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Aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva às sanções tributárias

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03/08/2010 às 10:32
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3.O princípio da capacidade contributiva.

Dados os objetivos do presente estudo, que não passam pelo esgotamento do princípio que ora se analisa, mas sim pelo apontamento dos seus principais aspectos, de maneira suficiente ao confronto que se pretende concretizar (com as sanções fiscais), proceder-se-á ao seu exame sintética e sistematicamente, conforme se vê a seguir.

3.1.Conceito e fundamento normativo.

Segundo os ensinamentos de WERTHER BOTELHO SPAGNOL (2004, p. 118), a capacidade contributiva, norma jurídica de inegável natureza principiológica, não se estriba, exclusivamente, no disposto pelo § 1º do art. 145 da Constituição da República, segundo o qual "sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte...".

Para o doutrinador, no que é acompanhado por autores de mesmo escol [09], o princípio em referência busca fundamento em norma jurídica maior, que permeia e informa todo o Direito: a igualdade, positivada, no texto constitucional, no art. 5º, II, e, em matéria tributária, no art. 150, II (redundância que só demonstra a enorme importância desse princípio para o ordenamento tributário e que o coloca entre as constitucionalmente chamadas "Limitações ao Poder de Tributar"). Em tais dispositivos, é cediço, a Constituição da República veda a instituição de tratamento desigual entre cidadãos/contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Assim determina, em sua acepção mais clássica, o princípio da igualdade. Embora constitucionalmente explícita, a igualdade recebeu – e tem recebido – inúmeros estudos a seu respeito, sempre tendentes a identificar o seu real conteúdo e a delimitar a sua verdadeira abrangência [10]. Doutrinadores como ARTHUR KAUFFMANN (2007, p. 223), ALFREDO AUGUSTO BECKER (1972, p. 452-457) e RICARDO LOBO TORRES (2005, p. 347) já destacaram a sua dificílima concreção prática, bem como questionaram se realmente teria a capacidade cognitiva humana condições de estabelecer, com exatidão, o que é justo, o que é igual e o que é desigual.

MISABEL DE ABREU MACHADO DERZI (2004, p. 99), reconhecendo a extrema dificuldade em se fixar um conceito de igualdade material, hábil a possibilitar a sua incidência concreta, trouxe importantes contribuições à sua concreção (no sentido de torná-lo suficientemente tangível), arrimada, principalmente, nos escritos de CHAIM PERELMANN (apud DERZI, 2004, p. 110). Este importante filósofo foi responsável pelo unívoco e insuperável conceito de igualdade formal, situando-a como o princípio de tratamento, segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma maneira e modo. PERELMANN observou que qualquer que seja o conceito de igualdade considerado, sempre se impõe, de acordo com o seu conteúdo normativo mínimo, que os integrantes de uma mesma classe sejam tratados de uma mesma forma segundo um critério estabelecido. Assim, haveria por de trás de todos os conceitos de igualdade material criados, um só conceito de igualdade formal, que deles defluiria.

A existência de um critério de distinção/comparação, na filosofia de PERELMANN, seria essencial à efetivação de qualquer idéia de igualdade. De se observar, entretanto, que não é qualquer critério, aleatoriamente escolhido, que se mostra hábil a nortear tratamento igualitário. KLAUS TIPKE (2002, p. 27-35), que, tal como alguns autores já citados, estabelece duras críticas aos conceitos vagos de igualdade, propõe que o critério fundamental para estabelecer qual é a discriminação juridicamente permitida, é o princípio da sistematização. Este, no entender do doutrinador alemão, consistiria no critério de comparação obrigatoriamente fixado pelo legislador para determinados assuntos legalmente disciplinados. Cita, como exemplo, o respeito à capacidade contributiva, que seria o critério de distinção, por excelência, utilizável em matérias afeitas às normas tributárias [11].

Nesses termos, a capacidade econômica do contribuinte consiste no critério balizador do tratamento a ser dispensado aos seres integrantes de uma mesma categoria essencial quando em jogo questões de índole tributária. Propicia, desta feita, conforme assevera JOSE JUAN FERREIRO LAPATZA (1992, p. 323), uma maneira de se alcançar a correta compreensão da generalidade e da igualdade tributária, impondo a todos que contribuam segundo as suas possibilidades (ou tendo em consideração as manifestações de riqueza de cada um).

