Conclusão
Analisando os dados obtidos nesta modesta pesquisa, percebe-se claramente que a definição do momento processual mais adequado para a aplicação da inversão do ônus probatório prevista no Código de Defesa do Consumidor ainda se traduz em tema de grande discussão doutrinária e jurisprudencial, não obstante o referido diploma legal (Lei n.° 8.078, de 11 de setembro de 1990) ter sido promulgado há aproximadamente 20 anos.
As principais correntes doutrinárias que enfrentam o foco da discussão (qual seja, o enquadramento da inversão ora tratada como regra de julgamento ou como regra de procedimento), fundamentam seu entedimento em importantes normas e princípios constantes do ordenamento processual civil vigente, que possibilitam interpretações divergentes acerca do momento processual em que deve ser aplicado o inciso VIII, do art. 6°, do CDC.
Com a devida vênia, parece-nos mais adequado enquadrar a inversão do encargo probatório aqui analisada como uma regra de procedimento, capaz de alterar todo o sistema de provas no curso do processo, devendo ser aplicada no caso concreto desde que observados os requisitos estabelecidos no supracitado dispositivo legal (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor).
Tal posicionamento encontra fundamento, principalmente, no fato de a inversão aqui analisada se traduzir em uma exceção à regra geral prevista no art. 333 do CPC (ainda que se considere a moderna tendência de distribuição dinâmica do ônus da prova já mencionada), gerando, por isso, a necessidade de o Juízo se manifestar o quanto antes acerca da distribuição do ônus probandi no caso concreto, impedindo qualquer surpresa às partes nesse sentido.
Assim, se a análise dos elementos presentes nos autos demonstrar a presença de pelo menos um dos requisitos previstos no art. 6º, VIII, do CDC, o Juiz deve anunciar a inversão de forma clara e antes de decidir a demanda, a fim de permitir que o sujeito onerado se desincumba do encargo probatório, pois, de outra forma, as partes estariam sujeitas a uma insegurança injustificada, desnecessária e inadmissível sob a égide do devido processo legal e da garantia do contraditório.
Ademais, embora o STJ já tenha esclarecido que a inversão do ônus probatório não gera, necessária e automaticamente, a inversão também da responsabilidade pelo pagamento das despesas necessárias à produção das provas requeridas e/ou necessárias no caso concreto, a prática forense demonstra que, na realidade, tal tema não se desdobra tão facilmente, principalmente porque sobre o fornecedor, em qualquer hipótese, recairão as consequências advindas da não produção ou da imperfeição da prova em questão.
Desta forma, como a lei não estipula claramente quem está obrigado a se desonerar, se a aplicação da inversão prevista no CDC for decidida somente no momento da sentença, o fornecedor, ciente desta possibilidade, poderia assumir desde logo um ônus que nem sempre seria seu, pois em diversos casos o consumidor não será hipossuficiente (sentido processual), reunindo todas as condições necessárias para a produção das provas relacionadas aos fatos constitutivos de seu direito.
A nosso ver, então, deixar a decisão sobre a possibilidade de inversão do encargo probatório apenas para o momento da sentença gera uma "insegurança processual" injustificada, configurando, sobretudo, um desrespeito ao devido processo legal, além de comprometer gravemente o próprio equilíbrio da relação processual, que, ressalte-se, constitui o objetivo primordial do Código de Defesa do Consumidor.
Referências
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- THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor. 2ª ed.,Ed. Forense, 2001.
Notas
- GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. 2ª ed. – Niterói, Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 02.
- Art. 48, ADCT. "O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor".
- ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 52.
- GARCIA, Leonardo de Medeiros.Op. cit. p. 03.
- THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 50ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2009, vol I. p. 420.
- THEODORO JUNIOR, Humberto. Op. cit. p. 422.
- "Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina ."
- A inversão do onus probatório prevista no Código de Defesa do Consumidor visa alcançar tanto a dificuldade econômica quanto a dificuldade técnica do consumidor em provar os fatos constitutivos de seu direito.
- THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor. 2ª ed.,Ed. Forense, 2001, p. 134.
- LOPES, João Batista. A Prova no Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 24/62 (capítulos de 2 a 9). Material da 1ª aula da disciplina Prova, Sentença e Coisa Julgada, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Processual Civil – IBDP e Anhanguera-UNIDERP|REDE LFG. p. 13.
- GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7.ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 130.
- NERY JR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 7.ª edição, rev. e ampl., São Paulo: RT, 2003, pág. 723.
- GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Op. cit. p. 715.
- DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II. 2. ed. Bahia: Editora Jus Podivm, 2008, pp.81 e 83.
- ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva 2003. p. 78.
- THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor. 2ª ed.,Ed. Forense, 2001, pp. 140 e 141.
- NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2000. pp. 125 e 126.