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Lei nº 12.034/2009: julgamento de prestação de contas de campanha, certidão de quitação eleitoral e hipertrofia do Tribunal Superior Eleitoral

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1 INTRODUÇÃO.

Bastantes foram as alterações implementadas pela Lei nº. 12.034, de 29 de setembro de 2009, que modificou, dentre outras, a Lei nº. 9.504/1997 (Lei das Eleições).

Trataremos, doravante, das repercussões da Lei nº. 12.034/2009 no resultado do julgamento de prestação de contas de campanha e na ulterior obtenção de certidão de quitação eleitoral pelo candidato cujas contas foram desaprovadas.

Analisaremos, outrossim, a legalidade ou não da artigo 26, parágrafo 4º, da Resolução TSE nº. 23.221/2010, que "dispõe sobre a escolha e o registro de candidatos nas eleições de 2010", especificamente no que concerne ao limites impostos pelo ordenamento jurídico pátrio ao poder normativo da Justiça Eleitoral.

Por fim, analisaremos, de forma breve, a evolução do entendimento fixado pelo Tribunal Superior Eleitoral acerca da alteração da abrangência da certidão de quitação eleitoral promovida pela Lei nº. 12.034/2009.

De certo, não intentamos esgotar os temas aqui abordados, constituindo o presente estudo uma análise crítica das atividades hodiernamente desenvolvidas pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral.


2 AS ALTERAÇÕES PROVOCADAS PELA LEI Nº. 12.034/2009 NO JULGAMENTO DAS CONTAS DE CAMPANHA ELEITORAL.

Em sua redação original, a Lei das Eleições não estabelecia sanção de impedimento de se obter a certidão de quitação eleitoral ao candidato que tivesse desaprovadas suas contas de campanha, de forma que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) regulamentava a matéria – instituía referida sanção – por meio de Resoluções.

Para as Eleições 2008, e.g., a Corte Superior Eleitoral regulamentou o tema sub examine através da Resolução nº. 22.715/2008, que, no parágrafo 3º do artigo 41, vaticinava que "a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu".

Com o advento da Lei nº. 12.034/2009, que conferiu nova redação ao artigo 105 da Lei nº. 9.504/1997, o poder normativo do TSE foi restringido, impedindo-se a Corte Superior de, por meio de Resoluções, estabelecer sanções não previstas na referida Lei das Eleições.

Vejamos, por oportuno, o teor do preceptivo legal em relevo, litteris:

Art. 105. Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009).

Dessume-se, pois, que, se a Lei das Eleições não imputar a sanção de impedimento à obtenção da certidão de quitação eleitoral àqueles cujas contas de campanha forem desaprovadas, referida punição não mais poderá ser estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Mister, dessarte, aferirmos se a Lei nº. 9.504/1997 estabelece a sanção sub oculi.

Prescreve o parágrafo 7º do artigo 11 do diploma legal supramencionado, incluído pela Lei nº. 12.034/2009, verbis:

§7º A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

Conforme se percebe, apenas a ausência de apresentação de prestação de contas acarreta o impedimento de obtenção de certidão de quitação eleitoral, não havendo sido estabelecida mencionada punição aos candidatos cujas contas forem desaprovadas.

Nesse ínterim, se o TSE não pode estabelecer sanções outras, que não as insculpidas na Lei nº. 9.504/1997, e se este diploma legal não estabelece a sanção de ausência de quitação eleitoral para os candidatos cujas contas de campanha forem desaprovadas, dessume-se que a Corte Superior Eleitoral não pode negar certidão de quitação eleitoral aos candidatos que tiverem as contas de campanha rejeitadas, sob pena de violação aos artigos 11, parágrafo 7º, e 105 da Lei nº. 9.504/1997, bem como aos artigos 1º, parágrafo único, e 23, inciso IX, da Lei nº. 4.737/1965 (Código Eleitoral), estes últimos que tratam do poder normativo da Justiça Eleitoral.

