prospera quando é realizada uma interpretação sistemática e teleológica da norma. O dispositivo não estabelece a requisição exclusiva pelo juiz; ao contrário, em seu artigo 3º, a lei estatui a possibilidade da requisição de dados cadastrais telefônicos pelo Delegado de Polícia. Além disso, o escopo da lei foi facilitar o acesso aos dados cadastrais telefônicos, para prontamente serem identificados autores de delitos.

Nesse sentido:

"Com relação ao inciso VI, diz respeito à não divulgação do número de telefone do usuário e, como é sabido, sempre teve por finalidade retirar o nome do assinante da lista telefônica. A restrição, desse modo, destina-se a impedir que o número do telefone do usuário seja disponibilizado para consulta pública (lista impressa, internet e 102). A restrição normativa, portanto, não tem por finalidade e muito menos o condão de impedir que os órgãos de persecução penal tenham acesso aos dados cadastrais dos usuários. De igual forma, o inciso IX não impede o acesso dos órgãos do Estado aos dados pessoais dos usuários, mas sim lhes confere o direito de ter sua privacidade respeitada nos documentos de cobrança e de que os seus dados pessoais não sejam utilizados indevidamente pela prestadora de serviço. (v.g. veda o compartilhamento de cadastro entre empresas). O art. 72, por sua vez, não se refere aos dados cadastrais do usuário, mas sim às informações relativas à utilização individual do serviço (ex: registro das chamadas telefônicas), questão que não pode ser confundida com a pretensão exposta na inicial, conforme acima explicitou-se. Deste modo, é possível asseverar que os arts. 3º, incisos V, VI, IX e XII, 72 e §§, da Lei nº 9.472/97 não impedem que os dados cadastrais dos usuários do serviço de telefonia móvel e fixa (nome, número do telefone, endereço, RG e CPF/CNPJ) sejam fornecidos sem prévia autorização judicial ao Ministério Público e às Polícias. Em verdade, o disposto no art. 3º, VI e IX visa proteger o usuário da bisbilhotice de terceiros (particulares e empresas) na medida em que impede a concessionária de divulgar o seu número de telefone ao público e compartilhar os seus dados cadastrais." [25]

"Por óbvio, a solicitação do usuário para que seus dados não sejam publicados dá-se por questões de privacidade, pelo intuito deste de não ver seu nome e endereço expostos, ao alcance de qualquer pessoa ou empresa. Diferente é a situação de acessos a esses dados em razão de investigação. Não se pode crer que o usuário de telefonia, ao requerer que seus dados não sejam disponibilizados, pretenda furtar-se a eventuais investigações civis ou criminais por parte do Ministério Público ou da autoridade policial. Mesmo que tal fosse o intuito, este não poderia ser acatado pelas empresas de telefonia, sob pena de obstrução da atividade investigatória e da própria Justiça." [26]

"Do exame da legislação supra, dessumem-se as seguintes conclusões: 1) o art. 1º, § 3º da Lei 10.703/03 estabelece o dever de atender à solicitação de autoridade judicial, sob pena de multa, mas não assegura que somente o Juiz teria exclusividade de requisitar tais informações. Inclusive, o art. 3º da referida lei dispõe que "os prestadores de serviços de que trata esta Lei devem disponibilizar para consulta do juiz, do Ministério Público ou da autoridade policial, mediante requisição, listagem das ocorrências de roubos e furtos de aparelhos de telefone celular, contendo nome do assinante, número de série e código dos telefones."; 2) não existe na legislação constitucional ou infraconstitucional regra expressa de que somente o Juiz estaria autorizado a requisitar tais dados; 3) estas entidades estão obrigadas nas suas atividades a manter o sigilo dos dados for força de dever legal e contratual, não podendo divulgá-las a terceiros sem justa causa. Outrossim, compete às autoridades coletar dados a fim de instruir as investigações, sendo a requisição de dados um poder inerente às suas funções, respeitadas as garantias constitucionais (inviolabilidade do domicílio, do sigilo e etc.)." [27]

