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Crimes de racismo.

Crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional

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29/06/1997 às 00:00

Resumo:


  • A Lei 9459/97 alterou a Lei 7716/89, ampliando o alcance das punições para crimes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, com penas de até cinco anos de reclusão e multa.

  • O crime de racismo é considerado inafiançável e imprescritível pela Constituição Federal, e a Lei 9459/97 reforça essa posição, tratando o racismo como crime formal, independente dos resultados de sua prática.

  • Decisões judiciais têm reforçado o combate à discriminação e ao preconceito, aplicando a legislação vigente e reforçando a importância do respeito à dignidade humana e à igualdade de direitos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1 - CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

A Lei 9459, de 13 de maio de 1997, corrigiu a Lei 7716, de 15 de janeiro de 1989, modificando os artigos 1º e 20, e revogou o artigo 1º da Lei 8081 e a Lei 8882, de 3.6.94. A lei pune, com penas de até cinco anos de reclusão, além das multas, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, de cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Minorada a questão ideológica, com a queda do muro de Berlim e o desmoronamento da outrora indestrutível e poderosa União Soviética, o ingresso da Rússia na OTAN, com o conseqüente fim da guerra fria, a sociedade humana vive hoje, paradoxalmente, ranços de um fundamentalismo de todas as correntes religiosas se alastrando, desastradamente, por toda a parte, o que é verdadeiramente aterrador. É tão nefasto quanto o era a discriminação político - ideológica e racial de tempos não tão longínquos. O que parecia sepultado, para todo o sempre, nas cinzas do passado, recrudesce com mais intensidade, atingindo as raias do absurdo.

Tribos, etnias, religiões e grupos nacionais são os ingredientes da moderna intolerância, perseguição e matança em massa. O genocídio de outrora substitui-se ao feroz morticínio de agora. Passa-se de um holocausto para outro.

A discriminação (1) ou o preconceito não é tema novo. Surge, na antigüidade, com os regimes escravagistas e presas de guerra.

Os indígenas e os negros foram as grandes vítimas no Novo Mundo e mereceram de José de Alencar, Gonçalves Dias e Castro Alves as mais belas e imorredoiras páginas que gravaram, para sempre, na literatura pátria, a agonia, o sofrimento, as lutas, a morte e o martírio, mas também o retrato de sua alma pura e lacerada, em busca da libertação, o grito alucinante de um corpo em infinita lassidão, na noite da escravidão.

Os judeus, os cristãos novos e os mouros ressentiram-se, no Brasil, das leis lusitanas, que impediam, na Colônia, o livre acesso aos cargos públicos, aos postos mais importantes, o casamento de cristãos velhos com pessoas oriundas desses grupos (2), os judeus de entrarem na casa de cristãs e vice versa (3) ou determinaram que "os judeus e os mouros forros (4) saiam desses reinos e não morem nem estejam neles. (5)"

Esse constrangimento desumano, fruto da mais absurda, dolorosa, e brutal era da Inquisição, que maculou para sempre a história humana, produziu um Antonio José da Silva, gênio que marcou sua época. Mais recentemente, a velha e revolucionária França, que forneceu à humanidade a igualdade, a liberdade e a fraternidade, viu-se de repente acossada pela mancha do caso Dreyfuss, que mereceu de Victor Hugo o L’ACUSE, e a Alemanha Nazista, com Hitler, sangrou os homens com o execrável genocídio nazista, apesar de um passado glorioso, com os gênios da música, da filosofia, da arte e da literatura.

As atrocidades nazistas, durante o II Grande Conflito Mundial, faz nascer concretamente o crime de genocídio, tendo os aliados aprovado, em Londres, aos 8 de agosto de 1945, os estatutos do que viria ser o Tribunal Militar Internacional, que funcionou em Nuremberg, com a participação dos EUA, França, Inglaterra e URSS, para julgar os crimes contra a paz (o planejamento, a preparação, a iniciação ou a execução de guerra de agressão ou que violasse acordos, tratados internacionais, seguranças ou a participação em plano comum ou a conspiração para executar quaisquer de tais atos; contra a humanidade (assassinatos, exterminação, escravidão, deportação e outros atos desumanos cometidos contra qualquer população civil, antes ou durante a guerra, ou perseguições por motivos políticos, raciais ou religiosos, em execução ou em conexão com qualquer crime da jurisdição do tribunal, constituíssem ou não violação da legislação interna do país onde os fatos se tivessem realizado); e, finalmente, os crimes de guerra (violação das leis ou dos costumes da guerra, como os assassinatos, maus tratos, deportação para trabalhos forçados ou para qualquer outro fim, de populações civis dos territórios ocupados ou que neles se encontrassem, assassinatos ou maus tratos de prisioneiros de guerras ou de pessoas nos mares, execução de reféns, despojamento da propriedade pública ou privada, injustificável destruição de cidades, povos, aldeias e devastação não justificadas por necessidades militares).

A Carta da ONU e da OEA abominam intransigentemente a discriminação, erigindo como um dos seus objetivos maiores sua extirpação.

O crime de genocídio, cuja expressão fora cunhada pelo polonês Lemkim, foi adotado pela Convenção da ONU, aprovada, em Paris, em 9 de dezembro de 1948, para entrar em vigor, em 12 de janeiro de 1951, após a ratificação por vinte e dois países. O Brasil fê-lo, em 15 de abril do ano seguinte, promulgando-o através do Decreto 30 822, de 6 de maio deste mesmo ano (6).