No concernente às eleições de 2010, dúvidas não pairam (ou não deveriam pairar): de acordo com a Lei nº. 9.504/1997, a rejeição das contas de campanha não implicará embaraço à obtenção da certidão de quitação eleitoral. Impende, outrossim, perquirirmos se a alteração sob análise, implementada pela Lei nº. 12.034/2009, alcança os processos de prestação de contas referentes ao prélio eleitoral de 2008.

De pronto, cumpre-nos assentar que lei penal, em sentido amplo, é toda aquela que estabelece uma pena, uma sanção a ser imposta ao agente que violar determinado preceito, não se restringindo às normas de Direito Penal. Preleciona o mestre Damásio E. de Jesus (2003, p. 14), que "Em lato sensu, norma penal é tanto a que define um fato punível, impondo, abstratamente, a sanção, como a que amplia o sistema penal através de princípios gerais e disposições sobre os limites e ampliação de normas incriminadoras".

Nesse ínterim, a norma que impõe a pena de impossibilidade de obtenção da certidão de quitação eleitoral apenas ao candidato que não apresentar prestação de contas de campanha (artigo 11, parágrafo 7º, Lei nº. 9.504/1997) possui natureza penal, lato sensu, devendo-se-lhe aplicar o princípio da retroatividade da lei mais benéfica insculpido no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".

Ora, se a Resolução TSE nº. 22.715/2008 estabelecia a pena de impedimento de obtenção da certidão de quitação eleitoral aos candidatos cujas contas de campanha houvessem sido desaprovadas, mas a Lei nº. 12.034/2009, que lhe foi superveniente, impossibilitou (aboliu) a aplicação da referida sanção, esta Lei é benéfica em relação àquela Resolução, devendo retroagir e regulamentar o julgamento das prestações de contas referentes à contenda eleitoral de 2008.

Apreciando o tema sob a ótica do entendimento jurisprudencial encampado pelos Tribunais Eleitorais pátrios, faz-se importante analisarmos, inicialmente, a decisão promanada do TSE, em 30 de setembro de 2008, quando do julgamento do Processo Administrativo nº. 19.899/GO, da Relatoria do Ministro Ari Pargendler, publicada no Diário da Justiça Eletrônico em 30 de abril de 2009, páginas 27 e 28, cuja Ementa transcrevemos abaixo, litteris:

PROCESSO ADMINISTRATIVO. ELEIÇÕES 2008. QUITAÇÃO ELEITORAL. ALCANCE DE NOVA REGULAMENTAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. OMISSÃO. APRESENTAÇÃO EXTEMPORÂNEA. DESAPROVAÇÃO. APLICAÇÃO A PARTIR DO PLEITO MUNICIPAL DE 2008. ALTERAÇÃO DAS INSTRUÇÕES QUE DISCIPLINAM A MATÉRIA.

A restrição à obtenção de quitação eleitoral em decorrência de prestação de contas após o prazo definido nas instruções pertinentes à arrecadação e à aplicação de recursos por candidatos e comitês financeiros e à prestação de contas nas eleições municipais de 2008, bem como na hipótese de desaprovação das contas, somente alcançará situações verificadas a partir do referido pleito, não atingindo eleições anteriores.

Alteração das instruções pertinentes para, ultrapassado o período do mandato ao qual concorreu o candidato inadimplente, subsistindo a omissão, estender os efeitos da restrição à quitação eleitoral até a efetiva apresentação das contas.

Para as eleições ocorridas em 2004 e 2006, as respectivas Resoluções editadas pelo TSE não previam a sanção de impedimento à obtenção da certidão de quitação eleitoral aos candidatos cujas prestações de contas de campanha houvessem sido reprovadas, mas, tão somente, aos que não as apresentassem.

