O legislador infra-constitucional pátrio, ao editar a Lei n° 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), erigiu a condição de ação pública à denominada ação de representação para apuração da prática de ato infracional, ex vi do art. 180, III combinado com os arts. 182 e seguintes, do diploma legal especial ora mencionado. Tal ação, de cunho nitidamente público, foi estabelecida com o escopo precípuo do Estado tutelar e fazer observar as regras específicas no próprio estatuto prefalado. A ação, ora narrada, vem fazer face à prática de ato infracional praticado por adolescente, ato este descrito no art. 103, do ECA, como a conduta capitulada como crime ou contravenção penal.
O próprio diploma legal especial, em comento, dita que aplicar-se-ão, subsidiariamente, aos procedimentos estabelecidos pelo ECA, as regras ditadas pela legislação processual pertinente(art. 152, ECA). Entretanto, a questão que se lança à discussão neste humilde arrazoado, é a possibilidade ou não do magistrado, condutor do feito, ao ser ajuizada ação de representação, denominada pelos doutos como "...ação sócio-educativa pública..." (Munir Cury e outros, in Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, Malheiros, p. 508), de receber ou não, a representação, nos moldes da análise pré-admissional realizada nas peças de denúncias criminais.
Ao nosso limitado sentir, vislumbra-se que não existe no diploma legal especial prefalado, a figura do recebimento ou do não recebimento/rejeição da peça de representação erigida à condição de ação pelo estatuto da Criança e do Adolescente. Aplicamos, em primeira análise, a análise gramatical do artigo 184, caput, da Lei n° 8.069/90 (ECA), o qual reza, in verbis, que oferecida a representação, a autoridade judiciária designará audiência de apresentação.... Tendo em vista que é princípio basilar da análise jurídica do texto legal, de que não devem existir palavras inúteis na própria lei, verifica-se que o legislador nada asseverou sobre análise pré-admissional da representação, determinando, de forma cogente, que a autoridade judiciária designe audiência de apresentação do adolescente.
Respeitadas as opiniões em contrário, brilhantes diga-se de passagem, tem-se que o fundamento maior destes entendimentos se vincula ao art. 152, supra descrito, o qual determina a aplicação aos procedimentos do ECA, das regras estampadas na legislação processual pertinente.
Desta feita, utiliza-se, neste raciocínio, que a autoridade judiciária, assim como é feito na análise da peça de denúncia criminal, poderia receber ou não tal pedido, consoante a terminologia aplicada aos procedimentos criminais. Entretanto, concessa venia, vislumbra-se que o legislador processual penal estabeleceu os requisitos da denúncia ou queixa no art. 41,do CPP., determinando, de forma cogente que tais peças caso ocorresse um dos fatos elencados no art. 43 e incisos I a III, do diploma processual penal.
No que se refere à ação de representação, relembrando-se tratar de ação nova instituída pelo ECA., nota-se que o legislador não trouxe neste diploma legal especial norma reguladora de pré-admissão da peça vestibular da mesma. Tanto é certo que no art. 182, §§1° e 2°, do ECA, o legislador menorista trouxe elencados os requisitos mínimos da representação e, de maneira clara, ditou que esta peça independe de prova pré-constituída da autoria e da materialidade. Afastado restou, neste raciocínio, o rigor formalista do processo penal, denotando que, havendo os requisitos mínimos, a representação ofertada deve dar vazão à instauração da ação pertinente, iniciando-se com a designação de audiência de apresentação e eventual análise sobre internação provisória ou sua manutenção (art. 184, caput, ECA).
É óbvio que a peça de representação deve conter, em seu bojo, os requisitos formais mínimos (art. 182, §1°, ECA), bem como estarem presentes as condições da ação(possibilidade jurídica do pedido, legitimidade ad causam e interesse de agir).
Entretanto, analisando-se as denominadas condições da ação, à luz do estatuto da Criança e do Adolescente, tem-se que à autoridade judiciária restou limitada, ao extremo, o campo da chamada análise pré-admissional da representação. A autoridade judiciária somente poderia indeferir a peça exordial, e não rejeitar ou não recebê-la, quando não for o pedido, juridicamente possível, (p.ex., representação contra ato praticado por pessoa maior de dezoito anos), ou quando não ter, o representante, legitimidade ad causam (representação firmada por advogado habilitado).
No que se refere ao interesse de agir, nota-se que o legislador menorista impediu tal análise prévia à autoridade judiciária, pois levou tal análise, a nível de concessão de remissão judicial, para a audiência de apresentação do adolescente representado, ex vi do art. 186, §1°, do ECA.
Assim sendo, à autoridade judiciária não caberia, a princípio, receber ou rejeitar/não receber a peça de representação e sim, regra geral, designar audiência de apresentação e se pronunciar sobre internação provisória e, somente em casos excepcionalíssimos, indeferir a peça vestibular, quando for o caso.
Para acobertar tal raciocínio, relembra-se que o legislador menorista adotou o sistema recursal processual civil (art. 198, ECA), sendo que, em caso de indeferimento da peça de representação, o recurso cabível seria o da Apelação, o qual é o remédio idôneo para atacar o ato de indeferimento de petição inicial (art. 296, CPC).
Por estas maltraçadas linhas é que ouso levantar tal questão, indicando que a atitude indicada pela legislação menorista vigente, à autoridade judiciária, seria, em casos excepcionais, o indeferimento da peça de representação e não o seu recebimento ou não recebimento/rejeição, como é observado nas lides forenses de nosso Estado.