Nesse diapasão, cumpre mencionar, com escoro em MARCIANO SEABRA DE GODOI (1999, p. 190-192), que, para a doutrina majoritária, é a teoria do sacrifício (em detrimento das teorias do benefício e da solidariedade) a mais adequada a fundamentar a capacidade contributiva. Segundo essa linha de pensamento, o respeito à capacidade econômica justifica-se, de maneira mais satisfatória, na idéia do igual sacrifico ou sofrimento, do suportar o mesmo ônus tributário. Consequentemente, em seu bojo, afastam-se as capitações (per capita) e os tributos fixos, eis que acabam por impor sacrifícios consideravelmente menores àqueles possuidores de maior vitalidade econômica, em detrimento daqueles menos abastados, que terminam suportando encargos mais intensos [12].

De mais a mais, tem-se por relevante realçar a diferenciação (se é que existente) entre as expressões "capacidade econômica" e "capacidade contributiva", não raramente encontrada na doutrina. FRANCESCO MOSCHETTI (apud MARTINS, 2004, p. 231), célebre estudioso do princípio sob enfoque, destaca-a, colocando a "capacidade econômica" como condição necessária, mas não suficiente, para a configuração da "capacidade contributiva". Procede a tal distinção, pois a Constituição italiana prevê expressamente o termo capacidade contributiva, diversamente do texto constitucional pátrio, que a apenas se refere à "capacidade econômica do contribuinte", segundo a dicção do § 1º do seu art. 145.

Tendo como ponto de partida a definição originária de capacidade econômica como potência econômica global do contribuinte, manifestada por fatos indicativos de riqueza (renda líquida e o patrimônio líquido, por exemplo), o referido autor sustenta que o primeiro estágio na direção da capacidade contributiva propriamente dita é a consideração da situação pessoal e familiar do contribuinte, se pessoa física, e a dedução de todos os gastos e elementos passivos que influem na sua situação econômica (do contribuinte), se pessoa jurídica. Demais disso, assevera que a capacidade econômica pode ser verificada sem que a capacidade contributiva seja aferida, pois no conceito desta haveria um juízo de valor implícito e decorrente dos ideais que acharam expressão na Constituição.

Entre nós, IVES GANDRA DA SILVA MARTINS (2004, p. 231) faz esse corte, assentando a "capacidade contributiva" e a "capacidade econômica" como dimensões díspares da capacidade do contribuinte de pagar tributos, dotadas de sentidos diversos. Em suas palavras, "Contributiva é a capacidade do contribuinte relacionada com a imposição específica ou global" (MARTINS, 2004, p. 231), ou seja, representa uma dimensão econômica particular que vincula o contribuinte ao poder tributante. Por outro lado, a "capacidade econômica é a exteriorização da potencialidade econômica de alguém, independente de sua vinculação ao referido poder" (MARTINS, 2004, p. 231).

Para o autor paulista, assim, o arcabouço constitucional pátrio abarca ambas as significações, embora reconheça que a doutrina pátria, bem assim os Tribunais deste país, referem-se usualmente às expressões de maneira indistinta, deixando passar despercebida qualquer dessemelhança ou distinção.

3.2.Conteúdo normativo da capacidade contributiva: efeitos verificáveis.

Quanto ao mandamento do princípio em apreço, é de se destacar, inicialmente, que, não obstante ainda não exaurida, a questão se encontra consideravelmente estudada e sistematizada, o que nos permite tratá-la resumidamente.

ALIOMAR BALEEIRO (2001, p. 268) interpretava a capacidade econômica presente na Carta Política de 1946 como idoneidade econômica para suportar, sem sacrifício do indispensável à vida compatível com a dignidade humana, uma fração qualquer do custo dos serviços públicos. REGINA HELENA COSTA, por sua vez, em percuciente monografia sobre o tema (2003), assinala que a capacidade contributiva se revela como "(...) o critério ético da imposição tributária, porquanto responde aos reclamos da justiça tributária, voltada à minimização das disparidades sociais e econômicas". A autora acompanha, em seus dizeres, os ensinamentos de SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO (2005), para quem a capacidade contributiva apresenta duas almas éticas, nuclearmente situadas no Estado de Direito, das quais se podem extrair os seus principais desideratos:

(a) em primeiro lugar afirma a supremacia do ser humano e de suas organizações em face do poder de tributar do Estado;

(b) em segundo lugar obriga os Poderes do Estado, mormente o legislativo e o Judiciário, sob a égide da Constituição, a realizarem o valor justiça através da realização do valor igualdade, que no campo tributário só pode efetivar-se pela prática da capacidade contributiva e de suas técnicas. (2005, p. 87)

