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A possibilidade jurídica da adoção por pares homoafetivos

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19/08/2010 às 15:24
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3. A ADOÇÃO POR PARES HOMOAFETIVOS

Não é objetivo desse trabalho discutir acerca da homossexualidade, porém, para tratar sobre a possibilidade jurídica da adoção por pares homoafetivos, fazem-se necessários alguns esclarecimentos a respeito do tema, já que esta é uma forma de manifestação de afeto responsável pela formação de várias famílias.

3.1. Contexto histórico da homossexualidade

Conforme nos ensina Viviane Girardi, a homossexualidade tida como atração sexual e afetiva entre pessoas duas do mesmo sexo é um fato que percorre a história da humanidade, enaltecida e tolerada em algumas sociedades e culturas e repreendida e abominada por outras. [92]

Nas duas grandes civilizações antigas – cujo pensamento definiu a cultura ocidental – a homossexualidade era amplamente aceita e apresentava estágio de evolução da sexualidade, das funções definidas para os gêneros e para as classes. [93]

Na Grécia, o livre exercício da sexualidade fazia parte do cotidiano dos deuses, reis e heróis. A bissexualidade estava inserida no contexto social e a heterossexualidade aparecia como preferência de certo modo inferior e reservada à procriação. Vista como uma necessidade natural, a homossexualidade se restringia a ambientes cultos, como manifestação legítima da libido, verdadeiro privilégio entre os bens nascidos. Não era considerada como uma degradação moral, um acidente ou um vício. Todo indivíduo poderia ser ora homossexual ora heterossexual, dois termos, por sinal, desconhecidos na língua grega. [94]

Em Roma, a prática homossexual, com o nome de sodomia [95], não se ocultava. Era vista como de procedência natural, ou seja, no mesmo nível das relações entre casais, entre amantes, ou de senhor e escravo. O preconceito da sociedade romana existia somente contra quem assumia a condição de passividade. Era feita associação com impotência política. A censura recaía sobre quem desempenhava a posição passiva da relação, na medida em que implicava debilidade de caráter. Como que assumia o papel passivo eram rapazes, mulheres e escravos – todos excluídos do poder, clara a relação entre masculinidade-poder-político e passividade-feminilidade-carência de poder. [96]

Na Idade Média, a homossexualidade estava mais presente nos mosteiros e nos acampamentos militares. Mesmo assim, curiosamente, era a Igreja, por meio da Santa Inquisição, a maior perseguidora dos homossexuais. Para a Igreja, a sodomia era o maior dos crimes, pior até mesmo que o incesto entre mãe e filho. O III Concílio de Latrão, de 1179, tornou a homossexualidade crime. O primeiro código ocidental prescreveu a pena de morte à sua prática. As legislações dos séculos XII e XIII penalizavam a sodomia, sendo que inexistia o termo "homossexualismo". [97]

A sacralização da união heterossexual aconteceu na idade média. O casamento foi transformado em sacramento e somente as uniões devidamente abençoadas pela Igreja eram válidas, firmes e indissolúveis. [98]

No Brasil, a Igreja Católica, que até a República imperou como religião oficial, só aprova as relações heterossexuais dentro do matrimônio, classificando a contracepção, o amor livre e a homossexualidade como condutas moralmente inaceitáveis, que distorcem "o profundo significado da sexualidade". [99]

É nesse contexto que está inserida a homossexualidade em nossa sociedade, um comportamento imoral, anormal, inaceitável, que não merece o reconhecimento social nem jurídico.

3.2. Conceitos e evolução terminológica

De acordo com Luciana Nahas [100], as palavras homossexual, homoerótico e homoafetivo têm em comum o elemento grego homo ou homeo que significa semelhante, igual, análogo. [101]

Antes de tratar sobre cada um dos termos acima citados, que são utilizados para designar a orientação sexual dos indivíduos que se direcionam a parceiros do mesmo sexo, é conveniente apresentar a definição de orientação sexual.

Segundo o Programa Nacional, intitulado Brasil sem Homofobia:

"Orientação sexual é a atração afetiva e/ou sexual que uma pessoa sente pela outra. A orientação sexual existe "num continnum" que varia desde a homossexualidade até a heterossexualidade exclusiva, passando pelas diversas formas de bissexualidade. Embora tenhamos a possibilidade de escolher se vamos demonstrar, ou não, os nossos sentimentos, os psicólogos não consideram que a opção sexual possa ser uma opção consciente que possa ser modificada por um ato de vontade." [102]

Atribui-se ao médico húngaro Karolly Benkert [103] o vocábulo homossexualidade, que foi introduzido na literatura técnica no ano de 1869. É formado pela raiz da palavra grega homo, que quer dizer "semelhante" e pela palavra latina sexus, passando a significar "sexualidade semelhante". Exprime tanto a idéia de semelhança, igual, análogo, ou seja, homólogo ou semelhante ao sexo que a pessoa deseja ter, como também significa a sexualidade exercida com pessoa do mesmo sexo. [104]

De acordo com J. F. Costa, o termo homoerotismo foi criado por E. Harsh-Haack, em 1911, e utilizado no mesmo ano pelo psicanalista Sandor Ferenczi em um trabalho sobre esse tema. [105] No dizer de Adriana Nuan, o termo daria uma noção mais flexível e descreveria melhor a pluralidade das práticas ou desejos de determinados sujeitos. Assim, excluiria alusões a desvio, anormalidade ou perversão. [106]

O termo homoafetividade trata-se de neologismo, criado pela Desembargadora Maria Berenice Dias, com objetivo de afastar a conotação depreciativa de todas as expressões que identificam as relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo, buscando evidenciar que essas uniões nada mais são do que vínculos de afetividade. [107]

Por partilharmos da opinião da Dra. Maria Berenice Dias, de que as uniões entre pessoas de mesmo sexo são constituídas por vínculos de afetividade e muitas vezes têm por objetivo a constituição de família, adotou-se no decorrer do presente trabalho as expressões homoafetividade e pares homoafetivos.

