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Lei nº 12.034/2009: julgamento de prestação de contas de campanha, certidão de quitação eleitoral e hipertrofia do Tribunal Superior Eleitoral

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4 A ILEGALIDADE DO PARÁGRAFO 4º DO ARTIGO 26 DA RESOLUÇÃO TSE Nº. 23.221/2010.

Conforme já consignado, o parágrafo 7º do artigo 11 da Lei das Eleições, incluído pela Lei nº. 12.034/2009, vaticina que a "certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente [...] a apresentação de contas de campanha eleitoral".

Para as eleições de 2010, a Corte Superior Eleitoral, no exercício do seu poder regulamentar, editou a Resolução nº. 23.221/2010, que, em seu do artigo 26, parágrafo 4º, prescreve, litteris:

§4º A quitação eleitoral de que trata o § 1º deste artigo abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação regular de contas de campanha eleitoral (Lei nº 9.504/97, art. 11, § 7º)

A despeito da semelhança entre os dispositivos supratranscritos, há verdadeiro abismo entre seus efeitos. Tão drástica divergência – quase antagônica – ocorre por causa da inclusão, na redação do parágrafo 4º do artigo 26 da Resolução TSE nº. 23.221/2010, da palavra "regular" antes da expressão "de contas de campanha eleitoral". Explicamos.

Nos termos do preceptivo sub oculi da Lei nº. 9.504/1997, apenas a ausência de apresentação da prestação de contas de campanha implicará a impossibilidade de obtenção da certidão de quitação eleitoral, conforme demonstrado anteriormente. Ocorre que, ao inserir, em sua Resolução, a palavra "regular", o Tribunal Superior Eleitoral condicionou a obtenção de quitação eleitoral não apenas à apresentação de prestação de contas, mas à apresentação regular, sem mácula grave, da referida prestação.

De acordo com o art. 30 da Lei nº. 9.504/1997, com a reação que lhe foi conferida pela Lei nº. 12.034/2009, o julgamento das contas de campanha eleitoral pode resultar em quatro tipos de decisão, senão vejamos, litteris:

Art. 30. A Justiça Eleitoral verificará a regularidade das contas de campanha, decidindo: (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)

I - pela aprovação, quando estiverem regulares; (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

II - pela aprovação com ressalvas, quando verificadas falhas que não lhes comprometam a regularidade; (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

III - pela desaprovação, quando verificadas falhas que lhes comprometam a regularidade; (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

IV - pela não prestação, quando não apresentadas as contas após a notificação emitida pela Justiça Eleitoral, na qual constará a obrigação expressa de prestar as suas contas, no prazo de setenta e duas horas. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

Conforme se percebe, quando as contas de campanha não forem consideradas regulares, estas serão rejeitadas.

Ora, se, nos termos do artigo 26, parágrafo 4º, da Resolução TSE nº. 23.221/2010, as contas que não forem prestadas de forma regular ensejarão a impossibilidade de obtenção da certidão de quitação eleitoral, e se, de acordo com o artigo 30, inciso III, da Lei nº. 9.504/97, as contas que não forem consideradas regulares serão desaprovadas, resta inequívoca a conclusão de que, para o TSE, as contas desaprovadas resultarão na impossibilidade de obtenção da certidão de quitação eleitoral pelo respectivo candidato, o que fere de morte as disposições legais vigentes.

Com efeito, a Corte Superior Eleitoral, para as eleições de 2010, de forma indireta, ao arrepio do estabelecido na Lei das Eleições, recentemente alterada pela Lei nº. 12.034/2009, manteve o entendimento insculpido na Resolução TSE nº. 22.715/2008, tal seja: o de que a rejeição de contas de campanha inviabiliza a obtenção da certidão de quitação eleitoral.

Referido entendimento contrasta com a ordem jurídica vigente. Se a lei, expressamente, estabelece que a sanção de não obtenção de certidão de quitação eleitoral somente pode ser imputada aos candidatos que deixarem de prestar contas, não pode o TSE, sob o pretexto de exercer o poder normativo que lhe foi conferido pelo Código Eleitoral, estabelecer nova conduta a qual se aplique referida sanção, mesmo porque "estritamente se interpretam as disposições que restringem a liberdade humana", conforme aduziu o eminente Ministro Nilson Naves, citando Carlos Maximiliano, quando do julgamento, em 09 de setembro de 2008, pelo Superior Tribunal de Justiça, do Habeas Corpus nº. 76.686/PR, publicado no Diário de Justiça eletrônico de 10 de novembro de 2008.

