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Representação sócio-educativa. Maioridade civil alcançada pelo representado.

01/11/1999 às 01:00
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I – INTRODUÇÃO

Praticado um ato infracional por um adolescente, não sendo caso de remissão ministerial preconizada no Estatuto Menorista, o Parquet oferecerá Representação à autoridade judiciária para a apuração do ato precitado, tudo com o escopo de aplicar-se posteriormente a medida sócio-educativa que demonstrar ser mais conveniente ao caso concreto (artigo 182, caput, ECA).

A ação, ora narrada, vem fazer face à prática de ato infracional praticado por adolescente, ato este descrito no art. 103, do ECA, como a conduta capitulada como crime ou contravenção penal.


II - AÇÃO DE REPRESENTAÇÃO - APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL PERTINENTE

A ação de Representação de cunho eminentemente público foi criada pelo legislador para a efetiva tutela estatal da observâncias das regras específicas do próprio Estatuto Menorista no que se refere à prática de ato infracional.

O próprio diploma legal especial, em comento, dita que aplicar-se-ão, subsidiariamente, aos procedimentos estabelecidos pelo ECA, as regras ditadas pela legislação processual pertinente(art. 152, ECA).

A prefalada ação foi instituída pelo Estatuto Menorista sem o formalismo processual penal exacerbado pelo que em nosso humilde entender a aplicação subsidiária daquele modelo processualista não deve ser adotada para o rito processual da referida ação, utilizando-se em consequência as regras preconizadas no diploma processual civil.

aplicação subsidiária, que haja um ordenamento legal a ser aplicado nas lacunas existentes na Lei nº 8.069/90, sendo possível analisar-se com mais profundidade as questões pertinentes ao ato infracional - conduta do adolescente / ato praticado / conduta pretérita / consequências - tudo para que, ao final, seja aplicada medida sócio-educativa eficaz para a recuperação daquele ser em desenvolvimento. Ocorre que tal entendimento não descarta a utilização de preceitos do ordenamento processual penal e congênere, o que efetivamente ocorre em alguns casos e principalmente quando tais preceitos não podem ser encontrados ou adotados via do diploma processual civil.

A doutrina dita que aos "...procedimentos regulados pelo Estatuto aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual civil ou penal que forem pertinentes. O Estatuto se refere em diversas disposições não só à legislação processual civil e penal, como também à legislação ordinária..."(1).


III - CUMULAÇÃO DE AÇÕES DE REPRESENTAÇÃO EM ANDAMENTO

A questão crucial a que se propõe o presente artigo é o da possibilidade jurídica e conveniência de eventual cumulação de ações de representação em andamento na forma da legislação vigente.

A regra de competência advém de regras judiciárias pertinentes para a aplicação da lei pelo Estado, visto que a composição da lide é função pública privativa, executada via do atributo soberano da Jurisdição. No caso da prática de ato infracional, o legislador menorista previu que será competente a autoridade do local da ação ou omissão, observadas as regras de conexão, continência e prevenção ex vi do artigo 147, §1º, do ECA.

Entretanto, a aplicação das regras de conexão e continência em ações de representação em andamento não tem aplicação segundo o espírito do Estatuto da Criança e do Adolescente. A aplicação, vislumbrada nas lides forenses, é somente cabível na formulação de representação pela prática de ato(s) infracional(is) praticados pelo mesmo adolescente ou por adolescentes diversos em co-autoria ou participação. Verifica-se, pois, que existindo mais de uma ação de representação em andamento contra o mesmo adolescente, por atos infracionais diversos, não se aplica a reunião de tais processos para julgamento final unificado de tais ações ou omissões infracionais.

É da legislação processual civil que reputam-se conexas duas ações quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir ex vi do artigo 103, do Diploma Processual Civil. A doutrina leciona que duas são as modalidades de conexão: pelo objeto comum e pela mesma causa de pedir, sendo que "...a primeira forma de conexão, se dá quando nas diversas lides se disputa o mesmo objeto... omissis ...A segunda forma de conexão é a que se baseia na identidade de causa petendi que ocorre quando as várias ações tenham por fundamento o mesmo fato jurídico..." (2).