Com fonte nesse tratado e ainda sob os efeitos da hecatombe que dizimou milhões de pessoas inocentes e maculou, para sempre, com sangue e dor, este período da história, foi editada a Lei 2 889, de 1O de outubro de 1956, definindo o crime de genocídio como o comportamento com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso - e, com extrema sensibilidade, não o considerava crime político, para efeito de extradição, corroborando, induvidosamente, o espírito do povo brasileiro, avesso a qualquer discriminação, já que produto de um amálgama de povos e etnias, às mais diversas, desde suas origens.

A Lei 8072, de 25 de julho de 1990, inspirado no inciso XLIII do artigo 5º da Constituição, considerou o genocídio crime hediondo, ainda que apenas tentado, sendo, pois, insuscetível de anistia, graça ou indulto, cumprindo o réu a pena integralmente em regime fechado.

Pelo Decreto 21.177, de 27 de maio de 1946, o Brasil promulgou a Convenção sobre o Fundo Monetário Internacional - FMI e sobre o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento - BIRD, que trata também dos haveres dos inimigos e propriedade saqueada, durante a Segunda Grande Guerra. Aos 21 de maio deste mesmo ano, o Presidente da República, por decreto (7), constitui a Comissão Especial de Apuração de Patrimônios Nazistas.

Ainda, hoje, perdura essa nefasta situação, nas diversas regiões do planeta, como o demonstram as atrocidades na África, Ásia, Europa, América, nos confins do mundo ou no dito primeiro mundo civilizado. A segregação é tão má quando praticada pela maioria, quanto pelas minorias, que vêm nisso uma foram de se proteger.

O Direito Brasileiro, não obstante, teceu uma crescente e salutar evolução, no que diz respeito à proteção das minorias e do ser humano, para integrá-los, na sociedade e banir o preconceito ou a discriminação, seja qual for, conquanto a questão não seja apenas jurídica, senão e principalmente econômica, social, educacional e de formação, sem se apartar da consciência. Esse fenômeno está extremamente ligado à liberdade.

Sem dúvida, essa avançada trincheira jurídica é um passo bem largo, nesta longa trajetória, visando o aperfeiçoamento espiritual do homem, através dos séculos. Afinal, o verdadeiro direito é aquele que anda de mãos dadas com a justiça social e com a realidade. E quiçá com a evolução do espírito humano.

A lei é amostra de comportamento que projeta a consciência social de um povo e de uma era e deve-se harmonizar com as novas realidades e tendências que despontam, para não se apartar de vez do homem e fenecer solitária.

No Império, não era melhor a situação desses desafortunados seres. A primeira Constituição brasileira, de 1824, manteve a religião católica apostólica romana como a religião oficial do Estado, sendo toleradas as demais, com seu culto doméstico ou particular, em casas para isto destinadas, mas sem forma exterior de templo.

O Código Penal do Império considerava crime a perseguição por motivo de religião, se respeitada a do Estado e não ofendesse a moral pública. Só que o real significado da moral pública era uma incógnita! E a pena contra quem cometesse esse delito era apenas de um a três meses de detenção (8). Ironicamente, a prática de atos resultantes de preconceito de cor, raça, sexo ou estado civil, era catalogada, como contravenção penal, pela Lei Afonso Arinos, de 1951, até o advento da Lei 7716, e suas penas eram também apenas simbólicas, como as ditadas pelo Código Imperial.

As Constituições republicanas, desde a primeira, de 1891, vêm-se pautando, contudo, pela igualdade de direitos e proibição de qualquer discriminação religiosa, racial ou de outra ordem, lapidando e desbastando a pedra bruta e cortando as arestas com o cinzel da sabedoria e da inteligência.

A Carta Política de 1891 não só igualou a todos perante a lei, como permitiu que todos os indivíduos e confissões religiosas exercessem pública e livremente o seu culto, consagrando o caráter secular dos cemitérios, sem obstar a liberdade de todos os cultos religiosos praticarem seus respectivos ritos em relação a seus crentes, desde que não ofendessem a lei e a moral pública, muito bem lembrada por João Barbalho (9), traduzindo a bíblica recomendação da fraternidade e do congraçamento humano.. Desde a edição do Decreto 119-A, de 17 de janeiro de 1890, a Igreja e o Estado estão efetivamente separados.

A Lei Maior de 1934 repetiu o Diploma Constitucional anterior e homenageou o princípio da inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contrariassem a ordem pública e os bons costumes. Também os cemitérios continuaram a manter o caráter secular, com a liberdade de todos os cultos e a previsão constitucional de que as associações religiosas poderiam manter cemitérios particulares.

A Constituição de 1937, a Polaca, nominalmente, propiciou a liberdade de culto, podendo, para esse fim, manter a associações de caráter religioso e confessional. De forma mais modesta e econômica, na descrição, também, os cemitérios mantiveram o caráter secular.

A Constituição, pós-ditadura, de 1946, com uma elasticidade que demonstra seu profundo apego à democracia, convolou a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, garantido o livre exercício dos cultos religiosos. Os cemitérios continuaram a ter o caráter secular, permitida a prática religiosa por todas as confissões e manutenção de cemitérios particulares por associações religiosas.

A Lei Magna de 1967 e a Emenda nº 1, de 1969, não só mantiveram o princípio de igualdade de todos perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas, como inauguraram a constitucionalização do crime de preconceito de raça.

A Magna Carta de 1988, relatada pelo atual Senador Bernardo Cabral, distinguiu esse crime com sede própria, entre os direitos e deveres individuais e coletivos, no Título destinado aos Direitos e Garantias Fundamentais, prevendo que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, como já o fazia a carta anterior (10), sujeito à pena de reclusão (mais grave que a mera detenção), cabendo sua definição à lei. E, mais, não satisfeito, com esta garantia, o constituinte deferiu à lei a punição de qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (11). A Carta também constitucionalizou a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, determinando que a lei os considere inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia (12).

Entretanto, o eminente Desembargador Alcino Pinto Falcão, comentando esse dispositivo, afiança "que não há texto semelhante, em outros Diplomas pátrios ou estrangeiros; um particularismo, pois, do inciso em comentário, que, parece, por míngua do material interno, ter mais um objetivo proclamatório, como o da Declaração da Revolução francesa (África do Sul, o endereço certo!)." (12)

Outrossim, erigiu, entre os objetivos fundamentais da República, a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Os nativos indígenas, bem como os negros, eram considerados coisas e podiam ser vendidos, como parte da terra, e os judeus, segregados, por leis que tinham até o respaldo divino (13).

Alguns autores são unânimes em considerar o racismo uma realidade incontestável, no Brasil, apesar dos inúmeros diplomas, em que se destacam: Lei Diogo Feijó (Lei de 7 de novembro de 1831 - 1a lei contra o tráfico), Lei Euzébio Queiroz (Lei 581, de 4 de setembro de 1850 - 2ª lei contra o tráfico); Decreto dos africanos livres - Decreto 13003, de 28 de dezembro de 1853; novo decreto dos africanos livres - Decreto 3310, de 24 de setembro de 1864; Lei Nabuco de Araújo, Lei 731, de 5 de junho de 1854; Lei do Ventre Livre (Lei 2040, de 28 de setembro de 1871; Lei dos Sexagenários (Lei 3270, de 28 de setembro de 1885); Lei Áurea (Lei 3353, de 13 de maio de 1888) e de inúmeras medidas que gradualmente reduziram as agruras dos escravos africanos e das diversas disposições constitucionais.

Jorge da Silva, num lamentável rasgo de profundo pessimismo, acentua não ser com a legislação penal que a questão social das populações negras deve ser enfrentada, senão com outras medidas, porque sua emancipação ainda está longe de ocorrer e que existe na sociedade brasileira uma segregação racial concreta ou uma etiqueta. (14) Paranhos Sampaio acredita que, no Brasil, existe a segregação camuflada, ou seja, a discriminação puramente social. (15)

Os silvícolas também se beneficiariam de leis tuteladoras, que na verdade, ao invés de protegê-los, prestaram-se mais para destruí-los.

No início da década de 1950, surge o primeiro diploma infra-constitucional, com destino certeiro - a Lei Afonso Arinos (inclui entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceito de raça ou de cor) - Lei 1390, de 3 de julho de 1951, modificada pela Lei 7437, de 20 de dezembro de 1985, conquanto de duvidosa aplicação e com efeitos meramente simbólicos, por tratar a matéria como contravenção, com penas reduzidíssimas, como desponta do julgado do Tribunal de Alçada Paulista, que absolveu o réu acusado de haver proibido a entrada de estudante negro no recinto de um clube, sob argumento não se ter configurado a infração - contravenção penal, mas sim apenas um mal entendido entre ele e a diretoria do clube. Tratava-se, aduz a decisão, de indivíduo estranho na cidade que não se identificou, desde logo, como componente de uma caravana estudantil. Estava em causa a inteligência do artigo 4º da Lei 1390, de 1951: recusar a entrada de alguém, por preconceito de raça ou de cor, em estabelecimento público de diversões ou de esporte. A pena de prisão simples de 15 dias a 3 meses, (16) é cômica.

Celso Bastos entende que o racismo não é um problema sério, no Brasil, pois a elevação do negro, como o do índio, fica na dependência do aprimoramento dos padrões de vida e de cultura das camadas inferiores da população, mas não faz qualquer objeção a essa penalização. (17)

No âmbito local, a lei do Estado do Rio de Janeiro - Lei 1814, de 24 de abril de 1991 - estabelece sanções de natureza administrativa aplicáveis a qualquer tipo de discriminação em razão de raça, etnia, cor, crença religiosa ou de ser portador de deficiência e o Decreto do Estado de São Paulo cria a Delegacia Especializada de Crimes Raciais, destinada especificamente, concorrentemente com as demais e não de forma exclusiva, a apurar as infrações penais resultantes da discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional.

No Município de São Paulo, a Lei Municipal 11.995, de 16 de janeiro de 1996, veda qualquer forma de discriminação no acesso aos elevadores de todos os edifícios públicos municipais ou particulares, comerciais, industriais e residenciais multifamiliares, existentes no Município de São Paulo.

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O artigo 3º desse diploma determina a fixação de cartazes com os seguintes dizeres:

"É VEDADO, SOB PENA DE MULTA, QUALQUER DISCRIMINAÇÃO EM VIRTUDE DE RAÇA, SEXO, COR, ORIGEM, CONDIÇÃO SOCIAL, PORTE OU PRESENÇA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E DOENÇA NÃO CONTAGIOSA POR CONTATO SOCIAL NO ACESSO AOS ELEVADORES."

Não que não possa haver, de forma sutil e velada, ácido desconforto e preconceito latente ou inconsciente, todavia, atualmente, a questão é mais social e econômica que racial. E, repita-se, intimamente ligada à educação, como fator preponderante e específico, haja vista a narração de um episódio grotesco, pelo cronista Millôr, que de imediato o fez lembrar-se de uma "historinha" infantil do tempo em que "se supunha que as crianças eram infantis." Conta "que uma senhora vai passando pela praça com a netinha de cinco anos e, de repente, vê um marmanjão com seu (his) de fora, lavando diureticamente uma árvore indefesa. A senhora não se conteve (era no tempo em que as senhoras não se continham): - O senhor não tem vergonha, um homem desse tamanho, urinando em público, em plena luz do dia? Não respeita nem a família? Não se pode nem passear na praça com uma menina? E a menina tão indignada quanto a avó, e mais competente do que ela acrescentou: - Pois é, vovó! E, além disso, judeu!" (18)

O bárbaro assassinato do índio, em Brasília, por adolescentes da classe média, as tentativas de assassinato de moças indefesas, nesta mesma cidade, o trucidamento de um homem por um casal de pouco mais de quinze anos, em Nova York, a degola assustadora, na Argélia, por motivos religiosos, a monstruosa recrudescência da violência na antiga União Soviética, hoje, Rússia, as gangues organizadas em diversas partes, de norte a sul e de leste a oeste do planeta, a "limpeza étnica" na antiga Iugoslávia, a execução de um membro da KKK, nos Estados Unidos, por haver cometido crime ligado ao racismo, projetam bem a imagem do mundo convulsionado, em que vivemos, agravado, sobretudo pela via sensível e rápida de comunicação, atingindo qualquer lugar, em segundos. Tudo isto obriga o homem a repensar a sociedade e suas relações.


2 - A LEI 9459/97

A vida é o bem mais precioso do ser humano,
mas a vida sem liberdade não tem qualquer significado, nem dignidade.

Serão punidos, na forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação, preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

A Lei 9459, de 13 de maio de 1997 (19), alterou a lei vigente, para alargar significativamente seu alcance, como já o fazia a lei que define o genocídio, de sorte que não só o crime resultante de preconceito de raça ou de cor, mas também a discriminação é aqui pontuada expressamente, acrescendo-se ainda os crimes resultantes de preconceito ou discriminação de etnia, religião ou procedência nacional.

O crime de racismo, gizado pela Constituição, é inafiançável (a prisão não será relaxada em favor do criminoso) e imprescritível (a pena é perene, não ficando Estado impedido de punir a qualquer tempo o autor do delito). (20)

Trata-se de crime formal ou de mera conduta, isto é, sua consecução independe dos efeitos que venham a ocorrer. Não há necessidade do resultado para que se consume do crime (21).

Corrigiu a Lei 7716, de 15 de janeiro de 1989 (22), modificando os artigos 1º e 20, e revogou o artigo 1º da Lei 8081 (23) e a Lei 8882 (24), de 3.6.94.

Todavia, sem qualquer razão plausível, minorou as penas de alguns delitos e não aproveitou a oportunidade de aprimorar o § 1º do artigo 20, para agasalhar não só os símbolos, insígnias, emblemas e distintivos nazistas, como também os de outras seitas, que apregoam a discriminação e o racismo.

A redação do texto legal, contudo, continua obscura e duvidosa, em alguns pontos, como bem observou Walter Ceneviva. (25)

O comando constitucional, que fortalece o combate ao racismo (26), não é auto - aplicável. O princípio da tipicidade cerrada, que subsidia o Direito Penal (27), confirma a teoria do moderno direito penal de que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia determinação legal, garantia basilar do Estado de Direito (28). Para que um comportamento seja tido como criminoso, mister se faz que a lei o declare tal, antes da sua prática. O mesmo ocorre com a sanção.

O crime pode ser comissivo ou omissivo. No primeiro caso, o agente, pratica a ação, tendo um comportamento positivo, de conformidade com o tipo penal. No segundo caso, o comportamento caracteriza-se pela inércia do autor. Não há ação. Assim, no crime de omissão de socorro, o autor deveria prestar socorro e não o fez.

A coincidência entre o fato e a descrição da norma penal dever ser absoluta. Será crime o comportamento humano que se enquadrar, na plenitude, em um dos modelos consignados nesta lei (29).

Mas há que se indagar o elemento subjetivo, isto é, se o agente, sujeito ativo, o autor da ação quis ou não praticar o ato criminoso, o ato qualificado como crime pela lei. A vontade adquire importância fundamental, na ocorrência do crime.

O dolo e a culpa são os elementos subjetivos, primordiais do direito penal.

O dolo configura-se pela consciência e vontade da realização do ato, tipificado como crime (30). Para Damásio de Jesus, que adota a teoria finalista, basta a vontade de concretizar o ato, prescindindo da consciência do ato contrário à lei.

Para o Código Penal, ocorre o crime doloso direto, quando o autor da infração ou o sujeito ativo quer o resultado, quer especificamente realizar aquela conduta. Se apenas assume o risco de produzi-lo, não se importando propriamente com o resultado, há que se falar em dolo eventual. Todavia, ele consente no resultado.

A culpa, no sentido restrito, porém, é o elemento subjetivo da infração penal, que se caracteriza pela ausência de vontade de produzir o ato. Tampouco, ocorre o risco de assumi-lo. O crime, isto é, a infração consuma-se, em virtude da imperícia (falta de prática ou ausência de conhecimento), imprudência (imprevidência) ou negligência (falta de atenção ou de cuidado) do sujeito ativo (autor do crime). A culpa pode ser consciente (o sujeito prevê o resultado mas está certo de que nada aconteça) e inconsciente (o sujeito não a prevê, mas ela é perfeitamente previsível).

A culpa não se presume. O crime culposo será assim punido se estiver expressamente prevista a culpa. Do contrário, o crime será doloso.

Esta é a regra geral, insculpida no Código Penal, que se aplica tanto aos crimes previstos neste Código, quanto aos da legislação especial, como nas hipóteses da lei em apreço.

Assim, os crimes oriundos de discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional são dolosos.

A pena é de reclusão ou de reclusão e multa.

As penas privativas de liberdade podem ser de reclusão e de detenção.

A reclusão difere da detenção, entre outros motivos, pelo regime de cumprimento da pena, sendo que a pena de reclusão é bem mais rigorosa.

