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Breve análise sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente

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4. Das Medidas Sócio-Educativas

As medidas sócio-educativas destinam-se ao menor "delinqüente". Entretanto, as medidas de proteção também são medidas sócio-educativas, sendo que o que distingue as duas espécies é que as primeiras são aplicadas pelo Conselho Tutelar, enquanto que as segundas pelo Juiz de Menores.

São modalidades do tratamento tutelar: o institucional, o de semiliberdade (meio aberto) e o meio livre. Das medias do art.112, incluem-se em meio aberto a advertência, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade; em regime meio aberto, as de inserção em regime aberto ; e como fechado, a de internação em estabelecimento educacional.

A advertência (art. 115) é a primeira medida judicial aplicada ao menor que delinqüe e, consiste numa entrevista do mesmo com o Juiz, tendo sentido essencialmente educativo. Não se trata de simples "conversa de rotina", tendo em vista que dela resultará um termo de advertência, no qual estarão contidos os deveres do menor e as obrigações do pai ou responsável, com vista a sua recuperação, sendo-lhe permitido permanecer em seu meio natural.

O art. 116 prevê a obrigação de reparar o dano, com finalidade essencialmente educativa, despertando e desenvolvendo o senso de responsabilidade do menor em face do que não lhe pertence. Entretanto, deve-se ter em vista que tal medida será muito pouco aplicada, porque a grande maioria de menores que praticam atos infracionais, é de famílias bem pobres e que não têm condições de reparar o dano que causaram. Para casos assim, o parágrafo único do citado artigo prevê a substituição dessa medida por outra adequada, ficando ao arbítrio do Juiz.

Uma alternativa que pode ser dada a esses casos é a prestação de serviços à comunidade, prevista pelo art. 117. Tal medida, ao meu ver, é das mais eficazes, pois ao se encontrar trabalhando (prestando serviços), o menor, sente-se útil e inserido dentro da sociedade (dos meios de produção), de forma que, em não ficando ocioso, não tem tempo para pensar na descriminação que recai em si próprio; ter contato com elementos perversos e corruptores, sem falar que está colaborando, de certa forma, para a melhoria de uma sociedade que não deixa de ser sua. Alguém já disse que o trabalho engrandece o homem.

Há casos de menores infratores que não comportam total liberdade de ação, sendo que, mesmo que permaneça em meio à sociedade, necessitam de maior fiscalização e acompanhamento. É o que prevê o art. 118, na liberdade assistida.

Aqui, o menor não é privado do convívio familiar o que é muito saudável (em alguns casos), sendo que sua liberdade e alguns de seus direitos são limitados, tendo em vista a reeducação e a não reincidência.

Sob o enfoque das ciências humanas, a liberdade assistida se caracteriza como modalidade de tratamento tutelar em meio livre, com prévio estudo médico-psicológico e social, elaboração do programa de tratamento e execução por pessoal especializado.

A liberdade assistida deve ser aplicada aos adolescentes reincidentes ou habituais na prática de infrações e que demonstrem tendência para reincidir, já que os primários devem ser apenas advertidos, com a entrega aos pais ou responsável.

Tal medida não comporta prazo máximo, devendo perdurar enquanto houver necessidade da assistência.

O art. 120 prevê o regime de semi-liberdade, ou melhor, dois regimes de semi-liberdade: o que é determinado desde o início, e o que representa a transição para o meio aberto.

No primeiro tipo, semi-liberdade propriamente dita, o menor passará da instituição para a liberdade. No segundo tipo, que é o semi-internato, o menor passa da liberdade para a instituição, onde o "menor" deveria passar o dia trabalhando externamente e só se recolher à noite ao estabelecimento.

A aplicação da medida de regime de semi-liberdade deve ser acompanhada de escolarização e profissionalização obrigatórias.

Convém salientar que, tal medida pressupõe casas especializadas e preparadas para o recebimento desses jovens e, infelizmente, não se dispõe dessas casas para o recolhimento dos jovens, como forma de transição para o regime aberto, que seria o da liberdade assistida.