No que toca ao(s) momento(s) de observância e/ou aplicação da capacidade contributiva, já há muito se adota na doutrina a dicotomia absoluta/relativa ou objetiva/subjetiva. Na acepção absoluta ou objetiva, o legislador está adstrito a observar os ditames deste princípio ao estabelecer as hipóteses de incidência tributárias, devendo eleger como tais apenas fatos representativos de capacidade econômica. Opera-se, pois, somente in abstracto. Em sua feição subjetiva ou relativa, por sua vez, a capacidade contributiva reporta-se ao âmbito subjetivo do indivíduo, é dizer, considera-o fática e isoladamente, sendo relevante a análise da sua concreta e real aptidão a contribuir na medida de suas possibilidades econômicas. Nessa dimensão, a capacidade econômica de contribuir dá-se n concreto. (COSTA, 2007, p. 114).

Para DERZI (2001, p. 692-693), deve prevalecer a capacidade contributiva em sua esfera subjetiva ou relativa, considerando-se a sua maior aptidão a concretizar o princípio da igualdade, no qual, como visto, ela encontra fundamento. LUIS EDUARDO SCHOUERI (2005, p. 283) posiciona-se no mesmo sentido, apontando o clássico exemplo da pessoa que aufere razoável importância com alugueres, mas que está obrigada a arcar, em virtude da sua saúde debilitada, com altos custos relativos a medicamentos, enfermeiros, consultas médicas. Nesse caso, embora seja destinatário de considerável numerário, não goza de capacidade contributiva. Outros autores, entretanto, divergem dessa idéia, como, ilustrativamente, ROQUE ANTONIO CARRAZZA (1996, p. 121), para quem a capacidade contributiva à qual alude a Constituição da República e que o legislador deverá ter em conta na atividade legiferante é a objetiva/absoluta.

Apresenta-se, ainda, nas faces negativa e positiva [13], significantes, respectivamente, (i) do que não pode ser atingido pela tributação (demonstrando, via de conseqüência, a partir e até onde esta legitimada a recair), e (ii) em que grau o gravame pode incidir. Em termos outros, é possível dizer que a capacidade contributiva é aferida em dois momentos: em um primeiro (atuando negativamente), delimita-se o ponto a partir do qual se inicia a capacidade econômica de contribuir, já que o poder impositivo deve atuar a partir de uma renda mínima [14]; fixando-se, ao mesmo tempo, o teto máximo da capacidade contributiva, que é o ponto a partir do qual o tributo torna-se confiscatório [15]; em um segundo momento (agindo positiva ou afirmativamente), gradua-se a incidência, buscando-se apreender as reais capacidades econômicas de pagar tributos.

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Sem se referir aos termos negativa e positiva, JOSÉ MARCOS DOMINGUES DE OLIVEIRA, em destacável estudo específico (1998), define bem a dúplice dimensão do princípio da capacidade contributiva:

(c) Essa riqueza só poderá referir-se ao que exceder o mínimo necessário à sobrevivência digna, pois até este nível o contribuinte age ou atua para manter a si e aos seus dependentes, ou à unidade produtora daquela riqueza (primeira acepção do princípio da capacidade contributiva, como pressuposto ou fundamento do tributo).

(d) Essa tributação, ademais, não pode se tornar excessiva, proibitiva ou confiscatória, ou seja, a tributação em cotejo com diversos princípios e garantias constitucionais (direito ao trabalho e à livre iniciativa, proteção à propriedade), não poderá inviabilizar ou mesmo inibir o exercício de atividade profissional ou empresarial lícita, nem retirar do contribuinte parcela substancial de propriedade (segunda acepção do princípio da capacidade contributiva, enquanto critério de graduação e limite de tributação). (1998, p. 12-13)

Ante os comentários tecidos, bem assim as manifestações transcritas, é possível sustentar que, entre nós, o princípio da capacidade contributiva, de imperiosa observância nos momentos legislativo e aplicativo da norma tributária, abstrata e concretamente, implica a obediência ao mínimo existencial, a necessária graduação da exação em conformidade com as possibilidades econômicas do sujeito passivo e o respeito aos limites máximos além dos quais ela (a exação) passa a ter inconteste efeito confiscatório.

3.3.Abrangência da aplicação da capacidade contributiva: extensão dos seus efeitos.

