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Sequestro relâmpago: é crime hediondo?

31/07/2010 às 14:03
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Este trabalho faz algumas considerações doutrinárias sobre o crime de sequestro relâmpago tipificado pelo advento da Lei 11.923, de 17 de abril de 2009, incluindo o parágrafo terceiro do artigo 158 do Código Penal e traça esclarecimentos sobre a nova tipificação e a Lei de Crimes Hediondos – Lei 8.072/90, bem como seus efeitos na sociedade.

A princípio, essa inovação legislativa foi elaborada pelo Senado, votada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e faz parte do "pacote antiviolência", composto por medidas de segurança. Porém, sobre a eficiência do pacote, a opinião de especialistas não é muito favorável por considerarem insuficientes e casuístas, medidas que não resolvem o problema, e ainda consideram algumas delas até perigosas.

De acordo com a proposta, as penas previstas variam de 6 a 12 anos de reclusão. Caso o sequestro ainda resulte em lesão corporal grave, poderão ser determinadas penas de reclusão que variam de 16 a 24 anos. E se o crime de sequestro for seguido de morte, a punição prevista deve ser restrição de liberdade de 24 a 30 anos.

A proposta aprovada acrescenta um terceiro parágrafo ao artigo nº 158 do decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).

A íntegra do texto:

"§3º – Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§2º e 3º, respectivamente."

Durante a discussão do projeto, o senador Demóstenes Torres – DEM/GO, que foi o relator do projeto inicial, lembrou que a proposta, de 2004, teve origem nos debates promovidos pela Comissão Especial de Segurança Pública, criada pelo presidente do Senado na época, Antonio Carlos Magalhães. Demóstenes lembrou que o Código Penal foi instituído em 1940 e prevê crimes correlatos, como roubo e extorsão.

Contudo, o crime de sequestro relâmpago não estava disseminado nos anos 40 como nos dias atuais. Com isso, nos casos de delitos desse tipo, surgiam contestações nos tribunais superiores, quando os criminosos eram acusados de roubo ou de extorsão.

Não obstante, a proposta acabou com a dúvida de juízes que classificavam o delito como roubo ou extorsão, de acordo com a interpretação. A nova lei estabelece conduta própria para o delito, o que representa penas específicas e mais rigorosas aos criminosos.

Acrescido o parágrafo terceiro do artigo 158 do Código Penal, qualifica o crime de extorsão se for o crime cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, impondo ao agente desta prática delitiva uma pena que varia entre 6 (seis) a 12 (doze) anos de reclusão, além de multa.

A rigor, extorsão implica a necessidade de atuação da vítima. Sendo assim, a vantagem não pode ser obtida de forma imediata, como seria na hipótese de entrega da carteira da vítima, que configura a chamada indispensabilidade da conduta do sujeito passivo, corrente hoje predominante. Esta conduta no crime de sequestro relâmpago pode ser exemplificada da seguinte forma: a vítima tem de oferecer a senha para saque em caixas eletrônicos; além disso, é obrigada a ficar várias horas com o assaltante.

Ademais, a tipificação veio para sanar uma confusão jurídica que tratava esse caso como roubo com restrição da liberdade (artigo 157, §2º, V, do CP).

A consumação nesse caso ocorre como na extorsão simples e como crime formal, com a realização de algum ato pela vítima.

Desse modo, o ato de fazer é de acompanhar o meliante. Isso porque a restrição da liberdade da vítima é condição necessária para a empreitada criminosa. Ao ter que se submeter à privação de liberdade, a vítima já age realizando a conduta desejada pelo agente criminoso, consumando o delito. Não há necessidade que ela forneça, por exemplo, a senha do cartão. Exemplificando: a vítima é levada pelos meliantes em seu carro e a polícia realiza a abordagem; não havia ainda o fornecimento de senha pelo sujeito passivo. O crime já está consumado, pois a vítima, ao se submeter à privação da liberdade, realizou ato necessário à extorsão. Percebe-se que está analisando o tipo do artigo 158 do Código Penal em que se exige a conduta da vítima, e não do artigo 159 do Código Penal que menciona o termo "sequestrar".