Já o termo homoparentalidade foi criado na França, em 1996, pela Associação de Pais e Futuros Pais Gays e Lésbicos (APGL) e, de acordo com Mariana de Oliveira Farias, diz respeito à capacidade de pessoas com orientação sexual homossexual exercerem a paternidade. [108]

Ana Paula Uziel questiona se é possível relacionar parentalidade com homossexualidade e discorre sobre o assunto:

"Homossexualidade refere-se ao exercício da sexualidade. Funções parentais não exigem o exercício da sexualidade. Seria o mesmo que usar esse critério para julgar a competência profissional de alguém, sua capacidade para gerenciar conflitos, seu gosto por comida, gênero de filme. São esferas distintas da vida, que se cruzam por uma contingência. A reprodução, muito atrelada à sexualidade, pode ser um dos fatores que dêem sentido à proximidade dessas duas esferas, bem como a conjugalidade, a afetividade. São aspectos comuns, como poderíamos encontrar se buscássemos qualquer outra relação." [109]

De acordo com Mariana Farias e Ana Cláudia Maia, embora haja certa incoerência ao se falar de homoparentalidade no sentido de se associar à sexualidade a função parental, usa-se essa expressão uma vez que o tema da maternidade ou paternidade exercida por pessoas do mesmo sexo ainda gera muitas dúvidas, temores e polêmica. A sociedade em geral apresenta muita dificuldade em aceitar que uma pessoa homossexual cuide de uma criança. [110]

3.3. A homossexualidade e o preconceito

De acordo com Maria Berenice Dias, o maior preconceito contra a homossexualidade provém das religiões. Docilidade, cultura e religião sempre estiveram profundamente entrelaçadas, daí a censura aos pecados da carne. A Igreja Católica considera as relações de pessoas do mesmo sexo verdadeira perversão, uma aberração da natureza. [111]

Conforme narra Luciana Nahas, por muito tempo a homossexualidade foi tratada como uma forma de comportamento sexual anômalo. Ao não aceitar esse comportamento diferenciado, a sociedade patriarcal excluiu-o e recriminou-o através das mais diferenciadas justificativas médicas, psicológicas, morais, religiosas e biológicas. [112]

A Medicina e a Psiquiatria trataram por muito tempo a homossexualidade como doença. A Classificação Internacional de Doenças – CID identificava o homossexualismo como um desvio ou transtorno sexual. Em 1974, sob pressão dos movimentos de gays e lésbicas, a American Psychiatric Association – APA retirou a homossexualidade da lista das doenças mentais. [113]

Abandonada a idéia de ver a homossexualidade encarada como doença, ela passou a ser encarada como forma de ser diferente da maioria, diferenciando-se apenas no relacionamento amoroso sexual. Mas só em 1993, a OMS – Organização Mundial da saúde inseriu-a no capítulo Dos Sintomas Decorrentes de Circunstâncias Psicossociais e o sufixo "ismo" que significa doença foi substituído pelo sufixo "dade" que significa modo de ser. Assim, depois de quase 20 anos, a homossexualidade deixou de ser doença. [114]

Como resultado de todo esse preconceito, arraigado em nossa sociedade, surge outro preconceito, maior ainda, quanto à criação de crianças por uma pessoa ou por um casal homoafetivo.

3.4. A adoção de crianças e adolescentes por pares homoafetivos

Chegou-se finalmente ao ponto crucial do presente estudo, que tanta polêmica tem gerado, não só no Brasil, mas no mundo. Afinal, existe a possibilidade jurídica da adoção de crianças e adolescentes por pares homoafetivos?

Ao se tratar desse assunto, inúmeros questionamentos aparecem, as opiniões ficam divididas, os preconceitos afloram.

Para responder a essa pergunta, faz-se necessário falar, de maneira breve sobre os fundamentos constitucionais relacionados ao Direito da Criança e do Adolescente, com principal destaque para os princípios da proteção integral, do melhor interesse da criança e da convivência familiar, e também sobre a situação das crianças e adolescentes nos abrigos do Brasil, atualmente um grande problema social.

3.4.1. Fundamentos constitucionais

Pode-se afirmar que a possibilidade jurídica da adoção de crianças e adolescentes por pares homoafetivos está fundamentada não só nos princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana [115], já explanados no item 2.5 do presente trabalho, como também nos princípios da proteção integral, do melhor interesse da criança e da convivência familiar.

A Constituição consagra, em seu artigo 227, o princípio da proteção integral, atribuindo ao Estado, à família e à sociedade o dever de assegurar a crianças e adolescentes, além de outros, o direito ao respeito, à dignidade, à liberdade, à igualdade. [116]

Decorre também do artigo acima citado, o princípio do melhor interesse da criança, reforçado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em diversos dispositivos, destacando-se o artigo 43 [117] no que tange ao instituto da adoção.

Há vários questionamentos no sentido de que a colocação uma criança ou adolescente numa família formada por pares homoafetivos poderá causar prejuízos psíquicos e, portanto, não atende ao princípio do melhor interesse.