A discriminação e o preconceito são conceitos visceralmente distintos, para o legislador, a ponto de aquele diploma modificar o artigo 1O da Lei 7716, de 1989, e reforçar, de vez, o combate a este mal, em favor dos valores éticos e fundamentais da natureza humana. Esta é também a opinião de Jorge da Silva, que empresta de Marie Jahoda o significado de preconceito, esclarecendo que este é "um sentimento, e mesmo uma atitude em relação a uma raça ou a um povo, decorrente da internalização de crenças racistas" (o sentimento que pode acompanhar o homem em todos os momentos de sua vida) e a discriminação, a sua manifestação. (31)

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira enfatiza que preconceito vem do latim praeconceptu e, entre os significados, que lhe dá, fornece o de conceito ou opinião formados antecipadamente, sem se levar em conta o fato que os conteste, e de intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões etc., e discriminação é o ato ou efeito de discriminar; separação, segregação, apartação - a discriminação ou segregação racial. (32)

Raça, cor, etnia, religião e procedimento nacional têm significado próprio e determinado.

Raça, segundo o Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, é o conjunto de indivíduos, cujos caracteres somáticos, tais como a cor da pele, conformação do crânio e do rosto, o tipo de cabelo e outros traços, são semelhantes e se transferem, por hereditariedade, conquanto variem de pessoa para pessoa. Também apresenta outros significados, entre os quais, o conjunto de indivíduos com origem étnica, lingüística ou social comum.

RACISMO é a teoria que estabelece que certos povos ou nações são dotados de qualidades psíquicas e biológicas que os tornam superiores a outros seres humanos (33).

Etnia, na definição de Aurélio, é um grupo biológico e culturalmente homogêneo.

Religião, ainda, na palavra de Aurélio, é a crença na existência de uma força ou forças sobrenaturais, consideradas como criadoras do Universo e que como tal devem ser adoradas e obedecidas. Também dá como significado a manifestação de tal crença por meio de doutrina e ritual próprios, que envolvem, em geral preceitos éticos.

Nacionais, segundo o ensinamento de Hildebrando Accioli, são as pessoas submetidas à direta autoridade de um Estado, que lhes reconhece os direitos civis e políticos, ofertando-lhes proteção, inclusiva para além de suas fronteiras (34), através do Direito Internacional. Este renomado autor explica que cabe ao Estado o direito e, ao mesmo tempo, o dever, pelo menos, moral de proteger seus nacionais, no exterior, pelos meios admitidos nesse ramo do Direito, o que, via de regra, faz-se pela via diplomática. (35)

A nacionalidade é a qualidade inerente a essas pessoas, marcando-lhes a presença na coletividade, permitindo sua identificação e localização.

A Lei 7716 havia sido modificada pela Lei 8081, de 21 de setembro de 1990, que deu nova redação ao artigo 20, e a Lei 8882/94 acresceu-lhe o § 1º, renumerando os existentes.

A Lei 9459 revogou as disposições em contrário, especialmente, o artigo 1O da Lei 8081/90, que dera nova reação ao artigo 20 da citada Lei 7716 e a Lei 8882 que modificara o artigo 20 citado, com a redação dada pela mencionada Lei 8081.

Os artigos subsequentes (3º a 18) da Lei 7716 ficaram incólumes e descrevem minuciosamente as hipóteses que corporificam os crimes resultantes de preconceito e de discriminação.

É crime impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração direta (ou centralizada) ou da indireta ou, ainda, das concessionárias de serviços públicos.

Concessão é a atribuição, pela Administração Pública, de um serviço público, a uma pessoa privada, para executá-lo, na conformidade da lei, dos respectivos contratos e dos regulamentos, sob seu controle.

A permissão de serviço público, conquanto é dada, a título precário, também aí se inclui, posto que hoje se rege pela mesma lei (36) e tem o caráter contratual, como as concessões, segundo a doutrina dominante. (37)

A concessão pode ser atribuída com exclusividade ou não a pessoa jurídica ou física, exercendo a concessionária atividade puramente particular, seja com vistas à prestação de serviços, seja com relação ao seu pessoal(38). Por exemplo, uma empresa concessionária de telefonia, de linha de ônibus, de eletricidade etc. A empresa permissionária não está excluída.

Serviço público, é toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a coletividade, é uma atividade essencial, necessária, para a comunidade, exercitada pelo Estado ou por particular.

A administração direta e a indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive a fundacional (fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público), estão previstas na Constituição. A administração indireta compõe-se das sociedades de economia mista, das empresas públicas e das autarquias. Todavia, não se há de olvidar as empresas, sob seu controle direto ou indireto.

Impedir ou obstar o acesso de alguém devidamente habilitado a cargo (função ou emprego) das empresas concessionárias (ou permissionárias) é crime, mas, também o é impedir o acesso ou o uso de qualquer meio de transporte público, como aviões, trens etc. A lei apenas exemplifica as hipóteses, não as exaure.

Impedir é criar obstáculo, proibir, obstruir, estorvar, embaraçar, de qualquer maneira, o acesso de alguém, que esteja habilitado, a qualquer cargo, nas entidades descritas.

Obstar é opor-se, causar embaraço. Ambos os verbos são sinônimos. Se se tratar de obstrução ou impedimento de alguém não habilitado, forçosamente, não se há de configurar o crime. Evidentemente, este impedimento deve calcar-se em motivos de preconceito ou discriminação.

No Código Penal, existe a figura impedir, prevista no artigo 335, e também na Lei 8666/93 - Lei que dispõe sobre as licitações e contratos administrativos (artigo 93). Impedir é obstruir, ensinam Diógenes Gasparini e Vicente Greco Filho (39). O artigo 98 também usa as expressões impedir e obstar. Vicente Greco Filho, comentando essa disposição, menciona que essas expressões são sinônimas, de sorte que obstar é impedir, através de obstáculos ou óbices e impedir e não deixar que aconteça, por qualquer meio, mesmo que por fraude ou violência (40).

