Artigo Destaque dos editores

Sistemas eleitorais

Exibindo página 3 de 4
Leia nesta página:

7. Coligações no Mundo e no Brasil

A questão das coligações está intimamente ligada aos sistemas proporcionais. Em verdade, o interesse em se realizar coligações é exatamente para que pequenos partidos em grupo possam coletar votos suficientes para ultrapassar o quociente eleitoral.

As coligações são interessantes para a estabilidade da democracia no sentido de que consubstanciam a possibilidade de partidos diversos terem objetivos e pautas comuns dentro de um determinado contexto fático e possam efetivamente promover esse ideal ou interesse comum num pleito democrático.

Entretanto, as coligações podem ser utilizadas como meio de distorção e perversão dos sistemas eleitorais. Trata-se da questão dos "partidos de aluguel".

Tais partidos são pequenos partidos, reunidos normalmente em torno de apenas uma liderança influente e com candidatos que mesmo em conjunto não conseguiriam chegar ao quociente eleitoral.

Esse partido, por sua vez, "se vende" para uma determinada coligação para favorecer um aumento de votos, que na verdade irão beneficiar ao partido coligado maior, que terá mais cadeiras, e aos candidatos do partido maior que individualmente superam em votos os candidatos do "partido de aluguel".

Esse partido de aluguel ira receber em troca favores ou cargos para seus dirigentes. Essa distorção é favorecida pelo fato de que não existem regras que determinem uma proporcionalidade interna à própria coligação.

Dessa forma com uma redistribuição proporcional haveria uma maior ponderação e cautela na formação de coligações. Podemos indicar alguns exemplos de países em que as cadeiras obtidas pela coligação são redistribuídas proporcionalmente à votação de cada partido da coligação: Bélgica, Bulgária, Chile, Dinamarca, Israel, Polônia e Suécia. [10]

No Brasil, a não existência de uma proporcionalidade na distribuição das cadeiras para a coligação tem contribuído para aumentar a fragmentação partidária e a infidelidade.


8. Distorções no Sistema Brasileiro

Ressalte-se mais uma vez a importância de se estudar os sistemas eleitorais tendo em vista a sua repercussão sobre o comportamento dos candidatos e dos eleitores. O sistema eleitoral influencia fortemente pontos críticos como a fidelidade partidária e o personalismo dos partidos.

Do ponto de vista dos políticos o poder político será atingido mais rapidamente com uma estratégia que torne o sistema um fator favorável. Do ponto de vista da democracia o sistema deve ser tal que favorece o embate constante uma rotatividade dentro do poder e uma seleção plural das forças políticas que representam os interesses plurais da sociedade.

Nesse sentido,

Carey e Shugart (1995) escreveram o mais influente trabalho sobre os possíveis efeitos dos sistemas eleitorais sobre a estratégia eleitoral dos candidatos. A preocupação central é saber se os sistemas eleitorais oferecem incentivos para que os candidatos ao Legislativo cultivem a reputação personalizada ou a partidária. A definição dos autores sobre a reputação personalizada é a seguinte: "if a politician’s electoral prospects improve as a result of being personally well known and liked by voters, then personal reputation matters. The more this matters, the more valuable personal reputation is." (p.419). A definição de reputação partidária é mais sucinta: "party reputation, then, refers to the information that party label conveys to voters in a given electoral district" (p.419). Os autores montaram uma classificação que levou em conta três atributos: o controle partidário para selecionar os candidatos; se os candidatos são eleitos individualmente, independente dos colegas de partidos; se o voto é único intra-partidário, múltiplo, ou partidário. [11]

Como já referenciado acima, o nosso sistema tende a valorizar o indivíduo e ser centrado na reputação personalizada, a reputação partidária muitas vezes se torna mero acessório do carisma individual do candidato.

O problema chega a ser grave até mesmo dentro da estrutura partidária, havendo choques entre candidatos do mesmo partido. Nesse sentido,

Sucede que, pelo sistema nacional, paradoxalmente, é no interior das agremiações que o sistema causa verdadeira autofagia justamente em função da corrida dos candidatos pelos eleitores do próprio partido. Isso porque, uma vez atingida a quota Hare pela agremiação (repita-se, obtida pela soma dos votos dados a todos os candidatos inscritos pelo partido, acrescida daqueles dados à legenda propriamente), a disputa ocorre entre candidatos, sendo que somente os mais votados da lista é que são eleitos. Nessa medida, como já salientado, a disputa maior se verifica, para os candidatos do partido, na busca pelo voto do eleitor simpatizante do partido, já que somente os mais votados é que se aproveitarão da universalidade dos votos recebidos. [12]

Essa disputa interna desfavorece a coesão partidária, bem como favorece a criação de facções e cisões internas que tendem a fragilizar ainda mais as estruturas partidárias.

A democracia é favorecida mediante a existência de partidos coesos, com pautas serias e com responsabilidade para com essas pautas. O individualismo enfraquece a coesão partidária, o que leva a cisão e a criação de diversos partidos para atender muitas vezes ao capricho de um determinado líder.

