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O poder de polícia da autoridade marítima brasileira.

Fundamento, características e limites

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14/08/2010 às 09:03
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2. PODER DE POLÍCIA DA AUTORIDADE MARITIMA

2.1. Autoridade Marítima: conceituação

A revogada Lei Complementar nº 69, de 23 de julho de 1991, dispunha sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, estabelecendo como atribuições subsidiárias da Marinha as descritas no art. 9º, a seguir transcrito:

Art. 9ºCabem às Forças Armadas as seguintes atribuições subsidiárias:

I - como atribuição geral: cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil;

II - como atribuições particulares da Marinha:

a) orientar e controlar a Marinha Mercante e suas atividades correlatas, no que interessa à defesa nacional;

b) prover a segurança da navegação aquaviária;

c) contribuir para a formulação e condução de políticas nacionais que digam respeito ao mar; e

d) implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e águas interiores; e

A Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, revogou a Lei Complementar nº 69/91, mantendo as mesmas atribuições subsidiárias da Marinha, e definindo a "Autoridade Marítima" 1 conforme se vê do seu art. 17, caput, incisos e Parágrafo único:

Art.17 – Cabe à Marinha, como atribuições subsidiárias particulares:

I – orientar e controlar a Marinha mercante e suas atividades correlatas, no que interessa à defesa nacional;

II – prover a segurança da navegação aquaviária;

III – contribuir para a formulação e condução de políticas nacionais que digam respeito ao mar;

IV – implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual quando se fizer necessário, em razão de competências específicas.

Parágrafo único. Pela especificidade dessas atribuições, é da competência do Comandante da Marinha o trato dos assuntos dispostos neste artigo, ficando designado como "Autoridade Marítima" para esse fim.

Desta forma,é possível conceituar "Autoridade Marítima" como o conjunto de competências subsidiárias atribuídas ao Comandante da Marinha para formulação e condução de políticas nacionais a respeito do mar ou para execução da polícia administrativa do tráfego aquaviário, com a finalidade de salvaguardar a vida humana e garantir segurança da navegação, no mar aberto e em hidrovias interiores; e de prevenir a poluição ambientalpor parte de embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio, ou conforme a Lei nº 9.966/2000, art. 2º, inciso XXII:

XXII – autoridade marítima: autoridade exercida diretamente pelo Comandante da Marinha, responsável pela salvaguarda da vida humana e segurança da navegação no mar aberto e hidrovias interiores, bem como pela prevenção da poluição ambiental causada por navios, plataformas e suas instalações de apoio, além de outros cometimentos a ela conferidos por esta Lei;

Pode-se verificar que as Forças Armadas têm, na normalidade institucional, a específica destinação constitucional de defesa da Pátria e garantia dos poderes constitucionais, como expresso no artigo 142, caput, da CF/88:

Art. 142. - As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

A missão clássica das Marinhas é "assegurar o uso dos oceanos para sua própria nação e estar em condição de tentar evitar que outras nações utilizem os oceanos de maneira desvantajosa para o seu país." (BOOTH, 1989, p. 52).

Todavia a missão da Marinha também é cumprida em tempo de paz, quando o que se executa não é uma atividade classicamente militar. Trata-se, então, do emprego da Marinha em tempo de paz. Conforme Lafayette Pinto (1989, p. 23-60), há interesses da Nação, presentes e futuros, que as normas jurídicas são insuficientes para assegurar. Daí, a necessidade do emprego ou demonstração de força para garantia desses interesses. É o que se dá com o Direito do Mar, especialmente na Zona Econômica Exclusiva e na plataforma continental, onde tais interesses podem ser a proteção aos pesqueiros nacionais, a segurança do tráfego marítimo, a proteção à pesquisa ou a manutenção da integridade das instalações marítimas, como terminais, portos e plataformas petrolíferas.

De qualquer forma, quando se fala de atividade marítima, geralmente pensa-se em Marinha de Guerra. Isso é razoável em países menos desenvolvidos, nos quais a manutenção de uma Força Naval pode ser muito cara, levando à compreensão de que os custos podem ser amortizados pelo emprego em atividades administrativas. Semelhante demanda também ocorre com as grandes Marinhas, pois, assim como é comum se ver navios de guerra de Marinhas menores prestando apoio a regatas, não é incomum ver navios de Marinhas maiores dedicando-se a recolher foguetes e cápsulas espaciais (LAFAYETTE PINTO, 1989. p. 57).

De um modo geral, as Marinhas exercem várias tarefas subsidiárias, algumas de forma permanente, seja pelo interesse do Estado, seja pela falta de órgãos ou empresas pertinentes. As mais comuns e tradicionais se relacionam ao salvamento marítimo, combate ao contrabando, assistência às populações ribeirinhas, fiscalização da poluição, entre outras, que para algumas Marinhas assumem papel destacado. Entretanto, à medida que a tecnologia vai permitindo ampliar o campo de atuação humana no mar, os interesses marítimos aumentam e passam por sua vez a demandar mais as Marinhas. Por um lado requerem atividades que se enquadram como subsidiárias mas, por outro, passam também a exigir proteção e segurança, aí sim pertinentes às Marinhas de Guerra. Enquanto as subsidiárias podem e são em muitos casos atendidas por instituições ou órgãos afins, como as Guardas Costeiras, por exemplo, as relativas à proteção devem ser exercidas pelas Marinhas de Guerra. (LAFAYETTE PINTO, 1989. p. 58)

Nos dias atuais, cada vez mais, a preservação dos recursos naturais e a prevenção da poluição ambiental são tão relevantes quanto o domínio do espaço marítimo. Assim, naturalmente, incumbe à Marinha a execução de tarefas que não se ajustam à concepção clássica de atividade militar, constituindo-se numa atividade de polícia administrativa especial.