Acerca da prevenção reza a legislação vigente que se dá quando há explícita ocorrência de conexão ou continência entre ações que correm em separado, considerando-se prevento o Juízo, dentre os de mesma competência territorial, que despachou em primeiro lugar (artigo 106, C.P.C.).


IV - INVIABILIDADE DE REUNIÃO DE AÇÕES DE REPRESENTAÇÃO EM ANDAMENTO

A consequência legal para a aceitação de conexão ou continência entre ações diversas em andamento, propostas em separado, é a reunião das mesmas para que sejam decididas simultaneamente nos termos preconizados no artigo 105, do C.P.C. Cria-se, para fins de análise, a hipótese de existir contra o adolescente CBF duas ações de representação movidas pelo Ministério Público, sendo a primeira pela prática do ato infracional de homicídio doloso e a segunda pela prática de ato infracional de furto simples, verificando-se que ambas encontram-se em andamento. Tendo em vista que, em tese, as infrações foram praticadas na mesma data, quase que em sequência pelo mesmo infrator, alguns defenderiam a ocorrência de continência por ter sido praticada, em tese, em concurso material (artigo 77, inciso II, C.P.P.).

Entretanto, mesmo que fosse aceita a tese de aplicação subsidiária do diploma processual penal in casu, verificar-se-ia que a reunião de tais ações redundaria em ineficiência e procrastinação jurídicas, pois não se leva em conta no julgamento final, em ações de representação, uma análise subjetiva dos fatos conectada diretamente com cálculo aritmético de ‘pena’, mediante os princípios de dosimetria de pena prevista nos diplomas penal e processual penal, assim como ocorre na ficção jurídica do concurso formal/material e crime continuado.

Verifica-se que não se aplicam cumulativamente medidas sócio-educativas diversas, pois no caso indicado para o ato infracional de homicídio doloso poder-se-ia inclusive ser aplicada ao final a medida sócio-educativa de internação (art. 122, I, ECA), enquanto que no furto simples, ausente a violência ou grave ameaça, não poderia, em tese, ser aplicada a medida sócio-educativa de internação. A autoridade judiciária, portanto, em uma eventual reunião de ações de representação, com exceção somente de aplicação de medida sócio-educativa idêntica, não poderia aplicar cumulativamente medidas diversas, o que seria naquele procedimento inviável.

Por outro turno, caso fosse possível a unificação de ações de representação já em andamento, verifica-se que vários atos processuais teriam que ser repetidos, permitindo-se a ampla defesa e o contraditório, dificultando-se de sobremaneira a conclusão e julgamento dos fatos atribuídos ao adolescente.


V - AJUIZAMENTO DE REPRESENTAÇÃO PELA PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL EM CO-AUTORIA OU PARTICIPAÇÃO

Verifica-se, contudo, totalmente viável o ajuizamento de Ações de Representação para apuração de ato(s) infracional(is) praticados em co-autoria ou com participação de mais de um adolescente.

Tal entendimento é fundado no fato de que havendo co-autoria ou participação há a existência clara de conexão pela idêntica de causa de pedir, visto que o fato jurídico - ato infracional praticado - é o mesmo por parte dos adolescentes, sendo que suas condutas deverão ser avaliadas ou em co-autoria ou em cooperação, aplicando-se a cada um, ao final, as medidas sócio-educativas adequadas individualmente.

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VI - EXECUÇÃO DE MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS APLICADAS EM AÇÕES DE REPRESENTAÇÃO DIVERSAS

Questão consecutária do raciocínio supra desenvolvido é o de qual regra a ser aplicada no caso de aplicação de medidas sócio-educativas diversas em procedimentos distintos. Tomando-se, ainda, o caso do adolescente CBF caso lhe fossem aplicadas as medidas de internação - homicídio doloso - e seis meses de prestação de serviços à comunidade - furto simples - indagar-se-ia como se faria a execução de ambas.