Consubstanciando essas considerações,

Existem vários incentivos ao individualismo no sistema eleitoral brasileiro, além dos já descritos acima.

[...]

Ainda que o número de representantes seja determinado pelos votos partidários, a eleição ou não de um candidato depende de sua capacidade de angariar votos individuais. Tal sistema incentiva fortemente o indivíduo nas campanhas, especialmente porque o prestígio e o poder de um candidato são robustamente fortalecidos por um total de votos massivo.

[...]

Essa combinação de representação proporcional e sistema de lista aberta talvez possa ser a medida mais importante para garantir aos políticos tantã autonomia em relação a seus partidos. [13]

Podemos indicar que esta autonomia é consubstanciada por uma série de fatores e peculiaridades do sistema,

1) Características altamente incomum do sistema eleitoral brasileiro é o candidato nato, regra pela qual deputados federais e estaduais e vereadores têm automaticamente o direito de figurar na cédula para o mesmo cargo nas eleições seguintes.

[...]

2) a legislação eleitoral autoriza cada partido a apresentar número elevado de candidatos a cargos proporcionais.(...) O fato mais importante é que esse número incomumente alto de candidatos reduz o controle partidário sobre os eleitos e aumenta a importância dos esforços individuais na campanha. Na maioria dos países, os partidos apresentam um candidato por cadeira, o que lhe dá um controle um pouco maior sobre os eleitos.

[...]

3) O atual sistema eleitoral não contem nenhuma medida que proíba os representantes eleitos de mudar de partido. Em muitos sistemas de representação proporcional, os representantes devem seu mandato ao partido e espera-se ou obriga-se a que eles renunciem se quiserem mudar de partido. No Brasil, os políticos percebem os partidos como veículos para se elegerem, mas geralmente não têm com eles vínculos profundos. [14]

Esses fatores consubstanciam a percepção empírica do sistema eleitoral brasileiro do nosso tempo. As campanhas são individualistas, centradas em pessoas, não só as campanhas, a política gira em torno de indivíduos determinados.

Essa personalização reflete a forma do voto brasileiro, trata-se de um voto personalizado, centrado tão somente na figura do líder carismático. Nesse contexto, os partidos são vistos como simples siglas pela população em geral e como meras formalidade necessárias para os candidatos.

Essa generalização é grosseira, porém reflete o pensamento usual. Apesar disso estamos vivendo um momento de conscientização popular não mais em torno de pessoas específicas, mas em torno de idéias ou de ideologias.

O professor Jairo Nicolau [15] possui um estudo interessante onde verifica uma elevação dos votos na legenda, votos no partidário exatamente naqueles partidos onde vigora uma concepção organicista centrada em pautas ideológicas mais concretas. Nesse mesmo estudo, os partidos mais tradicionais ou de orientação mais liberal são os que menos possuem votos especificamente no partido.

Forma-se um círculo vicioso. O sistema eleitoral favorece uma independência e autonomia extremada ao parlamentar individual. Os partidos ficam enfraquecidos com a mudança constante de membros. Essa fluidez nos membros do partido enfraquece ainda mais que os partidos representem ideologias e pautas concretas para o país. Assim, a população desacredita na organização e na instituição partidária e se volta ainda mais para a figura pessoal do candidato, o que fomenta ainda mais seu individualismo.

É necessária uma perspectiva estratégia. O sistema eleitoral não deve ser escolhido de qualquer forma ou em virtude da tradição. Desde a organização partidária, a facultatividade ou não do voto, a forma de votação, a forma de contagem dos votos, enfim, tudo deve ser meticulosamente elaborado com que numa engenharia constitucional do sistema eleitoral.

Um exemplo hipotético: se no Brasil fosse modificado o sistema para a lista fechada. Pode-se prever que haveria uma retomada da importância partidária, pois seria necessário o partido para organizar a lista. Como o voto seria para os partidos, estes teriam que primar pela lisura de seus membros sob pena de membros corruptos afastarem os votos de toda a lista.

Assim, apesar dos líderes carismáticos atraírem votos para a lista, aos poucos se firmaria uma cultura de verificar o partido e se aquele partido possui pessoas probas ou não. Acredito que aos poucos essa noção de votar no partido iria fortalecer a fidelidade partidária, pois os políticos estariam interessados em crescer dentro do partido para figurar nas primeiras posições da lista. Para crescer dentro do partido, teriam que se adequar as pautas do partido ou então firmar suas pautas dentro do partido. Esses embates internos aos poucos solidificariam a posição da agremiação.