De acordo com Mariana Farias e Ana Cláudia Maia, as maiores preocupações da sociedade em relação ao fato de um par homoafetivo criar uma criança são o medo de que este abuse sexualmente dela, que a orientação sexual desta criança seja influenciada pelo comportamento homossexual de seus pais ou que essas crianças corram maiores riscos de terem problemas no desenvolvimento psicossocial. [118]

Ainda de acordo com as autoras acima citadas, a primeira dúvida tem estrita ligação com o modelo patologizador religioso e médico dos séculos XIX e XX. Ressaltam, porém, que não há registros de que a orientação sexual do adulto influencie na incidência de abusos sexuais. [119]

Já com relação à segunda dúvida, estudiosos apontam que a orientação sexual da criança independe da orientação sexual dos pais, o importante para seu desenvolvimento global saudável são os valores que lhe são passados por ambos os sexos. Se a orientação sexual dos pais influenciasse diretamente a dos filhos, nenhum homossexual poderia ter sido concebido e educado dentro de um modelo heterossexual de família. [120]

Ressalte-se que as conclusões acima citadas são baseadas em pesquisas feitas em outros países, pois no Brasil não há qualquer pesquisa relacionada a esse assunto.

Note-se ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que para a concessão da adoção é necessário o estágio de convivência [121], a realização de estudo social por equipe especializada [122] e ainda, que, a colocação de criança ou adolescente em família substituta só se dará a pessoa que revele condições para tanto [123].

Levando-se em conta as disposições legais acima apresentadas, acredita-se que uma criança ou adolescente não será colocada no seio de uma família que lhe cause prejuízos ou não lhe assegure um ambiente familiar adequado.

O princípio da convivência familiar está consagrado no artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece que toda criança ou adolescente tem o direito de ser criado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta. [124]

Esse princípio guarda estrita relação com o instituto da adoção, pois esta é uma das modalidades de colocação da criança ou do adolescente em família substituta.

De acordo com Tânia da Silva Pereira,

"A adoção destaca-se entre as medidas de colocação familiar. Dentro de uma nova perspectiva, o instituto se constitui na busca de uma família para uma criança, abandonando a concepção tradicional, civil, em que prevalecia sua natureza contratual e significava a busca de uma criança para uma família." [125]

A lei deixa claro que na impossibilidade de a criança ou adolescente serem criados por sua família natural, deve haver a colocação em família substituta.

Não está se defendendo aqui a banalização do instituto da adoção, uma vez que partilhamos da idéia de que a família natural é o meio ideal para o desenvolvimento da criança e do adolescente, desde que apresente condições para esse desenvolvimento.

É cediço que os direitos elencados no artigo 227 da Constituição não poderão ser encontrados nas ruas, onde crianças são abandonadas à própria sorte, ou em alguma instituição de apoio.

Conforme expõe Vera Lúcia Sapko,

"dificultar, burocratizar ou impedir a adoção por homossexuais, na verdade é negar às crianças abandonadas pelos pais, ou que foram retiradas deles em razão de violência, o direito de serem colocadas em famílias substitutas, onde poderiam ter o carinho e o cuidado de que necessitam." [126]

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3.4.2. A institucionalização de crianças no Brasil

De acordo com pesquisa Percepção da Adoção Brasileira, realizada pela AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros em maio de 2008, atualmente no Brasil cerca de 80 mil crianças vivem em instituições de apoio ou abrigos. Dessas crianças, cerca de 8 mil estão em condições de ser adotadas e 72 mil aguardam por algum apoio. [127]

Sobre a institucionalização de crianças, observemos a opinião de Lídia Weber, comparando as unidades de abrigo à Roda dos Expostos:

"Nos dias atuais não existem mais as "Rodas dos Expostos", mas ainda temos muitas instituições de internamento de crianças, chamadas de "Unidades de Abrigo", um modelo eufemista da Roda, na contramão do que reza o ECA: "Toda criança tem o direito à convivência familiar e comunitária". Ainda temos um longo caminho a percorrer em todas as áreas que concernem ao desenvolvimento social da população de nosso país. Mas, a institucionalização de crianças, com certeza, não é uma solução. Apesar da institucionalização de crianças ter surgido como uma tentativa de solucionar o problema de crianças e adolescentes abandonados, esta tentativa mostra-se extremamente ineficaz no Brasil porque não ataca as verdadeiras causas do problema (a miséria social, a carência de apoio sócio-educativo, a ausência de prevenção em relação à violência doméstica, entre outros); não possibilita qualquer tipo de reabilitação para as famílias de origem e exclui as crianças de uma convivência familiar (em sua família de origem ou família substituta) e comunitária." [128]

Em 29 de abril de 2008 foi criado pela Resolução nº 54 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), sistema destinado a unificar e compartilhar dados relacionados a crianças e adolescentes a serem adotados e às pessoas dispostas a adotar.