Talvez seja esse um dos mais graves vícios da Justiça Eleitoral: a hipertrofia. Deveras, quando reputa inválida ou inadequada uma norma – ressalte-se, que percorreu todo o trâmite processual legislativo –, o TSE a ignora, editando, sob o manto do "poder regulamentar", uma Resolução, que, no mais das vezes, não se restringe a facilitar a aplicação da norma, mas mitiga ou altera a intenção do legislador infraconstitucional, relegando-o à condição de coadjuvante na produção legislativa pátria.

Acerca da exacerbação do poder normativo da Justiça Eleitoral, vaticina o Mestre Marcelo Roseno de Oliveira [03], verbis:

O que se tem visto ao longo dos anos, contudo, é que a Justiça Eleitoral tem exercido função normativa de forma cada vez mais incisiva, extrapolando manifestamente a mera atividade regulamentar, para, assim, transitar por campo próprio do Poder Legislativo, e, o que é pior, chegando muitas vezes a editar normas em manifesto conflito com a lei.

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Dessarte, em que pesem a sapiência e a maestria dos cultos Ministros componentes da Corte Superior Eleitoral, o artigo 26, parágrafo 4º, da Resolução TSE nº. 23.221/2010, por extravasar os limites do poder normativo conferido à Justiça Eleitoral, estipulando sanção não prevista em lei, revela-se manifestamente ilegal, devendo ser, de logo, expurgado do nosso ordenamento jurídico ou adequado ao parágrafo 7º do artigo 11 da Lei das Eleições, incluído pela Lei nº. 12.034/2009.


5 A EVOLUÇÃO DO ENTENDIMENTO FIXADO PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL ACERCA DA ALTERAÇÃO DA ABRANGÊNCIA DA CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL PROMOVIDA PELA LEI Nº. 12.034/2009

Já após a edição da Lei nº. 12.034/2009, o Tribunal Superior Eleitoral, analisando a abrangência da certidão de quitação eleitoral, fixou o entendimento inicial de que a aprovação das contas de campanha era requisito essencial para expedição de certidão de quitação eleitoral, e não apenas a apresentação das contas.

Referido entendimento foi firmado, por maioria (4 a 3), em 3 de agosto de 2010, quando do julgamento do Processo Administrativo nº. 59.459.

Naquela ocasião, votaram a favor de que a simples apresentação de contas não era suficiente para expedição de certidão de quitação eleitoral os Ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Nancy Andrighi. Em sentido contrário, de que a simples apresentação das contas possibilitaria a consecução da certidão de quitação eleitoral, votaram os Ministros Arnaldo Versiani (Relator), Aldir Passarinho Junior e Marcelo Ribeiro.

O Acórdão do Processo Administrativo sub examine restou assim ementado [04], verbis:

PROCESSO ADMINISTRATIVO. QUITAÇÃO ELEITORAL. LEI 12.034/2009. DEVER DE PRESTAR CONTAS À JUSTIÇA ELEITORAL. ARTS. 14, § 9º, E 17, III, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. MERA APRESENTAÇÃO DAS CONTAS. INSUFICIÊNCIA. NECESSIDADE DE APROVAÇÃO DAS CONTAS. SOLICITAÇÃO RESPONDIDA.

I - A exegese das normas do nosso sistema eleitoral deve ser pautada pela normalidade e a legitimidade do pleito, valores nos quais se inclui o dever de prestar contas à Justiça Eleitoral, nos termos dos arts. 14, § 9º, e 17, III, ambos da Constituição.

II - Não se pode considerar quite com a Justiça Eleitoral o candidato que teve suas contas desaprovadas pelo órgão constitucionalmente competente.

III - Para os fins de quitação eleitoral será exigida, além dos demais requisitos estabelecidos em lei, a aprovação das contas de campanha eleitoral, não sendo suficiente sua simples apresentação.