Conforme registrado anteriormente, a Resolução nº. 22.715/2008, que regulamentou as prestações de contas referentes às eleições de 2008, previu a aplicação da referida sanção tanto aos candidatos que tivessem as contas de campanha reprovadas quanto aos que não as apresentassem. Dessarte, no feito sub examine, o TSE se propôs a solucionar a seguinte indagação: aqueles candidatos cujas prestações de contas haviam sido desaprovadas nas eleições de 2004 ou de 2006 poderiam sofrer a nova sanção estabelecida na Resolução nº. 22.715/2008, editada para reger as eleições de 2008?

Destacamos, por oportuno, o entendimento esposado pelo preclaro Relator, Ministro Ari Pargendler, por ocasião do aditamento ao Voto por ele apresentado inicialmente, verbis:

O SENHOR MINISTRO ARI PARGENDLER (relator): Senhor Presidente, é conveniente frisar que tanto as instruções sobre prestação de contas nas eleições de 2004, quanto as referentes ao pleito de 2006, estabeleceram como situação a restringir a obtenção de quitação eleitoral, tão-somente, "a não-apresentação de contas de campanha", e não a sua prestação extemporânea ou a sua desaprovação, ambas circunstâncias que unicamente passaram a figurar nas normas que regulamentarão o tema nas eleições de outubro próximo.

Por essa razão, na atualidade, eleitores cujas prestações de contas relativas a eleições pretéritas foram apresentadas fora do prazo legal ou julgadas desaprovadas, encontram-se, no cadastro eleitoral, habilitados a obter certidão de quitação eleitoral.

Dado o exposto, na linha do voto que proferi na sessão de 24.4.2008, reitero minha conclusão no sentido de que as novas disposições da Res.-TSE nº 22.715/2008 somente serão aplicadas a partir da prestação de contas das eleições municipais deste ano, não atingindo situações relativas a eleições anteriores.

Após amplo debate, a Corte Superior Eleitoral, à unanimidade, decidiu que os candidatos concorrentes nas eleições anteriores que tiveram contas desaprovadas estavam quites com a Justiça Eleitoral, não podendo a Resolução que regeu eleições de 2008 retroagir para considerá-los inaptos (por rejeição de contas), encampando, dessarte, o entendimento da irretroatividade da lei que implicava prejuízo ao réu.

O tema em liça, entrementes, é diverso: a Resolução nº. 22.715/2008 estabelecia sanção pela desaprovação de contas (impossibilidade de obtenção de certidão de quitação eleitoral), pena esta abolida pela Lei nº. 12.034/2009.

Não obstante, se a Corte Superior Eleitoral entende que a novatio legis in pejus não pode retroagir, dessumimos que em se tratando de novatio legis in mellius, esta deve retroagir, alcançando fatos ocorridos sob a regência da lei anterior, conclusão esta sobejamente aplicada na seara penal.

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Referida matéria já foi debatida pelo Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE/SC), quando do julgamento do processo nº. 9.471 - Classe VII, da Relatoria da Magistrada Eliana Paggiarin Marinho, publicado no Diário de Justiça eletrônico em 10 de dezembro de 2009, tomo 226, página 4, cuja Ementa transcrevemos adiante, litteris:

PRESTAÇÃO DE CONTAS - PARTIDO POLÍTICO - EXERCÍCIO DE 2003 - NÃO APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS OBRIGATÓRIOS - UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO SEM COMPROVAÇÃO - IRREGULARIDADES GRAVES - REJEIÇÃO DAS

CONTAS - DEVOLUÇÃO DOS VALORES GASTOS E NÃO COMPROVADOS - SUSPENSÃO DO REPASSE DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO - IMPOSSIBILIDADE - CONTAS QUE NÃO FORAM JULGADAS NO PRAZO DE CINCO ANOS - APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO § 3 o DO ART. 37 DA LEI N. 9.096/1995, INCLUÍDO PELA LEI N. 12.034/2009 - RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA.

O julgado supratranscrito versa acerca da rejeição das contas de Partido Político relativas ao exercício financeiro de 2003, o que, à luz do artigo 37, caput, da Lei nº. 9.096/1995 – com a redação que lhe foi dada pela Lei nº. 9.693/1998 –, ensejava, dentre outras penas, a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário.

Todavia, a Lei nº. 12.034/2009, que manteve a redação do caput do referido preceptivo legal, adicionou-lhe o parágrafo §3º, estabelecendo que não pode "ser aplicada a sanção de suspensão, caso a prestação de contas não seja julgada, pelo juízo ou tribunal competente, após 5 (cinco) anos de sua apresentação".

Em conclusão, a Corte Eleitoral catarinense decidiu pela retroatividade da alteração implementada pela Lei nº. 12.034/2009, no concernente ao prazo de 5 (cinco) anos para o julgamento de contas de agremiação partidária, sob pena de impossibilidade de aplicação da pena de suspensão do recebimento de novas cotas do Fundo Partidário.

Transcrevemos ilustrativo excerto colhido do Voto da eminente Relatora, verbis:

A propósito da aplicabilidade da nova regra, esta Corte recentemente firmou o entendimento sobre três situações, a saber:

[...]

A terceira, analisando a possibilidade de aplicação da sanção de suspensão do repasse de novas cotas do Fundo Partidário após 5 (cinco) anos da apresentação das contas. Neste particular, também se entendeu pela retroação do §3º do artigo 3 7 da Lei n. 9.069/1995, redação da Lei n. 12.034/2009 (Acórdão n. PROCESSO N. 9.471 - CLASSE VII - PRESTAÇÃO DE CONTAS - EXERCÍCIO DE 2003 – PTB 24.237, de 2.12.2009. Relator Juiz Júlio Guilherme Berezoski Schattschneider), tendo o MM. Juiz Relator destacado em s e u voto acolhido por unanimidade:

Aqui efetivamente se trata de matéria penal em sentido amplo - não no sentido correspondente a direito criminal. Assim, os mesmos princípios que regulam um e outro devem ter incidência. A própria Constituição estabelece que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu" (inciso XL do artigo 5º). O parágrafo único do artigo 2° do Código Penal é ainda mais explicito: "A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

No caso dos autos, transcorridos mais de cinco anos da apresentação das contas, protocolizadas dia 30.4.2004, não é mais possível impor qualquer sanção pela sua rejeição à grei partidária.

Considero necessárias, todavia, algumas considerações a respeito.

[...]

Por todo o exposto:

a) rejeito as contas do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), relativas ao exercício financeiro de 2003, determinando o recolhimento ao erário de R$ 10.993,47, no prazo de 60 (sessenta dias), referentes a valores do Fundo Partidário cujo dispêndio não foi regularmente comprovado; e

b) deixo de aplicar a sanção de suspensão do repasse de novas cotas do Fundo Partidário em razão do disposto no §3º do art. 37 da Lei n. 9.096/1995, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº. 12.034/2009.

É como voto.

Percebe-se, pois, que o TRE/SC entendeu que a Lei nº. 9.096/1995, no que tange aos dispositivos que estabelecem sanções, constitui lei penal, em sentido amplo, de forma que suas alterações posteriores – a exemplo das efetivadas pela Lei nº. 12.034/2009 – mais benéficas ao acusado retroagem, alcançando fatos ocorridos durante eleições pretéritas.

Deve-se registrar, contudo, à guisa de esclarecimento, que a Corte Eleitoral do Estado de Santa Catarina não estende referido preceito à sanção insculpida parágrafo 7º do artigo 11 da Lei nº. 9.504/09, sobre a qual ora nos debruçamos.