Por oportuno, cabe ressaltar que em países onde não há Marinha de Guerra, e que possuem organizações marítimas paramilitares, como por exemplo Guarda Costeira, é válido o raciocínio expresso quanto à necessidade de marcar presença em águas sob jurisdição nacional, para evitar atividades irregulares perpetradas por intrusos. Na prática, a polícia marítima, ou organizações semelhantes, acaba por desempenhar um papel similar ao das Marinhas, no que diz respeito à salvaguarda dos recursos naturais da Zona Econômica Exclusiva, à segurança do mar territorial e à fiscalização das atividades marítimas, chegando mesmo a exercer um controle da área marítima sob sua responsabilidade, ainda que em nível de polícia. (LAFAYETTE PINTO, 1989. p. 59)

A constituição e a manutenção de um Poder Naval têm custo elevado e a sua implementação exige considerável esforço do país, o que deve ser retribuído com o adequado emprego da Força Naval. Por conseqüência, a Marinha não pode deixar de aplicar suas forças na proteção dos interesses marítimos nacionais, mesmo quando eles ainda não estão ameaçados, mesmo que se trate de atribuição subsidiária da Força. De outra parte, por exemplo, "defender um campo petrolífero no mar não significa dispor de um grupo de embarcações dedicadas exclusivamente a essa tarefa". O importante é que, com o emprego freqüente das forças navais, logra-se a presença naval, que é dissuasória, e que, complementarmente, serve à proteção dos interesses marítimos, uma situação conveniente para Marinhas menores. (LAFAYETTE PINTO, 1989. p. 60).

Trata-se, portanto, do típico emprego da Força com uma finalidade de proporcionar a segurança coletiva. Então, admitindo a validade do conceito de segurança coletiva ao início apresentado, há nessa atividade uma estrita vinculação legal. Não se trata de operação militar que admitiria um poder de fato, mas de atividade de polícia, onde se exerce poder de polícia com fundamento no bloco de legalidade.

2.2. Polícia administrativa do tráfego aquaviário

Pelos motivos antes expostos, no nosso país, tradicionalmente, a Marinha é empregada em atividades subsidiárias, entre as quais a de polícia administrativa. Essa atividade era denominada Polícia Naval como constava do art. 59. do Decreto nº 5.798, de 11 de junho de 1940, que aprovou e mandou executar o Regulamento para as Capitanias de Portos:

Art. 59. Por Polícia Naval deverá ser entendida a atribuição dada às pessoas vinculadas permanente ou temporariamente à Diretoria de Marinha Mercante, para fiscalizarem e exigirem a fiel observância e o cumprimento das leis, regulamentos, disposições e ordens referentes à navegação e à Marinha Mercante e ao que preceitua este regulamento. (PINTO; DIAS, 1959, p. 1791).

O Regulamento para as Capitanias de Portos foi alterado pelo Decreto nº 50.114, de 26 de janeiro de 1961, que mudou a sua denominação para Regulamento do Tráfego Marítimo (RTM). Em seguida, o Decreto nº 50.330, de 10 de março de 1961, alterou o art. 59. do agora denominado RTM que passou a ter a seguinte redação:

"Art. 59. Por Polícia Naval deverá ser entendida a atribuição dada às pessoas vinculadas permanente ou temporariamente à Diretoria de Portos e Costas, para fiscalizarem e exigirem a fiel observância e cumprimento das leis, regulamentos, disposições e ordens referentes a navegação e à Marinha Mercante ao que preceitua este regulamento inclusive estreita cooperação com as autoridades civis, e militares na repressão ao contrabando e ao descaminho" (BRASIL, 2009)

Todavia, o Decreto nº 5.798/1940, o Decreto nº 50.114/1961, assim como o Decreto nº 50.330/1961 foram revogados pelo Decreto nº 87.648, de 24 de setembro de 1982, que aprovou o novo Regulamento para o Tráfego Marítimo, no qual a Polícia Naval passou a ser definida no art. 269, caput e parágrafo 1º:

Art. 269. - A Polícia Naval é a atividade desenvolvida pela Marinha, através da Diretoria de Portos e Costas e sua rede funcional, com o propósito de fiscalizar e exigir a fiel observância e cumprimento das leis, regulamentos, disposições e ordens referentes à navegação, à poluição das águas e à Marinha Mercante, no que preceitua este Regulamento, inclusive a colaboração na repressão ao contrabando e ao descaminho.

Parágrafo único - Para o exercício da Policia Naval, a Marinha utilizará o pessoal civil e militar lotado nas Capitanias dos Portos, Delegacias, Agências e Capatazias, devidamente credenciados para este fim. (BRASIL, 2009)

Por último, o Decreto nº 511, de 27 de abril de 1992, alterou o Art. 269. e parágrafos do RTM, dando nova definição à atividade de Polícia Naval:

Art. 269. Polícia Naval é a atividade, de cunho administrativo, exercida pela rede funcional da DPC, que consiste na fiscalização do cumprimento deste Regulamento, normas decorrentes, Convenções e Acordos Internacionais sobre navegação, ratificados pelo Brasil, e da poluição das águas causadas por embarcações e terminais marítimos, fluviais e lacustres.