É óbvio que a medida sócio-educativa de internação deverá ser aplicada inicialmente, segundo suas regras e recordando-se que a mesma não comporta prazo determinado, devendo ser revisada de seis em seis meses, e não podendo exceder três anos (artigo 121, §§2º e 3º, ECA). Neste sentido também entende a jurisprudência que leciona que no que se refere à medida de internação "...há que se ressaltar, contudo, que o art. 121, parágrafo 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe que: "A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses" (3).

A aplicação da medida sócio-educativa de prestação de serviços à comunidade ficará sobrestada até o efetivo cumprimento da medida anteriormente indicada. Caso o adolescente CBF cumpra a medida de internação antes de completar vinte e um anos, poderá ser imposto o cumprimento da medida de prestação de serviços à comunidade, desde que antes que complete a prefalada idade de vinte e um anos. Isto porque não se aplica à prática de ato infracional os prazos prescricionais dos delitos e contravenções penais descritos na legislação pátria. É da jurisprudência que não se aplicam os "prazos prescricionais estabelecidos na Parte Geral do Código Penal"(4).

Por outro turno, verifica-se que a regra geral mais condizente com o ordenamento menorista, concessa maxima venia, é a de que executa-se inicialmente a medida sócio-educativa mais severa aplicada, seguindo-se a aplicação da(s) outra(s) menos severa(s) aplicadas ao mesmo adolescente. Entretanto, ao nosso sentir, data maxima venia, talvez a única possibilidade jurídica de aplicação cumulativa de medida sócio-educativa seria no caso de serem aplicadas, em processos distintos, medidas de prestação de serviços à comunidade, quando os períodos destas poderiam ser unificados.

No caso do adolescente CBF, caso este tivesse recebido a imposição de duas medidas de prestação de serviços à comunidade com os períodos de dois e três meses respectivamente, nota-se que aquele poderá cumprir o período de cinco meses de prestação de serviços à comunidade perante o Juízo competente pela prevenção na forma da lei.


VII – CONCLUSÃO

Do arrazoado supra exposto, conclui-se que existindo ações de representação diversas movidas contra o mesmo adolescente não há necessidade de aplicação das regras de conexão e continência para fins de reunião dos prefalados processos, sob pena de ineficácia e entrave processual que poderão inclusive procrastinar uma decisão final adequada ao adolescente mediante os atos praticados e sua conduta pretérita. É necessário, entretanto, que a ocorrência de tais processos sejam oficialmente comunicados em cada um dos feitos para análise final acerca das condutas do adolescente autor de ato infracional e da medida sócio-educativa que restar comprovada como mais eficaz para sua recuperação.

Pode-se, entretanto, ser ajuizada Ação de Representação pela prática de ato infracional em co-autoria ou com participação de mais de um adolescente na forma da lei. Existindo a aplicação de medidas sócio-educativas diversas, em procedimentos autônomos, aplicam-se as medidas denominadas mais graves em primeiro plano, seguindo-se das menos severas, havendo unificação de períodos somente no que se refere à medida sócio-educativa de prestação de serviços à comunidade (artigo 117, ECA).

Ressalta-se, finalmente, que qualquer medida sócio-educativa poderá ser imposta ou executada até que o adolescente complete a idade de vinte e um anos quando nenhuma daquelas medidas poderão ser impostas ou executadas na forma da lei, visando-se unicamente a recuperação do indivíduo em desenvolvimento e sua reinserção no seio social para alcançar-se a tão almejada paz social!!


NOTAS

1)Paulo Lúcio Nogueira, in Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, Saraiva, 1991, p. 225
2)Humberto Theodoro Júnior, in Curso de Direito Processual Civil, Volume I, 10ª ed., Forense, 1993, p. 179
3)TJ-SC - Ac. unân. da 1ª Câm. Crim., publ. em 16.11.94 - Ap. 31.569 - Rel. Genésio Nolli
4)TJ-PR, Ac. nº 7153, de 21.11.94, unân., C.M., Agr. Inst. nº 94.0001469-4, Rel Des. Tadeu Costa

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Sobre o autor
Divino Marcos de Melo Amorim

promotor de Justiça em Goiás, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do MP/GO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Divino Marcos Melo. Representação sócio-educativa. Maioridade civil alcançada pelo representado.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 36, 1 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1660. Acesso em: 22 dez. 2024.

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