De acordo com a conselheira Andréa Pachá, coordenadora do Comitê Gestor do CNA, um dos objetivos da criação do Cadastro Nacional de Adoção é proporcionar menos burocracia e mais transparência aos processos de adoção e permitir um diagnóstico mais preciso sobre a situação. [129]

Em dezembro de 2008, após análise dos primeiros dados inseridos no cadastro, o Judiciário apresentou os seguintes números:

"Dos 11.125 pretendentes à adoção, 90% são casados ou vivem em união estável, 10% vivem sozinhos e, nesta condição, pretendem assumir a paternidade ou a maternidade. A maioria (50%) possui renda média entre 3 e 10 salários mínimos, e não tem filhos (76,5%). Quanto às preferências, 70% só aceitam crianças brancas. A grande maioria dos que querem adotar é também branca (70%). 80,7% exigem crianças com no máximo três anos; o sistema mostra que apenas 7% das disponíveis para adoção possuem esta idade. Além disso, 86% só aceitam adotar crianças ou adolescentes sozinhos, quando é grande o número dos que possuem irmãos, e separá-los constituiria um novo rompimento, o que deve ser evitado a todo custo. Todos esses pontos se apresentam como um grande fator de restrição." [130]

A Dra. Cristiana de Faria Cordeiro, juíza de Direito no Rio de Janeiro e integrante do Comitê Gestor do CNA, traçou, no último mês de Maio, um comparativo entre os pretendentes e as crianças disponíveis para adoção:

"Enquanto escrevo, há 14.574 pretendentes (ou casais) inseridos no sistema, para 2060 crianças ou adolescentes cuja situação jurídica de disponibilidade para adoção é definitiva (pais destituídos do poder familiar, pais que entregaram voluntariamente ou crianças/adolescentes órfãos).

A maioria esmagadora de pretendentes é das regiões sul e sudeste, sendo São Paulo a unidade da federação que concentra mais pessoas inscritas para adotar.

38,97% dos habilitados só aceitam adotar uma criança branca. Se uma menina branca, sem irmãos, com até 12 meses de idade for disponibilizada para adoção no Rio de Janeiro, ela encontra hoje 5132 pretendentes em todo o Brasil.

Um menino do Rio de Janeiro, negro, de 8 anos, com um irmão ou irmã, encontra (em tese, já que são necessários contatos telefônicos, pois às vezes já houve adoção e o sistema não foi atualizado) 22 pretendentes no Brasil.

A faixa etária predominante para aqueles que esperam uma família é de 12 a 14 anos. Há crianças bem pequenas, mas aí entram outros dados que não as colocam dentro do perfil mais desejado: têm irmãos, ou têm doenças ou deficiências.

Há 319 grupos de irmãos cadastrados. Alguns destes, formados por 6, 7 e até 8 irmãos! Todavia, 84,17% dos pretendentes no Brasil se inscreveram para a adoção de apenas uma criança." [131]

No último dia 17 de julho, foi publicada pelo Jornal O Estado de são Paulo matéria intitulada "Excesso de exigências inibe novas adoções", que trouxe novos números sobre a institucionalização de crianças no país e a possibilidade de adoção, destacados abaixo:

"Dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) confirmam que o principal obstáculo à adoção no País é o descompasso entre os candidatos à paternidade e o perfil das crianças e adolescentes que vivem nos abrigos. Cerca de 80% das pessoas dispostas a realizar uma adoção desejam uma criança com até três anos de idade, mas só 7% dos menores cadastrados estão nesta faixa etária. Apenas 1% das famílias aceita acolher uma criança com mais de dez anos.

Outros fatores dificultam ainda mais que uma criança deixe de viver em um abrigo. A maioria das famílias (86%) deseja adotar apenas uma criança. Mas 26,2% possuem irmãos. Cerca de 41% dos possíveis pais aceitam somente crianças brancas, um pré-requisito que exclui 63,5% das crianças presentes no cadastro." [132]

De acordo com dados apresentados na reportagem "O lado B da adoção", veiculada na Revista Época de 17/07/09:

"No Cadastro Nacional de Adoção há 22.390 pais potenciais, 78,75% só aceitam crianças entre 0 a 3 anos, 16,67% só aceitam crianças entre 4 a 7 anos e 1,58% só aceitam crianças entre 8 a 11 anos.

Nos abrigos há cerca de 80 mil crianças, onde 6,12% têm de 0 a 03 anos, 14,71% têm de 4 a 7 anos, 27,91% têm de 8 a 11 anos e 51,61% das crianças têm mais de 12 anos.

Mas que podem ser adotadas só há 3.277 crianças, 236 (7,20%) delas têm de 0 a 3 anos, 504 (15,38%) têm de 4 a 7 anos, 956 (29,17%) têm de 8 a 11 anos e 1.581 (48,25%) delas têm de 12 a 17 anos." [133]

Analisando os dados apresentados, percebe-se que a maioria das crianças abrigadas não encontrará uma nova família e crescerá nos abrigos, por não corresponder ao perfil desejado pelos futuros pais: meninas brancas, com até 03 anos de idade, sem irmãos e que não apresentem doença ou deficiência.

Ora, é melhor que uma criança passe sua infância num abrigo a ter uma família que lhe dê afeto, amor e proteção, independentemente dessa família ser constituída por uma única pessoa, por um casal heterossexual ou por um par homoafetivo?

Na opinião do desembargador Siro Darlan, é 200.000 vezes melhor uma criança amada por um pai "gay" do que vivendo na melhor instituição ou abrigo do Estado. [134]

Conforme destaca Ana Paula Buchalla,

"ao contrário da maioria dos casais heterossexuais de classe média, que preferem adotar recém-nascidos brancos e absolutamente saudáveis, "gays" e lésbicas não fazem restrição alguma a cor, idade ou estado de saúde. Sabem como ninguém o que é ser vítima de exclusão e preconceito." [135]

Sobre o preconceito relacionado à adoção, destacamos trecho do depoimento de Vasco Pedro da Gama Filho, cabeleireiro de Catanduva, pai da menina Theodora, cuja adoção foi deferida em favor dele e de seu parceiro em Outubro de 2006:

"...quando ela ficou disponível para adoção, eu era o nº 44 da fila. Tinha 43 casais heterossexuais que não quiseram adotá-la por ela ter acima de 2 anos de idade e ser da cor parda..." [136]

3.4.3. A possibilidade jurídica do pedido

Quanto à possibilidade jurídica da adoção por pares homoafetivos, a doutrina se divide: parcela majoritária mostra-se contrária e outra parte, minoritária, é a favor, pelos motivos que exporemos a seguir.

