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Prescrição da ação que apura infração praticada por adolescente

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Há muito tempo, juristas discutem sobre a possibilidade ou não da prescrição nos processos que apuram ato infracional praticado por adolescente. Alguns estudiosos são radicalmente contra, enquanto outros são favoráveis. A discussão certamente ainda reinará por anos até a pacificação do tema.

A corrente que nega a aplicação do instituto, infelizmente majoritária, defende a tese argumentando que as medidas sócio-educativas não se revestem da mesma natureza jurídica das penas restritivas de direito ou privativas de liberdade. É esta a posição ilustrada pelo Ministro Vicente Leal, do STJ, que produziu a seguinte ementa:

          Tratando-se de menores inimputáveis, as medidas sócio-educativas previstas no art. 112 do ECA não se revestem da mesma natureza jurídica das penas restritivas de direito, em razão do que não se lhes aplicam às disposições previstas na lei processual penal a prescrição da pretensão punitiva. (RHC 7698/MG, 98/0039145-2, da Sexta Turma, julgado em 18.8.98)

Outros, que formam a corrente minoritária, sustentam que aquele que responde a processo por ato infracional frente ao ECA merece o reconhecimento da prescrição.

A última corrente precisa ser urgentemente defendida, sob pena de ficarmos na contramão da História.


Muitos Promotores de Justiça, bravamente, já estão requerendo aos Juízes de Direito a declaração da prescrição no Juízo da Infância e da Juventude, conseguindo deferimento, o que revela um avanço em relação a tempo próximo passado.

É preciso realmente mudar. Deixar de requerer ou declarar a prescrição é um erro, além de prejudicar o adolescente, que pode sofrer uma sanção desnecessária.

Quem defende a proteção integral do adolescente não pode ser contra a prescrição em comento. O ECA não pode ser mais severo do que o CP.

São várias as razões pelas quais o adolescente merece ser beneficiado pela prescrição de ato infracional. Uma delas é que existe prescrição no processo criminal, no processo trabalhista, no processo administrativo, no processo eleitoral, no processo civil, no processo penal militar, e não pode existir no processo em que se apura contravenção ou crime praticado por menor!?

O Estado tem que ter limites para apurar determinados fatos, a não ser quando a CF faz a ressalva da imprescritibilidade (art. 5º, XLII e XLIV).

Em nenhum momento a CF diz que os fatos praticados por menor são imprescritíveis.

O Estado não pode tratar desigualmente as pessoas infratoras (art. 5º, I, da CF). Quando o maior comete um crime de lesão leve, e o Juiz recebe a denúncia depois de 4 anos da data do fato, ocorre a prescrição da pretensão punitiva. Quando o menor comete um ato infracional, lesão leve, que é crime, não há prescrição depois de 4 anos entre a data do fato e o recebimento da representação!? É ou não um tratamento desigual!? Isso é incompreensível.

O argumento de que a medida sócio-educativa é educacional não pode ser mais relevante do que o princípio da igualdade. O absurdo é o menor processado, e o maior em liberdade pela extinção da punibilidade (prescrição), quando eles praticaram o crime em co-autoria. Não é desigual? Quem está sendo protegido pela lei? O maior é claro. O menor está sofrendo o peso do processo e suas conseqüências!

E o adolescente não tem direito ao perdão judicial? Só o maior tem direito a tão importante benefício? E a igualdade onde fica?

Se o maior cometer crime contra o menor, ocorrerá prescrição (art. 226, do ECA). Se o menor cometer ato infracional contra maior, não!? E se as lesões forem recíprocas, um ferindo o outro, a extinção da punibilidade pela prescrição só vale para um. Onde está a igualdade tão defendida hodiernamente?

O legislador quando estabeleceu tempo improrrogável para julgamento do processo de adolescente internado provisoriamente sinalizou para possibilidade de prescrição (art. 183, do ECA). A mesma coisa fez quando consignou que depois de 21 anos ninguém fica mais internado (art. 121, § 5º, do ECA). Aliás, quanto à segunda hipótese, os Tribunais do nosso País falam abertamente em prescrição da ação sócio-educativa:

          AGRAVO DE INSTRUMEN–O - Medida que busca aplicação do artigo 122, inciso III, da Lei nº 8.069/90, haja vista descumprimento de medida de liberdade assistida por parte de adolescen–e - Recurso prejudicado em virtude de haver o jovem completado 21 anos de ida–e - Ocorrência da prescrição da ação sócio-educativa pública. (Agravo de Instrumento nº 28.510-0 - Santos-SP - Câmara Especial - Relator: Prado de Toledo - 18.04.96 – V. U.)