O dispositivo está pessimamente redigido, refletindo dúvidas, a todo o momento, e não responde se a expressão cargo abrange também a função e o emprego, para se harmonizar com a estrutura legal dessas entidades. Efetivamente, basta que o sujeito passivo do crime (a vítima) seja impedida de ter acesso a cargo, devidamente habilitado, o qual deverá abranger o emprego ou função nestas entidades, para que a lei não caia no vazio, para estar configurado o crime. Não cremos que esta interpretação abale o princípio da tipicidade cerrada.

A gravidade do fato fez o legislador impor a pena de reclusão de 2 a 5 anos.

Negar ou obstar emprego em empresa privada é a figura penal, que ocorrida, determinará a mesma pena.

Basta a negativa ou o impedimento, para que se materialize o crime. São figuras semelhantes (esta e a hipótese infra) tratadas de forma diversa. Por que também a recusa não foi prevista aqui? Omissão, esquecimento ou equívoco do legislador?

Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador, constitui crime.

Permitir o ingresso mas não o atender, servir, ou receber, calcado em preconceito ou discriminação, também é crime, porque de nada adiantará o dispositivo, se, embora permitido o acesso, o cliente ou comprador não for atendido, recebido ou servido.

Se o cliente ou comprador adentrar o estabelecimento apenas para olhar, se não for atendido, também estará sendo vítima desse crime. Cometerá o crime o preposto, o dono ou o empregado do estabelecimento. A lei não o diz, mas será impossível entender diferentemente.

E o fornecedor não estará abrangido pela proteção legal? Claro que sim. A redação, sem dúvida, peca, pela economia de palavras e má redação. No entretanto, o fornecedor ou qualquer pessoa estão abrangidos pela deferência desta norma, cuja oração principal, o núcleo da oração, aponta uma seta imperativa e esclarece, de forma categórica, que o referido crime se consuma se o autor da ação criminosa impedir ou recusar o acesso (de alguém - sujeito indeterminado) a estabelecimento comercial. A negativa de atender, servir ou receber é meramente circunstancial, que não desnatura a idéia principal.

Se o estabelecimento for industrial e não comercial, como descrito, dar-se-á o crime? Literalmente interpretada a cláusula penal, chegar-se-á ao absurdo de que, naquela hipótese, não haverá o cometimento do crime. Essa interpretação atenta contra a própria filosofia da lei e deve ser recusada, porque serão dois pesos e duas medidas para hipóteses idênticas, porque, como ministra Luiz Vicente Cernicchiaro, "o Direito, como sistema, é uno. Não admite contradição lógica. As normas harmonizam-se" (41).

A pena, cominada para este crime, é menor, que, nas outras hipóteses sublinhadas nesta lei, ou seja, poderá variar de 1 a 3 anos de reclusão. Não há explicação lógica nem doutrinária, para a diminuição da sanção penal.

Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.

Esse dispositivo tem alguma semelhança com a previsão do artigo 98 da Lei 8666 citada.

Recusar e negar têm o mesmo sentido: opor-se, rejeitar.

É o bastante a recusa de inscrever ou impedir o ingresso de aluno em estabelecimento de ensino, não importa se público ou privado, nem de que grau seja. A lei deve ser interpretada de forma inteligente, de modo a que não conduza ao absurdo ou torne-a inócua.

Há que se que saber se, para a ocorrência do crime, não importa tratar-se de estabelecimento regular, reconhecido ou não, pelo Poder Público. Escolas de dança, datilografia, informática, ou outras tantas, estarão enquadradas neste dispositivo, porque estabelecimento privado pode ser tanto uma Faculdade reconhecida, quanto uma escola ainda não reconhecida, como ainda uma escola integrada a um órgão da Administração Direta ou Indireta. Se assim não for, a lei será apenas mais uma a não ser cumprida e terá nascido morta.

A pena mínima é superior às anteriores (três anos) e a máxima é idêntica. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos, a pena é agravada de um terço.

Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar, constitui crime punido a pena de reclusão de três a cinco anos.

Esse dispositivo é superior aos demais. Pelo menos, pouca dúvida oferta este dispositivo, mercê da oração final.

Hotel, estalagem, pensão ou qualquer estabelecimento similar: quando impedido o acesso ou negada a hospedagem, o infrator estará sujeito a uma pena mínima de três anos e à pena máxima de cinco anos.

Não importa onde estejam localizados esses estabelecimentos. O simples obstáculo ou a oposição à hospedagem é indicativo do crime.

Permitir o ingresso mas recusar hospedagem configurará o crime, porque, de nada adiantará o ingresso nesses locais, se houver recusa em hospedar a pessoa.

Impedir o acesso ou recusar o atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público constitui crime punível com pena de reclusão de 1 a 3 anos.

Ao comentário acima, há de se ponderar que não se compreende a redução da pena, para situações semelhantes.

Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público, é crime penalizado também com reclusão de 1 3 anos.

A diferença de tratamento também é estranha, tendo em vista a similitude com o crime de impedimento de acesso ou recusa de hospedagem em hotel, pensão, estalagem ou qualquer estabelecimento similar.

Valem os mesmos comentários aos dispositivos acima.

Impedir o acesso ou recusar o atendimento em salões de cabeleireiro, barbearias, termas ou casas de massagens ou estabelecimentos com as mesmas finalidades impõe a pena de reclusão de 1 a 3 anos.

Ainda aqui é lamentável a pena menor, em desconformidade com os dispositivos antes mencionado.