Eduardo Oliveira Leite admite a adoção de crianças e adolescentes por homossexuais que vivem sós e se opõe à adoção por pares homoafetivos, justificando que a primeira possibilidade tem sua base numa falha legislativa:

"Logo é bom que se diga, a adoção não é proibida aos homossexuais que vivem sós. Esta é uma licença legal comprometedora da coerência legislativa nacional, só justificável pela irresistível intenção do legislador em favorecer ao máximo o número de adoções no Brasil, com vistas a contornar ao máximo o problema do menor abandonado, que o Estado não conseguiu resolver." [137]

Já a adoção por pares homoafetivos é defendida por um pequeno número de doutrinadores, dentre os quais merece posição de destaque Maria Berenice Dias. Ela fundamenta essa possibilidade no princípio da isonomia e na existência de vedação pela ordem jurídica infraconstitucional:

"O outro fundamento que faculta o deferimento da adoção por um casal é da esfera constitucional. Não é possível excluir o direito à paternidade e à maternidade em face da preferência sexual de alguém, sob pena de infringir-se não é possível excluir o direito à paternidade e à maternidade a "gays", lésbicas, transexuais e travestis, sob pena de infringir-se o mais sagrado cânone do respeito à dignidade da pessoa humana, que se sintetiza no princípio da igualdade e na vedação de tratamento discriminatório de qualquer ordem. Assim não há como excluir o direito de guarda, tutela e adoção que é garantido a todo cidadão." [138]

Antes de nos posicionarmos sobre a questão, apresentaremos breve explanação sobre a possibilidade jurídica do pedido, que se trata de uma das condições da ação [139].

De acordo com Arruda Alvim,

"A possibilidade jurídica do pedido é instituto processual e significa que ninguém pode intentar uma ação sem que peça uma providência que esteja, em tese (abstratamente), prevista no ordenamento jurídico, seja expressa, seja implicitamente." [140]

De acordo com Luiz Rodrigues Wambier,

"Há na doutrina duas formas distintas de configurar tal condição da ação. Uma delas sustenta que se estará sempre de pedido juridicamente possível, quando o ordenamento jurídico contiver, ao menos em tese (em abstrato, portanto) previsão a respeito da providência do mérito requerida pelo autor. Outra sustenta que haverá pedido juridicamente possível sempre que inexistir vedação expressa àquilo que concretamente se está pedindo em juízo. No entanto, e ainda nessa linha de compreensão da questão, há autorizada doutrina mostrando que é necessário mesclar as duas posições para se concluir que, em matéria de direitos contidos na esfera do direito privado, é suficiente a inexistência de vedação expressa quanto à pretensão trazida a juízo pelo autor. Assim, ainda que inexista previsão expressa na lei (norma material) quanto ao tipo da providência requerida, se proibição não houver, estar-se-á diante de pedido juridicamente possível."[141](grifo nosso)

Analisando os artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente que tratam sobre a adoção (art. 39 a 52) nota-se que não há, implícita ou explicitamente, nenhum impedimento legal à adoção por homossexual, seja solteiro ou que conviva com outra pessoa.

O Código Civil regulamenta a adoção nos artigos 1618 a 1629 e não faz qualquer menção à orientação sexual do adotante, porém, dispõe em seu artigo 1622:

"Art. 1622. Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se viverem em união estável."

Esse artigo, de forma implícita, coloca entraves legais à adoção por pares homoafetivos, pois a legislação brasileira não permite o casamento e tampouco reconhece a união estável entre pessoas do mesmo sexo, excluindo-os do direito assegurado aos casais heterossexuais, o de adotar em conjunto.

Essa é uma das justificativas apresentadas pelos doutrinadores e pelos magistrados para negar a possibilidade jurídica da adoção por pares homoafetivos.

A adoção de uma criança ou adolescente por uma pessoa de orientação homossexual é permitida pela lei brasileira, já que a opção sexual do adotante não é critério impeditivo.

É através dessa lacuna, que atualmente pares homoafetivos conseguem adotar, pois como veremos nas decisões judiciais apresentadas adiante, nesses casos a adoção é requerida por apenas um dos parceiros e após seu deferimento, o outro convivente ingressa com ação judicial pleiteando a adoção conjunta do menor.

Se essas adoções já acontecem na prática, por que o legislador insiste em não regulamentá-las?

Talvez por puro preconceito, pois levando-se em consideração que o ordenamento jurídico não apresenta proibição expressa e as reiteradas decisões do Poder Judiciário no sentido de reconhecer a união entre pares homoafetivos como entidade familiar, atribuindo-lhe os efeitos da união estável, entende-se que a adoção por esses pares é juridicamente possível.

