Alguns juízes não admitem que seja suscitada por partido ou candidato adversários, nem mesmo pelo próprio Ministério Público, no processo de registro de candidaturas, a questão da validade da convenção partidária para a escolha de candidatos, ao argumento de que se trata de ato interna corporis, imune ao exame do Poder Judiciário.
Os partidos políticos têm o monopólio da indicação de candidatos. Não há candidato avulso, ninguém pode disputar cargo eletivo sem indicação partidária. A lei exige, no entanto, que os candidatos sejam escolhidos em convenção partidária. A convenção é um órgão deliberativo do partido, não é uma simples formalidade. Para que seus atos produzam efeitos no mundo jurídico é necessário que o partido esteja funcionando legalmente.
Em que pese a autonomia dada ao partido com relação a sua organização e disciplina internas, se o partido está irregular já porque o Diretório (ou Comissão Provisória) não foi devidamente constituído, já porque expirou o seu mandato, etc. todos os seus atos são nulos pleno jure. Do mesmo modo, nula ou anulável é a deliberação do Diretório ou da convenção tomada em desafio às formalidades, aos prazos e aos quoruns previstos na lei ou no Estatuto do partido. Tais decisões podem cingir-se ao estrito interesse do partido, legalmente definido como pessoa jurídica de direito privado. Mas podem, também, extrapolar esse interesse.
A escolha de candidatos em convenção não é uma questão exclusivamente interna corporis. Ela ultrapassa os domínios do partido e projeta-se na vida comunitária. Desse ato depende a participação do partido na disputa pelos cargos eletivos. Essa é uma das facetas do status civitatis, da cidadania, do jus honorum, que não se restringe ao querer da agremiação política.
"A afirmação de que os chamados interna corporis não se submetem ao controle jurisdicional diz a professora Lúcia Valle Figueiredo em seu Mandado de Segurança deve ser feita com demasia de cuidados, porque, ainda assim, será pouco." É preciso confinar os interna corporis em sua justa moldura e não alargar o conceito a dimensões insuportáveis, a ponto de excluir da apreciação jurisdicional o ato ilegal que lesa direitos. Ainda mais quando a ilegalidade praticada no aconchego da corporação (como é o caso da escolha de candidatos por órgão partidário ilegítimo ou convenção fraudulenta) repercute, necessariamente, no campo dos direitos políticos, de caráter eminentemente público.
A decisão judicial que, a pretexto de proteger os interna corporis, mata no nascedouro o due process of law e impede a discussão sobre a legalidade do ato convencional de escolha de candidatos eivado de nulidade, menospreza os interesses superiores da coletividade e os subordina aos interesses subalternos do partido.