INTRODUÇÃO
Apesar de consagrar o princípio da não-intervenção, a Constituição Federal de 1988 (arts. 34 usque 36) regula os casos e as formas em que, excepcionalmente, faz-se necessária a intervenção federal: a) nos Estados; b) no Distrito Federal; e c) nos Municípios localizados em Território Federal. O Texto Supremo regula, também, a intervenção dos Estados nos seus Municípios. Atualmente não existe nenhum Território, mas a Constituição Federal consagrou normas relativas aos mesmos, bem como aos respectivos Municípios (art. 33). Neste estudo, apenas a representação interventiva, em face de Município localizado em Território Federal, será objeto de análise.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A Constituição Imperial de 1.824 não dispôs sobre a intervenção. As Constituições Republicanas de 1.891 (art. 6º), de 1.934 (art. 12) e de 1.937 (art. 9º), regularam apenas a intervenção federal nos Estados e não dispuseram sobre a intervenção nos Municípios. Já os Textos Constitucionais de 1.946 (arts. 7º e 23), de 1.967 (art. 10 e 16, § 3º) e a Emenda Constitucional nº 01, de 1.969 (art. 10 e 15, § 3º), consagraram a intervenção federal nos Estados e destes em seus Municípios, respectivamente, ignorando, entretanto, a possibilidade de intervenção nos Municípios dos Territórios Federais existentes.
A representação interventiva, em desfavor de Município, foi magnificada através da Emenda Constitucional nº 01, de 1969 (art. 15, § 3º, "d"), contemplando-a quando:
"o Tribunal de Justiça do Estado der provimento a representação formulada pelo chefe do Ministério Público local para assegurar a observância dos princípios indicados na Constituição estadual, bem como para prover à execução de lei ou ordem ou decisão judiciária, limitando-se o decreto do Governador a suspender o ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade".
Com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, esta introduziu várias modificações no sistema de intervenção, destacando-se as seguintes: previsão de intervenção federal no Distrito Federal (art. 34), bem como de intervenção da União nos Municípios localizados em Território Federal (art. 35).
O art. 35, inciso IV, da Lei Básica Federal, dispõe sobre a representação interventiva em face de Município, nos casos em que "o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial."
CONSIDERAÇÕES
Os Municípios, apesar de dotados de certa autonomia, estão também sujeitos à intervenção dos Estados ou da União, nos casos e nas formas previstas na Lei Fundamental da República Federativa do Brasil (arts. 35 e 36).
O art. 129, inciso IV, dispõe sobre as funções institucionais do Ministério Público, destacando a de promover a representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos na Constituição.
O processo da representação interventiva federal contra Município situado em Território Federal não foi claramente magnificado pelo legislador constituinte, dificultando a compreensão do tema pelo operador do Direito Constitucional. Por tratar-se de tema novo, faz-se necessário analisá-lo com prudência.
Numa interpretação precipitada, pode o operador do direito compreender que a competência para processar e julgar esta Representação Interventiva da União é do Supremo Tribunal Federal, tendo como legitimado ativo o Procurador-Geral da República.
Após minucioso estudo, compreendo que a competência é do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios e que o legitimado ativo é o Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Em defesa deste posicionamento pode-se ressaltar que:
1) Nem os Municípios, nem os Territórios possuem Poder Judiciário e Ministério Público próprios. De acordo com a Constituição da República atual (CR), compete à União organizar e manter o Poder Judiciário e o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (art. 21, inciso XIII). Consoantemente, o art. 92, inciso VII, consagra o Tribunal e Juízes do Distrito Federal e Territórios entre os órgãos do Poder Judiciário, bem como o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, como integrante do Ministério Público da União (art. 128, inciso I, "d");
2) O Texto Constitucional vigente, quando trata da intervenção federal e estadual em Município, refere-se ao Tribunal de Justiça e não ao Supremo Tribunal Federal. Nestes termos, o art. 35, inciso IV, do Diploma Federal estatui que:
"Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem à União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:
......
"IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial."
A competência do Tribunal de Justiça foi expressamente consagrada na Emenda Constitucional nº 01, de 1969 (art. 15, § 3º, "d") e na Constituição Federal atual, preterindo-se as demais Cortes de Justiça da União ou dos Estados;
3) A Lei nº 8.185, de 10 de maio de 1991, que dispõe sobre a organização judiciária do Distrito Federal e dos Territórios, estabelece que compete ao Tribunal de Justiça "exercer as demais atribuições que lhe são conferidas pela Constituição ou por lei" (art. 8º, inciso XXI). Assim, a competência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), para processar e julgar a representação interventiva da União em Município localizado em Território Federal, não foi afastada pela lei de organização judiciária local.
O Regimento Interno do TJDFT, todavia, só dispõe sobre a "Intervenção Federal no Distrito Federal ou nos Territórios" (sic), nos arts. 8º, inciso I, letra "l", e 146, não consagrando nenhuma disposição sobre a representação interventiva da União em Município localizado em Território Federal. Nos termos do Regimento Interno do TJDFT, compete ao Conselho Especial processar e julgar, originariamente a intervenção federal. Numa interpretação extensiva, compreendo que a competência para a presente representação é do referido Conselho Especial.