Nesse sentido, destaca-se a decisão do Desembargador - Relator Dr. Luis Felipe Brasil Santos:

"Se o casal tem todas as características de uma união estável – vivem juntas com o intuito de constituir família, tem uma relação pública e duradoura – não importa o sexo das pessoas. Elas devem ser tratadas com todos os direitos de uma família. Podem adotar em conjunto". [142]

Entende-se que a adoção não pode estar condicionada à preferência sexual do adotante, sob pena de se desrespeitar os princípios constitucionais anteriormente estudados: dignidade da pessoa humana, igualdade e vedação de tratamento discriminatório de qualquer ordem.

Deve-se considerar ainda que sua principal finalidade é proporcionar à criança ou adolescente uma família onde ela se sinta acolhida, protegida e amada, visando sempre o atendimento dos princípios da proteção integral, do melhor interesse e da convivência familiar.

Dessa forma, a homossexualidade dos pais não é motivo justificável para deixar uma criança fora de um lar. Se os adotantes, ainda que do mesmo sexo, constituem uma família, acreditamos ser legítima a possibilidade de adoção.

Sendo observados os requisitos exigidos pela Lei 8.090/90, dentre os quais destaca-se o estágio de convivência e o estudo social do perfil da futura família, devidamente acompanhado por profissionais qualificados, nada impede que um par homoafetivo receba por filho uma criança ou um adolescente.

3.5. Legislação sobre o tema

Conforme mencionado anteriormente, não há legislação tutelando a união homoafetiva como entidade familiar, e, conseqüentemente, a adoção por pares homoafetivos também não é regulada pelo nosso ordenamento jurídico. [143]

Na Câmara dos Deputados há projetos de lei favoráveis e desfavoráveis à possibilidade da adoção de crianças por pares homossexuais.

Está em trâmite o projeto de lei 2285/2007 [144], de autoria do deputado Sérgio Barradas Carneiro do PT/BA, intitulado como o "Estatuto das Famílias", que propõe uma reforma do Livro de Direito de Família do Código Civil, alterando de forma ampla seus institutos, reconhecendo a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar e assegurando-lhe direitos nos aspectos que tangem à guarda e convivência com filhos, à adoção, ao direito previdenciário e direito à herança. [145]

Dentre os projetos que tem por objetivo vedar a adoção por homossexuais destacamos os abaixo:

O projeto de lei 3323/2008 [146], de autoria do deputado Walter Brito Neto do PRB/PB, propõe acrescentar ao artigo 39 da Lei 8.069/90, o parágrafo 2º com a seguinte redação: "é vedada a adoção por casal do mesmo sexo."

Segue trecho da justificativa desse projeto:

"Há de se observar também os dogmas religiosos. É sabido que o Estado é laico, mas não é ateu. Hoje, mais de 90% da população brasileira é Cristã, ou seja, além de garantir o direito da maioria temos o dever de respeitar o direito da maioria."

O projeto de lei 4508/2008 [147], de autoria do deputado Olavo Calheiros do PMDB/AL, propõe a alteração do parágrafo único do artigo 1618 do Código Civil, que passaria a vigorar com a seguinte redação:

"Parágrafo único. A adoção poderá ser formalizada, apenas por casal que tenha completado dezoito anos de idade, comprovado o casamento oficial e a estabilidade da família, sendo vedada a adoção por homossexual."

O objetivo desse projeto, segundo seu autor, é resguardar a criança adotada, que não poderá ser exposta a situação que possa interferir na sua formação. Alega que a adoção por homossexual poderá expor ao a criança ou o adolescente a sérios constrangimentos e que é dever do Estado por a salvo a criança e o adolescente de qualquer situação que possa causar-lhe embaraços, vexames e constrangimentos.

Em síntese, esses projetos apresentam como justificativa a proteção à família, alegando que a Constituição Federal só reconhece como entidade familiar o casamento e a união estável entre homem e mulher, não existindo a possibilidade de duas pessoas homossexuais adotarem.

Analisando-os, nota-se que são preconceituosos e que não correspondem à realidade, pois: (i) ferem os princípios constitucionais da igualdade, dignidade da pessoa humana e não-discriminação; (ii) invocam dogmas religiosos, e, conforme abordado no item 2.3, a partir da Constituição de 1891, houve a separação entre a Igreja e o Estado, entende-se ser esta uma questão de direito; (iii) alegam que a criança não pode ser exposta a situação que possa interferir na sua formação, porém não há a menção de qualquer estudo realizado que comprove o alegado; (iv) alegam que a situação pode causar embaraços, vexame e constrangimentos, uma amostra clara de preconceito.

A Câmara dos Deputados aprovou em 20 de agosto de 2008, o Projeto da Lei Nacional da Adoção (PL 1756/2003 [148]), de autoria do deputado João Matos do PMDB/SC, com a criação de um cadastro nacional para facilitar o encontro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados por pessoas habilitadas à adoção, porém, na votação, foi retirado o ponto que permitia a adoção por pares homoafetivos.

No dia 15 de julho de 2009, foi aprovado pelo Plenário do Senado Federal o Substitutivo da Câmara dos Deputados a Projeto (Projeto de Lei do Senado 304/04), de autoria da senadora Patrícia Saboya, que institui uma nova Lei de Adoção. [149]

A proposta de lei, que seguirá para sanção presidencial, traz várias modificações dentre elas a exigência de preparação prévia dos pais adotivos, a redução do tempo de permanência de crianças nos abrigos; porém novamente se omitiu quanto à possibilidade de adoção por pares homoafetivos.