Também já se manifestou acerca do tema a Corte Regional Eleitoral mineira, quando do julgamento do Recurso Eleitoral nº. 8.105, da Relatoria do Juiz Benjamin Alves Rabello Filho, publicado, em 6 de abril de 2010, no Diário de Justiça eletrônico, cuja Ementa restou assim vazada, verbis:

Recurso Eleitoral. Prestação de Contas. Eleições 2008. Desaprovação em 1º grau. Não devolução de recibos eleitorais. Irregularidade grave e insanável. Comunicação do extravio feita a destempo. Embaraço da fiscalização das contas de campanha por esta Justiça. A sanção advinda da rejeição das contas tornou-se menos gravosa com o advento da Lei n. 12.034/90 que acrescentou o § 7º ao art. 11 da Lei das Eleições, dispondo que basta a apresentação das contas para obtenção da certidão de quitação eleitoral. Manutenção da sentença. Recurso a que se nega provimento.

Ressalte-se, outrossim, que se revela assaz desarrazoada eventual conclusão de que o impedimento à obtenção de certidão de quitação eleitoral em decorrência da desaprovação das contas de campanha aplicar-se-ia apenas às prestações de contas julgadas em definitivo até a edição da Lei nº. 12.034/2009, vez que referido entendimento malferiria o princípio constitucional da isonomia, aplicando entendimentos diversos a situações jurídicas idênticas.

Por fim, em respaldo ao entendimento ora encampado, apresentamos as palavras do professor Marcelo Roseno de Oliveira, que, tratado da decisão do Tribunal Superior Eleitoral quando do julgamento, em 16 de junho de 2004, do Processo Administrativo nº. 19.205/DF (Resolução nº. 21.823/2004), Relator Ministro Peçanha Martins, brindou-nos com elucidativa lição, verbis:

A referência à ‘regular prestação de contas de campanha’ foi incluída após manifestação do Min. Fernando Neves, que se posicionou no sentido de que a obrigação de prestar contas é prevista em lei e ‘se elas não são prestadas, não é possível considerar que o candidato cumpriu suas obrigações com a Justiça Eleitoral, ou, em outras palavras, que está apto a receber certidão de quitação eleitoral’.

A intervenção não deixa dúvida de que o objetivo era especificamente o de incluir a apresentação da prestação de contas (e não sua aprovação) na definição de quitação eleitoral, todavia a forma como redigida a ementa da Resolução, com a inclusão do adjetivo ‘regular’, abriu ensejo para interpretação que não se coadunava com o verdadeiro propósito do TSE ao disciplinar a matéria. (OLIVEIRA; Marcelo Roseno, 2008, p. 248, grifos no original)

Desta feita, em que pesem as opiniões em sentido oposto [01], encampamos o entendimento de que o Tribunal Superior Eleitoral, por expressa determinação legal, não mais pode estabelecer que a desaprovação das contas de campanha referentes ao pleito eleitoral de 2010 ensejará a impossibilidade de o respectivo candidato obter certidão de quitação eleitoral, ressaltando que referida conclusão deve ser estendida às prestações de contas referentes às eleições de 2008, por ser a Lei nº. 12.034/2009, sob o enfoque ora exposto, mais benéfica ao réu.


3 A COMPETÊNCIA NORMATIVA DA JUSTIÇA ELEITORAL. CONCEITO E LIMITES.

A análise da competência normativa (regulamentar) da Justiça Eleitoral constitui premissa indispensável às considerações a serem tecidas no item seguinte, motivo pelo qual trataremos dos aspectos conceituais e restritivos do exercício do referido poder.

Os órgãos do Poder Judiciário, em que pese o exercício predominante da atividade jurisdicional, podem exercer atividade normativa. Quanto à Justiça Eleitoral, referida atividade atípica revela-se sobremaneira acentuada, constituindo uma de suas principais características.

A despeito de a Constituição Federal de 1988 não tratar, especificamente, da competência normativa da Justiça Eleitoral, o artigo 1º, parágrafo único, e o artigo 23, inciso IX, ambos da Lei nº. 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), estabelecem a competência do Tribunal Superior Eleitoral para expedir as instruções que julgar convenientes à fiel execução do Código Eleitoral.