§ 1° À Polícia Naval não compete a execução de ações preventivas e repressivas da alçada de outros órgãos federais, sem prejuízos da colaboração eventual, quando solicitada. (BRASIL, 1994)

O que se observa é que a Polícia Naval era originalmente uma atividade de polícia administrativa, direcionada à fiscalização de normas reguladoras da navegação e da Marinha Mercante. Com a alteração do Decreto nº 50.330/1961, a atividade passou a incluir uma estreita cooperação com autoridades civis e militares para repressão ao contrabando e ao descaminho, o que, apesar da ambigüidade, revela uma atividade de polícia de segurança. Isto foi mantido no novo Regulamento para o Tráfego Marítimo aprovado pelo Decreto nº 87.648/1982. Com o Decreto nº 511/1992, excluiu-se do dispositivo a atividade de polícia de segurança pública, mas acrescentou-se à fiscalização da navegação a fiscalização da poluição das águas causadas por embarcações e terminais marítimos, fluviais e lacustres, o que constitui atividade típica de polícia administrativa.

Por último, foi editada a Lei nº 9.537/1997, Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional. Nessa lei, substituiu-se a expressão "Polícia Naval" por "Inspeção Naval", definida no art. 2º, VII:

"VII – Inspeção Naval - atividade que consiste na fiscalização desta lei, das normas e regulamentos dela decorrentes, e dos atos e resoluções internacionais, ratificados pelo Brasil, no que se refere exclusivamente à salvaguarda da vida humana e à segurança da navegação, no mar aberto e em hidrovias interiores, e à prevenção da poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas fixas ou suas instalações de apoio" (DUARTE NETO, 1998, p. 24)

Essa mudança de denominação de "Polícia Naval" para "Inspeção Naval" teve o propósito de evitar possível confusão entre as atividades previstas na Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário e a repressão ao contrabando ou aos furtos e assaltos praticados em embarcações nos portos, como ficou registrado na tramitação da Câmara. Todavia, a Inspeção Naval, tal como era com a Polícia Naval, refere-se, enfim, ao exercício do poder de polícia administrativa atribuído à Marinha. (DUARTE NETO, 1998. p. 24-27).

O que a lei atribui à Autoridade Marítima é uma competência geral de polícia administrativa especial, porque referida a um específico setor da Administração, na qual se inserem outras atribuições específicas, como a de lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo, do art. 70. da Lei nº 9.605/1998, ou as de fiscalizar navio, plataformas e suas instalações de apoio, e as cargas embarcadas, de natureza nociva ou perigosa, do art. 27. da Lei nº 9.966/2000, que dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional.

Nada mudou com a edição da Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário. Como se viu, o Regulamento para o Tráfego Marítimo ressalvava que à Polícia Naval não compete a execução de ações preventivas e repressivas da alçada de outros órgãos federais, sem prejuízo da colaboração eventual, quando solicitada e, nos termos da atual Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário, a Inspeção Naval se refere exclusivamente à salvaguarda da vida humana e à segurança da navegação, no mar aberto e em hidrovias interiores, e à prevenção da poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas fixas ou suas instalações de apoio.

De qualquer maneira, observa-se a preocupação do legislador em definir na Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário a atividade da "Autoridade Marítima" como uma atividade que não deve se confundir com a polícia de segurança, que incluiria, por exemplo, a repressão ao tráfico de drogas e armas, à pirataria, ao contrabando e ao descaminho.

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2.3. Óbice ao exercício do poder de polícia do tráfego aquaviário

Para bem aplicar as noções desenvolvidas no Capítulo anterior, ao examinar as características e os limites do poder de polícia administrativa da autoridade marítima, é imprescindível pesquisar sua previsão legal. Desde a Constituição de 1988, as alterações do Regulamento para o Tráfego Marítimo, por Decreto, constituiriam ilegalidades. Tendo sido editada a Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário, poder-se-ia aventar a hipótese de validação do Regulamento que, contudo, foi revogado por um Decreto que aprovou o novo Regulamento para o Tráfego Aquaviário.

O relevante na comparação entre o revogado Regulamento para o Tráfego Marítimo (RTM) e Lei de Segurança do Tráfego Marítimo (LESTA) está na técnica adotada. O RTM, em 29 de seus artigos, dispunha sobre infrações ao Regulamento, com previsão de sanções administrativas. Assim, por exemplo, o art. 45. estabelecia limites de multa para as infrações às regras do cerimonial Marítimo para a Marinha Mercante, o art. 57. previa multa para a existência de tripulante sem o competente atestado médico, o art. 64. previa multa pela falta de visto anual em Caderneta de Registro de aquaviário, o art. 137. previa multa e medida administrativa para inobservância de regras de quantidade e qualificação dos tripulantes das embarcações em tráfego, os art. 156, 157 e 258 previam multas para a inobservância de regras do Regulamento para transporte de carga, inflamáveis, explosivos e produtos agressivos, o art. 352. previa multas e medidas administrativas para inobservância de regras para habilitação de amadores e condição de embarcações de esporte e recreio. Era de esperar que a LESTA, editada no intuito de superar controvérsias quanto à recepção do RTM pela Constituição, adotasse as definições de infrações do tráfego aquaviário contidas no RTM, o que, entretanto, não aconteceu. A LESTA procurou apresentar-se com modernidade, reduzindo artigos, sintetizando disposições, mas, deixou de dispor sobre infrações à Lei.

