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A necessidade de independência das unidades da Advocacia-Geral da União em relação aos órgãos da administração pública

21/08/2010 às 12:01
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O mister constitucional conferido à Advocacia Pública reveste-se de importância e de caráter republicano ainda não assimilados perfeitamente em nosso país. À Advocacia-Geral da União compete, além da representação judicial e extrajudicial da União, o controle prévio, e, portanto, interno, de legalidade dos atos da Administração. Note-se que este controle deve ser considerado interno não por ser realizado por uma unidade vinculada ao órgão da Administração que exarará o ato, mas pelo fato de a manifestação jurídica integrar o processo de elaboração do ato.

Curial perceber, portanto, que o legislador constituinte originário, preocupado em conferir o máximo de segurança jurídica, bem como criar mecanismos eficazes de fiscalização do cumprimento da lei no âmbito da Administração Pública, fundamentais para a consolidação de um Estado Democrático de Direito, quis que referido controle interno fosse promovido por um órgão jurídico diferenciado, externo aos órgãos de onde emanam os atos administrativos, criando, assim, a Advocacia-Geral da União, disciplinada no capítulo constitucional referente às funções essenciais à Justiça. Nítida, portanto, a subversão da ordem constitucional provocada pelo legislador infraconstitucional ao criar a subordinação das consultorias jurídicas aos ministros de Estado (arts. 11 e 12 da Lei Complementar n. 73/93).

Fundamental notar, nessa linha de raciocínio, que a subordinação de unidades da Advocacia-Geral da União — Consultorias Jurídicas — aos ministros de Estado cria uma esdrúxula situação de vinculação que finda por solapar a independência dos advogados públicos, essencial para o desempenho das atividades que lhes são constitucionalmente atribuídas. Basta notar que os cargos comissionados que estruturam referidas unidades pertencem à pasta respectiva, e não à AGU, viabilizando, assim, que um advogado da União, investido em cargo efetivo de membro da AGU, ocupe função da confiança do ministro de Estado, e não dos dirigentes do órgão jurídico, criando uma figura híbrida, inquestionavelmente estranha, que traz, sem sombra de dúvidas, malefícios para a atividade e, consequentemente, para o país.

Embora o assustador excesso de cargos de confiança existente no Brasil não se conforme, de maneira alguma, aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, a mera existência da figura não compromete os valores democráticos e republicanos que se pretendeu instituir na Administração Pública. Pelo contrário, talvez possua, de fato, salutar importância. No entanto, no caso da atividade desempenhada pela Advocacia-Geral da União, a investidura dos advogados públicos em cargos da confiança do titular do órgão cujos atos serão orientados e fiscalizados afigura-se totalmente incompatível com os desígnios constitucionais, simplesmente por necessitar o Estado de uma atuação independente, apartidária, blindada a qualquer tipo de interferência das forças de poder e comprometida tão somente com a incolumidade da ordem jurídica.

A preservação do Estado de Direito é premissa inderrogável da viabilização das políticas públicas, que são, e não poderiam deixar de ser, políticas de governo, legitimadas pelo voto popular, mas cuja concretização é condicionada, sempre, à observância do balizamento imposto pelo ordenamento jurídico vigente. Assim, não se pode correr o risco de se ver o processo de elaboração e implementação das políticas públicas, bem como a gestão do patrimônio público, privados de uma instância prévia e interna de controle absolutamente independente.

Parece, pois, ser a Advocacia-Geral da União, tal qual concebida na Constituição, uma instituição essencialmente republicana, o que evidencia a impossibilidade de perpetuação desse modelo de subordinação e vinculação instituído pela Lei Complementar 73, centralizador por natureza.

Exsurge, neste passo, a importância da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.297, ajuizada em face dos artigos 11 e 12 da Lei Complemtentar n. 73/93, pois possibilitará que o Supremo Tribunal Federal, guardião da ordem constitucional, aponte a interpretação que deve ser conferida às normas constitucionais indicadas como violadas, delineando, assim, o modelo constitucional da Advocacia Pública Federal.

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Sobre o autor
Gustavo Leonardo Maia Pereira

Procurador Federal em exercício na Coordenação de Tribunais Superiores da Procuradoria-Geral Federal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará e Especialista em Direito Processual Civil. Ex-Procurador do Estado de Goiás. Ex-Coordenador de Tribunais Superiores da PGF/AGU. Ex-Assessor Legislativo da Secretaria-Geral da Presidência da República. Ex-Chefe Adjunto da Assessoria Jurídica junto à Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Gustavo Leonardo Maia. A necessidade de independência das unidades da Advocacia-Geral da União em relação aos órgãos da administração pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2607, 21 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17241. Acesso em: 19 abr. 2024.

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