IV - Solicitação respondida.

Não obstante o recente decisum acima referenciado, em 28 de setembro de 2010, ao apreciar o Recurso Especial Eleitoral (RESPE) nº. 442.363, interposto por Jeovane Weber Contreira, candidato a Deputado Federal pelo Rio Grande do Sul, contra decisão proferida pelo Tribunal Regional Eleitoral desse Estado, a Corte Superior Eleitoral reviu o entendimento anteriormente firmado, passando a entender, também por maioria (4 a 3), que a simples apresentação das contas de campanha, ainda que desaprovadas, revela-se suficiente para a obtenção da certidão de quitação eleitoral.

Votaram a favor do provimento do mencionado RESPE e, em consequência, do deferimento do Registro de Candidatura (RCAND), os Ministros Arnaldo Versiani (Relator), Hamilton Carvalhido, Aldir Passarinho Junior e Marcelo Ribeiro. Em sentido contrário, votaram (vencidos), os Ministros Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Cármen Lúcia.

O novel entendimento foi consagrado pelo Tribunal Superior Eleitoral, posteriormente, e.g., nos julgamentos dos processos nº. 400235 [05], nº. 82052 [06] e nº. 84357 [07].

Os julgados acima mencionados revelam que a Corte Superior Eleitoral alterou o posicionamento inicialmente por ela encampado, trilhando, doravante, o entendimento de que a simples apresentação de prestação de contas é suficiente para obtenção da quitação eleitoral, respeitando, desta feita, os limites da competência normativa que lhe foi outorgada pelo ordenamento vigente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 14. ed. Bauru: EDIPRO, 2010.

GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 4. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

JESUS, Damásio E. de. Direito penal. V. 1. 27. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003.

OLIVEIRA, Marcelo Roseno de. Controle das eleições: virtudes e vícios do modelo constitucional brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 110.

OLIVEIRA, Marcelo Roseno de. Direito Eleitoral – Reflexões sobre temas contemporâneos. Fortaleza: ABC Editora, 2008.

RAMAYANA, Marcos. Comentários sobre a reforma eleitoral: Lei nº. 12.034/2009, Emenda Constitucional nº. 58/2009, Lei nº. 12.016/2009. Niterói: Impetus, 2010.


Notas

  1. RAMAYANA, Marcos. Comentários sobre a reforma eleitoral: Lei nº. 12.034/2009, Emenda Constitucional nº. 58/2009, Lei nº. 12.016/2009. Niterói: Impetus, 2010. p. 116.
  2. Art. 21 Os Tribunais e juízes inferiores devem dar imediato cumprimento às decisões, mandados, instruções e outros atos emanados do Tribunal Superior Eleitoral.
  3. OLIVEIRA, Marcelo Roseno de. Controle das eleições: virtudes e vícios do modelo constitucional brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 110.
  4. TSE. Processo Administrativo nº 59459, Acórdão de 03/08/2010, Relator(a) Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, Relator(a) designado(a) Min. Enrique Ricardo Lewandowski, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 23/09/2010, Página 21. <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm> Acesso em 12 de out. de 2010.
  5. TSE. Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 400235, Acórdão de 19/10/2010, Relator(a) Min. ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO JUNIOR, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 19/10/2010. <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm> Acesso em 15 de dez. de 2010.
  6. TSE. Recurso Especial Eleitoral nº 82052, Acórdão de 14/10/2010, Relator(a) Min. MARCO AURÉLIO MENDES DE FARIAS MELLO, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 14/10/2010. <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm> Acesso em 15 de dez. de 2010.
  7. TSE. Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 84357, Acórdão de 13/10/2010, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 13/10/2010. <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm> Acesso em 15 de dez. de 2010.
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Sobre o autor
Francisco Eimar Carlos dos Santos Júnior

Advogado (OAB/CE 22.466). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Pós-graduando em Direito e Processo Eleitoral pela Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará - ESMEC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS JÚNIOR, Francisco Eimar Carlos. Lei nº 12.034/2009: julgamento de prestação de contas de campanha, certidão de quitação eleitoral e hipertrofia do Tribunal Superior Eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2588, 2 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17077. Acesso em: 25 abr. 2024.

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