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A inconstitucionalidade do regulamento disciplinar da Polícia Militar de Alagoas

face aos princípios da reserva legal e da hierarquia das leis

01/12/2000 às 00:00
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No dia 07 de dezembro de 1996 entrou em "vigor" o Decreto Estadual n.º 37.042/96, de 06 de novembro de 1996, que aprovou o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Alagoas – RDPMAL, consoante seu Art. 2.º, após oito anos de vigência da Constituição Cidadã de 1988, teve por desiderato "ajustar a legislação da Corporação aos ditames da constituição Federal, principalmente das normas reguladoras de justiça e disciplina"(sic.), e foi "fruto do trabalho de um Comissão de Oficiais...trata-se de um regulamento moderno, bem elaborado, de fácil compreensão, ajustado ao estatuto dos Policiais Militares e à Constituição Federal e por certo corrigirá algumas distorções e lacunas existentes no regulamento anterior"(sic.), conforme se vê da apresentação do mesmo.

Em verdade, sequer foi ajustado ao Estatuto e ou à CF/88, nem corrigiu as distorções e nem as lacunas existentes no anterior, até porque este já havia sido revogado desde o advento do atual Estatuto dos PM, a Lei Estadual n.º 5346/92, de 26 de maio de 1992, como comprovado está na tese monográfica deste autor: Do cabimento do habeas e do mandado de segurança nas prisões e detenções disciplinares ilegais na PM(1), de outubro de 1996, defendida no Curso Superior de Polícia Militar, em São Paulo, naquela co-irmã.

Viveu a Corporação, à época, além da esdrúxula e nefasta situação porque passou, uma tautologia abominável ao tentar da efeito repristinatório ao Decreto Estadual n.º 4598/81, de 28 de dezembro 1981, revogado pelo Art.135 da Lei Estadual n.º 5346/92, mormente ao impor, aos seus integrantes, sanções disciplinares e até exclusão fundadas em norma inexistente, pois revogado o RDPMAL, e pela incompetência legal de se regular matéria atinente aos direitos e liberdades públicas e individuais de competência privativa e exclusiva do Legislativo. Vale dizer, nesse período, a Corporação, arbitrariamente, puniu aos seus integrantes fundada em norma revogada e inexistente, exatos quatros anos de injustiça e rematada ilegalidade.

Propalou-se grandes mudanças, já que o Regulamento Disciplinar de então, o Decreto Estadual n.º 4598/81(para muitos em vigor até a vigência do novel RD, mas aquele, de fato, revogado havia sido em 1992), com diversos dispositivos incompatíveis com a Carta de 88, os quais foram reeditados no atual RDPMAL. As esperanças de ajustes à LEI, adequações ao Estado Democrático de Direito e modernização do Regulamento Disciplinar tornaram-se ainda maiores, quando noticiou-se que seria elaborado por uma Comissão composta por Oficiais da Corporação, todos com formação na área jurídica, selecionados especificamente para tal fim.

Acreditou-se que, mesmo em estado letárgico de mais de oito anos, a despeito de quatro de vacância e desuetudo legal, finalmente reconhecer-se-ia a cidadania e direitos que, contrapondo-se ao que muitos denegam, até mesmo aos policiais militares são assegurados e encontram-se amparados e garantidos pelos direitos e garantias fundamentais insculpidos na Carta Cidadã.

Ledo engano, nada disso ocorreu! Deu-se uma reedição daquele com nova formatação.

Este neoterismo disciplinar já foi parido retardado e com os mesmos vícios insanáveis e irremediáveis, bem por isso, doravante, faço minhas as palavras da Dr.ª Ana Clara Victor da Paixão(2), autora do artigo REGULAMENTO DISCIPLINAR E RESERVA LEGAL (A inconstitucionalidade do Decreto Estadual n.º 4.717/96-Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás - RDPM-GO em face do Princípio da Reserva Legal)(3), que reflete pensamento similar e crítica semelhante aos esposados em nossa monografia, ao estudar o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás, a saber: "De fato, já que mantém em seu bojo a previsão de prisão e detenção por transgressão disciplinar, a própria forma pela qual foi editado - o Decreto - fere o princípio da reserva legal, opondo-se violentamente ao disposto no inciso LXI do artigo 5º da CF/88: "LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;" (grifei).