Podemos exprimir que a tipificação também resolveu questões em que a jurisprudência se deparava com duas situações diferentes: a primeira é de concretização exclusiva do sequestro relâmpago (obrigar a vítima, por exemplo, a fazer saques em caixas eletrônicos, privando-a da liberdade) e a segunda situação é bem diferente da primeira, pois temos duas condutas que consistem em, primeiramente, o agente subtrair bens da vítima (o carro, a carteira, dinheiro etc.) e depois praticar o sequestro relâmpago. Na primeira situação, está bem claro que temos crime único e que agora está enquadrado no artigo 158, § 3º do Código Penal. Já na segunda, temos dois delitos: roubo (art. 157) + art. 158, § 3º (extorsão). De modo confuso, a jurisprudência ora tratava esse caso como roubo com restrição da liberdade (artigo 157, §2º, V, do CP).

Note-se que existe uma diferença clara entre roubo e o crime de sequestro relâmpago. È possível e muito comum que o agente subtraia o veículo, a carteira, o celular e ainda restrinja a liberdade da vítima para proceder a saques em caixas eletrônicos. Nesse caso, a hipótese é de concurso material entre roubo e a extorsão qualificada do §3º. Tratando-se de crimes de espécies diferentes, não se admite a continuidade delitiva, (RTJ 100/940).

Ainda que a consumação seja a privação da liberdade como condição para a obtenção da vantagem, é inegável que, privando a vítima de liberdade, o delito se prolongará no tempo. Dessa forma, a extorsão simples é crime instantâneo, mas a qualificada pela restrição da liberdade é permanente, alongando-se a consumação.

O sequestro relâmpago é um crime de características próprias e por isso deve ter tratamento específico. Se do fato, violência ou grave ameaça resultar lesão grave ou gravíssima, a pena será de 16 (dezesseis) a 24 (vinte e quatro) anos e, se resultar morte, a pena será de reclusão de 24 (vinte e quatro) a 30 (trinta) anos de prisão.

Veja que o legislador necessitou incluir o resultado lesão grave, gravíssima ou morte no próprio parágrafo do art. 158, §3º porque, do contrário, haveria vedação de se utilizar o §2º contido no artigo 159 do Código Penal pela posição do dispositivo legal.

Não podemos esquecer que, como não existe previsão expressa do referido § 3º na Lei nº 8.072/1990, o crime de sequestro relâmpago não pode ser tratado como crime hediondo.

Lembramos que antes o sequestro relâmpago (sendo enquadrado no art. 159) era crime hediondo. Deixou de ser porque a extorsão do art. 158, § 3º não está inserida na Lei 8072/90. Não sendo possível analogia contra o réu, não pode o juiz suprir esse vácuo legislativo.

Porém, deve-se observar que a extorsão qualificada pela morte é crime hediondo (artigo 1º, III, da Lei 8072/90), conforme interpretação sistemática e extensiva.

Mas existe grande discussão quanto a esse posicionamento porque, embora haja previsão de uma conduta hedionda na extorsão seguida de morte, fazendo menção expressa ao artigo 158, parágrafo 2º, Código Penal, não se faz qualquer referência ao novo parágrafo 3º, inserido pela legislação em destaque.

As duas linhas argumentativas referem-se, a primeira, baseada no respeito incondicional à legalidade estrita no que tange a normas penais restritivas; a segunda, seguindo pelo caminho de uma interpretação sistemática e uma argumentação sustentada no absurdo produzido pela lacuna legal.

No primeiro caso – legalidade estrita – sustenta-se que a nova figura criminal não pode ser considerada hedionda até que a Lei 8072/90 seja alterada para abrangê-la.

Em contrapartida, pela segunda linha de pensamento, a lacuna legal deve ser preenchida por uma interpretação extensiva que possibilitaria entender também o parágrafo 3º, do artigo 158, Código Penal como abrangido pela Lei dos Crimes Hediondos.

