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Ministério Público de resultados.

A atual missão institucional

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30/07/2010 às 13:47
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7- A necessidade de uma instituição ágil e flexível

Dentro de uma sociedade estática, conservadora ou fixa, uma instituição burocrática e pesada pode sobreviver e até se revelar indispensável, pois não existem alternativas, e se existem, o caminho que leva até elas inexiste. Numa sociedade sem mudanças, o presente escraviza-se à reprodução do passado, os problemas são sempre os mesmos e as soluções passam de geração para geração, sem modificações apreciáveis. O espaço para a especulação e crítica é limitado: a função do pensamento não é questionar, mas aceitar uma dada situação.

Num meio social dinâmico, entretanto, onde são criadas sem cessar novas tendências ou alternativas e em que as mudanças processam-se num ritmo alucinante, as instituições precisam ser flexíveis e eficientes, pois se permanecem imobilizadas na tradição estão fadadas ao colapso. As soluções de hoje podem se tornar os problemas de amanhã, exigindo-se das instituições públicas agilidade, flexibilidade e uma capacidade de adaptação às exigências modernas. E acima de tudo, espera-se que o foco institucional esteja voltado para eficiência e resultados.

Esse ambiente social cambiante requer um perfil diferenciado de Ministério Público, não mais meramente demandista ou parecerista, e sim dotado da capacidade de buscar resultados (estando aberto a inovações e aperfeiçoamentos) e de enfrentar, se necessário, o caudal dos interesses econômicos e políticos. E para nadar contra a corrente, como parece ser da natureza histórica da instituição, ela deve contar com bons nadadores, ágeis e resolutivos.

Num mundo em transformação, o homem precisa pensar não apenas nas coisas como elas são, mas também em como foram e como serão. Não há apenas o presente a considerar, mas um feixe infinito de possibilidades (Soros, 2007, p. 148) que se voltam para o futuro. Esse esquema aplica-se, mutatis mutandi, às instituições públicas, em especial ao Ministério Público, dadas as suas funções de marcado cunho social.

Historicamente, o Ministério Público adotou a política de "ocupar espaços" a todo transe, numa ampliação de suas atribuições como forma de firmar-se e fortalecer-se como Instituição (Rodrigues, 1999, p. 133; Sinhoretto, 2006, p. 173) [17]. Além disso, o legislador infraconstitucional tem, a todo propósito, aberto novas formas de intervenção do MP, seja quando regula a proteção ao idoso, à criança e ao adolescente, ao portador de deficiência etc., seja no que se refere a questões fundiárias, parcelamento do solo urbano, usucapião, defesa de investidores no mercado financeiro etc.

Há, sem dúvida alguma, como fruto dessas posturas uma sobrecarga funcional dos membros do Ministério Público na área civil nem sempre compatível com a letra e o espírito da Constituição Federal. Por tal perspectiva não é difícil lobrigar a impossibilidade prática da instituição de se desincumbir de todas essas atribuições de forma, substancial e formalmente, adequada. E essas dificuldades funcionais têm rendido algumas críticas nem sempre justas. No dizer de Marchais (1974, p. 44) "sobrecarregam o burro e gritam com indignação quando ele tropeça".

Atualmente, a preocupação sobre as atribuições do Ministério Público gira em torno da eficiência e da efetividade da intervenção do MP, especificamente, no processo cível. E para tanto, a solução que se apresenta, jurídica e tecnicamente adequada, é uma categoria dialeticamente paradoxal: a restrição/ampliação de suas atribuições. A restrição diz respeito às atribuições compatíveis com sua finalidade constitucional ("defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis"). A ampliação liga-se à atuação, dentro destes limites finalísticos e constitucionais, de forma qualificada e com largos mecanismos disponíveis, dentro da máxima consagrada de que quem tem fins deve dispor de meios. Esse enxugamento de atribuições, sob o foco da Constituição, ajuda a tornar a instituição flexível e adaptada às potencialidades e exigências de uma nova época em que a busca por resultados e eficiência é o núcleo vital.

7.1- As contra-instituições

Acredita-se que as instituições são eternas, indispensáveis, racionais. E podem até ser, desde que estejam preparadas para mudar, aceitando novos encargos ou o expurgo de certas funções, de acordo com as exigências históricas e sociais. Ou seja, para não perecer e perder o rumo da história é necessário que a instituição seja flexível e capaz de mudar.

