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Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos.

Breves notas e reflexões

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21/08/2010 às 06:14
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Capítulo 3

REFLEXÕES SOBRE AS ALTERAÇÕES PROPOSTAS PELO ANTEPROJETO DE CÓDIGO BRASILEIRO DE PROCESSOS COLETIVOS

3.1. CRÍTICAS ÀS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES

O vertente capítulo versa sobre análises críticas direcionadas às inovações do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, apresentadas no segundo capítulo deste Trabalho.

De plano, as alterações serão vistas pontualmente, conforme a ordem em que foram abordadas no capítulo anterior; porém, agora, de maneira crítica e apresentando a opinião da doutrina sobre os temas.

Em outras palavras, esta seção desta Obra visa a demonstrar eventuais progressos e/ou retrocessos provenientes das propostas do Anteprojeto, tanto dos dispositivos isoladamento, como do conjunto de instrumentos processuais apresentados por esse anteprojeto de diploma legal.

3.2. COMPETÊNCIA

3.2.1. Aspectos Gerais

A responsável pela versão final do Anteprojeto, que foi enviado para o Congresso Nacional, a professora Ada Pelegrini, justificou o teor das propostas sobre competência da seguinte maneira.

Sobre a localização do dispositivo que aborda a competência no processo coletivo, agora deslocado para as Disposições Gerais, a autora afirma que no Código de Defesa do Consumidor o mesmo "figura indevidamente entre as regras que regem a ação em defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos, o que tem provocado não poucas discussões" [86].

De fato, a alteração em questão apresenta-se razoável, vez que elimina qualquer possibilidade de interpretações restritivas para a aplicação do dispositivo somente para as ações relativas a direitos ou interesses individuais homogêneos, o que favorece a segurança jurídica. Há que se estender o dispositivo sobre competência a todos os direitos coletivos, incluindo o difusos e coletivos em sentido estrito.

A fim de justificar a manutenção dos termos "local", "regional" e "nacional", que atualmente são sobremodo criticados pela doutrina [87], por não haver conceito único e inconteste acerca sua extensão e profundidade, o Anteprojeto procedeu a uma aleatória definição do que seriam aqueles conceitos, estabelecendo a competência dos juízos das capitais dos Estados para causas que versem sobre danos que atinjam quatro ou mais comarcas ou até três Estados e a competência exclusiva do Distrito Federal para ações coletivas que se fundamentam em danos nacionais ou interestaduais que envolvam mais de três Estados.

A competência concorrente entre o Distrito Federal e as capitais dos Estados verificada na legislação contemporânea foi bastante restringida pelo Anteprojeto em análise, sob a justificativa da experiência hoje vivenciada de "proliferações de demandas e de decisões contraditórias", bem como sob o fundamento de que é necessário evitar investidas do Legislativo atualmente consubstanciadas em proposta de Emenda Constitucional que pretende atribuir ao STJ a competência para decidir a respeito do foro competente, vez que regras de competência devem ser fixadas pela lei e não pelos tribunais [88].

Ou seja, a solução ofertada pelo Anteprojeto aos problemas por todo conhecidos é a de insistir na centralização de competência para o julgamento das causas coletivas.

A professora Ada Pellegrini defende tais propostas, ao argumento de que

a relativa centralização da competência vem balanceada pela maior flexibilidade da legitimação entre os diversos órgãos do Ministério Público, que poderão atuar fora dos limites funcionais e territoriais de suas atribuições (quer em relação ao inquérito civil, quer em relação à propositura da demanda – conforme, aliás, já permite a Lei Nacional do Ministério Público). A mesma flexibilidade é atribuída a outros entes legitimados [89].

De outro norte, comentando o Anteprojeto em questão, ELTON VENTURI aduz que:

No entanto, quer nos parecer que tais problemas não sejam fruto propriamente da ausência da centralização da competência jurisdicional no Distrito Federal ou nas capitais, mas sim do solene e freqüente descumprimento da regra referente à obrigatória reunião de feitos conexos ou continentes perante o juízo prevento, expressamente prevista no parágrafo único do art. 2º, da LACP [90].

Além disso, acrescenta o doutrinador que o princípio constitucional fundamental do Juiz Natural [91] continua a ser desrespeitado com a proposta do Anteprojeto, haja vista que privilegia aspectos subjetivos na fixação da competência.

Sobre a referida garantia constitucional, preleciona Nelson Nery Jr. que um dos pressupostos indispensáveis à concretização do juiz natural reside justamente na objetividade dos critérios de determinação de competência dos juízes [92].

Ademais, as regras de competência contidas nas propostas do Anteprojeto, ao garantir a competência absoluta das capitais dos Estados e do Distrito Federal, se afiguram evidente retrocesso no que tange ao princípio constitucional do acesso à justiça, segundo o qual o Poder Judiciário deve ser acessível ao interessado.