Entende-se que essa omissão do legislador não só deixa de garantir o direito à paternidade a uma parcela da população brasileira, como também impossibilita que crianças e adolescentes disponíveis para adoção tenham a oportunidade de conseguir um novo lar.

Não se pode esquecer que o direito decorre de um fato, ao qual deve ser atribuído um valor, para que possa surgir uma norma para regulamentar esse fato existente. [150]

A seguir seguem algumas decisões do nosso Poder Judiciário permitindo a adoção não só por homossexuais que vivem sozinhos como também para pares homoafetivos.

3.6. Decisões judiciais

Como tratado anteriormente, o legislador brasileiro resiste em emprestar juridicidade às relações homoafetivas, e, por esse motivo, cada vez mais pares homoafetivos recorrem ao Judiciário para resolver questões relacionadas ao assunto.

No que tange à adoção por pares homoafetivos, há reiteradas decisões favoráveis, levando-se em consideração a idoneidade dos adotantes, as reais vantagens para o adotando e apoiando-se ainda em pareceres psicológicos.

O desembargador Siro Darlan é um dos vanguardistas na concessão de adoções em favor de homossexuais. Destaca-se decisão que concedeu a adoção de M.S.P., que se encontrava abandonado em uma instituição de abrigo há 12 anos, a J.L.P.M., homossexual, por julgar ser esta a melhor solução para o adolescente:

"ADOÇÃO DE ADOLESCENTE COM DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER – O pedido inicial deve ser acolhido porque o Suplicante demonstrou reunir condições para o pleno exercício do encargo pleiteado, atestado esse fato, pela emissão de Declaração de Idoneidade para a Adoção com parecer favorável do Ministério Público contra o qual não se insurgiu no prazo legal devido, fundando-se em motivos legítimos, de acordo com o Estudo Social e parecer psicológico, e apresenta reais vantagens para o Adotando, que vivia há 12 anos em estado de abandono familiar em instituição coletiva e hoje tem a possibilidade de conviver  em ambiente familiar, estuda em conceituado colégio de ensino religioso e freqüenta um psicanalista para que possa se adequar à nova realidade e poder exercitar o direito do convívio familiar que a CF assegura no art. 227. JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO NA INICIAL."  (1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro – Processo Nº 97/1/03710-8/ Juiz Siro Darlan de Oliveira. Julgado em 20 de agosto de 1998.) (grifo nosso).

O Ministério Público apelou da decisão (Apelação Cível n.º 14.332/98) e, em 23/03/1999, a 9ª Câmara Cível (Relator- Desembargador Jorge de Miranda Magalhães) manteve a decisão de primeiro grau, entendendo ser a melhor solução para o adolescente que estava bem adaptado ao pai adotivo, considerando a apelação fundada em puro preconceito, o que é vedado por lei. [151]

No tocante a possibilitar a adoção por pares homoafetivos, a Justiça Brasileira também tem evoluído. Há vários posicionamentos que reconhecem a união homoafetiva como união estável, sendo possível geradora de um núcleo familiar e, em conseqüência possibilitando a adoção.

Tais decisões apóiam-se nos princípios da dignidade e da igualdade, além de determinar a competência das Varas de Família para o julgamento dos litígios.

O Estado pioneiro no reconhecimento da adoção por pares homossexuais é o Rio Grande do Sul. Destacamos decisão a favor de um casal de lésbicas, uma delas havia adotado duas crianças, vindo posteriormente a outra a pleitear a adoção de ambas. A seguir o teor da ementa:

"APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes." (TJRS, AC 70013801592, 7ª Câm. Cív., j. 05.04.2006, rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos). (grifo nosso)

Em Catanduva, interior de São Paulo, há registro de outro caso, onde somente um dos parceiros havia se candidatado à adoção, mas, por determinação judicial, o processo de habilitação foi levado a efeito envolvendo também o parceiro, tendo sido deferida a adoção dos dois:

"O requerente postula a adoção da menor T., filha adotiva de V.P.G.F., com quem mantém um relacionamento aos moldes de entidade familiar, união estável, há mais de quatorze anos. (...) E sob esse aspecto é necessário que se verifique, neste caso concreto, sobre a conveniência do deferimento ou não da adoção, observando-se o disposto no art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Em primeiro lugar, é preciso anotar que não existe nenhum estudo especializado que indique qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, ao contrário, os estudos demonstram que o que efetivamente importa é a qualidade o vínculo e do afeto que permeia o meio familiar, os vínculos afetivos que ligam as crianças aos pais adotivos ou mães adotivas. (...) Tudo o que o requerente pretende é criar também um vínculo jurídico, assumir também a responsabilidade decorrente da paternidade, já que a menor vem sendo criada por ambos e reconhece-os como pais. De todo o exposto, visando atender ao comando constitucional de assegurar proteção integral a crianças e adolescentes, defiro o pedido. Posto isso julgo procedente o pedido de adoção e, em conseqüência, defiro a Dorival P.C.J. a adoção de Theodora R.G. e determino que conste no Registro de Nascimento da criança que é filha de Vasco P.G.F. e Dorival P.C.J., sem declinar condição de pai ou mãe e, da mesma forma, a relação dos avós sem explicitar a condição materna ou paterna. A menor passará a se chamar Theodora R.C.G.. Com o trânsito em julgado, expeça mandado de averbação ao Cartório de Registro Civil com a recomendação de que seja mantida a observação feita quando da primeira adoção. Sem custas, nos termos do art. 141, parágrafo segundo do Estatuto da Criança e do Adolescente." (Comarca de Catanduva-SP, 2ª V. Infância e Juventude, Proc. n. 234/2006, Rel. Drª. Sueli Juarez Alonso, j. 30.10.2006). (grifo nosso)

Além das decisões acima citadas, já foram deferidas outras adoções nos Estados do Acre, Goiás e Pernambuco.