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Porém, a jurisprudência ainda irá construir o caminho a ser seguido.

Nas modalidades do caput e do § 1º do artigo 158 do Código Penal, que não são considerados delitos hediondos, o criminoso poderá ter a progressão de regime após o cumprimento de um sexto de sua pena, e terá direito a graça, anistia e indulto. Em breve comparativo, anteriormente, com a conduta efetivada em "sequestro relâmpago" como extorsão mediante sequestro, o sentenciado apenas progrediria se tivesse cumprido dois quintos (réu primário) e três quintos (reincidente) de sua pena, e ainda, não poderia valer-se da anistia, da graça e do indulto.

A lei nova é mais benéfica e retroativa ao réu porque antes não se permitia para o sequestro relâmpago a anistia, graça, indulto, mas agora todos esses institutos são cabíveis. Antes se exigia o cumprimento de dois quintos (se primário) ou três quintos (se reincidente) para a progressão de regime; agora basta o cumprimento de um sexto da pena para esse efeito (LEP, art. 112). A lei nova vai retroagir para beneficiar o réu caso ele tenha sido condenado pelo art. 159 do Código Penal.

Do meu ponto de vista, percebo que o parágrafo terceiro do artigo 158 do Código Penal, que surgiu do pacote antiviolência, prometia muito mais do que se observou, visto que, ao analisar com outros delitos, notei grande desproporcionalidade da pena: a pena nova do delito de sequestro relâmpago, embora menor que contemplada no art. 159 do CP, comparada com o delito de homicídio simples, é totalmente desproporcional porque é idêntica nas duas situações: de seis a doze anos de reclusão. Praticar sequestro relâmpago ou matar uma pessoa no Brasil é a mesma coisa, porque a pena deixa isso patente.

Entre o roubo e o sequestro relâmpago também existe uma desproporcionalidade em relação ao roubo com privação da liberdade da vítima. Nesse caso (roubo agravado) a pena mínima é de cinco anos e quatro meses de reclusão. No sequestro relâmpago, a pena mínima é de seis anos de reclusão. Tanto no roubo como no sequestro relâmpago o objetivo do agente é o patrimônio. Bens jurídicos idênticos, modo de execução idêntico: não se justifica pena distinta.

Penso que após a inovação está mais fácil de fazer a tipificação e não existe mais a celeuma, todavia, após todo o exposto, se antes o sequestro relâmpago quando enquadrado no art. 159 era crime hediondo e deixou de ser porque a extorsão do art. 158, § 3º, ambos do CP, não está inserida na Lei 8072/90, exprime-se que a nova tipificação ainda não atingiu o objetivo inicial da proposta porque deixou o crime mais brando ao inserir esse parágrafo nos crimes que tutelam o patrimônio.

Por fim, em comparação com a proteção dada por organizações de direitos humanos a sequestradores e demais delinquentes, a atenção dispensada às verdadeiras vítimas da violência urbana desenfreada é pouca ou quase nenhuma. E deveria ter uma atenção maior por parte do Estado porque o grau de dano moral, psicológico e financeiro que o sequestro causa à vítima, à sua família e às pessoas próximas é devastador. Nos casos mais graves, o indivíduo se torna incapacitado para prosseguir com sua vida.


Bibliografia

Ishida,

Válter Kenji. "Crime de sequestro relâmpago: a tipificação com a inclusão do §3º no vartigo 158 do Código Penal". Revista Visão Jurídica,Ed. Escala, São Paulo-SP,Número 39, ISSN 1809-7170. pp. 16-17. 2009.

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Sobre a autora
Andréa Romaoli Garcia

Administradora, MBA em Coordenação de Projetos e acadêmico de Direito da UNIRP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Andréa Romaoli. Sequestro relâmpago: é crime hediondo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2586, 31 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17087. Acesso em: 24 nov. 2024.

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