Apresentando semelhante entendimento, segue parecer elaborado pelo Ministério Público de Minas Gerais, que fundamenta sua opinião com o ilustrativo exemplo:

Imaginemos danos em quatro comarcas que se situam em regiões do interior do Estado, bem distantes da Capital do Estado, como ocorre com comarcas do Vale do Jequitinhonha, no Estado de Minas Gerais. Seguindo-se a orientação do dispositivo, estará sendo dificultada a coleta de provas diretamente pelo Juiz julgador. Além disso, vários obstáculos poderão surgir quanto à fiscalização do cumprimento das decisões que fixem obrigações específicas [93].

O mesmo raciocínio do exemplo vale para a competência absoluta concedida ao Distrito Federal.

Inclusive,

por ocasião dos debates nos Programas de Pós-Graduação da UERJ e da Unesa, em torno do Anteprojeto, a questão da competência territorial foi a única que não alcançou consenso entre os dois grupos. Na Unesa, prevaleceu o entendimento de que as ações coletivas devem ser ajuizadas, tal como previsto inicialmente na Lei de Ação Civil Pública, no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano e, em caso de abrangência de mais de um foro, a fixação devendo ocorrer pela prevenção [94].

A fim de se imunizar às oportunas críticas recebidas, a última versão do Anteprojeto trouxe a seguinte norma em seu art. 22, § 3º:

No caso de danos de âmbito nacional, interestadual e regional, o juiz competente poderá delegar a realização da audiência preliminar e da instrução ao juiz que ficar mais próximo dos fatos [95].

Não obstante a tentativa de corrigir o erro, o dispositivo não logrou êxito em seu intento, vez que, segundo os seus termos, para a efetivação do princípio do acesso à justiça, o interessado ficará à mercê do juiz da capital dos Estados ou do Distrito Federal, o que se mostra incompatível com o regime constitucional vigente.

Outrossim, vale salientar que a concentração de competência com a delegação da instrução probatória fere ainda o princípio da identidade física do juiz, consagrado no art. 132 do Código de Processo Civil [96].

Ainda sobre a mencionada tentativa de tornar justo e aceitável o dispositivo em análise, forçoso é citar a seguinte observação: "Não há estrutura suficiente no Distrito Federal para receber todas essas ações, o que também dificultará a coleta de provas, quando o DF não for atingido pelo dano" [97]. Idêntica ponderação se subsume às capitais dos Estados, que não dispõem de estrutura consentânea com o número de processos que teriam de processar e julgar, caso seja aprovada tal medida, o que torna ululante que o presente dispositivo concorre contra a efetividade e celeridade do processo coletivo.

Outra norma que labora contra a efetiva e célere proteção dos bens coletivos em sentido amplo é a expressa no § 2º, do art. 22 do Anteprojeto, que veda ao juiz incompetente a apreciação da antecipação de tutela.

Ora, tal vedação é inconstitucional - fere o art. 5º, XXXV, da Constituição da República -, pois, em situação de extrema urgência, nada impede que o juiz defira a antecipação da tutela e declare sua incompetência, remetendo imediatamente os autos ao juiz territorialmente competente, o qual poderá ratificar a decisão, revogá-la ou até modificá-la [98].

Feitas as críticas às normas do Anteprojeto que tratam da competência, que, conforme demonstrado, atentam contra o devido processo legal coletivo, faz-se mister, agora, apresentar soluções ou medidas que melhor se adaptariam à tutela prática dos direitos e interesses coletivos.

De início, saliente-se que a solução para tornar efetivo e democrático o processo civil coletivo, no tocante à competência, é serem aplicadas as normas processuais já existentes atualmente no ordenamento jurídico. O que enseja a proliferação de demandas alvos de decisões contraditórias não é a legislação hodierna.

Não é a concentração de competência, o que causaria todos os malefícios supradescritos, que resolveria o problema da enxurrada de processos sobre o mesmo objeto, o que dá azo a decisões contraditória e confusas, prejudicando, assim, a efetiva proteção aos bens jurídicos coletivos.

Para sanar os conflitos citados, bastaria que fossem aplicados os institutos da litispendência, prevenção, conexão e continência, amiúde e com maior precisão. Ora, se houvesse sido proposta mais de uma ação sobre o mesmo objeto, seria suficiente que o juízo que tomou conhecimento posteriormente à propositura da ação remetesse os autos para o juízo prevento. Para tanto, mera comunicação indicando-lhe o critério objetivo seria apta para tornar incontroverso o juízo competente e fazer com que o segundo juízo a tomar ciência do caso remetesse os autos ao foro competente [99].

Sendo tão simples a solução apresentada, por que ela ainda não é concretizada atualmente? A resposta também é simples: porque não há meios burocráticos e tecnológicos que permitam essa interação entre os juízos de diferentes localidades. Essa é a principal razão por que ainda há muita confusão sobre competência das ações coletivas no Brasil.

