O direito de acesso à terra em razão da moradia
é universal. Os governos em todos os níveis devem
garantir jurídica e materialmente esse direito a todos
os cidadãos independentemente de sua condição
social e econômica. Para evitar novas tragédias e
a do processo legal que se seguirá, e para aliviar a questão
fundamental, que é a própria tragédia da
vida dos sem-terra autênticos, que não são
necessariamente aqueles que carregam as bandeiras do movimento
que lhes toma o nome, o importante é caminhar na direção
de resolver o problema na sua origem.
A Constituição declara que toda a propriedade possui
uma função social conforme seu artigo 5 , inciso
XXIII) A Carta Magna dispõe , ainda, sobre a política
agrícola e fundiária e da reforma agrária
no capítulo II título VII , contendo oito artigos
e referindo-se à propriedade , à desapropriação
, às áreas factíveis de serem desapropriadas,
à tipologia da indenização decorrente, asseverando
que a política agrícola deve ser compatibilizada
com a reforma agrária
A política fundiária no Brasil é marcada
pela expansão exploração capitalista da terra
a peso de violência dos processos expropriatórios
e o genocídio , pôr exemplo . Segundo Otávio
Mello Alvarenga "Nossa imaturidade agrarista salta aos olhos
, com a desobediência quotidiana das normas que figuram
nos Códigos , são repisadas pelas autoridades administrativas
, mas deixam de ser respeitadas e cumpridas pela população",
e para prejudicar mais ainda as relações agrárias
é posta em nossa legislação uma lei que dificulta
a política agrária como resume o professor Fábio
Alves do Santos diz que "de maneira quase unânime as
diversas correntes pró-reforma Agrária reconhecem
a lei 8.629 de 25 de fevereiro de 193 como a pior que a legislação
anterior , sobretudo o Estatuto da Terra , protegendo mais os
interesses dos proprietários e dificultando sobremaneira
a desapropriação pôr interesse social dos
imóveis rurais"
A reforma agrária apregoada pela Constituição
funciona como uma espécie de sanção para
o imóvel que não esteja cumprindo sua função
social é a desapropriação pôr interesse
social, ou seja é um programa do governo , plano de atuação
estatal , mediante intervenção do Estado na economia
agrícola , não para destruir o modo de produção
existente , mas apenas para promover a repartição
da propriedade e da renda fundiária. Com o objetivo de
promover o acesso à propriedade rural mediante a distribuição
ou redistribuirão de terras.
O momento político gerado pelo que aconteceu em Eldorado
dos Carajás deve ser aproveitado também para retomar
uma boa idéia que continua mofando nas gavetas e corredores
de Brasília, qual seja, a de passar o Imposto Territorial
Rural (ITR) para a esfera dos Estados ou até mesmo dos
municípios. Não há condições
de administrá-lo a partir de Brasília, que não
tem condições de definir regras - por exemplo, de
módulos rurais - para todo o País, nem de conhecer
o valor da terra e outros detalhes indispensáveis a uma
política de utilizar o tributo como instrumento para desencorajar
o uso improdutivo da terra e a concentração da propriedade.
Nem tem sentido a tentativa de montar lá um enorme aparato
burocrático para isso, pois ante a dimensão e a
natureza do problema a descentralização se apresenta
como solução mais adequada, podendo, de qualquer
forma, ser sujeita a algumas regras de alcance nacional. É
oportuno, ainda, criar varas jurídicas, bem como procedimentos
processuais e cartoriais diferenciados para julgar ações
e proceder aos registros imobiliários da regularização
fundiária urbana
Onde há conflitos de terra historicamente localizados -
como no Pontal do Paranapanema, em São Paulo, e nessa região
do Pará -, o governo precisa retomar a iniciativa e sair
na frente com soluções rápidas de desapropriação
e distribuição. Há décadas vem procrastinando
uma solução e progressivamente foi acuado pelos
sem-terra com suas ocupações e provocações,
que, entretanto, na falta da iniciativa governamental, acabam
tendo um quê de justificável. Do jeito que está,
vale a máxima do futebol: quem não faz acaba tomando
gols.