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Vê-se, deste modo, que a Lei nº 10.703/03 não teve por escopo criar qualquer obstáculo ao acesso aos dados cadastrais dos usuários da telefonia móvel pré-paga. Ao contrário, sua finalidade foi a de possibilitar às autoridades competentes (Policias, Ministério Público e Poder Judiciário), durante a investigação criminal e a instrução processual penal, assim como nas outras modalidades de telefonia (móvel pós-paga e fixa), o acesso aos dados do usuário. Neste contexto, resta evidenciando que a Lei nº 10.703/03 não veio para restringir o acesso das autoridades aos dados cadastrais dos usuários da telefonia móvel ou fixa; muito antes pelo contrário, veio, em verdade, possibilitar que, assim como nas demais modalidades, os usuários da telefonia móvel pré-paga fossem facilmente identificados (nome, endereço, número do telefone, RG e CPF ou CNPJ). [28]

Destarte, não sendo os dados cadastrais telefônicos protegidos pelo inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal ou pelas Leis nº 9.472/97 e nº 10.703/03, e não havendo em nosso ordenamento jurídico qualquer previsão no sentido do acesso a dados cadastrais telefônicos necessitar de ordem judicial, prevalece o poder geral de polícia, permitindo a requisição direta de tais informações pela Autoridade Policial.


7. JURISPRUDÊNCIA

Devemos ressaltar que não há jurisprudência pacífica sobre o assunto. Contudo, os julgados mais recentes apontam para a possibilidade da requisição policial, excluindo dados cadastrais telefônicos ou bancários do âmbito do sigilo. Já os julgados em sentido contrário, via de regra, sustentam que essas espécies de dados cadastrais são protegidas pelo sigilo bancário ou telefônico.

Na Seção Judiciária de Sergipe foi prolatada sentença em ação civil pública favorável ao fornecimento de dados cadastrais telefônicos sem a necessidade de autorização judicial. A parte dispositiva da sentença determina:

"1) as operadoras de telefonia e suas sucessoras ficam obrigadas a atender às requisições efetuadas pelos Delegados Federais ou membros do Ministério Público Federal, que exerçam as suas funções no âmbito dos Estados integrantes da 5ª Região, para o fornecimento de dados dos usuários constantes em seus cadastros, desde que sejam observadas as seguintes condições:

1.1) os dados requisitados se restrinjam a nome, filiação, RG, CPF, endereço e número do telefone;

1.2) em nenhuma hipótese, conterão registros de ligações telefônicas, nº de conta bancária, comprovante de renda ou qualquer outro dado, que possam expor a privacidade do indivíduo;

1.3) a requisição deverá ser individual (para cada pedido), em papel com o timbre da Instituição, assinada pela autoridade devidamente identificada, conterá telefone ou email para confirmação da autenticidade e fará referência a um inquérito ou procedimento investigatório em curso; (...)" [29]

Na Seção Judiciária do Rio Grande de Sul também foi prolatada sentença em ação civil pública favorável ao fornecimento de dados cadastrais telefônicos sem a necessidade de autorização judicial. A parte dispositiva da sentença determina:

"(a) determinar que as operadoras-rés e suas sucessoras forneçam ao Ministério Público Federal, ao Ministério Público Estadual, à Polícia Federal, à Polícia Civil Estadual e à Autoridade Policial Judiciária Militar, independentemente de prévia autorização judicial, o nome, o endereço, o número do telefone, o RG e o CPF (ou CNPJ) dos usuários de qualquer modalidade de telefonia fixa e móvel no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, quando requisitados ou requeridos tais dados cadastrais, desde que fornecido um dos elementos acima e exista inquérito policial, inquérito civil ou outro procedimento administrativo investigativo instaurado, sob pena de multa cominatória de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para cada descumprimento injustificado;" [30]

Ainda, nas Seções Judiciárias de São Paulo [31] (dados cadastrais bancários) e Bahia [32] (dados cadastrais telefônicos) foram propostas outras ações civis públicas sobre o tema.

Todavia, não há sentença com trânsito em julgado, sendo certo que a controvérsia apenas será dirimida com o posicionamento do STF (esse está prestes a pronunciar-se sobre a matéria - dados cadastrais telefônicos - no recurso extraordinário nº 543008).

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Sobre o autor
Bruno Titz de Rezende

Delegado de Polícia Federal, graduado e pós-graduado (mestre em Direito Penal) pela PUC-SP. Autor do livro "Lavagem de dinheiro" (editora Saraiva).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REZENDE, Bruno Titz. Sigilo de dados cadastrais bancários e telefônicos e o poder geral de polícia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2560, 5 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15136. Acesso em: 19 nov. 2024.

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