Esse é o óbice ao exercício do poder de polícia da autoridade marítima para fiscalização do tráfego aquaviário e segurança da navegação. Limitou-se a LESTA a atribuir competência à Autoridade Marítima para que esta elaborasse normas para os mais diversos assuntos afetos ao tráfego aquaviário e à segurança da navegação, assim como a dispor sobre o procedimento administrativo de aplicação de penalidades, espécies de sanções, recursos e prazos. Mas a lei não definiu o que é infração do tráfego aquaviário, quais condutas a serem reprimidas e quais as penalidades aplicáveis.

A nosso ver, deveria haver dispositivo legal estabelecendo que constitui infração (isto é, fato típico passível de punição) o descumprimento das normas estabelecidas nesta Lei, no seu regulamento de execução ou nas provenientes da autoridade marítima, a fim de que fosse observado o princípio da reserva legal segundo o qual não há delito sem lei anterior que o defina, conforme determina o item XXXIX, do art. 5º, da Constituição Federal, muito embora o regulamento com certeza venha a estabelecer quais as infrações e suas respectivas punições. [...]

De qualquer forma, em havendo lei, em sentido formal e material, como a presente, as diversas questões, que carecem de regulamentação pelo Poder Executivo, tem amparo e suporte em lei ordinária, obedecido, assim, o princípio constitucional segundo o qual ninguém fará ou deixará de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Ademais, a Lei Complementar nº 69/91, já traz em si uma série de responsabilidades subsidiárias ao Ministério da Marinha, sendo que suas atribuições estão bem definidas nesta lei de segurança do tráfego aquaviário. (DUARTE NETO, 1998. p. 63)

Pode-se concordar com a primeira parte da citação anterior. Todavia, tendo em conta o debatido no primeiro Capítulo, não é possível concordar com a segunda parte da citação, ainda que assim também pareça ter entendido o legislador. O que se discute aqui é um poder de polícia com fundamento na supremacia geral do Estado, hipótese em que "o princípio da legalidade vige na sua mais ampla acepção; apenas a lei formal, editada pelo Legislativo poderá estabelecer infrações e sanções administrativas", conforme lição antes citada de Vitta (2003, p. 84).

A preocupação do legislador, todavia, foi com a denominação da atividade de polícia administrativa da Marinha. Entende-se que a alteração da denominação, sem que, essencialmente, se mudasse a atividade, visou evitar o uso da expressão "polícia" de indesejada conotação no emprego das Forças Armadas em tempo de paz, capaz de sugerir uma destinação da Marinha de Guerra como sucedâneo das forças de segurança pública, exercendo um papel de guarda costeira destinada a reprimir delitos no mar territorial.

Alterou-se a denominação da atividade de Polícia Naval para Inspeção Naval a fim de expurgar do conceito alguma conotação de polícia de segurança pública. Todavia, a atividade seria tipicamente uma atividade de polícia administrativa e é com apelo a essa natureza que se tem julgado possível exercê-la na ausência de norma legal expressa com fundamento num genérico "poder de polícia", que estaria implícito na simples atribuição de competência à Autoridade Marítima para que elabore normas para o tráfego aquaviário e segurança da navegação. Assim, é possível encontrar argumento segundo o qual, ao dispor o art. 3º da Lei nº 9.537/1997 que cabe à autoridade marítima promover a implementação e a execução da mesma lei, com o propósito de assegurar a salvaguarda da vida humana, a segurança da navegação e a prevenção da poluição ambiental por parte de embarcações, implicitamente atribuiu-se "poder de polícia" à autoridade marítima para estabelecer restrições a direitos individuais.

Essa forma de lidar com o problema confirma o acerto das observações que apontam para uma crise da noção de "poder de polícia". Não ocorre mais que o Estado só possa estabelecer restrições a direitos individuais para assegurar apenas a segurança, a salubridade e a moralidade. Não há mais uma noção autônoma de "poder de polícia" que justifique intervenções dos órgãos estatais na esfera de interesses do indivíduo. Qualquer limitação aos interesses particulares deve estar concretamente disposta na lei. Não se caracteriza mais este poder como intrínseco a algum órgão estatal, mas se reconhece como próprio do Estado. Trata-se da aplicação da coerção do Estado, atual ou potencial, sobre interesses individuais o que não a faz diferente da atividade estatal em geral e não justifica o uso da expressão "poder de polícia". "La ‘noción’ de ‘poder de policía’, pues, es innecesaria y además perjudicial porque da lugar a una serie de dificultades para su comprensión y aplicación, precisamente por su misma ambigüedad o indefinición." (GORDILLO, 2003, p. 12-16).