A cláusula final não deixa margem a qualquer dúvida. Não importa o nome que ser der a estes locais ou estabelecimentos, porque o legislador visa resguardar sempre o bem protegido.

Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escadas de acesso aos mesmos faz também incidir a pena de 1 a 3 anos.

Consuma-se o crime ao se impedir qualquer pessoa de ter acesso a esses locais, determinando-lhe uma entrada específica e causando-lhe constrangimento e vergonha. Não há que impedir a um empregado, a empregada ou a um entregador de alimentos, por exemplo, o acesso pela entrada ou pelo elevador social, sob pena de, assim o fazendo, cometer o crime acima descrito.

É muito comum o síndico de prédios residenciais, calcado em convenções de condomínio, regulamento ou regimento arcaicos e inconstitucionais, proibirem o acesso de empregados ou entregadores, pela entrada ou pelo elevador social. Neste caso, é fora de dúvida que estará cometendo o ilícito penal, pois não poderá alegar estar cumprindo norma estatutária, se contrária ao direito e corresponder a um tipo penal.

Faz-se o mesmo comentário, com relação à dosagem da pena.

Impedir o acesso ou o uso de transportes públicos, como aviões, navios, barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido também prevê a pena de 1 a 3 anos de reclusão.

Fez bem dizer qualquer outro meio de transporte concedido (ou objeto de permissão), porque, com o progresso vertiginoso da humanidade, é imprevisível o tipo de transporte que pode surgir, a qualquer momento. E não teria sentido, qualquer restrição.

Assim, o helicóptero, o táxi aéreo, a charrete, o táxi, a "motocicleta - táxi" estão perfeitamente enquadrados.

Entrincheiram-se, nesta cláusula, o transporte concedido ou objeto de permissão, gratuito ou não, os ônibus destinados ao transporte de escolares ou de servidores de serviço público ou operários de uma empresa.

Não se deve entender que somente estariam protegidos por esta norma quem fosse utilizar-se de transporte concedido, o que seria absurdo, porque um ônibus particular contratado, para o transporte de funcionários de determinada empresa, não deixa de ser público.

Esta interpretação comunga-se perfeitamente com o dispositivo, quando exemplifica os barcos. Basta que o meio de transporte se destine ao uso do povo.

Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas resulta como pena a prisão de 2 a 4 anos, sob o regime de reclusão.

As Forças Armadas constituem-se da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

A Constituição, em homenagem à convicção filosófica e política e à crença religiosa, faculta atribuir-se, em tempos de paz, serviço alternativo às pessoas que alegarem imperativo de consciência, para se eximirem das atividades essencialmente militares.

O obstáculo ou o impedimento de acesso ao serviço das Forças Armada é conduta punível.

As polícias militares e os corpos de bombeiros, como forças auxiliares e reserva do Exército, não escapam a essa norma, assim que também é crime obstar ou impedir o acesso ao serviço dessas corporações.

Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social tem a pena mínima e máxima prevista de 2 a 4 anos de reclusão.

Meio é o recurso empregado para atingir um objetivo. Tem como sinônimo expediente, método (42). Forma é a maneira, o jeito, o modo (43).

Destarte, não são expressões sinônimas. São situações distintas propostas pelo legislador.

A lei resguarda a família, que é o sustentáculo da sociedade, e tem proteção especial do Estado, com fonte no Texto Constitucional. A família abrange não só o marido e a mulher, unidos pelo casamento civil ou religioso, na conformidade da lei, e os filhos, como também a união estável entre o homem e a mulher, que perfazem a entidade familiar. Esta compreende, ainda, a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. A lei é bastante ampla, na sua expressão. Ao grifar a convivência familiar, envolve também os membros ligados por laços de parentesco e tem uma indicação certa: qualquer obstáculo ou impedimento a esta comunhão ou convívio constitui crime, não importando a forma ou o meio utilizados.

E, mais, a proteção, vai além, porque também o convívio social, entre amigos, ou pessoas que têm o trato diário, por exemplo, não necessariamente, parentes, recebe o beneplácito deste diploma legal.

Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional teve a pena reduzida, para o mínimo de 1 ano de reclusão e o máximo de 3 anos, acrescida da multa, como novidade deste texto. Houve um abrandamento superlativo da pena, em 50%, para a pena mínima e, em quase 50%, para a pena máxima. Incompreensível.

A redação do artigo 20 da Lei 7716, dada pela Lei 9459, difere da redação do artigo 20 da Lei 7716, com as modificações introduzidas pela Lei 8081 e 8882.

O artigo 20 da redação originária da Lei 7716 apenas tratava da data da vigência da lei. A Lei 8081 modificou o artigo 20, para definir, no caput, uma nova figura criminosa: praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional. Pena: reclusão de 2 a 5 anos.

Antes, o crime só ocorreria, se se operasse através dos meios de comunicação social ou por intermédio de qualquer publicação.

Atualmente, a lei é elástica. Vale dizer, o crime concretiza-se, independentemente do meio ou do veículo. Essa amplitude realmente é mais consentânea com a natureza do bem tutelado.

Entretanto, se qualquer desses crimes for praticado, por meio de comunicação social ou publicação de qualquer natureza, a pena é agravada. A pena mínima será de 2 e a máxima de 5 anos de reclusão, mais a multa.

Praticar o crime é realizá-lo, por si mesmo. O próprio agente comete-o, diretamente.

Induzir ou incitar são figuras conhecidas. O Código Penal contempla essas figuras.

Induzir é persuadir, aconselhar, argumentar, pressupõe a iniciativa à prática e pode fazer-se por qualquer meio.

Incitar é instigar, provocar, excitar a pratica do crime, por qualquer meio ou de qualquer forma, sem necessidade de sê-lo pelos meios de comunicação social ou de publicação.