A ofensiva do governo federal no setor agrário, anunciada
há alguns meses com duas medidas de impacto - linha de
crédito fundiário no BNDES e alterações
nas regras de desapropriações - provocou um realinhamento
nas forças de oposição política no
campo. As medidas uniram setores que até agora vinham sustentando
ações diferentes. Líderes do Movimento dos
Sem-Terra (MST), da Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Agricultura (Contag), além de membros da Igreja, por
meio da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), articulam uma reação
conjunta contra as medidas.
Para os líderes sem-terra, o decreto que impede vistorias
em áreas invadidas definiu de vez de que lado está
o programa de reforma agrária governamental. "Eles
querem fazer uma reforma agrária de balcão de negócios
e assumiram o projeto da UDR" segundo o líder nacional
do MST.
Enfim, para bem enfrentar o problema dos sem-terra, o governo
precisa sair dessa situação em que é visto
sem nada para oferecer. Precisa aprimorar seu órgãos
de desempenho da reforma agrária pois como afirma a pesquisadora
Lígia Maria Osório Silva "O Incra tem um desempenho
patético", afirma ela, lembrando que até hoje
o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), órgão encarregado da política fundiária
no País, não sabe a localização exata
de terras que poderiam ser usadas para assentamentos. "O
cadastro de terras dos EUA estava pronto em 1810", compara.
A distribuição de terras deve ocorrer também
onde houver condições de aliviar situações
de forte desigualdade social, diagnosticadas como de solução
prioritária Segundo o Professor Antônio José
de Matos Neto a posse agrária deve ser um instrumento apto
a multiplicação da riqueza , devendo estar adequadamente
ordenada para contribuir com o desenvolvimento e paz social. Já
aos conflitos artificialmente provocados o governo tem de resistir,
pois do contrário perderá o controle do processo
e nunca terá dinheiro nem aparato legal e policial para
solucionar todos os casos que poderão surgir. Nessa resistência,
precisa estar preparado - em particular a polícia - para
não causar tragédias. Aliás, é bom
lembrar que já houve muitas ocupações revertidas
sem maiores problemas e, ainda recentemente, houve uma passeata
de sem-terra em São Paulo, na qual a polícia se
revelou competente para superar situações potencialmente
conflituosas, como os problemas causados ao trânsito e reações
dos manifestantes ou contra eles.
A participação efetiva do público alvo na
execução dos programas de regularização
fundiária é vital não só para adequá-las
as expectativas da população, mas também
para que os ocupantes destas terras exercitem a sua cidadania.
Na definição dos instrumentos legais para a regularização
fundiária deve-se adotar a negociação como
forma de relação entre planejadores, executores
e ocupantes evitando imposições e incentivando a
discussão de princípios e práticas que favoreçam
a melhoria da qualidade de vida e fortalecimento da cidadania.
Em conclusão podemos asseverar que as políticas
governamentais de acesso a terra no Brasil não conseguem
promover um pacto político de sustentação
para um projeto de redistribuição de terras. Essa
crônica incapacidade de articulação tem sido
responsável por uma histórica criação
de expectativas, seguidas de frustrações, com projetos
de colonização que nascem e morrem no papel. Na
raiz desse processo há um poderoso jogo de interesses bancado
no século passado por fazendeiros que começaram
a amealhar fortuna como posseiros de grandes áreas públicas,
hoje sucedidos por grupos empresariais proprietários de
fazendas altamente mecanizadas. Reforma Agrária não
consistente apenas na entrega da terra a quem não tem e
a quer , precisamos sim de uma reforma acoplada à política
agrícola , integral, única que responda aos anseios
do homem sem terra.
Sou advogado há mais de 20 anos e trabalho com uma equipe de 10 advogados aptos a prestar serviços jurídicos em todas as áreas do Direito em Belém, Brasília e Portugal. Advogado militante em Belém, foi Conselheiro e Presidente da Comissão em Direito da Informática da OAB/PA, Ex-Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, especialista em Direito da Informática; Assessor da OMDI- Organização Mundial de Direito e Informática; Membro do IBDI- Instituto Brasileiro de Direito da Informática; Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico -IBDE ; Colaborador de várias revistas e jornais da área jurídica nacionais e estrangeiros tendo mais de 400 (quatrocentos) artigos publicados; autor e co-autor de livros jurídicos; palestrante a nível nacional e internacional. Site: www.mariopaiva.adv.br email: [email protected]
PAIVA, Mario Antonio Lobato. Acesso à terra e políticas governamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 22, 28 dez. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1674. Acesso em: 23 nov. 2024.
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