DE PLÁCIDO E SILVA, em sua obra "Vocabulário Jurídico", define o termo LEI:

"...é a regra jurídica escrita, instituída pelo legislador, no cumprimento de um mandato que lhe é outorgado pelo povo. Considerando-a neste aspecto é que GAIUS a definiu: Lex est quod populus jubet et constituit (...aquilo que o povo ordena e constitui.)." (op. cit., PAG. 62).

Os decretos, por sua vez, "são atos administrativos da competência exclusiva dos chefes do Executivo, destinados a prover situações gerais ou individuais, abstratamente previstas, de modo expresso, explícito ou implícito, pela legislação... Como ato administrativo, o decreto está sempre em situação inferior à da lei, e, por isso mesmo, não a pode contrariar." (HELY LOPES MEIRELLES, in "Direito Administrativo Brasileiro", 12ª Ed., Rev. dos Tribunais, São Paulo, 1986, p. 138).

E, na lição de MIGUEL REALE, "... não são leis os regulamentos ou decretos, porque estes não podem ultrapassar os limites postos pela norma legal que especificam ou a cuja execução se destinam. Tudo o que nas normas regulamentares ou executivas esteja em conflito com o disposto na lei não tem validade, e é susceptível de impugnação por quem se sinta lesado. A ilegalidade de um regulamento importa, em última análise, num problema de inconstitucionalidade, pois é a Constituição que distribui as esferas e a extensão do poder de legislar, conferindo a cada categoria de ato normativo a força obrigatória que lhe é própria." ( in "Lições Preliminares de Direito", 7ª Ed., Saraiva, São Paulo, 1980, p. 163).

Vê-se, pois, que ao dispor que a restrição da liberdade de ir e vir do indivíduo só será tolerada pelo Direito quando decorrer de infração disciplinar ou crime militar previstos em lei, o Constituinte vedou que tal matéria fosse regulada por decreto, atribuindo a competência para fazê-lo exclusivamente à lei formal.

Trata-se, portanto, de reserva legal absoluta, conforme aponta JOSÉ AFONSO DA SILVA:

"É absoluta a reserva constitucional de lei quando a disciplina da matéria é reservada pela Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer outra fonte infralegal, o que ocorre quando ela emprega fórmulas como: "a lei regulará", "a lei disporá", "a lei complementar organizará", "a lei criará", "a lei definirá", etc." (in "Curso de Direito Constitucional Positivo", 13ª Ed., Malheiros Editores, São Paulo, 1997).

A adoção da reserva legal em matéria disciplinar constitui, na verdade, uma garantia para o militar, na medida que impede o abuso e o arbítrio da Administração Pública na imposição da sanção.

A propósito, discorre ALBERTO SILVA FRANCO:

"Na relação tensional entre o poder punitivo do Estado e o direito de liberdade do cidadão, só a lei, emanada do Poder Legislativo, poderá imiscuir-se. E isto porque o procedimento legislativo, apesar de suas imperfeições e incertezas, é ainda o mais idôneo para tutelar o bem jurídico fundamental da liberdade pessoal." (in "Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial", 6ª Ed., Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1997).

Assim, se há real necessidade e interesse por parte das autoridades administrativas militares em aplicar as penas de detenção e prisão disciplinar - que a autora, diga-se de passagem, considera absurdas - impõe-se providenciar que sejam as mesmas instituídas através de lei, dada a indiscutível inconstitucionalidade de todas as medidas restritivas da liberdade pessoal previstas no Decreto Estadual n.º 4.717/96.

Enquanto assim não se fizer, as referidas punições serão anuláveis por via judicial, e a autoridade administrativa que as tenha aplicado, embasada no referido decreto, responderá pelo crime previsto no artigo 4º, "a", da Lei n.º 4898/65: "Art. 4º - Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder."

Os quartéis não são ilhas onde a Constituição não vigora. É imperativo que a autoridade competente desperte para a necessidade de elaborar um Regulamento Disciplinar compatível com a ordem jurídica vigente, que é ancorada, sem exceções, no Estado Democrático de Direito criado pela Constituição Federal de 1988.