Ora, não existem "prisões suficientes, casas de albergado, recolhimento de menores e abrigos de velhos, e demais prédios indispensáveis, previstos em diversas leis (...). Os próprios legisladores têm conhecimento de nossa realidade ao promulgarem determinada lei, mas assim mesmo a aprovam, conscientes de que não será devidamente cumprida, o que concorre para que seja desmoralizada, tornando-se inexeqüível" (6).

O problema está no fato de que nossos governantes sofrem pressões de todos os lados, de forma que têm de responder às reivindicações da população de alguma forma, sendo que a solução por eles encontrada é a edição de leis que muitas vezes não têm como serem cumpridas e não passam de letra morta(7).

A comunidade tem papel de relevância, na medida que cobra do Estado a execução correta das leis, porém nada terá sucesso se não houver verbas e recursos públicos, indispensáveis ao sucesso de qualquer programa assistencial.

4.1. A co-responsabilidade do Estado e da Sociedade frente à marginalidade

A criança, de uma forma geral, é credora de proteção integral em razão de sua condição de pessoa em desenvolvimento e necessita de prioridades, de proteção e socorro, no atendimento dos serviços públicos ou de relevância pública, na preferência da formulação e execução das políticas sociais públicas e destinação privilegiada de recursos.

Contudo, o que se vê são criança nas ruas, sem condição nenhuma de sobrevivência digna, desenvolvimento, saúde ou educação. Todos os dias presenciamos crianças e adolescentes perambulando pelas ruas, como verdadeiros mendigos e a nossa reação é de medo, na maioria das vezes, desprezo e até mesmo "asco".

Ressalte-se que o medo que sentimos, não é pelo que essas crianças irão se tornar no futuro(8) não muito distante, mas de sermos lesados em nosso patrimônio, pegarmos alguma doença, etc. Que visão pequena e egoísta!

De fato, a violência dentre os "pequenos" é muito comum e, é natural que temamos pela nossa integridade física. Entretanto, é absurdamente anormal a nossa condescendência, podia-se dizer até "criminosa", com a situação de inteiro abandono e miséria daqueles, repito, que são responsáveis pelo futuro de nossos filhos e netos.

O Estado é responsável pela política de bem-estar do menor, porém a sociedade tem que se conscientizar da sua co-responsabilidade, sob pena de malogro na realização dessa política social, que visa a resgatar a infância abandonada.

A co-responsabilidade da sociedade funda-se em sua própria culpa na "gênese" do abandono e marginalidade da infância, a começar pela falta de escrúpulos na escolha daqueles responsáveis pela feitura das leis de proteção ao menor, passando pela falta de cobrança destes mesmos indivíduos. Sim, porque que nós que somos alfabetizados e, na maioria das vezes, muito bem informados, temos a obrigação de reivindicar os direitos daqueles que não tiveram as mesmas chances que nós. É nosso dever moral contribuir com o mínimo para a construção de uma Nação, no sentido exato da palavra.

Ressalte-se, ainda que, muitas das vezes que crianças ou adolescentes delinqüem, tem um adulto como orientador e mentor desses "crimes". Dessa forma, criança e adolescentes = autores de delitos, são vítimas (quase sempre) da ação violenta e covarde de adultos , contudo a opinião pública é levada a olhar para essas vítimas como agentes exclusivos de violência.

A sociedade e o Estado agiriam mais "decentemente" se resolvessem ou, pelo menos, tentassem resolver este problema começando pela sua causa, pois se deveria agir "contra os adultos que corrompem crianças ao invés de continuá-las segregando, atribuindo-lhes a responsabilidade pela violência que as vitimiza".

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4.2. A imputabilidade Penal x imputabilidade Estatutária

O Direito Penal encara o crime como uma violação das normas de comportamento estabelecidas no Código e leis complementares. Tais normas têm o objetivo de conceituar, reprimir e penalizar ações ou omissões anti-sociais.

A imputabilidade penal, normalmente de todos, não incide em duas hipóteses: em razão (exclusivamente) da idade (menos de dezoito anos) ou por ausência da capacidade de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se segundo este entendimento.