No dia 14 de maio de 2008, no Estado do Acre, a Juíza de Direito Luana Cláudia de Albuquerque Campos, Titular da Vara Cível da Comarca de Senador Guiomard, deferiu sentença favorável a casal homossexual envolvendo adoção de criança. No caso em tela, a criança, de um ano de idade, já havia sido adotada por um dos membros do casal, que vive uma relação homoafetiva estável há cerca de oito anos. Depois do prazo para recurso, na nova certidão de nascimento da criança, no quesito filiação, constarão os nomes do casal, sem a especificação "mãe" e "pai", e os dos avós de cada lado. [152]

Merece destaque outra decisão, na qual o Ministério Público do Estado do Acre (MPE), através do promotor Almir Fernandes Branco, deu parecer favorável a ação que envolve um casal homoafetivo, em união estável. A criança em questão, já tinha sido adotada por uma das mulheres. No entanto, a companheira quer dividir as responsabilidades e assumir oficialmente os deveres. Se a juíza acatar o parecer do MPE, o filho receberá nova certidão de nascimento, na qual não constará qualquer indicativo de gênero, como mãe e pai, avós maternos e paternos. Francisco, 6 anos (o nome é fictício em respeito às leis de proteção ao menor)será filho de Ana Maria e Jurema (também nomes fictícios) e receberá um novo sobrenome. Na prática, ele terá duas mães. [153]

Em 10 de outubro de 2008, o Juizado da Infância e da Juventude de Recife (PE) deu parecer favorável ao pedido de adoção de duas irmãs, de cinco e sete anos, feito por um par homoafetivo masculino que vive em Natal. [154]

No dia 09 de junho de 2009, o Tribunal de Justiça de Goiás decidiu pela destituição da autoridade parental por abandono de A.C.A.A, cumulada com adoção por casal homoafetivo, que já havia adotado o irmão biológico da criança. [155]

Nessa adoção, a decisão judicial declara "A.C.A.A. filho (a) de: E.M.S. e de A.L.S.V., sem que se discrimine seja uma ou outra pai ou mãe, simplesmente filho(a) deles(as)", sentença a ser inscrita junto ao registro civil da criança.

3.7 - A questão do registro civil

Note-se que nos casos citados acima, além do deferimento da adoção pelo par, foi determinado pelo Juízo que na Certidão de Nascimento conste os nomes dos pais, sem declinar condição de pai ou mãe, e também os nomes dos avós, sem explicitar a condição materna ou paterna.

A lei 6.015/73, que dispõe sobre os registros públicos, trata do assento de nascimento em seu artigo 54, do qual destacamos os parágrafos 7º e 8º:

"Art. 54. O assento do nascimento deverá conter:

...

7º) Os nomes e prenomes, a naturalidade, a profissão dos pais, o lugar e cartório onde se casaram, a idade da genitora, do registrando em anos completos, na ocasião do parto, e o domicílio ou a residência do casal.

8º) os nomes e prenomes dos avós paternos e maternos;"

Embora empregue o termo "pais" de forma genérica, no parágrafo 8º é utilizada a expressão "avós paternos e maternos", o que leva a entender que o assento de nascimento deverá conter os nomes do pai e da mãe.

Ressalte-se também que a referida lei foi publicada sob a égide do Código Civil de 1916, que só reconhecia como família, a constituída pelo casamento, tanto que se o artigo 54 for interpretado literalmente, sequer seria permitido o registro de criança filha de pai e mãe não casados, visto que a norma é clara ao exigir que conste o lugar e o cartório onde os pais se casaram.

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente quando dispõe sobre o registro civil do adotando, no parágrafo 1º do artigo 47, não faz menção ao sexo dos adotantes:

"Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.

§ 1º A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes."

Em 27 de abril de 2009 foi publicado o Decreto 6.828/09 [156], que regulamenta os incisos I, II e III do artigo 29 da Lei 6.015/73, estabelecendo um modelo padrão para as certidões de nascimento, casamento e óbito, que deverá ser adotado em todo o território nacional, a partir de 01 de janeiro de 2010.

Analisando o modelo da Certidão de Nascimento, Anexo I do referido decreto, observa-se que no campo filiação constam os termos "pai", "mãe", "avós paternos" e "avós maternos".

Isso pode ser considerado como um retrocesso na legislação, visto que mesmo diante das reiteradas decisões do Poder Judiciário, o legislador permanece insensível à realidade brasileira.

A inserção do nome de ambos os pais ou mães no registro civil da criança ou do adolescente não se limita apenas à questão de identificação familiar, sua principal importância está relacionada à garantia dos direitos patrimoniais e sucessórios, pois possibilita que a criança tenha direito a todas as prerrogativas pertinentes à filiação como guarda, alimentos, direitos sucessórios em relação a duas pessoas e não apenas em relação a uma delas.

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Sobre a autora
Sílvia Coutinho Pedroso

Bacharelando do curso de Direito pela Faculdade de Direito de Itu - FADITU, Assistente jurídico de empresa concessionária de serviços públicos de água e esgoto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDROSO, Sílvia Coutinho. A possibilidade jurídica da adoção por pares homoafetivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2605, 19 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17224. Acesso em: 18 abr. 2024.

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