A competência regulamentar da Justiça Eleitoral consiste na possibilidade de edição de atos normativos de caráter genérico sobre matéria eleitoral, em forma de Instruções Normativas (Resoluções), que possuem força legal e impositiva, posto que os Juízos e os Tribunais inferiores lhes devem cumprimento imediato, conforme vaticina o artigo 21 do Código Eleitoral [02].

Ressalte-se, por oportuno, que a competência normativa da Justiça Eleitoral possui expressiva importância na integração da legislação eleitoral, suprindo lacunas e solucionando antinomias, bem como facilitando o entendimento sistemático das esparsas normas eleitorais promulgadas ao longo dos anos. Não obstante, referido poder não é exercido de forma absoluta, sofrendo algumas limitações acerca das quais, de forma breve, trataremos adiante.

O primeiro, e óbvio, limite imposto ao poder normativo da Justiça Eleitoral consiste na necessidade de estrita observância às determinações constitucionais, não apenas aos preceitos expressos, mas aos implícitos.

Demais disso, as Resoluções expedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral não podem criar direitos ou obrigações não previstos em lei, sujeitando-se aos mesmos princípios que vinculam o legislador comum.

O Exmo. Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento da Consulta nº. 715/DF (Resolução TSE nº. 21.002/2002), publicada Diário de Justiça de 15 março de 2002, cujo teor relacionava-se à "verticalização", delineou, com maestria, os limites constitucionais e legais impostos ao poder regulamentar da Justiça Eleitoral. Vejamos, pois, excertos do Voto (vencido) do conspícuo Ministro, litteris:

Sr. Presidente, dispõe o artigo, 23, IX, do C. Eleitoral competir ao TSE ‘expedir as instruções que julga convenientes à execução desse código’.

Cuida-se de competência normativa, mas de hierarquia infralegal.

O juízo de conveniência, confiado ao TSE, tem por objeto a expedição ou não da instrução, não o seu conteúdo.

Este, destinado à execução do Código – e, obviamente, a todo o bloco da ordem jurídica eleitoral -, está subordinado à Constituição e à lei.

É verdade – além de explicitar o que repute implícito na legislação eleitoral, viabilizando a sua aplicação uniforme – pode o Tribunal colmatar-lhe lacunas técnicas, na medida das necessidades de operacionalização do sistema gizado pela Constituição e pela lei.

Óbvio, entretanto, que não as pode corrigir, substituindo pela de seus juízes a opção do legislado: por isso, não cabe ao TSE suprir lacunas aparentes da Constituição ou da lei, vale dizer, o ‘silêncio eloqüente’ de uma ou de outra.

O Voto do prócere Ministro Sepúlveda Pertence esboça exatamente o aspecto sob o qual intentamos analisar a competência normativa da Justiça Eleitoral, qual seja, o da fiel e irrestrita subordinação hierárquica das Instruções Normativas expedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral à Constituição Federal de 1988 e à legislação infraconstitucional, sob pena de invalidade.

Fixadas as premissas acerca da competência regulamentar da Justiça Eleitoral, passamos à análise do parágrafo 4º do artigo 26 da Resolução TSE nº. 23.221/2010 (Instrução Normativa nº. 11-74.2010.6.00.0000 – Classe 19 – Brasília/DF).

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Sobre o autor
Francisco Eimar Carlos dos Santos Júnior

Advogado (OAB/CE 22.466). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Pós-graduando em Direito e Processo Eleitoral pela Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará - ESMEC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS JÚNIOR, Francisco Eimar Carlos. Lei nº 12.034/2009: julgamento de prestação de contas de campanha, certidão de quitação eleitoral e hipertrofia do Tribunal Superior Eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2588, 2 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17077. Acesso em: 29 mar. 2024.

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