Em lugar de manter uma noção de "poder de polícia" sem um fundamento jurídico positivo, estabelecendo um princípio geral de coação e poder estatal, "polícia" ou "poder de polícia", ao qual logo se procurariam restrições nos direitos individuais, o correto, num estado de direito, submetido a um regime supranacional e internacional de direitos humanos, é fixar a premissa oposta, estabelecendo a supremacia dos direitos fundamentais, para, nos casos concretos e com expressa determinação legal, opor-lhes restrições com fundamento em eventual coerção estatal. Com essa concepção, nada se poderá resolver com base num "poder de polícia". Ocorre com a noção usual de "polícia" que a administração estaria autorizada a agir nas hipóteses em que a lei a autoriza de forma expressa, ou quando a lei lhe atribui faculdades discricionárias ou, ainda, quando uma lei não autoriza de forma expressa ou razoavelmente implícita, com fundamento em um poder de polícia genérico decorrente da ordem jurídica. Entretanto, essa última hipótese não é válida porque a ordem jurídica não confere à Administração nenhum poder de polícia genérico e indeterminado que a autorize a atuar na ausência de lei. Enfim, "la aministración solo puede actuar avanzando sobre la esfera jurídica individual cuando uma ley (em forma expresa o razonablemente implícita) la autoriza, em forma reglada o discrecional, a hacerlo.". Pois, não se declara, claramente, que a "polícia" ou o "poder de polícia" autoriza atos administrativos sine legem. Mas, na prática administrativa, se admite que assim seja. Pode ocorrer inversão do procedimento, exercendo-se primeiro um "poder de polícia" para depois, complementarmente, agregar-se alguma norma que, com maior ou menor clareza, possibilite a restrição de um direito individual. (GORDILLO, 2003, p. 20-24)

Pois, no caso da Autoridade Marítima, foi o Regulamento de Segurança do Tráfego Aquaviário em Águas sob Jurisdição Nacional (RLESTA), aprovado pelo Decreto nº 2.596, de 18 de maio de 1998, que dispôs sobre infrações ao tráfego aquaviário e sobre as penalidades correspondentes.

Dispôs o Regulamento para o Tráfego Aquaviário, em seu art. 7º:

Art. 7º - Constitui infração às regras do tráfego aquaviário a inobservância de qualquer preceito deste Regulamento, de normas complementares emitidas pela Autoridade Marítima e de ato ou resolução internacional ratificado pelo Brasil, sendo o infrator sujeito às penalidades indicadas em cada artigo.

Entretanto, essa norma, extremamente vaga, de natureza administrativa, não transmite poder de polícia, segundo o que foi antes examinado, porque não é lei e não encontra amparo em norma legal, isto é, não tem sustentação no bloco de legalidade, o que é imprescindível, segundo lição de Grau (1993).

Recentemente, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o Relator da Apelação Cível nº 2006.70.08.001267-3/PR, confirmou sentença invalidando autuação e multas aplicadas pela Autoridade Marítima, com base na Lei nº 9.537/97 e no Decreto nº 2.596/98, porque a lei não tipificou as condutas ilícitas, tratando apenas das penalidades a serem aplicadas e do procedimento administrativo para impô-las. Entendeu o Relator que:

Ainda que a lei, na forma dos arts. 3º e 4º, atribua à autoridade marítima competência para promover a implementação e a execução da lei - a fim de assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação -, e lhe confira atribuições para elaborar normas para habilitação e cadastro dos aquaviários e amadores, tráfego e permanência das embarcações nas águas sob jurisdição nacional, e realização de inspeções navais e vistorias, entre outras atribuições, não há, como bem referido pelo Julgador a quo, um mínimo de normatividade das infrações na lei a fim de autorizar o administrador a completar os seus termos da determinação das condutas proibidas e na escolha das penalidades aplicadas.

Só com a edição do Regulamento de Segurança do Tráfego Aquaviário, aprovado pelo Decreto nº 2596/98, houve a tipificação das infrações e as penalidades correspondentes, na forma do art. 11. e seguintes. Nessa medida, o decreto em questão preencheu o vácuo legislativo de forma ilegal, inovando na ordem jurídica, vez que somente a lei pode criar sanções administrativas e pecuniárias, como já assentado na jurisprudência pátria, sob pena de violação ao princípio da legalidade.

(BRASIL. TRF 4, AC nº 2006.70.08.001267-3/PR. Relator Des. Federal EDGARD ANTÔNIO LIPPMANN JÚNIOR. Julgamento 24/09/2009. Publicado DE 14/10/2008)

Com tal fundamento resultou a decisão a seguir reproduzida.

INFRAÇÕES. TRÁFEGO AQUAVIÁRIO. DECRETO Nº 2596/98. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.

Não subsistem as multas aplicadas à Parte Autora com fundamento no Regulamento de Segurança do Tráfego Aquaviário, aprovado pelo Decreto nº 2596/98, por ofensa ao princípio da legalidade.

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo e à remessa oficial, tida por feita, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

(BRASIL. TRF 4, AC nº 2006.70.08.001267-3/PR. Relator Des. Federal EDGARD ANTÔNIO LIPPMANN JÚNIOR. Julgamento 24/09/2009. Publicado DE 14/10/2008)

Para esta concepção tem sido oposto que, em sociedades dinâmicas, o legislador é incapaz de prever todas as situações de fato, obrigando-se a deixar espaço para atuação do Juiz ou do Administrador que poderia, não só subsumir fatos a conceitos legais, mas valorá-los, agindo semelhantemente ao legislador.

Nessa tese, o decreto regulamentar também teria a finalidade de completar o sentido da norma jurídica incompleta para esclarecer seus dispositivos. O legislador não delegaria a competência política, mas a competência técnica para formulação das normas. Nisso estaria o fenômeno da deslegalização segundo o qual a competência para regular algumas matérias complexas se desloca da lei para outras fontes normativas. Não tendo conhecimento técnico nem aproximação com os fatos a regular, o legislador faz a norma com generalidade suficiente para abrigar todas as situações.

Então, como o objeto da Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário é salvaguarda da vida humana no mar, a segurança da navegação e a prevenção da poluição por parte de embarcações, todo ato regulamentar que restringisse direitos e liberdades individuais com esse escopo seria um ato legal, uma vez observados os limites legais para eventuais sanções. E de limites legais para aplicação de penalidade a LESTA tratou.