O crime é formal, independe do resultado ou da conseqüência da incitação e equipara-se à própria prática.

Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada para fins de divulgação do nazismo.

A Lei 7716, na redação originária não contemplava essas figuras criminais.

A Lei 8882 adicionou um parágrafo, o 1º, para conceituar esses novos delitos, e renumerou os anteriores §§ 1º e 2O , que passaram a ser os §§ 2º e 3º. O novo § 1º passou a ter a seguinte redação:

Incorre na mesma pena quem fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada para fins de divulgação do nazismo.

O § 1O do artigo 20, com a redação da Lei 9594 continuou a ter a mesma redação, manteve a pena anterior, de 2 a 5 anos de reclusão, e acrescentou a pena de multa.

Não se justifica a redução da pena para o crime desenhado na cabeça do artigo. Foi mais feliz o legislador ao manter a pena catalogada no § 1º, com a adição da multa.

Neste caso, o magistrado poderá, depois de ouvir o Ministério Público, ou a seu pedido, mesmo antes de terminado o inquérito policial, mandar cessar as transmissões de televisão e rádio e recolher, incontinenti ou proceder a busca e apreensão do material.

Como conseqüência da condenação, impõe a lei a destruição do material apreendido.

O legislador deveria ter aproveitado a oportunidade de rever o dispositivo, para acrescentar que os crimes ocorreriam quaisquer que fossem os símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda, que se destinassem à propagação de doutrina racista ou atentatória à liberdade.

Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, utilizando-se de elementos referentes à raça, cor, etnia ou origem, provoca a aplicação da pena de reclusão de 1 a 3 anos, além da multa.

O artigo 2º da Lei 9459 enriqueceu o Código Penal, que já regula o crime de injúria, acrescendo-lhe o § 3º, com fato novo, ou seja, se a injúria consistir na utilização de elementos que digam respeito à raça, cor, etnia, religião ou origem, Aumentou-lhe a pena e agravou sua natureza. Usou pela vez primeira a expressão origem ao invés de procedência nacional, como vinha fazendo e permaneceu no artigo 1º, o que não altera a idéia ou a substância.

O artigo 140 do Código Penal trata do crime de injúria. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade e decoro, é punido com a pena de detenção de 1 a 6 meses, mais a multa.

A injúria consiste na ofensa ao decoro ou à dignidade de alguém.

Trata-se de crime contra a honra.

Heleno Cláudio Fragoso ensina que nesses crimes cuida-se do respeito à própria personalidade e honra, assevera, é o valor social e moral da pessoa, inerente à dignidade humana (44). Não se atribuem fatos à pessoa, mas vícios ou defeitos morais.

Dignidade é o sentimento do valor social da pessoa. Decoro, na expressão de Nelson Hungria, é o sentimento da própria respeitabilidade da pessoa.

A doutrina distingue a honra subjetiva e objetiva. A primeira é o sentimento de cada um acerca de seus atributos físicos, morais e intelectuais e outros dotes da pessoa. A segunda, diz respeito ao que os outros pensam de alguém sobre suas qualidades morais, físicas, intelectuais.

A injúria visa atingir a honra subjetiva da pessoa ou, como acentua um julgado do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, a honra subjetiva, objeto da injúria, é o sentimento próprio sobre os atributos físicos, morais e intelectuais de cada pessoa (45).

O crime é formal, isto é, consuma-se, independentemente do resultado, e configura-se, através de meras palavras vagas e imprecisas, ao contrário do que ocorre com o crime de difamação, que exige a afirmação de um fato preciso, segundo decisão do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo (46) . Não importa o meio de que se utilize, como despejar lixo na porta do vizinho, com a intenção de ofender, ou pela afixação de palavras injuriosas na porta da loja (47).

O Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo já decidiram que a injúria também ocorre, se proferida na ausência do ofendido, desde que chegue ao seu conhecimento (48).

Esse crime tem a pena acrescida, cometido contra determinadas pessoas (Presidente da República, funcionário público, em razão de suas funções, na pessoa de várias pessoas, ou por meio que facilite sua divulgação, ou se for cometido através de pagamento ou promessa de recompensa.

Se, contudo, a injúria, consistir na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, a pena será de 1 a 3 anos de reclusão, além da multa (49) .

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Sobre o autor
Leon Frejda Szklarowsky

Falecido em 24 de julho de 2011. Advogado, consultor jurídico, escritor e jornalista em Brasília (DF), subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, editor da Revista Jurídica Consulex. Mestre e especialista em Direito do Estado, juiz arbitral da American Association’s Commercial Pannel, de Nova York. Membro da membro do IBAD, IAB, IASP e IADF, da Academia Brasileira de Direito Tributário, do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, da International Fiscal Association, da Associação Brasileira de Direito Financeiro e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Integrou o Conselho Editorial dos Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, da Editora Revista dos Tribunais, e o Conselho de Orientação das Publicações dos Boletins de Licitações e Contratos, de Direito Administrativo e Direito Municipal, da Editora NDJ Ltda. Foi co-autor do anteprojeto da Lei de Execução Fiscal, que se transformou na Lei 6830/80 (secretário e relator); dos anteprojetos de lei de falências e concordatas (no Congresso Nacional) e autor do anteprojeto sobre a penhora administrativa (Projeto de Lei do Senado 174/96). Dentre suas obras, destacam-se: Execução Fiscal, Responsabilidade Tributária e Medidas Provisórias, ensaios, artigos, pareceres e estudos sobre contratos e licitações, temas de direito administrativo, constitucional, tributário, civil, comercial e econômico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Crimes de racismo.: Crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. -2194, 29 jun. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/169. Acesso em: 23 dez. 2024.

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