No que concerne ao alcance do princípio em tela, tema por demais tortuoso, pode-se afirmar que, em que pese considerável divergência, prepondera, na doutrina, a corrente que defende que a capacidade contributiva não se restringe aos impostos, espraiando efeitos também sobre os demais tributos constitucionalmente previstos. PAULO DE BARROS CARVALHO (1985, p.210), com o costumeiro rigor, manifesta-se acerca do assunto de maneira direta, pontificando a abrangência do indigitado princípio sobre os tributos existentes no direito tributário brasileiro, visto que todos os fatos eleitos para a incidência destes ostentam signos de riqueza, o que, por conseguinte, permite o exercício do primado da igualdade.

Pioneiro no estudo das contribuições sociais, WERTHER BOTELHO SPAGNOL, ao discorrer sobre a aplicabilidade do princípio em referência aos tributos portadores de finalidades extrafiscais, comunga da opinião ora esposada, salientando que as manifestações contrárias são fruto de "(...) conclusões retorcidas, no sentido da imposição extrafiscal obedecer a limites distintos e, até mesmo, alheios à fiscalidade..." e refletem "(...) uma visão viciada de todo o sistema arrecadatório fiscal." (2004, p. 127-128). Ainda neste autor, de extrema pertinência são as seguintes razões:

Impende notar que não obstante determinados tributos possam cumprir finalidades extrafiscais implicam também arrecadação de numerário. No caso dos impostos sobre tabaco ou bebidas alcoólicas, sua finalidade primeira é extrafiscal, ou seja, diminuir o consumo dessas mercadorias, mas, em segundo plano, eles proporcionam um ingresso tributário ao Estado. Neste ponto, o professor Juan Ramallo é incisivo: "Todo tributo, tenga o no un fin extrafiscal, produce un ingreso de dinero y el carácter fungible del dinero permite una utilización múltiple en una amplísima gama de fines". (2004, p. 127)

DOUGLAS YAMASHITA oferece posição, por assim dizer, intermediária, atrelando a observância da capacidade contributiva ao exame dos seus aspectos positivo e negativo. Segundo os escritos do autor "(..) apenas os impostos serão obrigados à observância do ‘sempre que possível forte’, ou seja, em seus dois aspectos: o positivo e o negativo. Os demais tributos estão sujeitos ao aspecto negativo do princípio da capacidade contributiva, ou seja, não podem ter efeito confiscatório. Contudo, o aspecto positivo da eficácia do princípio da capacidade contributiva pode variar conforme cada tipo de tributo realmente observe ou não outros princípios fundamentais, tais como o princípio da solidariedade e o da equivalência." (2002, p.67-68)

Predomina, contudo, o entendimento doutrinário pela mais ampla aplicação da capacidade contributiva, de modo a abarcar todos aqueles tributos que tragam em seu bojo "signos presuntivos de riqueza", para invocar ALFREDO AUGUSTO BECKER (1972), eis que esta denota, em última análise, o respeito à igualdade tributária e à justiça fiscal, como já se viu. Assim noticia SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, para quem "(...) por ser do homem a capacidade de contribuir, a sua medição é pessoal, sendo absolutamente desimportante intrometer no assunto a natureza jurídica das espécies tributárias" (2005, p. 88). Não há de se prevalecer, pois, a exegese oriunda de uma leitura apressada e superficial da norma inserta no art. 145, § 1º, da Constituição, que, ao se referir exclusivamente a impostos, na está a restringir a capacidade contributiva a essa espécie tributária, mas sim a atribuir à sua aplicação nesses casos facetas específicas, relativas aos mandamentos da progressividade e da pessoalidade (SPAGNOL, 2004, p. 119).

Questão ainda pouco tratada pela doutrina, todavia, cinge-se à aplicabilidade deste princípio às sanções de índole fiscal, para a qual, até o momento, não se ofereceu um tratamento plenamente satisfatório. E é com o intuito de contribuir na sua construção, que se segue ao próximo tópico, tendo-se já estabelecido as bases teóricas necessárias ao seu enfretamento.

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Sobre o autor
Marco Túlio Fernandes Ibraim

Advogado e Professor de Direito Tributário nas Faculdades Pedro Leopoldo. Mestrando em Direito Tributário pela UFMG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IBRAIM, Marco Túlio Fernandes. Aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva às sanções tributárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2589, 3 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17105. Acesso em: 2 nov. 2024.

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