5. Vencendo o preconceito e formando uma cultura arbitral brasileira
Uma das atitudes reformadoras no sentido de se formar uma cultura arbitral no Brasil seria mudar a visão que se tem sobre o instituto arbitral.
Pode-se perceber que há uma velada discriminação a partir da ideia em nós enraizada sobre o conceito da palavra "árbitro", que traz uma conotação quase pejorativa, se comparada com outra, carregada de força e respeito, qual seja "juiz".
Ao ouvirmos o vocábulo "juiz" essa palavra nos leva, inconscientemente, a uma correlação com autoridade, poder, força, coerção, intimação, obediência, compromisso, etc. Por outro lado, ao ouvirmos o termo "árbitro" nos acorre mentalmente uma sugestão informal, mais ligada a futebol, a mediador, a informalidade, etc.
Imprescindível se faz a fixação de uma cultura da arbitragem capaz de, ao mesmo tempo, respeitar a já arraigada cultura da jurisdição estatal e com ela conviver harmonicamente. E várias são as sugestões apontadas que poderão tornar isso possível.
Um primeiro ponto a ser atacado é a pseudo-concorrência entre o Judiciário e a arbitragem, que se pretendeu imputar quando da edição da Lei 9307/96, mas que a passos lentos se modifica, haja vista os julgamentos que atualmente são emitidos pelos Tribunais.
A jurisdição cogente delegada ao poder judiciário jamais será ameaçada pela pacificadora jurisdição arbitral. O árbitro permanece temporariamente como tal, exercendo sua função apenas durante o desenvolver do procedimento arbitral, enquanto que o juiz togado se mantém vitaliciamente como única autoridade detentora do poder de execução de sentenças, tanto arbitrais como judiciais.
Deve existir, isso sim, colaboração entre juiz e árbitro. Só assim a solução arbitral poderá servir como paliativo eficaz ao acúmulo de trabalho do judiciário.
A arbitragem é o caminho ideal para causas consideradas mais simples, que não têm razão em congestionar o sistema judiciário. Porém, não há nenhuma restrição em ser utilizada em processos que envolvam grandes montas e prescindam de soluções rápidas, desde que decidam apenas sobre direitos patrimoniais disponíveis.
Afinal, no comércio internacional, uma constante são as altas somas envolvidas nos contratos que contemplam convenção de arbitragem. Inviável imaginar transações internacionais de grande vulto contratadas sem aderir à solução arbitral de controvérsias.
Um segundo setor a ser acionado visando a instalação da cultura arbitral é o meio acadêmico. Há de ser posta ênfase na inclusão do tema nos currículos universitários das Faculdades de Direito, o que gradativamente vem ocorrendo.
O aluno, ao ter contato e conhecimento mais amplo sobre o tema poderá, no exercício futuro da advocacia, propor a seus clientes o juízo arbitral como uma opção legal e mais conveniente em muitos casos. O estudante de Direito é um dos difusores ideais ao instituto da arbitragem. Não se pode deixá-lo à margem.
A propagação interna será facilitada, caso se inclua na grade curricular das Faculdades de Direito, Escolas de Advocacia do Ministério Público e da Magistratura disciplina que informe sobre as técnicas e procedimentos da arbitragem, objetivando a formação de especialistas no assunto.
Destaca-se que vários passos já foram dados no sentido de familiarizar o futuro advogado com a arbitragem.
Como exemplo, temos a Faculdade de Direito da USP, que por seu Departamento de Direito Internacional inclui no currículo universitário o estudo das formas clássicas de soluções extrajudiciárias: a negociação diplomática, a mediação, os bons ofícios, a conciliação e a arbitragem.
Muitas outras Faculdades, preocupadas com uma formação mais abrangente e moderna do futuro operador do Direito já aderiram e incluíram a matéria em sua grade curricular. É o caso da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, autarquia municipal que há vários anos inseriu a matéria no currículo de Processo Civil, além de patrocinar cursos de férias específicos aos alunos e público externo.
Essa Entidade ofereceu, em outubro/novembro de 2008, Seminário sobre o tema, cujos palestrantes foram aqueles que são entendidos, atualmente, como os "Papas" da arbitragem brasileira, permitindo aos participantes conhecer o assunto ou aprofundar-se na matéria.