          MEN–R - Medida sócio-educativa. Aplicação à pessoa com idade entre 18 e 21 anos – Admissibilidade. Ato infracional praticado quando ainda menor de ida–e - Prescrição da pretensão educativa e executaria da medida que somente se opera com os 21 anos completos. Recurso provido. (Apelação Cível nº 24.045–0 - São Caetano do Sul-–P - Câmara Especi–l - Relator: Lair Lourei–o - 08. 06.–5 - V. U.)

Diferente é o que acontece quando o menor não é encontrado para audiência de apresentação. O Juiz determina a expedição de mandado de busca, com o sobrestamento do feito, até a efetiva apreensão (art. 184, § 3º, do ECA). Assim, o legislador expressamente quis suspender o processo, e a prescrição é aquela prevista no art. 121, § 5º, do ECA. Declarar a prescrição antes dos 21 anos, neste caso, levaria a uma situação de desigualdade entre o menor e o Ministério Público, o chamado desequilíbrio de armas, ou seja, o processo ficaria parado e aguardando a extinção da punibilidade, com o adolescente duplamente beneficiado, pois a medida de busca e apreensão muitas vezes não é efetivada. Aí seria ilógico um menor cometer uma contravenção penal, ser representado, não ser encontrado, e o processo prescrever em 2 anos. É que o devido processo legal compreende primeiramente o equilíbrio de forças.

A prescrição, não vedada por lei, é um direito natural do homem. Ela faz parte do devido processo legal, uma vez que o Estado tem limite temporal para aplicar a lei ao caso concreto.

A ação da pretensão só—o--educativa é prescritível. Não admitir tal causa de extinção da punibilidade na órbita dos atos infracionais implicaria tratar adolescentes inimputáveis penalmente com maior rigor que os adultos.

Sendo o ato infracional crime ou contravenção (art. 103, do ECA), imperdoável é negar a prescrição para menores, escondendo-se atrás do pretexto de que estes não cumprem pena.

O menor não é imputável penalmente (art. 228, da CF), todavia responde por seu ato, que é crime ou contravenção, na Justiça Especializada, ou melhor, é imputável frente ao ECA:

          Bem por isso, o artigo 228 da Constituição Federal, ao conferir inimputabilidade penal até os dezoito anos, ressalvou sujeiç"o "às normas da legislação espec"al". Essas normas, por sua vez, estabelecem, como dito, a chamada responsabilidade penal juvenil. (Des. Amaral e Silva, Ap. 98.012388-7-SC)

Sobre imputabilidade, Plácido e Silva oferece o real significado da palavra, concluindo:

          A imputabilidade, portanto, antecede à responsabilidade. Por ela, então, é que se chega à condição da responsabilidade, para aplicação da pena ou imposição da obrigação. (Dicionário, pág. 435)

É verdade que o menor não cumpre pena, em sentido estrito, mas cumpre uma sanção, uma imposição de medida sócio- educativa, quase sempre indesejada pelo adolescente:

Não se confundindo imputabilidade e responsabilidade, tem-se que os adolescentes respondem frente ao Estatuto respectivo, porquanto são imputáveis diante daquela lei especial. (Des. Amaral e Silva, na Apelação Criminal 98.012388-7, Santa Catarina)

A medida imposta, por conta de uma contravenção ou um crime praticado, é derivada de um processo em que se discutiu a imputação e a responsabilidade do menor, não a sua imputabilidade em sentido estrito, penalmente.