4) O Texto Constitucional anterior (Emenda Constitucional nº 01, de 1969) estabelecia que a representação seria formulada pelo chefe do Ministério Público local, ou seja, a atribuição já era destinada ao Procurador-Geral de Justiça, chefe do Parquet local.
5) A Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União (LOMPU), preceitua que "incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal" (art. 46, caput). Consoantemente, estatui, no parágrafo único do referido artigo, que "o Procurador-Geral da República proporá perante o Supremo Tribunal Federal (...) a representação para intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal, nas hipóteses do artigo 34, VII, da Constituição Federal". O art. 48, inciso I, da LOMPU, dispõe, ainda, que "incumbe ao Procurador-Geral da República propor perante o Superior Tribunal de Justiça a representação para intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal, no caso de recusa à execução de lei federal".
Nos termos da legislação citada, não se inclue entre as atribuições do Procurador-Geral da República a iniciativa da representação interventiva em face de Município situado em Território Federal, nem compete aos Tribunais federais superiores (STF ou STJ) o processamento e julgamento desta ação;
6) A citada Lei Complementar dispõe, também, sobre o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, estabelecendo que este "exercerá as suas funções nas causas de competência do Tribunal de Justiça e dos Juízes do Distrito Federal e Territórios" (art. 149, LOMPU). Entretanto esta lei não consagra, nem especifica entre as atribuições do Procurador-Geral de Justiça, a legitimidade ativa para a propositura da representação interventiva referente a Município situado em Território Federal. Tal atribuição, entretanto, fundamenta-se, ainda, no art. 159, inciso XXIII, que dispõe competir ao Chefe do Ministério Público "exercer outras atribuições previstas em lei";
7) O Supremo Tribunal Federal não julga, originariamente, questões municipais, tais como Ações Diretas de Inconstitucionalidade referente à Lei Municipal em desconformidade com o ordenamento constitucional federal ou estadual; e a intervenção estadual em Municípios. Em matéria de intervenção, a competência do STF se restringe a intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal (art. 36, inciso III, CR) e nãos nos Municípios daqueles ou nos situados em Território Federal. Somente em casos excepcionais ou na via recursal, assegurando o princípio do duplo grau de jurisdição, é que o Tribunal Ápice decide sobre questões municipais. O Regimento Interno da Corte Suprema (arts. 350 usque 354) dispõe, apenas, sobre a intervenção federal no Estados.
8) Os motivos, para a propositura da representação interventiva da União em Município situado em Território Federal, são diferentes e mais restritos do que os previstos para a intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal. Mesmo assim, devem ser observados, pelo Tribunal de Justiça e pelo Procurador-Geral de Justiça, os casos, a forma e os princípios elencados na Constituição Federal, visto que o Território Federal não possue Constituição ou Lei Orgânica Territorial, devendo respeitar e cumprir a Constituição Federal.
Esta posição também é compartilhada por José Afonso da Silva(1) que, em comentários ao art. 35, inciso IV, esclarece:
"(..) Acrescente-se apenas que a representação ao Tribunal de Justiça, como peça inicial da ação interventiva no Município, cabe ao Procurador-Geral da Justiça que funcione junto ao Tribunal de Justiça competente para conhecer da representação, seja na intervenção promovida por Estado, seja promovida pela União em Municípios de Território Federal".
Celso Ribeiro Bastos(2) anota o entendimento do constitucionalista paulista José Afonso da Silva, não apresentando nenhuma discordância. Outros juristas, como Pinto Ferreira(3), Wolgran Junqueira Ferreira(4) e José Cretella Júnior(5), não aprofundam, nem se posicionam quanto ao assunto.
O art. 36, § 3.°, do Texto Federal, esclarece que nos casos do art. 35, IV, fica dispensada a apreciação da intervenção pelo Congresso Nacional ou pela Assembléia Legislativa, aqui abrangida a Câmara Territorial do Território Federal, e o decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade.
CONCLUSÃO
Assim, as normas constitucionais e infraconstitucionais tratam, com maior profundidade, apenas da intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal, sendo sintéticas ou omissas quanto à intervenção federal nos Municípios de Território Federal, cabendo ao intérprete evidenciar a vontade da Constituição. Mas, com base no Texto Constitucional Federal e na legislação federal correspondente, pode-se afirmar que:
A) Compete ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, através do Conselho Especial, processar e julgar a representação interventiva em face de Município localizado em Território Federal;
B) Incumbe ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, através do Procurador-Geral de Justiça, propor a representação interventiva.
Por fim, faz-se necessário regular o assunto, consagrando expressamente de quem é a competência para processar e julgar esta representação interventiva, bem como a legitimidade ativa para a propositura, a fim de evitar-se futuras celeumas jurídicas.