O critério dos 18 anos é de política criminal, nada tem a ver com capacidade ou incapacidade de discernimento, ou seja, "admitir que a imputabilidade (penal-comum) aos 18 anos se baseia na falta de entendimento do caráter ilícito, anti-social ou reprovado dos crimes, implica comparar adolescentes a insanos mentais, o que nada tem de "coerente" (9).

Observe-se, assim, que a idade é critério adotado para melhor execução de política criminal, pois a criminologia concluiu resultar por demais danoso aos próprios fins de prevenção e repressão da criminalidade, submeter crianças e jovens ao sistema carcerário comum destinado aos adultos, sendo que isto não implica impunidade aos jovens, mas tão-somente que aos adolescentes (12 a 18 anos) não se pode imputar responsabilidade frente à legislação comum, mas pode-se atribuir responsabilidade com base nas normas do Estatuto, respondendo pelos delitos que praticarem e submetendo-se às medidas sócio-educativas (de caráter penal especial), que têm caráter pedagógico apresentando-se como respostas justas e adequadas, de boa política criminal, à prática de crimes por jovens.

Reconhece-se, não é de hoje, a falência dos sistemas penitenciários. A pena privativa de liberdade não reeduca, ressocializa ou cumpre qualquer das suas funções de reintegração do preso à sociedade, mas ao contrário, perverte, deforma e corrompe. Dessa forma, encaminhar jovens a tal sistema seria concorrer para o aumento e não diminuição da criminalidade.

Entretanto, não se conclua que as medidas sócio-educativas são brandas e flexíveis, posto que não configura a verdade. Tais medidas não deixam de ter o caráter sancionatório e retributivo das penas impostas pelo Código Penal. A diferença reside no caráter pedagógico das mesmas e na preocupação verdadeira de recuperação, ressocialização e reintegração do menor delinqüente na sociedade, utilizando-se, para isso, de alternativas outras que não somente a pena de prisão.

Isto posto, acreditamos na proposta oferecida pelo ECA como tentativa de melhorar a qualidade de vida nossa e, sobretudo desses pequenos cidadãos, que muitas vezes são tão vítimas quanto nós, seja por meio das medidas sucintamente expostas ou por meio de melhor fiscalização das leis, enfim o primeiro passo para uma solução já está dado, o resto depende de nós.


Notas

  1. NOGUEIRA, Paulo Lúcio, Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p. 4.
  2. Expressão de Paulo Lúcio Nogueira, op. cit.
  3. A Quem Servimos?, Rogério Schietti Machado Cruz – Promotor de Justiça do MPDFT
  4. CHAVES, Antônio, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 457.
  5. NOGUEIRA, Paulo Lúcio, op. cit., p. 187.
  6. Observe-se que, para tentar diminuir a criminalidade, em 1990 foi promulgada a Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8072/90), sendo que de lá para cá a violência só aumentou. Por quê? Porque não adianta fazer leis severas, aumentar a quantidade de crimes a serem previstos, etc., deve-se investir em prevenção, ou seja, colocar polícia na rua, fiscalizar, dar condições à sociedade para coibir a criminalidade, pois aumentar quantidade de pena não faz o delinqüente parar de delinqüir.
  7. Quem assistiu às manchetes de jornais há poucos dias atrás, pôde constatar o que acontece com crianças desprezadas que se tornam adultos revoltados, tendo em vista o caso do MENOR DE RUA SOBREVIVENTE DA CHACINA DA CANDELÁRIA que seqüestrou e matou uma jovem num ônibus no Rio de Janeiro.
  8. SILVA, Antônio Fernando do Amaral , Mandar jovens de 16 anos para o sistema carcerário vai resolver a questão da violência e criminalidade?, p. 2.
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Sobre a autora
Sírley Fabiann Cordeiro de Lima Melo

acadêmica de Direito em Recife

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Sírley Fabiann Cordeiro Lima. Breve análise sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1645. Acesso em: 26 abr. 2024.

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