A regra, evidenciada pela história das perturbações sociais, é de que as instituições não estão garantidas para sempre. Em 1789 quem teria ousado pensar que a Igreja iria ser privada de sua potência temporal, que não regeria mais a totalidade da vida humana para o conjunto da sociedade? Dois anos mais tarde, a Igreja havia perdido uma hegemonia de mil e quinhentos anos (Lapassade/Lourau, 1972, p. 156).

Dentre os fatores que ameaçam uma instituição como o Ministério Público destaca-se a ineficiência no desempenho de suas atribuições essenciais. Ao deixar um vazio no cumprimento funcional, a instituição abre espaço para que outros órgãos ou instituições, como verdadeiras contra-instituições (Lapassade/Lourau, 1972, p. 154 ss.), apoderem-se dessas funções ou quebrem a exclusividade institucional.


8- Premiar o talento e o mérito: fórmula de fortalecimento institucional

Não há melhor maneira de convencer um agente público a não ser desidioso e inepto, senão recompensando-lhe o comportamento contrário, e não apenas punindo. A motivação, como possibilidade de influir institucionalmente nos desejos e nas aspirações das pessoas, desempenha um papel importante na qualificação contínua do agente do Ministério Público. Um Promotor de Justiça, por exemplo, tende a aperfeiçoar-se e zelar profundamente pelo seu trabalho se sabe a que objetivos serve. Evidentemente, não existe um desejo inato de aperfeiçoamento cultural ou de zelo funcional. Membros do Ministério Público ou de qualquer outra instituição não se transformam, repentinamente, em pessoas de mentalidade elevada e capaz de perseguir zelosamente o bem comum, simplesmente porque se lhes diga que têm de agir assim. Uma instituição motivadora, bem estruturada e dotada de mecanismos adequados faz surgir dito desejo. Desse modo, é imperioso existir no Ministério Público promotores e procuradores de justiça motivados e um sistema de recompensas motivador.

O reconhecimento do mérito, como critério para um prêmio social, além de uma clara concessão ao individualismo, também apresenta um alcance social inegável. A sociedade, principalmente a moderna em que os progressos técnicos e científicos exigem cada vez mais profissionais capazes, tem fundamental interesse de que seus membros, principalmente aqueles ocupantes de funções públicas estratégicas, sejam capazes, inteligentes e competentes. E por isso institui mecanismos de premiação destes méritos para estimular o aperfeiçoamento intelectual e profissional, de acordo com as rápidas modificações do mundo moderno, em que o indivíduo, muitas vezes, dorme sábio e acorda ignorante.

Concedida a recompensa ao mérito, reconhecendo-o justamente, ganha o profissional, a instituição e a sociedade; concedida a recompensa a quem não fez por merecê-la, perde o favorecido (pelo esmorecimento das energias), perde o profissional com mérito (pela crise amotivacional – Mannheim, 1960, p. 289), perde a instituição (por ficar sujeita a desenvolver vícios internos como o burocratismo e o corporativismo [18]) e perde a sociedade (pela ineficiência e improdutividade no serviço público). Diante de tão evidentes prejuízos, como ainda permitimos que o favorecimento ilegítimo, o jogo de interesses inconfessáveis, as maquinações de toda ordem, subvertam o princípio do merecimento? [19]

Um sistema justo de promoção e mobilidade na carreira, feito "a céu aberto e não às escondidas", cria o indispensável ambiente de confiança, entusiasmo e cordialidade. Como disse um especialista americano em recursos humanos: "Você pode comprar o tempo de um homem; você pode comprar a presença física de um homem em determinado lugar; você pode igualmente comprar certa atividade muscular, pagando-a por hora ou por dia; mas você não pode comprar entusiasmo; você não pode comprar iniciativa; você não pode comprar lealdade; você não pode comprar devoção de corações, de espírito, de almas; essas virtudes você deve conquistá-las" (Weil, 1958,p. 29).