Numa época em que todas as instituições se abrem, se modernizam, se democratizam, a Polícia Militar não pode permanecer parada no tempo. Até mesmo porque insistir em fazer uso de um Regulamento eivado de inconstitucionalidades implicará na desmoralização da Autoridade Administrativa, que, por força de decisões judiciais, terá que retratar-se quanto às punições ilegalmente impostas."

É justamente o que tem ocorrido com freqüência quase contumaz aqui em nosso Estado, e assim será, mormente enquanto inexistir uma LEI DISCIPLINAR nos moldes constitucional, legal, justo e legítimo, na nossa Corporação, que trate do mister, conforme preconizam as constituições Federal e Estadual. Aliás, ainda que revogado não estivesse, infere-se que RD, aprovado por decreto, não é instrumento legítimo e eficaz para regulamentar direitos e garantias dos servidores públicos militares do Estado de Alagoas, face à indelegabilidade de competência ao Executivo, porquanto ser competência especial (exclusiva) da Assembléia Legislativa Estadual no âmbito do nosso Estado, e, na esfera federal, competir ao Congresso Nacional, até que lei complementar disponha. Diante da constatação e ilação suso adscritas, urge, pois, a promulgação de uma LEI DISCIPLINAR DA PMAL, não há negar. Portanto, urge LEI disciplinar adequada à Carta Cidadã de 1988, sob pena de permanecer o arbítrio atroz, ímpio, desumano e JUGO ILEGAL, como fora dito por este signatário, desde outubro de 1996, e redito nesse lustro, mas sempre olvidado. Luta tenaz que não será debalde haja vista o limiar de um novo tempo, fim de século, próprio para metamorfose!


REGULAMENTO DISCIPLINAR DA PM/AL FACE ÀS SÚMULAS 55 E 56 DO STF

O Regulamento Disciplinar da PMAL, aprovado pelo Decreto Estadual n.° 37.042 de 06 de novembro de 1996, em vigor desde 07 dezembro daquele ano, como instrumento jurídico legal a que se presta, detém em seu bojo, além da flagrante inconstitucionalidade, que afronta e fere de morte aos Princípios de Direito da reserva legal e da hierarquia da leis, também um verdadeiro acinte à Súmula 56 do STF - "militar reformado não está sujeito a pena disciplinar", para não dizer que há uma escabrosa sissomia - de lembrar que tal Súmula deveria falar em sanção disciplinar, posto inexistir pena disciplinar na esfera regulamentar administrativa, vez que pena, no mais da vez, se refere à sentença ou decisão do magistrado monocrático, na órbita judicial.

Na Corporação, o PM está sempre em uma das duas situações previstas no Estatuto: a) na ativa ou, b) na inativa; similarmente na atividade ou na inatividade. Vale dizer: no serviço ativo ou no serviço inativo(admitindo-se pudesse existir serviço nesta situação) ou na situação de inatividade (=aposentado). A situação de inatividade, por sua vez, pode decorrer de duas formas ou modalidades: a) reserva (remunerada ou não), quando exaurida a idade limite de permanência no serviço ativo e ao concluir o seu de tempo de serviço, na Corporação, e; b) reforma. Naquela o PM ainda poderá ser convocado ao serviço ativo da Corporação, enquanto nesta jamais. Desta feita, a inatividade por reforma tanto se dá 1) pela idade limite de permanência na reserva(remunerada ou não)para o PM que nesta situação já se encontra, ou 2) por enfermidade, doença ou acidente em serviço para o PM ainda no serviço ativo.