Percebe-se, portanto, que a ratificação das vantagens da arbitragem, vem sendo operada nos bancos acadêmicos, iniciativa que deve ser amplamente aplaudida.
Os meios de comunicação social também devem ser mobilizados, a exemplo de instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil [06], o Instituto dos Advogados e a Associação dos Advogados, com a realização de seminários, publicação de artigos, entrevistas e notícias relacionadas com debates amplos e isentos de preconceito, sobre a Lei de Arbitragem, possibilitando aos profissionais do setor um maior conhecimento sobre o assunto e, acima de tudo, sobre essa lei especial.
Inadiável, sobremaneira, a divulgação popular dirigida aos consumidores, informando da possibilidade de arbitragem em âmbito do Código de Defesa do Consumidor, já que a interpretação do inciso V de seu parágrafo 4º incentiva a criação, pelos fornecedores, dos mecanismos alternativos de solução de conflitos em âmbito do direito do consumidor, a exemplo do ocorre em Portugal e Espanha, como discorrido.
Cabe aos órgãos públicos e aos fornecedores, principalmente, apresentar as benesses dessa alternativa extrajudicial disponível ao desinformado consumidor brasileiro, provando que sua utilização em nada peca contra a adequada proteção disponibilizada ao vulnerável, pela Lei 8078/90.
Esse esclarecimento pode ser iniciado mostrando ao consumidor que o comércio internacional tem sua rotina atrelada à utilização da arbitragem. A arbitragem internacional rege procedimentos que envolvem milhões de dólares e requer decisões seguras e rápidas. Caso a arbitragem se revelasse ineficiente ou um método inseguro não seria tão utilizado, certamente, mesmo com as vantagens da celeridade e do sigilo, que lhe são próprias.
Propagandas institucionais veiculadas nos principais meios de comunicação dariam conta, em breve período, de tornar o instituto da arbitragem um aliado do consumidor brasileiro.
O consumidor devidamente bem informado transformar-se-ia numa pessoa educada a respeito do método extrajudicial de solução de disputas. A educação é e sempre será o melhor caminho para se chegar a resultados positivos em qualquer setor que se queira desenvolver. Ignorância corresponde á desinformação e atraso, fatores que dificultam e impedem crescimento sustentado. Essa é uma das mazelas principais que retardam o desenvolvimento neste país, também no que diz respeito a arbitragem.
Uma cultura favorável à arbitragem está lentamente surgindo. Já se vislumbra uma mudança bastante positiva, partindo das reiteradas decisões judiciais, como aqui se demonstrou, ratificando as sentenças arbitrais e transferindo a elas a credibilidade necessária, fato que não ocorria há poucos anos atrás.
No Brasil, como a arbitragem ainda não conta com total apoio governamental, ainda olha-se com desconfiança para quem a sugere como solução viável na solução de conflitos. Essa situação poderia ser revertida caso fossem empreendidas ações governamentais, disponibilizando arbitragem nos Órgãos Públicos já instalados e funcionando regularmente há anos, como é o caso do PROCON, iniciativa pioneira paulista que se estendeu por todo o país, dado o sucesso do empreendimento.
A defesa do consumidor brasileiro teve início como uma ação administrativa governamental. O Decreto nº 7890, de 06 de maio de 1976 criou, em São Paulo, o Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor, que previa em sua estrutura, como órgãos centrais, o Conselho Estadual de Proteção ao Consumidor e o Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor, subordinado à Secretaria de Economia e Planejamento, que passou a ser denominado PROCON.
Distanciando-se um pouco da esfera pública, várias são as entidades privadas que poderiam engrossar as fileiras daqueles que apoiam e incentivam a utilização da arbitragem, principalmente no setor consumerista, já que são reconhecidas pelo consumidor brasileiro, o que lhes atribui credibilidade. Algumas delas mostram simpatizar com a arbitragem e poderiam intensificar sua atuação, transformando-se em agentes que disponibilizassem a arbitragem á seus associados e parceiros.
É o caso do SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas [07], entidade privada sem fins lucrativos, instituição criada em 1972 e que já conta com uma boa imagem junto ao consumidor brasileiro. Estimula o empreendedorismo no país, apoiando os três principais segmentos que embasam a economia brasileira: comércio e serviços, indústria e agronegócio.