O fundamento legal para que fossem tipificadas infrações no Decreto nº 2596/1998, que aprovou o Regulamento de Segurança para o Tráfego Aquaviário, estaria no art. 3º da LESTA, segundo o qual cabe à autoridade marítima promover a implementação e a execução desta Lei, com o propósito de assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação, no mar aberto e hidrovias interiores, e a prevenção da poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio.

Na mesma tese, a delegação do art. 4º da LESTA que atribuiu à Autoridade Marítima competência para elaboração de normas para segurança da navegação e para o tráfego marítimo, não é política, mas estritamente técnica. Há, pois, a possibilidade de um entendimento de que o legislador quis elaborar uma Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário, com princípios e regras gerais, atento à dinâmica da navegação, deixando as particularidades para o Regulamento e para a normatização administrativa, evitando que uma desatualização precoce prejudicasse a adoção de medidas necessárias para alcançar o escopo da lei.

Assim, a LESTA conteria normas principiológicas e teria atribuído à Autoridade Marítima a disciplina dos princípios enunciados. Registrou-se em Relatório do Projeto de Lei nº 4.259/1993 que foi evitado proliferação de vinculações das penalidades com diversas infrações, transferindo-se essa incumbência ao Poder Executivo "de maneira a facilitar eventuais ajustes que se entendam necessários para abrandar ou enrijecer o tratamento dispensado aos transgressores" (BRASIL, 1993).

Todavia, essa tese não se ajusta às conclusões do primeiro capítulo desde trabalho, acerca dos fundamentos, características e limites do poder de polícia. Admitir-se uma amplitude tal da norma que permita ao Administrador tipificar condutas e estabelecer penalidades, restringindo direitos e liberdades individuais segundo princípios gerais da lei, equivale a admitir-se para fundamento do poder de polícia o vago princípio da predominância do interesse público sobre o particular e a existência de um poder de polícia genérico.

Ademais, é controverso o entendimento de que o art. 3º da LESTA, dispondo que cabe à autoridade marítima promover a implementação e a execução desta Lei, com o propósito de assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação, autoriza a Autoridade Marítima a tipificar condutas e estabelecer penalidades, porque o que está ordenado é a implementação e a execução da lei. Se a lei não contém norma sobre infração e penalidade, não há o que implementar e executar. Por isso, é de se entender que a Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário atribuiu à Autoridade Marítima competências para elaborar normas sobre tráfego aquaviário, segurança da navegação e prevenção da poluição por parte de embarcações, mas não lhe atribuiu poder de polícia administrativa para exigir o cumprimento das normas que edite.

2.4. Poder de polícia de segurança da Autoridade Marítima

Já com a polícia de segurança atribuída à Marinha não se observa o mesmo óbice que impede o exercício regular da atividade de polícia administrativa. Há previsão do exercício do poder de polícia por parte da Autoridade Marítima na Lei Complementar, na Lei ordinária e nos Decretos que regulamentaram a Patrulha Costeira, hoje denominada Patrulha Naval, ainda que se trate de competência concorrente com competência da Polícia Federal.

Ocorre que a tarefa de implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, atribuída à Marinha pela Lei Complementar que trata da organização, do preparo e do emprego das Forças Armadas, corresponde a uma atividade de polícia de segurança pública ostensiva. Nesse ponto, há concorrência de competências entre Marinha e a Polícia Federal, em que pese ter sido alterada a denominação da Polícia Naval, substituída por Inspeção Naval, e os esforços para manter a Lei nº 9.537/1997, Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário, na esfera da polícia administrativa. Ainda que por outro instrumento, mantém-se a Autoridade Marítima competente para atuar na repressão de delitos, no mar a e nas águas interiores, autorizada a realizar tarefa que, na competência da Polícia Federal, é intitulada de Polícia Marítima.

Dispõe a Constituição Federal:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

[...]

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

[...]

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

[...].

Assim, a Polícia Marítima é uma atividade de competência do Departamento de Polícia Federal (DPF). Essa atividade é exercida, em âmbito nacional, pela Divisão de Polícia Marítima, Aeroportuária e de Fronteiras da (DPMAF) do DPF e, regionalmente, por Unidades de Polícia Marítima, com atuação nos portos e mar territorial brasileiro. Tem por objetivo a prevenção e a repressão aos ilícitos praticados a bordo, contra ou em relação a embarcações na costa brasileira, e a fiscalização do fluxo migratório no Brasil, sem prejuízo da prevenção e repressão aos demais ilícitos de competência do DPF, podendo estender-se além do limite territorial, ressalvadas as normas específicas da Marinha do Brasil. Também compreende providências e medidas necessárias à segurança de portos, terminais e vias navegáveis que não constituam competências específicas das Polícias Civil ou Militar ou das Forças Armadas 2.

As tarefas de segurança pública nos portos e no mar territorial brasileiro são atribuições da Polícia Federal que constituem a Polícia Marítima. Então, a Polícia Marítima engloba atividades de polícia de segurança pública, com o policiamento ostensivo, preventivo, e de polícia judiciária, porque é atribuição do DPF instaurar os procedimentos investigatórios para apurar a prática de delitos federais.

Todavia, o DPF autolimitou sua atividade de polícia marítima aos portos e ao mar territorial. Assim, restam os demais espaços marítimos jurisdicionais brasileiros, devendo-se ter em conta a existência de áreas afastadas dos portos, dentro do mar territorial, para alcance das quais não está aparelhada a Polícia Marítima. Nesses espaços, é perceptível que só a Força Naval poderá atuar devendo-se interrogar se a ela que não está atribuído poder de polícia de mesma natureza do atribuído à Polícia Federal na área marítima.

Cabe a advertência de que as atribuições da Policia Marítima não se confundem com as atribuições cometidas à Autoridade Marítima pela Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário, relacionadas, exclusivamente, à salvaguarda da vida humana, à segurança da navegação e à prevenção da poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas fixas ou suas instalações de apoio. A Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário, se contivesse hipóteses de infrações e sanções, legitimaria o exercício de uma polícia administrativa do tráfego aquaviário, mas não o fez.

Entretanto, a Lei Complementar nº 97/1999, em seu art. 17, inciso IV, atribuiu competência à Autoridade Marítima para implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se fizer necessário, em razão de competências específicas. Esta última é uma atribuição de poder de polícia com outra natureza, pois se trata de polícia de segurança, de mesma natureza daquela que está atribuída à Polícia Federal nos portos e no mar territorial.

Para execução dessa atribuição de implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, conta a Autoridade Marítima com o "Serviço de Patrulha Costeira" que tem entre seus objetivos os de colaborar com a fiscalização da pesca e com a repressão ao contrabando e ao tráfico de drogas, como dispõe o art. 1º da Lei 2.419, de 10 de fevereiro de 1955:

Art. 1º É instituído o Serviço de Patrulha Costeira com os seguintes objetivos:

a) defender, em colaboração com o Serviço de Caça e Pesca, do Ministério da Agricultura, a fauna marítima, a flora aquática e fiscalizar a pesca, no litoral brasileiro;

b) prestar assistência médica, profilática e farmacêutica, aos habitantes da zonas litorâneas desprovidas de recursos;

[...]

f) auxiliar os serviços de repressão ao contrabando e ao comércio ilícito de tóxicos;

[...]

O Decreto nº 64.063, de 05 de fevereiro de 1969, regulamentou a Lei 2.419/1955, inovando quanto a uma tarefa de "assegurar o cumprimento da Legislação Brasileira no mar territorial, zona contígua e plataforma submarina", conforme art. 2ª, alínea a.

Art. 2º Às Fôrças e Navios empregados no Serviço de Patrulha Costeira serão atribuídas as seguintes tarefas:

a) patrulhar as áreas dos Distritos Navais em que estiverem navegando, de maneira a assegurar o cumprimento da Legislação Brasileira no mar territorial, zona contígua e plataforma submarina, respeitados os acôrdos internacionais ratificados pelo Brasil;

[...]

A seguir, o Decreto nº 5.129, de 16 de julho de 2004, alterou a denominação da Patrulha Costeira para "Patrulha Naval", estabeleceu regras de abordagem e de apresamento de embarcações, bem como de uso de força, com tiros de advertência e diretos, contra embarcações infratoras, além de dispor que a Patrulha Naval tem a finalidade de "implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, em águas jurisdicionais brasileiras, na Plataforma Continental brasileira e no alto-mar", conforme Parágrafo único, do Art. 1º:

Art. 1° A Patrulha Costeira, instituída pela Lei nº 2.419, de 10 de fevereiro de 1955, passa a ser denominada Patrulha Naval.

Parágrafo único. A Patrulha Naval, sob a responsabilidade do Comando da Marinha, tem a finalidade de implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, em águas jurisdicionais brasileiras, na Plataforma Continental brasileira e no alto-mar, respeitados os tratados, convenções e atos internacionais ratificados pelo Brasil.

Pode-se supor que é irregular um Decreto atribuir à Marinha um poder de polícia para abordar, visitar, inspecionar e apresar embarcações, assim como para usar a força, até o afundamento, contra embarcações infratoras. Mas deve-se recordar que o poder de polícia para execução de tais tarefas tem fundamento expresso na Lei Complementar.

Dispondo a Lei Complementar nº 97/1999, art. 17, inciso IV, sem remeter à Lei Ordinária, que cabe à Marinha implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual quando se fizer necessário, em razão de competências específicas e dispondo a Lei nº 2.419/1955 sobre a Patrulha Costeira, resulta que o Decreto nº 5.129/2004, apenas dá fiel execução à Lei. O fundamento do poder de polícia da Patrulha Naval está na Lei Complementar.

Não aproveitaria essa conclusão à tese de que caberia esse mesmo fundamento legal à polícia administrativa preconizada no Regulamento de Segurança do Tráfego Aquaviário. Diverso do comentado na seção anterior, aqui há norma legal atribuindo competência à Autoridade Marítima para exercer a atividade de polícia, determinando-lhe a implementação e a fiscalização de leis e regulamentos, em águas jurisdicionais brasileiras, na Plataforma Continental brasileira e no alto-mar. Não se está aqui falando de uma fórmula genérica e principiológica da lei, como se dá com o Regulamento para a segurança do Tráfego Aquaviário, mas de norma concreta a que há de se referir o ato administrativo. A motivação de uma abordagem de embarcações em alto mar será sempre a prática de algum ilícito tipificado em leis ou regulamentos com base legal. Então, constatada pela Patrulha Naval uma transgressão a lei ou a regulamento, por parte de embarcações, no mar, ou em águas interiores, incide a norma da Lei Complementar que o Decreto nº 5.129/2004 repete, legitimando e obrigando à atuação da Patrulha Naval, função que, inclusive, não pode deixar de ser exercida. Por outro lado, o amparo direto à intervenção está na Lei que tipifica e sanciona o delito ou a irregularidade constatada.

