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Os analfabetos e a prostituta

01/09/2000 às 00:00

Resumo:


  • Eleições municipais em Belém marcadas por cruzada contra candidatos analfabetos e coragem cívica de candidata profissional do sexo.

  • Constituição brasileira nega direito de ser votado a analfabetos, contradizendo princípio de igualdade cidadã proclamado por Julien Freund.

  • Analfabetismo não deve impedir candidatura; é mais relevante a honestidade do que o nível de instrução, como exemplificado por candidata assumidamente "profissional do sexo".

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A mesmice do horário eleitoral gratuito não obscurece o fato de que as eleições municipais em Belém já estão marcadas por dois fatos importantes, que merecem reflexão: a cruzada contra os candidatos analfabetos e a coragem cívica de uma candidata assumidamente "profissional do sexo".

Os direitos políticos exteriorizam-se de duas formas: o direito de votar ("jus sufragii") e o direito de ser votado ("jus honorum"). A cidadania pressupõe igualdade. Julien Freund, em A Essência da Política, proclamou uma verdade absoluta: "Ninguém poder ser mais cidadão do que o outro".

O legislador brasileiro não leu o mestre francês. A Constituição de 1988 negou ao analfabeto o direito de ser votado, mas conferiu-lhe o direito de votar. Isso não representa um avanço, pois a Emenda Constitucional nº 25, de 16 de maio de 1985, já assegurava ao analfabeto, na Carta de 1967, o direito de votar.

"A lei brasileira só deu ao analfabeto metade dos direitos políticos" – disse, com ironia, José Cretella Júnior. Quer dizer: entre nós, o analfabeto é só metade cidadão. Estamos mais atrasados do que a Polônia e a Bulgária, que consideram elegíveis os analfabetos, que, lá como cá, constituem boa parcela da população e merecem ser representados, como os demais segmentos.

Que prevaleça a plenitude dos direitos políticos positivos, de votar e ser votado. A concentração desses direitos no indivíduo é que o faz cidadão. A interpretação das normas relativas aos direitos políticos deve considerar a amplitude do direito de votar e ser votado; as regras restritivas desses direitos é que "hão de entender-se nos limites mais estreitos de sua expressão verbal", ensina José Afonso da Silva em seu Curso de Direito Constitucional Positivo.

Nem a Constituição nem as leis definem o analfabeto. Não se queira confundi-lo com o semi-alfabetizado ou o de pouca instrução. A lei exige que o candidato saiba ler e escrever, mas não que tenha o "domínio pleno" da língua portuguesa nem este ou aquele grau de instrução. Analfabetismo não é sinônimo de ignorância. Há muito apedeuta com diploma de nível superior. Se é para fazer testes, que se faça um que afira a honestidade do candidato. É melhor um analfabeto honesto do que um letrado corrupto.

Politicamente correto, no entanto, foi o registro, sem embaraços, da candidatura de uma prostituta, que assumiu, aberta e corajosamente, essa condição. Mesmo que, "para não constranger a sociedade", tenham mandado passar um corretivo no formulário de inscrição onde escreveu "profissional do sexo" como ocupação. Com um "curriculum vitae" mais para a a lutadora Hilda Furacão do que para a dissimulada Capitu de Laços de Família, sob a ótica da cidadania sua candidatura talvez seja o fato político mais emblemático destas eleições.

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Sobre o autor
Luiz Ismaelino Valente

procurador de Justiça no Pará, professor de Direito Eleitoral da ESM/PA e da FESMP/PA, sócio emérito do IBRADE (Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALENTE, Luiz Ismaelino. Os analfabetos e a prostituta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1523. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Texto publicado em O Liberal.

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