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Entrementes, se o Supremo Tribunal Federal, com fulcro na Súmula 56, isenta de sanção(pena)disciplinar o militar reformado por entender que a esfera de competência do RD não mais se Ihe alcança, ou seja, ao reformado não mais é aplicada sanção disciplinar do RD; neste não deve conter nenhum dispositivo que possa induzir ou mesmo permitir qualquer sanção disciplinar ao PM reformado, pena de rematada ilegalidade, odioso excesso de poder e perverso abuso de autoridade. Noutras palavras, o reformado(militar inativo)não deve ser sujeito de sanção disciplinar imposta por qualquer autoridade e fundamentada em RD, vez que este a ele não mais se Ihe é aplicado, sob pena de exorbitar o poder-dever do instrumento punitivo ou abuso deste pela dita autoridade. Infere-se, portanto, por ilação lógica e hialina, que o intérprete há de limitar-se ao sentido estrito do texto sumular quanto à expressão inatividade contidas do "Art. 9.° - Estão sujeitos a este Regulamento, os policiais militares na ativa e os na inatividade." e também do seguinte "Art. 10 As disposições deste Regulamento aplicam-se aos policiais militares na inatividade quando, ainda no meio civil, se conduzam, inclusive por manifestações através da imprensa, de modo a prejudicar os princípios da hierarquia, da disciplina, do respeito e do decoro policial militar." De lembrar, portanto, que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato"(Art.5., IV, da CF/88).

É de se concluir que, da situação de inatividade, há de se excluir o PM reformado dessa sujeição e/ou aplicação do RDPMAL, i. e., ele está isento da incidência não só dos artigos acima, mas também e principalmente do próprio Art. 11, que define a competência de aplicação do RD, cuja atribui-se ao cargo e não à hierarquia, litteris: "Art. 11 - A competência para aplicar as prescrições contidas neste Regulamento é conferida ao cargo e não ao grau hierárquico. São competentes para aplicá-las: I - o Governador do Estado e o Comandante Geral, a todos aqueles que estiverem sujeitos a este Regulamento; Il - o Chefe do EMG, a todos os que Ihe são subordinados, na qualidade de Subcomandante da Corporação; Ill - os Chefes de Gabinetes e Assessorias Militares, aos que estiverem sob suas ordens; IV - os Comandantes Intermediários, Diretores e Ajudante Geral, aos que servirem sob suas ordens; V - o Subchefe do EMG e Comandantes de OPM, aos que estiverem sob suas ordens; VI - os Chefes de Seções do EMG, Assessorias do Comando Geral e os Sub-comandantes de OPM, aos que servirem sob suas ordens; VII - os demais Chefes de Seções, até o nível Batalhão, inclusive; Comandantes de Subunidades incorporadas e de Pelotões destacados, aos que estiverem sob suas ordens. Parágrafo Único - A competência para apurar e punir atos de indisciplina do Comandante Geral da Corporação é exclusiva do Governador do Estado." Deflui, pois, que todas estas autoridades são incompetentes para punir, disciplinarmente e fundado no RD, ao PM ou militar reformado. O RD é defeso ao reformado Todavia, essa isenção não se presta ao inativo da reserva. Diga-se, o PM inativo da reserva não é destinatário desse direito haja vista a Súmula 55 do STF "Militar da reserva está sujeito a pena disciplinar". Ora, que cargo ocupa o PM reformado, para sofrer sanção disciplinar de alguém, a quem sequer está subordinado?


Notas

1. Editada nos sites www.ujgoias.com e www.angelfire.com/vt/joilson em formato de E-Book.

2. Ex-advogada de Associações de Militares (ACSPM-GO, ASSPM-GO), atuou por vários anos na área administrativa/disciplinar. Especializada em Direito Constitucional, foi professora titular da matéria no Curso de Formação de Oficiais da Academia de Polícia Militar do Estado de Goiás de 1991 a 1994. É, atualmente, Assessora do 23º Procurador de Justiça do Estado de Goiás, e ministra aulas para os cursos de Especialização do Batalhão de Choque da PM-GO (COE).

3. Publicado no sites www.ujgoias.com e www.angelfire.com/vt/joilson

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Sobre o autor
Joilson Gouveia

Bacharel em Direito pela UFAL & Coronel e Transferido para Reserva Remunerada da PMAL.Participou de cursos de Direitos Humanos ministrados pelo Center of Human Rights da ONU e pelo Americas Watch, comendador da Ordem do Mérito Municipalista pela Câmara Municipal de São Paulo. Autor, editor e moderador do Blog D'Artagnan Juris

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Joilson. A inconstitucionalidade do regulamento disciplinar da Polícia Militar de Alagoas: face aos princípios da reserva legal e da hierarquia das leis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 48, 1 dez. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1587. Acesso em: 21 nov. 2024.

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Texto elaborado a partir da fusão de dois artigos do autor

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