Apesar de serem simples especulações, é possível verificar que uma re-engenharia no sistema eleitoral pode ser muito proveitosa a democracia. Nessa perspectiva a ciência política tem evoluído no seu instrumental teórico, utilizando métodos matemáticos, como a teoria dos jogos, para efetuar o design dos sistemas eleitorais.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

9. Matemática, Teoria dos Jogos e Sistemas Eleitorais

O matemático francês Jean-Charles Borda (1733-1799) foi um dos pioneiros no estudo sistemático das distorções que o sistema de contagem de votos pode efetuar nas preferências populares. Percebendo o sistema eleitoral como um método de agregar opiniões para encontrar uma escolha coletiva, notou que métodos diferentes conduzem a resultados diferentes. Assim, esse problema ficou conhecido como o paradoxo de Borda, apresentado à Academia Real Francesa em 16 de Junho de 1770.

Como resposta Borda apresentou um método chamado contagem modificada de Borda. Trata-se de um sistema de eleição, mais precisamente um método de contagem de votos no qual o eleitor organiza os candidatos mediante a sua ordem de preferência.

Em seguida é atribuído um valor a cada posição. Por exemplo, numa eleição de três cargos, a primeira opção vale três pontos, a segunda opção vale dois e a última opção vale um ponto. Não necessariamente o valor equivale à posição, podem-se estabelecer outras fórmulas para diferenciar os valores de cada posição, porém a idéia básica é que as primeiras posições carregam. Os votos são contados somando esse valor atribuído a determinada posição.

Esse sistema é de longe mais democráticos e representativos que os sistemas normalmente utilizados. Primeiro porque todos votam em todos. Segundo, porque ao ordenar os candidatos em preferência o eleitor esta a indicar suas preferências e prioridades de pautas defendidas pelos diversos candidatos.

Após a contabilização dos votos, há uma tendência de composição. Há uma fuga dos extremos. Candidatos que são queridos por muitos e odiados por vários matematicamente tendem a somar menos pontos que candidatos conciliadores, ou seja, aqueles que apesar de não serem a primeira escolha da maioria da população figuram como opções aceitáveis.

A contagem de Borda é, portanto, vista muito mais como um sistema baseado em consenso do que um sistema baseado em maioria.

Esse sistema tende a promover uma governabilidade e estabilidade das instituições. Embora seja quase inexistente em governos, nas grandes corporações e conselhos de acionistas de grandes multinacionais é amplamente utilizado.

Outra forma de contagem famosa originou-se dos estudos do matemático e filósofo Marie Jean Antoine Nicolas Caritat, Marquês de Condorcet (1743-94), conhecido como contagem de Condorcet ou critério Condorcet.

Nesse critério não há um contabilização de valores para cada posição, mas na verdade há um sistema que efetua comparações de pares de candidatos para determinar o vencedor da maioria das combinações dois a dois de acordo com a preferência dos candidatos.

O sistema eleitoral cria uma matriz de disputas entre todos os candidatos e essas disputas são decididas pelo eleitor. Somadas todas essas matrizes, será possível obter um melhor retrato das preferências da sociedade em milhares, milhões de disputas hipotéticas entre cada candidato. Contabilizadas todas essa vitórias seria possível elaborar uma ordem mais adequada das reais preferências da sociedade.

Infelizmente, diversos matemáticos já provaram que até mesmo no sistema condocert, há possibilidade de deturpações em particular pela não linearidade de preferências humanas. A coletividade pode preferir A a B, preferir B a C e, no entanto, preferir C a A, quando poderia se esperar que A fosse preferível à C, por transitividade.

Donald Saari, matemático da Universidade de Califórnia demonstrou que pequenas mudanças em qualquer sistema eleitoral podem trazer grandes alterações nos resultados das eleições [16]. Outro grande matemático e economista Kenneth J. Arrow, (Nobel em 1972) demonstrou que não há nenhum sistema eleitoral democrático que possa compensar a não-linearidade humana de forma absoluta.

Tais métodos vão crescendo em complexidade cada um afirmando superioridade sobre os demais métodos na obtenção de um retrato fiel das preferências da sociedade.

Aparentemente, a complexidade de tais sistemas seria um fator de impossibilidade de aplicação, porém a revolução tecnológica já apresenta mecanismos e maquinário suficientemente avançado para efetuar a captação e contabilização dos votos.

Acredito que o problema não é encontrar o método correto. Cada método é um critério em si e chegará ao seu próprio resultado correto. Acredito que o verdadeiro problema é encontrar o critério de consenso. Não precisa ser um critério perfeito, mas sim um critério ou fórmula matemática inteligível pela população e que tenha passado por um amplo debate na esfera pública.

Não adiante discutir sobre quem votar se não se souber qual é o mecanismo de transformação de votos em parlamento. O voto é o veículo do poder democrático que conferimos ao representante. Nada mais justo e importante do que ampliar e democratizar o debate sobre o voto e seus procedimentos correlatos.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Afonso de Paula Pinheiro Rocha

Professor Universitário. Procurador do Trabalho. Doutorando em Direito Constitucional - UNIFOR. Mestre em Direito Constitucional - UFC.MBA em Direito Empresarial pela FGV-Rio.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Afonso Paula Pinheiro. Sistemas eleitorais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2560, 5 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16930. Acesso em: 16 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos