11. Evidência do dano causado ao meio ambiente; aspectos subjetivos da responsabilidade
Já afirmamos que até a responsabilidade objetiva não pode se desligar completamente da consideração de aspectos subjetivos. Alguns autores ligam a obrigação de indenizar apesar de uma autorização válida a aspectos do princípio da boa-fé, que hoje começa a infiltrar todas áreas do direito público e privado e, no fundo, é um corolário do princípio máximo da justiça material no caso concreto.
José Afonso da Silva afirma que a responsabilidade pelo dano ambiental existe mesmo que o poluidor exerça a sua atividade dentro dos padrões fixados, "o que não exonera o agente de verificar, por si mesmo, se uma atividade é ou não prejudicial, está ou não causando dano" (Cf. Rüdiger Breuer, Umweltschutzrecht, in: Ingo von Münch/ Eberhard Schmidt-Aßmann, Besonderes Verwaltungsrecht, 9. ed., 1992, Verlag W. de Gruyter, Berlin, p. 444).
Essa "verificação" pode ser efetuada somente em casos de uma certa evidência do dano ambiental, bem como a obviedade dos efeitos negativos que a atividade causa no ambiente local, como a morte de animais, a destruição da vegetação ou reclamações constantes da população sobre doenças diretamente ligadas às emissões.
Parece imprescindível considerar também a capacidade individual do agente poluidor de reconhecer os danos por ele causados; o dano provocado por grandes indústrias que dispõem de equipes de cientistas e laboratórios próprios exige outro tratamento do que o dano acidentalmente causado por um particular. Isto é uma conseqüência dos princípios do "risco-proveito" e do "poluidor-pagador", através dos quais surge uma maior densidade de responsabilidade para o poluidor economicamente mais forte, que utiliza, de maneira intensa, recursos naturais para gerar o seu lucro.
No caso da deterioração ecológica da Serra do Mar pelas indústrias do Polo de Cubatão, os empresários responsáveis tinham conhecimento dos efeitos graves da poluição causada por suas fábricas, que era evidente. A alegação de que eles sempre tinham operado dentro dos limites de emissão fixados pelo órgãos competente do Estado (CETESB) não podia levar a uma exclusão da sua responsabilidade, visto que as circunstâncias do caso concreto não permitiam a existência de uma "boa-fé" por parte das empresas licenciadas, que possuíam todas condições econômicas e técnicas de realizar estudos sobre os danos que se estavam realizando, de maneira óbvia, no ambiente local e regional.
Outro exemplo ilustrativo pelo fato de que, no âmbito da responsabilidade objetiva, não podem ser excluídas todos aspectos subjetivos relacionados ao agente causador do dano é a impossibilidade de construir uma responsabilidade objetiva por omissão (Helli Alves de Oliveira, Da responsabilidade do Estado por danos ambientais, Rio de Janeiro, 1990, p. 50s.). Uma omissão somente pode ser equiparada a uma ação lesiva quando existe um dever de atuação para evitar um dano. Sem dúvida, os órgãos ambientais estatais são obrigados por lei a impedir qualquer ato contra o meio ambiente. Mas isto não é suficiente.
Ficando somente no plano da conexão causal, qualquer dano ambiental provocado por um particular ensejaria automaticamente também a responsabilidade do órgão estatal competente, porque, se este tivesse atuado, certamente poderia ter evitado o dano. Isto levaria a uma responsabilidade total do Estado por danos ambientais, com a conseqüência desagradável que o Poder Público, numa boa parte dos processos, teria indenizar pelo menos a metade do dano - com dinheiro do contribuinte!
12. Considerações finais
O dano ambiental é capaz de manifestar-se no plano coletivo bem como no individual. No primeiro, é a coletividade que é atingida no seu interesse difuso de dispor de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. No segundo, um particular (pessoa física ou jurídica) sofre um prejuízo nos seus bens protegidos como a propriedade ou sua saúde através da degradação do meio ambiente ou de um recurso natural. As regras jurídicas para a concretização e reparação do dano ecológico diferem entre o dano individual e o coletivo/difuso.
O fundamento da introdução da responsabilidade objetiva pelo dano ambiental no Brasil é a teoria do "risco-proveito", que é um corolário do princípio do "poluidor-pagador", consagrado internacionalmente como um dos princípios básicos do Direito Ambiental. Não convencem inteiramente os autores que vêem como fundamento dessa responsabilidade objetiva a teoria do "risco integral", que não permite fatores excludentes da responsabilidade.
A concretização do dano ambiental se opera no mundo fático bem como no mundo jurídico. Pode haver dano ambiental embora que nenhuma norma do direito material seja infringida. Por outro lado, já é considerado poluidor quem emite emissões além dos padrões permitidos pela autorização do empreendimento; nesse caso, a ultrapassagem dos limites estabelecidos leva à presunção da existência de um dano ao meio ambiente.
A concessão da autorização para o exercício de uma atividade potencialmente poluidora é um processo administrativo complexo que se opera através da interpretação de conceitos jurídicos indeterminados e quase sempre envolve também o exercício de discricionariedade por parte do órgão licenciador/autorizador. Esse processo administrativo produz efeitos sobre a questão se pode existir ou não, no caso concreto, um dano ambiental. Uma corrente moderna da doutrina concede esse direito de "identificação" de valores ambientais, paisagísticos, estéticos, etc. também ao Poder Judiciário.
No plano do dano ambiental individual é válido o argumento de que pode haver um sacrifício intolerável (por ser especial) de um bem ou interesse individual em prol da coletividade. A autorização da atividade poluidora pelo Poder Público, nesses casos, não impossibilita a reivindicação do particular de que o agente degradador indenize o dano sofrido por ele, o que é uma conseqüência do princípio da equidade, que vigora também nas relações entre vizinhos, onde determinadas atividades lícitas podem levar a obrigação de pagar uma indenização.
A mesma regra não poder valer sem ajuste no âmbito do dano ecológico difuso. A Administração Pública tradicionalmente é considerada o guardião e defensor do interesse coletivo. Onde os órgãos competentes autorizam uma atividade (potencialmente) poluidora, o dano difuso, que porventura venha a se realizar no mundo fático, não pode acarretar uma responsabilização do particular por não ter causado um "sacrifício especial" a ninguém.
O caminho correto, nesses casos, é a provocação do controle judicial do próprio ato administrativo autorizador, sob a alegação da má interpretação de conceitos jurídicos indeterminados perante os fatos ou face às normas constitucionais de defesa ambiental, e do exercício incorreto da discricionariedade. O sistema jurídico é uma unidade devendo o intérprete evitar contradições entre os ramos distintos do Direito, aqui entre o administrativo e o civil.
No caso da provocação de um dano ambiental difuso apesar da existência de uma licença/autorização pública válida para obra/atividade desenvolvida é decisiva a questão se o causador do prejuízo ecológico agiu com boa-fé, acreditando na certidão e legalidade do seu comportamento. Na indagação da existência dessa boa-fé, devem ser considerados o poder econômico do poluidor, a sua capacidade técnica e estrutura administrativa, que podem levar a presunção da sua "má-fé" em relação a seu comportamento.
Para evitar os danos ao meio ambiente, a solução adequada nos parece ser a melhoria das condições de trabalho dos órgãos da Administração Pública incumbidos da defesa do meio ambiente, seu equipamento com recursos humanos e materiais suficientes para o exercício mais eficiente de suas tarefas legais.
Nesse processo é indispensável a participação das populações atingidas pelos problemas ambientais, que devem exercer uma maior pressão política em relação aos governantes, parlamentares e administradores de todas três esferas federativas para que estes apertem as exigências técnicas nos licenciamentos e na fiscalização das atividades poluidoras.
Outro caminho de uma aplicação mais conseqüente do princípio do "poluidor-pagador" no direito ambiental brasileiro seria a cobrança de impostos e taxas pelo fato de determinada atividade poluir o meio ambiente. (Ricardo de Angel Yágüez, Algunas previsiones sobre el futuro de la responsabilidad civil, 1995, Editoral Civitas, Madrid, p. 54; José Marcos Domingues de Oliveira, Direito Tributário e Meio Ambiente, 1995, Edit. Renovar, p. 19ss. passim). Esses instrumentos, por enquanto, dificilmente estão sendo utilizados por parte dos governos nos três níveis da federação brasileira. Há também necessidade da exigência legal de um seguro obrigatório para atividades potencialmente causadoras de danos ambientais, com a fixação de valores mínimos de indenização.
Uma responsabilização indiscriminada de pretensos "poluidores" não parece ser a solução adequada para um Estado de Direito, onde existe o princípio da segurança e previsibilidade da situação jurídica e patrimonial do cidadão. Podendo ser justa a responsabilização do poluidor particular em alguns casos, pode se tornar esta solução injusta em outros como nos que envolvem pequenos produtores e fazendeiros bem como donos de pequenos e médios empreendimentos.