Por qualquer ângulo que se observe, o reconhecimento do mérito é vantajoso. Mesmo aquele que é recusado em sua progressão funcional – por razões de justiça – não tem razões para desesperar. O aparente prejuízo é fruto tão-somente da falta de empenho e de aptidão, podendo ser revertido desde que o agente se disponha a trabalhar e se aperfeiçoar. O "prejuízo", em princípio, desde que justo, é apenas a alavanca para estimular o agente a buscar novos horizontes intelectuais, inclusive com o estímulo da instituição. Faz parte de um todo que é bom, uma dissonância que é harmonia quando ouvida em relação ao restante da música. Ab aequitate vinci, pulchrum et bonum - ser vencido pela justiça é belo e bom, dita a máxima latina.A vantagem e o prejuízo funcionam como mecanismos de higienização administrativa e, portanto, na medida justa, são fatores positivos e inevitáveis nos movimentos e contramovimentos da estrutura orgânica do serviço público. A primeira encoraja o agente público no trabalho e o segundo vem a ser um meio de corrigir o agente relapso no labor e na função. Quando, tanto a vantagem quanto o prejuízo, ocorrem sob a bandeira da injustiça, temos a multiplicação dos maus em vez da reprodução dos bons agentes públicos. A terrível frase - desprovida de valor moral - de que "os vencedores têm sempre razão" (equivalente a esta outra: "quem tem o poder, tem a razão"), qualquer que tenha sido o caminho que percorreram para vencer, não deve encontrar assento no banquete administrativo, salvo quando o êxito coincidir com a justiça.

Por outro lado, de que vale o mérito funcional, o aperfeiçoamento constante da atividade profissional, se não traz triunfo e recompensas na carreira? O efeito é comparável ao do soldado que, preparado e valente, não consegue vencer e dominar o inimigo. E mais aumenta a angústia quando vemos um arsenal de forças de progresso e desenvolvimento na figura de agentes públicos valorosos, do ponto de vista intelectual, ser desprezado e irracionalmente inaproveitado.

O aumento da produtividade, da qualidade e da eficiência no serviço público (e mais especificamente no Ministério Público), tal como ocorre no setor privado, depende da motivação do agente laboral, porque é o interesse do agente público pelo seu trabalho e sua função a única fonte segura de produtividade. Tire-se-lhe a motivação (através de mecanismos já bastante conhecidos) e teremos a preguiça, a desídia e o descaso.

Hoje em dia já não se questiona a validade da afirmação que considera os Recursos Humanos (capital humano) como fator determinante do êxito ou fracasso de um empreendimento, tanto no setor público quanto no setor privado. Todas as instituições, empresas, organizações administrativas ou se curvam a essa evidência geral, ou arcarão com o preço da ineficiência em suas atividades-fins. Neste xadrez social, o privilégio deixa de ser uma peça importante, na medida em que enfraquece a instituição no que há de mais sagrado nos tempos modernos: a eficiência.

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Para que o membro do Ministério Público sinta-se estimulado a produzir com eficiência e ativamente, a instituição deve nutrir em seu íntimo uma série de certezas:

1- A certeza de que um trabalho eficiente e zeloso significa uma dinamicidade maior e mais facilitada na carreira;

2- Consideração e reconhecimento da capacidade (e do esforço);

3- Certeza de que, quando das movimentações na carreira, o agente melhor qualificado será escolhido para ocupar os melhores cargos;

4- Boas e equitativas possibilidades de promoção.

5- Relações de trabalho previsíveis.

A moeda de troca do merecimento, ao invés da give-and-take-policy, continua a ser o trabalho, o talento, a inteligência. É um conceito, senão juridicamente delimitado (ou aplicado), mas filosoficamente apurado, decantado e imodificável. A necessidade é de apenas migrar a certeza filosófica e moral para o maleável mundo da aplicação jurídica. Diante disso, o sistema de merecimento a ser estabelecido deve fixar meios de conversão desses valores subjetivos em dados aferidores objetivos [20], assegurando, definitivamente, que a aquisição de vantagens funcionais pelo membro do Ministério Público passe a depender exclusivamente de seu braço, cérebro e fortaleza de vontade. Um sistema assentado em cérebro/mão. Nenhuma variável alheia ao esforço próprio e pessoal entraria no corpo da equação. Reduzir a valores objetivos, matemáticos, fiapos tão subjetivos, eis o desafio.