Registrem-se:

          Na verdade, não existe diferença entre os conceitos de ato infracional e crime, pois, de qualquer forma, ambos são condutas contrárias ao Direito, situando-se na categoria de ato ilícito. (Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, de Wilson Donizeti Liberati Malheiros Editores, 4ª edição 1997, pág. 70)

Assim, não há diferença entre crime e ato infracional, pois ambos constituem condutas contrárias ao direito positivo, já que se situam na categoria do ilícito jurídico. (Estatuto da Criança e do Adolescente, de Paulo Lúcio Nogueira, Editora Saraiva, 1991, pág. 121)

Bom revelar, no momento, a posição defendida por Rosaldo Ebas Pacagnan, Juiz de Direito do Paraná, que fez as seguintes considerações sobre o assunto:

          E não se diga que não existe uma repreensão, uma pena lato senso, em graus variados. As medidas sócio-educativas à que fica sujeito o inimputável por idade (art. 112) trazem, além do sentido de alinhamento social (como o próprio nome diz), uma reprimenda, um castigo, na medida em que impõe ao infrator, na maioria das vezes, a prática de um comportamento em desacordo com a sua vontade, v. g., terá que reparar o dano, prestar serviços à comunidade, ser internado, submeter-se a tratamento médico, freqüentar escola. (RJ 211, maio de 95, pág. 22)

Para o Desembargador Amaral e Silva, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o menor responde a uma imputabilidade especial:

          Aos adolescentes (12 a 18 anos) não se pode imputar (atribuir) responsabilidade frente a legislação comum. Todavia, podendo se lhes atribuir responsabilidade com base nas normas do Estatuto próprio, respondem se submetendo a medidas sócio-educativas de inescusável caráter penal especial. (Obra citada)

Então, se imputabilidade é condição essencial para evidência da responsabilidade, e se a medida sócio-educativa é sanção, a prescrição também é principio garantista do Estatuto.

É sanção, segundo STJ:

          Constitucion–l - Menores – Remissão homologação judicial – CF/88, art. 5º, LV. O Ministério Público pode conceder a remissão com força de exclusão do processo. Urge, porém, homologação judicial, quando implicar aplicação de medida sócio-educativa. Embora não se trate de pena (sentido criminal), é sanção, garantido o contencioso administrativo (Const., art. 5º, LV. (ReS. nº 28.886–5 - SP. Rel. Min. VICENTE CERNICCHIARO. Sexta Turma. Unânime. DJ 05.04.93)

Decisões jurisprudenciais já declararam a prescrição em favor de adolescentes:

          Estatuto da Criança e do Adolescente. Ato infracional praticado por menor de 18 (dezoito) anos. Medidas sócio-educativas, de advertência e prestação de serviço a comunidade, aplicadas pelo prazo de 1 (um) ano. Aplicação das normas da parte geral do Código Penal. Inteligência do art. 226 do referido Estatuto. Prescrição. Ocorrência entre a data do recebimento da representação e da publicação do decisum condenatório. Decretação, de ofício, prejudicado o exame de mérito. (AP. CriM. nº 30.496, de São Miguel do Oeste-SC, Rel. Des. Alberto Costa)

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Processo especial. Ação delituosa praticada por menor de 18 (dezoito) an–s - Decorrência de mais de 2 anos entre a data do conhecimento judicial do fato à da decis–o - Pena inferior a 1 (um) a–o - Extinção da punibilidade pela prescriç–o - Aplicação do art. 226, do Estatuto da Criança e do Adolescen–e - Decretação de ofício. (Ap. Crim. 30.422, de Tubarão-SC, Rel. Des. Márcio Batista)

A prescrição não pode ser negada no presente caso. O ECA, ressalvada a hipótese do art. 183, § 3º, não a impede em parte alguma. Ademais, é justo, muito justo, que o Estado tenha um prazo para formar a conduta típica do menor e aplicar a sanção correta para que este encontre o adolescente ao menos próximo da situação vivida quando da prática do ato infracional.

O prazo prescricional, segundo Rosaldo Elias Pacagnan, deve ser igual ao previsto na lei penal, reduzido à metade em face da idade do adolescente, como ocorre com os que praticam crime antes de completar 21 anos.

O devido processo legal moderno não admite, por exemplo, que um menor de 12 anos de idade cometa uma contravenção penal (ato infracional) e o julgamento ocorra 8 anos depois, numa realidade totalmente diferente da época do fato. A analogia, a igualdade, não podem sucumbir diante de uma simples alegação de que o menor é inimputável penalmente, e a medida sócio educativa não é pena.

