Artigo Destaque dos editores

Coisa julgada, justiça material e segurança jurídica

Exibindo página 3 de 3
Leia nesta página:

CONCLUSÃO

A coisa julgada não é um efeito, mas um atributo da sentença e que a esta se adere em determinado momento processual, seja quando do esgotamento dos recursos eventualmente cabíveis, seja por que já decorrido o prazo sem que o recurso admissível tenha sido interposto.

Por força do princípio da co-extensividade entre ação e jurisdição, a imutabilidade conferida pela coisa julgada material tem como campo de incidência o dispositivo da sentença e seus limites fixados pelos pedidos deduzidos pelo autor e efetivamente decididos através do exercício da jurisdição realizado pelo juiz.

A incidência da coisa julgada não se opera sobre os efeitos da sentença, sejam declaratórios, constitutivos ou condenatórios, mas torna, isto sim, imutável e indiscutível o seu conteúdo, pois é este que revela a norma (a vontade da lei) adequada para solução do caso concreto submetido à apreciação do judiciário.

As decisões oriundas do poder judiciário, assim como acontece com os atos do poder executivo e legislativo, são susceptíveis de serem editados em desconformidade com a Constituição, dando ensejo a que a imutabilidade da coisa julgada material incida sobre sentença ou acórdão cujo conteúdo é contrário à Carta da República e aos seus princípios e valores fundamentais.

O sistema jurídico-processual brasileiro prevê mecanismos para o controle daquelas decisões judiciais discrepantes dos mandamentos constitucionais, quais sejam, os recursos ordinários, em sentido amplo; o recurso extraordinário e, após o trânsito em julgado, a ação rescisória. Ocorre que a possibilidade de utilização destes instrumentos é limitada no tempo, o que não é capaz de resolver o problema da sentença inconstitucional transitada em julgado soberanamente.

Segurança jurídica e justiça são valores constitucionalmente protegidos, sendo ambos uma garantia do cidadão contra o arbítrio do Estado. A coisa julgada, em que pese seja instituto decorrente do princípio constitucional da segurança jurídica, tem seu regime jurídico determinado por norma de hierarquia infraconstitucional, devendo, portanto, a relativização da coisa julgada material contrária à constituição ser encarada, sobretudo, como uma questão de hierarquia de normas. E mesmo que assim não fosse, pelo simples fato de conviver com outros princípios de igual estatura, está sujeita, inevitavelmente, ao exercício da ponderação de valores por parte do intérprete.

Não obstante a indemarcabilidade da noção de justiça, é imperioso que o poder público, no exercício de qualquer das funções de Estado, notadamente da função jurisdicional, preze pela maior aproximação do justo, ou seja, atue no sentido de conferir efetividade máxima aos comandos constitucionais que determinam uma distribuição igualitária dos bens da vida a todos os cidadãos e em todos os setores da sociedade, pois, em ultima análise, esta foi a opção política fundamental tomada pela ordem constitucional a partir do advento da atual Carta da República.

Portanto, objetivando-se o aperfeiçoamento do sistema, urge imediata intervenção legislativa para criação de mecanismos processuais outros que, dotados de requisitos específicos e altamente criteriosos, possibilitem a superação do problema referente à coisa julgada inconstitucional.

Por fim, pode-se afirmar que a proposta de relativização não é, de forma alguma, a de desprezar por completo a firmeza da coisa julgada, tornando nula a garantia fundamental e instrumental do direito à pacificação social, mas apenas a de assumir a necessidade imperiosa de relativizá-la quando da ocorrência de casos extraordinários em que a decisão judicial for proferida em desconformidade com os preceitos constitucionais fundamentais, uma vez que o direito processual moderno, dito de resultados, exige a condução do processo orientado à construção de soluções justas – justiça material - para as lides submetidas à apreciação do judiciário.


referênciaS BibliográficaS

ARAÚJO, Marcelo Cunha de. Coisa Julgada Inconstitucional. Hipóteses de Flexibilização e Procedimentos para Impugnação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

ARMELIN, Donaldo. Flexibilização da Coisa julgada. In: Relativização da Coisa Julgada: Enfoque Crítico. DIDIER JR, Fredie. (Coord.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006.

ASSIS, Araken. Eficácia da Coisa Julgada Inconstitucional. In:Relativização da Coisa Julgada: Enfoque Crítico. DIDIER JR, Fredie. (Coord.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006.

BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.1v.

__________. Coisa Julgada Relativa? In:Relativização da Coisa Julgada: Enfoque Crítico. DIDIER JR, Fredie. (Coord.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006.

BRASIL. Código de Processo Civil, Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

BRASIL. Constituição Federal de 5 de outubro de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

BRASIL. Lei nº. Lei nº. 9.86899, de 10 de novembro de 1999. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.1v.

__________. Relativização da Coisa julgada material. In: Relativização da Coisa Julgada: Enfoque Crítico. DIDIER JR, Fredie. (Coord.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006.

CAVALCANTE SILVA, Ilana Flávia. Reflexão sobre coisa julgada, natureza e limites de eficácia das sentenças transitas em julgado contrárias a Constituição. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7338>. Acesso em: 10 fev. 2006.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: Coisa julgada inconstitucional. NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.). Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. In: Coisa julgada inconstitucional. NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.).. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.

GÓES, Gisele Santos Fernandes. A "relativização" da coisa julgada: exame crítico (exposição de um ponto de vista contrário). In: Relativização da Coisa Julgada: Enfoque Crítico. DIDIER JR, Fredie. (Coord.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006.

GRECO, Leonardo. Eficácia da Declaração Erga Omnes de Constitucionalidade ou Inconstitucionalidade em Relação à Coisa Julgada Anterior. In:Relativização da Coisa Julgada: Enfoque Crítico. DIDIER JR, Fredie. (Coord.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006.

LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à teoria da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

LUCON, Paulo Henrique dos santos. Coisa julgada, efeitos da sentença, "coisa julgada inconstitucional" e embargos à execução do art. 741, par. ún. In:Relativização da Coisa Julgada: Enfoque Crítico. DIDIER JR, Fredie. (Coord.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006.

MARINONI, Luiz Guilherme. Sobre a chamada "relativização" da coisa julgada material. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5716>. Acesso em: 10 fev. 2006.

__________. O princípio da segurança dos atos jurisdicionais (A questão da relativização da coisa julgada material). In:Relativização da Coisa Julgada: Enfoque Crítico. DIDIER JR, Fredie. (Coord.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

MIRANDA, Jorge. Contributo para uma Teoria da Inconstitucionalidade. Reimp. Coimbra: Coimbra, 1996.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Considerações Sobre a Chamada "Relativização" da Coisa Julgada Material. In:Relativização da Coisa Julgada: Enfoque Crítico. DIDIER JR, Fredie. (Coord.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. Terceira Série. São Paulo: Saraiva, 1984

NASCIMENTO, Carlos Valder do. Coisa Julgada Inconstitucional. In: Coisa julgada inconstitucional. NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.).. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.

NERY JÚNIOR, Nelson. A polêmica sobre a relativização (desconsideração) da coisa julgada e o Estado Democrático de Direito. In: Relativização da Coisa Julgada: Enfoque Crítico. DIDIER JR, Fredie. (Coord.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006.

NOJIRI, Sérgio. Crítica à Teoria da Relativização da Coisa Julgada. In:Relativização da Coisa Julgada: Enfoque Crítico. DIDIER JR, Fredie. (Coord.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006.

OTERO, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Lisboa: Lex Edições Jurídicas, 1993.

Recurso Especial nº 226.436/PR. Disponível em <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=226436&b=ACOR>. Acesso em: 02 set. 2006

Recurso Especial nº 300.084/GO. Disponível em <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=300084&b=ACOR>. Acesso em: 02 set. 2006

THEODORO Jr., Humberto. A coisa julgada e a rescindibilidade da sentença. In: RJ nº 219. Janeiro de 1996.

__________. O tormentoso problema da Inconstitucionalidade da sentença passada em julgado. In: Relativização da Coisa Julgada: Enfoque Crítico. DIDIER JR, Fredie. (Coord.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O Dogma da Coisa Julgada: Hipóteses de Relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

ZAVASCKI, Teori Albino. Inexigibilidade das Sentenças Inconstitucionais. In:Relativização da Coisa Julgada: Enfoque Crítico. DIDIER JR, Fredie. (Coord.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2006.

__________. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Gustavo Anderson Correia de Castro

Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Público pelo Centro de Estrudos Superiores de Maceió.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Gustavo Anderson Correia. Coisa julgada, justiça material e segurança jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2589, 3 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17097. Acesso em: 29 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos