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Noções de segurança e saúde no trabalho portuário à luz da Norma Regulamentadora nº 29

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02/08/2010 às 13:31
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Considerações Finais.

A evolução tecnológica, tão presente em nosso dia a dia, apesar de ter mudado muitas coisas ainda não trouxe no mesmo ritmo melhorias para a vida dos trabalhadores portuários. Excessivas jornadas de trabalho associadas às precárias condições de segurança e higiene fazem o Brasil despontar com altos índices de acidentes no trabalho. Alguns portos brasileiros e grande parte dos navios que por aqui aportam não oferecem boas condições de higiene e segurança no trabalho, impondo aos trabalhadores ambientes favoráveis aos acidentes e às doenças.

Anteriormente à NR 29, o pouco de segurança que existia foi adquirido de forma empírica, no rastro dos acidentes graves e fatais que ocorriam. Grande entrave para efetivação das disposições da NR 29 advém da falta de cultura de segurança dos operadores portuários, trabalhadores, administração do porto ou terminal privativo.

Transcorridos mais de doze anos de vigência da NR 29, suas disposições encontram-se, ainda, em alguns portos, em fase de implantação. A cultura de prevenção para não deixar ocorrer acidente no trabalho, aos poucos, está se incorporando à rotina dos trabalhadores portuários. Por outro lado, a NR 29 está em constante acompanhamento por meio da Comissão Permanente Nacional Portuária, que é tripartite e continua sua tarefa de mantê-la em consonância com a realidade dos portos do país, tanto é que já ocorreram duas revisões após sua publicação em 1997.

Os ditames legais de proteção precisam ser associados a uma cultura voltada à compreensão, à análise e à defesa do meio ambiente de trabalho. Desta forma, é possível construir uma visão voltada à proteção e à segurança no trabalho para resguardar e preservar a vida onde quer que ela esteja presente.


Referências.

Anais do I Congresso Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho Portuário e Aquaviário. Vitória/ES. Novembro de 2000.

CARVALHO, Francisco Edivar. Trabalho Portuário Avulso. Antes e depois da Lei de Modernização dos Portos. 1ª ed. São Paulo: Ltr, 2005.

CARVALHO, Francisco Edivar. Trabalhadores portuários avulsos e órgão gestor de mão de obra. Aspectos trabalhistas e previdenciárias. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 368, 10 jul. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/5434. Acesso em: 22 mar. 2010.

CARVALHO, Francisco Edivar. Considerações sobre a relação entre portuário e gestor. Consultor Jurídico, São Paulo. 27 jul 2007 Disponível em: http://www.conjur.com.br/2007-jul-28/consideracoes_relacao_entre_portuario_gestor. Acesso em 03 mar 2010.

CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 31ª ed. São Paulo. Saraiva, 2006.

DOS SANTOS. Antônio Silveira Ribeiro. Meio Ambiente do Trabalho. Considerações. A última arca de Noé. Disponível em http://www.aultimaarcadenoe.com/artigo9.htm Acesso em 21 jun 2010.

MAGRO, José Emílio. Auditor Fiscal do Trabalho especialista em segurança e saúde no trabalho portuário. Coordenador de Fiscalização do Trabalho Portuário e Aquaviário da Superintendência Regional do Trabalho no Estado do Espírito Santo. A quem rendo minhas homenagens pela colaboração neste estudo.