Isto é, enquanto a LESTA, no seu art. 3º, atribui à autoridade marítima competência para promover a implementação e a execução da própria LESTA, que, por sua vez, não estabelece infrações e sanções a serem aplicadas aos particulares, disso resultando, tecnicamente, a inexistência do poder de polícia administrativa do tráfego aquaviário, a Lei Complementar nº 97/1999 atribuiu à Autoridade Marítima a tarefa de implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos do Estado, no mar e nas águas interiores, o que se traduz em poder de polícia de segurança, para aplicar as sanções das leis eventualmente inobservadas. Portanto, com o comando genérico da Lei Complementar é possível a Autoridade Marítima abordar e apresar embarcações e tripulações dedicadas a prática de contrabando ou tráfico de entorpecentes, por exemplo. Mas, esse mesmo comando da Lei Complementar não fundamenta o exercício da polícia administrativa de segurança do tráfego aquaviário porque não há lei tipificando eventuais condutas contrárias às normas de segurança do tráfego aquaviário editadas pela Autoridade Marítima.

Ainda que, em eventual apresamento de embarcação pela Patrulha Naval em conseqüência da prática de ilícito, o infrator deva ser apresentado às autoridades competentes, Polícia Federal, Receita Federal ou IBAMA, permanece o poder de polícia da Autoridade Marítima para reprimir o ilícito.

É que, como se viu, incumbe à Autoridade Marítima implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se fizer necessária, em razão de competências específicas. Deste modo, é válido concluir que o poder de polícia da Autoridade Marítima na Patrulha Naval tem a mesma natureza daquele atribuído à Polícia Federal no exercício da Polícia Marítima, exceto quanto à função de polícia judiciária. Isto é, a Autoridade Marítima tem poder de polícia de segurança no mar e nas águas interiores, aí exercendo, como se viu no capítulo inicial, uma função administrativa, o que lhe impõe a interferência para repressão de ilícitos constatados.

Ainda que o fundamento do poder de polícia da Autoridade Marítima para o exercício da Patrulha Naval esteja nas leis e regulamentos do Estado, cujo cumprimento lhe compete fiscalizar e exigir na área de atuação, percebe-se que a finalidade da norma que lhe atribuiu esta competência é a segurança coletiva, função essencial do Estado como ordem normativa que regula o mútuo comportamento dos indivíduos, cogitando-se de segurança do Estado na comunidade internacional e de segurança individual nos limites do próprio Estado, buscando proteger a comunidade nacional das atividades prejudicais à ordem social.

O "poder de polícia" de que, ultimamente, se fala em conceder às Forças Armadas tem a mesma natureza daquele atribuído a outros setores da Administração Pública. É como acontece com a fiscalização sanitária, de pesos e medidas, de tráfego aéreo, tráfego marítimo, tráfego rodoviário. As Forças Armadas sempre detiveram o poder de limitar direitos e restringir liberdades, na defesa interna, em garantia da lei e da ordem, por requisição de qualquer dos Poderes do Estado. Na atual Constituição as Forças Armadas encontram respaldo para atuar na defesa e garantia dos poderes constitucionais. "Com efeito, na defesa interna as Forças Armadas sempre puderam e podem limitar a liberdade/direito de qualquer pessoa desde que necessário à ordem pública." (AMARAL, 2002).

Deste modo, atendida a previsão legal, não é inusitado o exercício de atividades de polícia pelas Forças Armadas e nem seria necessário intitular as Forças singulares de "Autoridade Aeronáutica" ou de "Autoridade Marítima" para o exercício de tais atividades. Isto é, deve-se concordar que se aplica ao exercício do poder de polícia de segurança da Marinha a constatação a seguir reproduzida:

A expressão leiga "dar poder de polícia ao Exército", ao que parece, se refere ao poder de prender alguém (dar voz de prisão). Sucede que esse poder nem mesmo a polícia judiciária detém hoje em dia. É que, o art. 5º, LXI da CF/88 determina que só juiz e mediante ordem escrita e fundamentada, pode prender alguém (ou mandar prender). A polícia, qualquer delas não prende, apenas cumpre ordem judicial de prender. Não sendo assim, só mesmo em flagrante a polícia pode prender alguém, essa prisão é deferida, também, ao cidadão comum. Nem uma outra autoridade tem esse poder de polícia estremo, ou seja, prender alguém. Todavia, a prisão em flagrante delito (ié, no ato do crime, ou logo após o seu cometimento/perseguição) sempre foi deferida a todos os cidadãos, como direito/faculdade, sendo dever legalmente imposto às autoridades da segurança pública (todos os segmentos policiais: civis, PM, federais, Forças Armadas). Esses últimos no exercício do poder-dever de garantir a lei e a ordem desde que provocadas pelos poderes constitucionais (p. ex. o Poder Executivo federal/Presidente da República).( AMARAL, 2002,)

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Sobre o autor
Darcy Fernando Brum

Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Especialização em Politica pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Especialização em Direito Publico pela ESMAFE. Pos Graduando em Direito Ambiental pela UFPel. Advogado em São Lourenço do Sul/RS.<br><br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRUM, Darcy Fernando. O poder de polícia da autoridade marítima brasileira.: Fundamento, características e limites. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2600, 14 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17177. Acesso em: 22 nov. 2024.

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