9- Conclusões

Uma sociedade em mutação requer um contínuo reajuste de suas instituições para atender eficientemente às novas demandas. O Ministério Público se insere nesse contexto como uma instituição vocacionada para defender os interesses, não mais do Estado ou de uma sociedade simplesmente, mas de uma complexa sociedade democrática. Dentro desses objetivos alguns desafios são postos e sintetizados nas conclusões seguintes:

I- A independência funcional como princípio constitucional de vital importância para a saúde institucional do Ministério Público não pode se converter em irracional atitude corporativa e isolacionista em relação ao contexto sóciopolítico em que os intercâmbios democráticos se estabelecem entre os diversos órgãos públicos; deve ter como política institucional a busca constante de uma coordenação entre os diversos órgãos públicos para viabilizar e otimizar sua atividade-fim. Neste propósito, assume uma espécie de corresponsabilidade pela saúde institucional e técnica de tais órgãos, obrigando-se a ser um dos principais combatentes do Estado (Município, Estado-membro e União), na tarefa de forçá-lo a manter ditos órgãos (principalmente aqueles indispensáveis ao bom desempenho das funções ministeriais) dentro de padrões mínimos de eficiência (conforme imposição dos arts. 37 e 129, II, da CF).

II- O processo de definição das prioridades institucionais não pode prescindir da participação da sociedade. O Ministério Público deve consultá-la antes de estabelecer as metas prioritárias. A accountability deve começar de baixo; cada comarca deve fazer um diagnóstico sobre as questões que possam exigir a atuação do Ministério Público. Elaborado o diagnóstico, a discussão dos problemas levantados deve ser feita em audiências públicas com a participação dos diversos setores da comunidade. O resultado desse trabalho articulado entre MP e comunidade deve subsidiar o Programa de Atuação da Promotoria de Justiça respectiva. E todos os programas setoriais devem subsidiar o Plano Geral de Atuação do Ministério Público.

III- A legitimidade social do MP depende de sua capacidade em: a)- garantir níveis de desempenho funcional equivalentes aos níveis de exigência social gerados; b)- engendrar um processo de accountability de suas ações e atividades que valorize a interlocução participativa e democrática com a comunidade. A eficiência funcional ou uma instituição de resultados é a força motriz para adquirir legitimidade social. E estas duas variáveis (eficiência-resultados + legitimidade), combinadas, perfazem um círculo virtuoso, em que quanto mais eficiência funcional maior a legitimidade, e quanto mais legitimidade maior o estímulo para aprimorar a instituição.

IV- O Ministério Público, como um dos principais aplicadores e intérpretes do Direito, assume a responsabilidade de pensar a ciência jurídica e seus mecanismos como alavancas de progresso social, a partir de uma cultura de inovação; sua missão é promover o interesse público e a justiça não apenas com os elementos estáticos concedidos pela letra fria da lei, mas enriquecê-los com a práxis institucional e as soluções que surgem da teorização dos problemas formulados a partir do contato com a comunidade.

V- Uma gestão da atividade-fim do Ministério Público para alcançar resultados (um Ministério Público de resultados ou Ministério Público resolutivo) deve apresentar algumas características ou adotar certas medidas: a)- uma nova cultura organizativa que realce a busca por resultados; b)- introdução de um parâmetro analítico apto a rever o desempenho dos objetivos estratégicos e a forma de sua execução; c)- inserção de uma nova mentalidade onde o promotor possa perceber que entre as atribuições constitucionais e a lei tem um significativo espaço para definir suas prioridades e criar novos métodos de trabalho; d)- estabelecimento de um diálogo institucional interno entre os diversos órgãos (de execução e de administração) com o fim de otimizar a cooperação e os círculos de inovação; e)- criação de um núcleo de estudos e pesquisas em eficiência funcional.

VI- Para que o membro do Ministério Público sinta-se estimulado a produzir com eficiência e ativamente, a instituição deve nutrir em seu íntimo uma série de convicções, sobressaindo-se a certeza de que, quando das movimentações na carreira, o agente melhor qualificado e autor de um trabalho eficiente e zeloso será escolhido para ocupar os melhores cargos. Neste aspecto, a instituição do Ministério Público deve assumir definitivamente um perfil motivador.

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Sobre o autor
João Gaspar Rodrigues

Promotor de Justiça. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes/RJ. Membro do Conselho Editorial da Revista Jurídica do Ministério Público do Amazonas. Autor dos livros: O Ministério Público e um novo modelo de Estado, Manaus:Valer, 1999; Tóxicos..., Campinas:Bookseller, 2001; O perfil moral e intelectual do juiz brasileiro, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2007; Segurança pública e comunidade: alternativas à crise, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2009; Ministério Público Resolutivo, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, João Gaspar. Ministério Público de resultados.: A atual missão institucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2585, 30 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17076. Acesso em: 23 dez. 2024.

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