Notas

  1. Na acepção do artigo 1º, § 1º, II da Lei nº 8.630/93, com redação dada pela Lei nº 11.314/06, operação portuária é a movimentação de passageiros ou a movimentação ou armazenagem de mercadorias destinadas ou provenientes de transporte aquaviário, realizada no porto organizado por operadores portuários.
  2. No Porto de Santos os operários de menor nível de escolaridade são as maiores vítimas de acidentes no trabalho. Em 2008, o Ogmo contabilizou 138 acidentes, dos quais 73 com afastamento do trabalho. Uma sucessão de acidentes fatais no porto, entre 2007 e 2008, com sete vítimas, levou as entidades portuárias a promoverem cursos com o foco em segurança. Em Vitória (ES) foram 177 acidentes, incluindo os de trajeto. E as apurações feitas a cada morte não têm resultado em maior segurança para os trabalhadores’. Fonte http://www.nrfacil.com.br/blog/?p=1450. Acesso em 24/03/10.
  3. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho (Artigo 19 da Lei nº 8.213/91).
  4. "Foi solicitado ao sindicato um vigia de portaló para cuidar de um container pequeno, mas não explicaram o motivo. Eu fui o primeiro homem escalado...me mostraram o container e eu reconheci o símbolo de carga radioativa. Esse contêiner estava bem perto do portaló e me avisaram para não deixar ninguém fumar a bordo, nas proximidades do contêiner. Todas as pessoas que se dirigiam ao navio tinham que passar por ele...eu ficava a uma distância de 05 metros... depois de 2 horas eu comecei a ficar tonto e, quando mais me aproximava, mais tonto ficava. Eu achei a coisa assim de origem psicológica... por ter visto o símbolo, mas havia outros colegas totalmente ignorantes quanto ao reconhecimento do símbolo, chamei um deles e fiquei conversando com ela para fazer um teste, aí...depois de uns 15 minutos perguntei se ele estava sentido alguma coisa e ele disse: é estou me sentido tonto. Eu pouco conheço, mas todo mundo sabe que a radioatividade é um elemento perigosíssimo. Era um navio convencional, não próprio para carregara contêiner... o perigo que isto gerava, não só no transporte como para os trabalhadores... muitos tipos de carga desta qualificação passa despercebido. É preciso chamar a atenção das autoridades. Na nossa categoria há uma incidência muito grande de câncer... uns 70 % dos nossos colegas morreram de câncer..." TRABALHADORES PORTUÁRIOS. 20 anos de profissão. (Descortinando o Porto de Rio Grande e seus Portuários. Anais do I Congresso Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho Portuário e Aquaviário. Novembro de 2000. Vitória/ES).
  5. Guindaste cai dentro de porão de navio no Porto de Santos.Susto nesta quinta-feira entre trabalhadores que operavam carga de açúcar, no navio da Argélia atracado no Armazém 23 do Porto de Santos. Um guindaste se desprendeu da base e caiu dentro do porão da embarcação. Cerca de 10 homens trabalhavam durante o acidente, um se feriu ao tentar escapar do equipamento.Segundo a Codesp, as precárias condições dos equipamentos da embarcação podem ter sido a causa do acidente. Fiscais do Ministério do Trabalho estiveram no local e paralisaram o equipamento. A Capitania vistoriou o navio para apurar a ocorrência. As informações são da TV Tribuna. (Fonte: A Tribuna de Santos. 21/09/2004)
  6. "A implantação dos OGMOs, Órgãos Gestores da Mão de obra do Trabalhador Portuário, caminhou a passos lentos, não só em função da necessidade de criação de uma infraestrutura administrativa, mas também em razão da sólida resistência dos sindicatos de estivadores, que há mais de sete décadas mantêm o controle da estiva a bordo dos navios. Na esteira da Lei de Modernização dos Portos (8.630, de 1993), a atuação dos OGMOs foi aumentada em 1998, quando o Congresso Nacional aprovou a Lei 9.719, regulamentando a transferência da escala dos trabalhadores portuários avulsos (sem vínculo empregatício) para aquele organismo. Atribuições e direitos dos trabalhadores foram, então, formalmente estabelecidos. Em cada porto, o OGMO, formado por empresários do setor portuário e trabalhadores, deveria passar a controlar a escala de mão de obra. No entanto, por força da tradição de acordos trabalhistas anteriores à Lei 8.630, boa parte dos sindicatos manteve-se à frente desta escala, mesmo após a criação do órgão". (RUMOS informativo mensal, maio de 2002). 
  7. Parece ser incoerente, haja vista ter sido a NR aprovada por portaria do ano de 1997 e a Lei 9.719 ser do ano de 1998. A norma passou a ser formulada e entrou em vigor na vigência da Medida Provisória nº 1.575 no ano de 1997.
  8. Agulheiros são compartimentos estreitos que dão acesso aos porões dos navios através de escadas. Em janeiro de 2005, no porto organizado de Natal, a vida de um estivador foi ceifada, quando ele e demais companheiros saiam do porão para desfrutarem o horário de descanso. Ao lado da saída, outro agulheiro que dava acesso a um tanque de lastro foi aberto. O ambiente era escuro e sem sinalização. Ele não percebeu e caiu de uma altura de dez metros, falecendo no local por traumatismo craniano.
  9. Relativamente aos EPIs é de se observar que os empregadores, segundo o artigo 166 da CLT, devem fornecê-los gratuitamente aos seus empregados. Já para os trabalhadores portuários avulsos, o EPI é adquirido pelo OGMO com recursos do operador portuário que, de acordo com o porto de atuação, repassa a ele 1,5% (um e meio por cento) do MMO (montante de mão de obra) de toda requisição que efetuar para a compra de EPI. Recursos financeiros não faltam para aquisição de EPI. A título de exemplo, somente no mês de dezembro de 2009, no porto de Rio Grande/RS, o montante de mão de obra avulsa pela movimentação de carga foi de R$ 2.812.322,13 (dois milhões oitocentos e doze mil trezentos e vinte e dois reais e treze centavos). Fonte: http://:www.ogmo-rg.com.br/estat/mmoeganhos2009.html Acesso em 18/03/2010).
  10. A execução das operações portuárias na área dos portos organizados deve ser realizada por empresas credenciadas e habilitadas na forma da Lei nº 8.630/93 junto à administração do porto. São os operadores portuários
  11. Tomador de serviço é toda pessoa jurídica de direito público ou privado que, não sendo operador portuário ou empregador, requisite trabalhador portuário avulso (item 29.1.3 "c" da NR 29).
  12. A bordo, o armador tem o comandante da embarcação como preposto perante as autoridades legais que, inclusive, poderá contrair obrigações em seu nome. O comandante é a maior autoridade a bordo e é o responsável pela operação da embarcação, com segurança, extensiva à carga, aos tripulantes e às demais pessoas.
  13. O agente marítimo é o representante legal do armador da embarcação.
  14. Navios sub standard são aqueles que estão abaixo dos padrões internacionais de segurança. Arvoram a bandeira emprestada de alguns países lhes dando uma falsa nacionalidade. Os que ostentam a bandeira de países como Panamá, Libéria, Bahamas, Camboja, entre outros, não têm qualquer vínculo com esses países. O armador simplesmente escolhe uma dessas bandeiras e depois escolhe a nacionalidade da tripulação da mesma forma. Os países de bandeira de conveniência não fazem cumprir as normas mínimas sócias nem os direitos dos marítimos. São verdadeiros pardieiros. As condições de higiene e segurança a bordo são precárias. Há países que não permitem a entrada desses navios em seus portos.
  15. O navio mercante AL KAUTHAR D, bandeira do Camboja, atracado no porto de Natal estava sendo carregado com açúcar para o Iraque. Era um sub standard de bandeira de conveniência - BDC. Seu comandante, indiano, determinou ao operador portuário que a estivagem dos sacos fosse feita deixando no meio do porão um espaço de 1 metro entre eles, de forma a permitir o acesso da inspeção, quando lá chegasse. À medida que os sacos iam sendo estivados aumentava a altura. Aos poucos, aquele corredor estava se transformando numa fenda igual a que se vê em filmes de alpinismo. Os trabalhadores tinham que pular sobre a fenda de um lado pro outro para estivar os sacos no porão. Não percebiam que a qualquer instante alguém poderia cair naquele fosso ou até mesmo uma avalanche de sacos poderia soterrá-los. Ninguém, até então, se preocupava com a segurança a bordo. A fenda estava com uns 5 metros de profundidade nos porões 01 e 04. Ao fazer a inspeção no navio tive que interditar a operação. Determinei ao operador portuário que só a iniciasse, quando aquele risco fosse eliminado. A reação do comandante foi imediata. Queria, de qualquer forma, que a operação continuasse a despeito dos riscos. Demonstrava que a vida humana não valia nada. Chegou a ameaçar que se os trabalhadores brasileiros não fizessem o serviço poria a tripulação pra fazê-lo. Nesse momento foi por mim advertido que, em obediência às normas internacionais, nem seus comandados poderiam realizar aquele serviço. Pegou uma folha de papel e mandou seu "imediato" fazer um termo de responsabilidade que deveria ser assinado pelo Operador Portuário que, por sua vez, não o fez. Conversa foi e conversa veio, até que teve que ceder. No mesmo dia pedi o auxílio de um colega especializado em segurança no trabalho e fizemos nova inspeção no navio. Com base em laudo técnico expedido por esse colega, a interdição foi formalizada. No dia seguinte começaram a chegar no cais caminhões carregados com madeira para fazer o escoramento da carga. Depois de dois dias de paralisação (que custou muito caro para o armador) e do ambiente de trabalho está em condições de segurança, desinterditamos e liberamos o navio para continuar carregando. Posteriormente, tomei conhecimento que no porto de Recife/PE, dias antes, um trabalhador brasileiro perdeu a vida, quando foi soterrado por toneladas de sacos de açúcar no porão de um BDC..
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Sobre o autor
Francisco Edivar Carvalho

Professor universitário, graduado e pós-graduado em Administração de Empresas. Especialista em Direito do Trabalho. Auditor Fiscal do Trabalho. Autor dos livros Empregado Doméstico (LTr 2001) e Trabalho Portuário Avulso (LTr 2005).<br>.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Francisco Edivar. Noções de segurança e saúde no trabalho portuário à luz da Norma Regulamentadora nº 29. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2588, 2 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17090. Acesso em: 25 abr. 2024.

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