CONCLUSÃO
Face ao exposto, imperioso concluir que a lei n.º 10.931/04, na parte que cria e regulamenta a Cédula de Crédito Bancário, é inconstitucional, tanto no aspecto formal quanto material.
Assim, enquanto não submetida a matéria à apreciação do Supremo Tribunal Federal para um julgamento com efeito geral, devem os juízes, através do controle de constitucionalidade difuso, afastar a sua aplicabilidade, desconstituindo a Cédula de Crédito Bancário, que se apresentará no caso concreto como mero contrato bancário.
Ressalte-se que a inaplicabilidade da lei no caso concreto e a conseqüente desconstituição do título de crédito impõem a reestruturação da relação jurídica, agora meramente contratual, devendo, pois, submeter-se a todas as limitações legais e jurisprudenciais havidas no âmbito dos contratos bancários, inclusive a que preconiza que o contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extratos da conta corrente, não é título executivo (Súmula 233 do Superior Tribunal de Justiça). Ou seja, não reunindo o contrato os requisitos que lhe atribuem força executiva, deverá a instituição financeira se utilizar de outros meios disponíveis na legislação para cobrar o que entender devido.
No que toca à discussão política, econômica e social acerca da conveniência da criação da Cédula de Crédito Bancário, embora relevante, ela não pode ser determinante a ponto de afastar ou prejudicar a análise jurídica sobre a constitucionalidade da lei que a criou, sob pena de se fragilizar o próprio sistema institucional vigente, do Estado Democrático de Direito, segundo o qual o Estado deve assegurar o respeito das liberdades civis, através do estabelecimento de uma proteção jurídica. Em outras palavras, não se pode admitir, seja qual for o pretexto, que uma lei inconstitucional se mantenha no ordenamento jurídico, causando enormes prejuízos, não só patrimoniais, mas também na esfera dos direitos subjetivos daqueles que se relacionam juridicamente com as instituições financeiras.
BIBLIOGRAFIA
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Os contratos bancários e a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2003.
DUARTE COSTA, Wille. Títulos de Crédito. 4ª edição, Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
MENDES, Gilmar. O Princípio da Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Novas Leituras. Revista Diálogo Jurídico. Salvador, n. 5, ago. 2001.
NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9ª edição, São Paulo: RT, 2006.
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 7.011.347-2. Relator: Desembargador J.B. Franco de Godói, j. 29.6.2005.
THEODORO JUNIOR. A Cédula de Crédito Bancário como Título Executivo Extrajudicial no Direito Brasileiro. Disponível em: (https://www.abdpc.org.br/artigos/artigo48.htm). Acesso em: 14 de novembro de 2009.
Notas
1 O então Ministro Pedro Malan, quando encaminhou o texto da primeira edição da MP n.º 2.160 -25/2001 ao Presidente da República, discorreu sobre o momento econômico vivenciado justificando a importância da criação da Cédula de Crédito Bancário: "Há muito tempo, o mercado financeiro necessita de um título de crédito que espelhe com realidade as relações jurídicas entre as instituições financeiras e seus clientes e que, principalmente, torne a formalização das diversas operações de crédito menos onerosa e complicada, conferindo maior flexibilidade e agilidade na mobilização do crédito, cumprindo assim, com a extraordinária função econômica para a qual foi concebida a primeira cédula, inspirada na legislação Italiana, especificamente na ‘Cambiale Agrária’, utilizada na concessão de crédito para a atividade agropecuária, matéria de que cuidou o Decreto -lei real n.º 1.509, de 24 de julho de 1927 (que disciplinou o crédito agrário), regulamentado pelo Decreto Ministerial de 23 de janeiro de 1928, decreto esse que foi convertido na LEGGE 5 luglio 1928, n.º 1.760."
2 Seria impensável um banco moderno que tivesse de pactuar todos os seus empréstimos por meio de contratos ordinários de mútuo ou que, para receber seu crédito, tivesse de sujeitar-se às delongas e incertezas da ação ordinária de cobrança. Não é que juridicamente isto não pudesse mais ser praticado entre banqueiros e clientes. A verdade é que o mercado atual, como um todo, não suportaria um sistema tão emperrado e anacrônico como esse. As operações bancárias se reduziriam em proporções assustadoras e o custo das que conseguisse implementar seria tão elevado, que desestimularia os empréstimos e logo conduziria a uma estagnação econômica que o modus vivendi de nosso tempo não aceitaria e, com a qual, não teria mesmo condições de conviver sem traumas cujas dimensões nem sequer se tem como prever. (THEODORO JUNIOR, p. 3).
3 O Ministro Gilmar Mendes cita diversos julgados em que a Corte Suprema aplicou o Princípio da Proporcionalidade para declarar a inconstitucionalidade de algumas normas, entre os quais aquele relacionado ao RE n.º 18.331, da relatoria do eminente Ministro Orozimbo Nonato, in verbis: "O poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, comércio e da indústria e com o direito de propriedade. É um poder, cujo exercício não deve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda aqui, a doutrina fecunda do ´détournement de pouvoir`. Não há que estranhar a invocação dessa doutrina ao propósito da inconstitucionalidade, quando os julgados têm proclamado que o conflito entre a norma comum e o preceito da Lei Maior pode se acender não somente considerando a letra do texto, como também, e principalmente, o espírito do dispositivo invocado".