Todos os direitos e garantias assegurados aos maiores não podem ser negados aos adolescentes:

          Voltando ao caput, as garantias são exemplificativas, e por conseguinte, todas as outras garantias ou direitos assegurados aos imputáveis, em processo judicial, estão assegurados aos adolescentes. (Estatuto da Criança e do Adolescente, de Jeferson Moreira de Carvalho, Editora Oliveira Mendes, 1ª edição 1997, pág. I 7)

Se a prescrição não está no art. 111, do ECA, incisos exemplificativos, está implicitamente no artigo anterior (art. 110), que é profundamente abrangente.

Hoje, indiscutivelmente, o que a CF impõe é"a "ordem jurídica ju"ta", decorrente do acesso à Justiça e do devido processo legal com a sua amplitude.

Em março deste ano fiz este pedido ao Juiz da Infância e da Adolescência:

          Como dirigir sem autorização legal constituía contravenção penal à época do fato (art. 32, da LCP), o oferecimento de representação neste momento, depois de 2 anos (art. 114, I, do CP), fica impedido pela verificação da prescrição (art. 43, II, do CP, analogicamente), que é causa extintiva da punibilidade ANTE O EXPOSTO, e por tudo que dos autos consta, esta Promotoria de Justiça requer o arquivamento deste procedimento especial, uma vez que ocorreu a extinção da punibilidade pela prescrição, merecedora de reconhecimento.

E o Juiz de Direito Dr. Antônio Carneiro de Paiva Júnior concluiu brilhantemente:

          Ante os fundamentos expostos pelo culto Promotor de Justiça, reformando entendimento anteriormente defendido, concluímos pela possibilidade da extinção da punibilidade, ante a ocorrência da prescrição, também nas infrações cometidas por adolescentes. O princípio da igualdade jurídica, inserto na Norma Ápice (Art. 5º, I), aliada à natureza jurídica do instituto da prescrição indicam no sentido da mudança de entendimento. A prescrição, na forma regulada por lei, visa garantir a segurança das relações jurídicas, determinando limites de ação e estabelecendo regras de pronunciamento do Estado-Juiz. Neste aspecto protetivo, não há como excluir os menores de 18 anos desta seara legal. Assim, com razão o estudioso Promotor Público. Em sendo assim, considerando que o fato se deu em 17.02.96 e até esta data não houve pronunciamento judicial definitivo, a ação encontra-se prescrita, nos termos do art. 114, I, do Código Penal. ISTO POSTO, julgo extinta a punibilidade do agente, nos autos nº 04/96, e o faço nos termos do art. 114, I, ante a prescrição verificada. Remetam-se cópias desta decisão à D. Corregedoria-Geral de Justiça. P. R. I., após arquive-se com baixa. Coremas, 6 de abril de 1999. Juiz Antônio Carneiro de Paiva Júnior. Comarca de Coremas.


Recentemente, a CONSULEX, no Ano IV, VOLUME II, Nº 37, de 31 de JANEIRO DE 2000, publicou um acórdão do TJSC reconhecendo a prescrição superveniente em favor de um adolescente condenado a cumprir medida sócio-educativa:

EMENTA: Adolescente – Medida sócio-educativa – Prestação de serviço à comunidade – Prazo de seis meses – Prescrição superveniente – Inteligência do art. 226 do ECA – Recurso prejudicado.

DECISÃO: Por unanimidade, decretar, de ofício, extinta a punibilidade, pela ocorrência da prescrição da pretensão sócio-educativa, na forma superveniente, prejudicando o exame do mérito recursal. Custas ex lege. (TJSC – 2ª CCr. – AcR. nº 9813369-6 – Rel. Des. César Abreu – DJSC 05.11.99 – pág. 17)

Considerando que a prescrição existe para garantir a segurança das relações jurídicas, não se pode esquecer do magistério de Damásio E. de Jesus, que sustenta:

          (...) a prescrição penal não é ordenada em favor do agente ou do condenado, mas em face do interesse da sociedade. (Prescrição Penal, Editora Saraiva, 7ª edição, pág. 24)

É também em nome da segurança das relações jurídicas, interesse social, que se pede o reconhecimento da prescrição em favor dos adolescentes que praticam ato infracional.

Este trabalho serve para encorajar aqueles que verdadeiramente procuram o melhor para os adolescentes, cumprindo fielmente com os objetivos do Estatuto.

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Sobre o autor
Alexandre César Fernandes Teixeira

promotor de Justiça na Paraíba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Alexandre César Fernandes. Prescrição da ação que apura infração praticada por adolescente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1654. Acesso em: 26 dez. 2024.

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