O desenvolvimento sustentável de diversas comunidades, a construção de um país melhor e uma sociedade mais justa e equilibrada, objetivos do SEBRAE, são também os escopos perseguidos pelo instituto da arbitragem. Essa entidade afirma crer na criatividade do desenvolvimento de novas soluções e na quebra de paradigmas como fundamento para sustentação e viabilidade de sua missão. Inova como uma entidade de vanguarda, quando incentiva e forma parcerias, instalando Câmaras Arbitrais que são disponibilizadas ao público em geral. Isso já ocorre em algumas unidades do SEBRAE, mas seria de bom alvitre que atingisse todas as suas unidades.
Outras tantas entidades privadas ligadas a defesa do consumidor poderiam juntar-se aos que idealizam o crescimento na aplicação da arbitragem como acréscimo real e imediato na qualidade do atendimento e proteção do consumidor brasileiro.
6. Conclusão
Poder-se-ia afirmar, sem qualquer receio, que não há fundamento legal que sustente a inaplicabilidade da arbitragem tanto nos conflitos trabalhistas, quanto nos conflitos de consumo, já que a arbitragem é método que só contempla a discussão de direitos patrimoniais.
Exemplos representativos de adesão ao método arbitral de solução de controvérsias são apresentados por entidades públicas e privadas que aplaudem sua intenção e inauguram suas próprias Câmaras Arbitrais, realizando com sucesso os procedimentos arbitrais : OAB, Bolsa de Valores, Sindicatos do Comércio e Indústria, FIESP... São testemunhas que atestam a viabilidade da aplicação da arbitragem em vários setores.
O Código de Defesa do Consumidor, lei no. 8078/90 dispõe a proteção dos interesses econômicos do consumidor, impedindo que sofra perdas materiais. O Estado previne e o protege de abusos por parte dos fornecedores de bens e serviços. Completar-se-ia essa proteção, disponibilizando Câmaras Arbitrais que regessem procedimentos imparciais e sem qualquer custo ao consumidor, resolvendo a tempo os conflitos instalados em âmbito de consumo.
O cuidado a ser tomado deve ser no sentido de proteger o consumidor, parte considerada hipossuficiente, contra Câmaras que possam executar procedimentos arbitrais tendenciosos, prejudicando aquele que guarda vulnerabilidade perante o fornecedor, entendido como o mais forte econômica ou tecnicamente falando. Esse problema seria solucionado caso o Estado disponibilizasse órgãos julgadores de personalidade jurídica pública, garantindo a isonomia nos julgamentos entre aquele que está num patamar econômico superior e o consumidor brasileiro.
Se houve interesse jurídico em se editar uma lei que simplifica ritos e diminui prazos, realizando procedimentos legalmente aferidos como legítimos (lei de arbitragem), oportuno que se efetive essa possibilidade, oferecendo ao público consumidor uma extensão real da proteção prometida e nem sempre cumprida.
A vinculação do acesso à justiça exclusivamente à instituição estatal tem limitado sobremaneira o exercício desse direito do cidadão. Tem-se como certo que o atravancamento do sistema judiciário não é assunto que vislumbre solução a curto prazo, já que é um vício que se agrava e se arrasta há anos! Então, por que não criar uma real possibilidade de abrandamento desse congestionamento, colocando a Lei de Arbitragem em prática, sob supervisão estatal, mas fora de sua ineficaz burocracia?
É obrigação governamental fazer funcionar a máquina administrativa no sentido de ampliar a oferta de soluções eficazes aos cidadãos brasileiros. A harmonia das relações de consumo é um dos nichos dos direitos difusos a serem protegidos e a eficácia na solução de seus problemas deve ser entendida como objetivo a ser alcançado na realidade e não apenas permanecer indefinidamente no discurso retórico ou filosófico.
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Notas
- CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei 9.307/98. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 137/138.
- Revista Consultor Jurídico de 12/06/2008, disponível em: <www.mediar.com.br>, pg 74.
- Revista Consultor Jurídico de 12/06/2008, disponível em: <www.mediar.com.br>, pg 74.
- Disponível em: <http://www.consumo-inc.es/Arbitraje/docs/memarb07.pdf>.
- Disponível em: <www.anacom.pt>.
- Disponível em: <http://www.oabdf.org.br>.
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