Nesse ponto, vale a pena conferir decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO POPULAR (SISTEMA TELEBRÁS) - CONEXÃO - PREVENÇÃO (CPC, ARTIGOS 103, 106, 219). 1 - Se na conceituação inscrita no art. 103 do CPC, "reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir", não há como se possa recusar a "conexão" em função dos "nomes" com que se possam rotular as ações. 2 - Ocorrendo a "conexão" (art. 103 do CPC), a "competência" do órgão julgador se define pela "prevenção" daquele que despachou em primeiro lugar (art. 106 do CPC). 3 - As ações civis públicas, cujas sentenças de procedência fazem coisa julgada "erga omnes" (Lei n. 7 347, de 24.07.85, art. 16), e as ações populares, cuja propositura "previne" a jurisdição do Juízo para todas as ações posteriores entre as mesmas partes e com os mesmos fundamentos (Lei n. 4 717, de 29.06.65, art. 5º, parágrafo 3º), pertencem ao grupo de ações (como também as ações discriminatórias - Lei n. 6 383, de 07.12.76, art. 23) prejudiciais e de "juízo universal", que exigem, no interesse da estabilidade da ordem jurídica, a concentração das causas, com elas conexas, num único Juízo definido pela prevenção, "a fim de evitar decisões contraditórias, estimuladoras da denominada "guerra de liminares", que atingem o prestígio e a respeitabilidade da Justiça, causando perplexidade à opinião pública " (CC n. 22.693/DF, STJ). 4 - Conflito conhecido. Declarada competência do Juízo da 8ª Vara Federal do Distrito Federal, Suscitado. CC 1998.01.00.072231-8/MA; CONFLITO DE COMPETENCIA 22/03/1999 DJ p.69 [100].

Portanto, resta patente que as mudanças propostas pelo Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos representam atraso na tutela de direitos coletivos e trazem consigo diversos aspectos negativos, que se efetivados concorrerão para inefetividade do processo e para a obstaculização da concretização dos interesses e direitos coletivos, isso sem mencionar as máculas de inconstitucionalidades expostas acima que o caracterizam.

3.2.2. Juízos especializados

Pelos motivos que serão expostos a seguir, de plano, salienta-se que a inovação, consistente na criação de juízos especializados, é bastante interessante.

Acerca da previsão, no Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, da criação de juízos especializados para processar e julgar as lides coletivas, o professor Aluísio Gonçalves de Castro Mendes afirma o seguinte:

É notório que, nos dias de hoje, o Poder Judiciário vem sendo chamado a resolver problemas cada vez mais intrincados, sob o prisma técnico e político. Os processos coletivos são palco de conflitos internos da sociedade, relacionados, por vezes, com políticas públicas e com relevantes questões econômicas e, em certos casos, com complexidade científica. O elevado número de processos e a variedade de matérias submetidas aos juízes vêm exigindo dos órgãos judiciais, por um lado, uma formação cultural e multidisciplinar, mas, por outro, também elevado nível de profissionalização e de especialização, para fazer frente, em tempo condizente com a expectativa da sociedade contemporânea e com a especificidade relacionada aos casos, ao volume de decisões a serem proferidas. A realidade vem impondo, por conseguinte, a especialização dos órgãos judiciais, para que estes possam estar estruturados e preparados para a respectiva matéria [101].

Na mesma trilha segue a posição adotada pelo Ministério Público de Minas Gerais, para quem esse dispositivo dá amparo a uma reivindicação dos estudiosos sobre o tema.

O professor Elton Venturi, além de assentir com a especialização dos juízos competentes para o processamento e julgamento dos feitos coletivos, acresce o seguinte:

Todavia, a relevância da criação de tais varas não residiria tão-somente na sua especialização, mas, acima de tudo, na possibilidade de nelas se concentrar, com exclusividade, o processamento e julgamento de toda e qualquer ação cujo objetivo recaia na tutela de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, independentemente da extensão dos danos a serem apreciados ou dos limites territoriais da vara especializada [102].

E prossegue o autor, ao afirmar que a especialização, desde que não fosse acompanhada da centralização da competência territorial nas capitais dos Estados e no Distrito Federal, concorreria para a "concretização do princípio da imediação (aproximando os jurisdicionados do juiz atuante e o mais próximo possível do local do dano)" [103].

Assim, inconteste ser salutar a criação de varas especializas, vez que a complexidade e profundidade das lides coletivas contemporâneas reclamam operadores do direito – em especial, juízes – dedicados exclusivamente à causa coletiva, a fim de que lhes seja possível resolver de maneira mais adequada, experiente e profissional os conflitos tempestivamente.

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3.3. REFORMULAÇÃO DO SISTEMA DAS PRECLUSÕES

A principal reforma proposta pelo Anteprojeto de Código Brasileiro de Procesos Coletivos relacionada à preclusão, como visto retro, é permitir a alteração do pedido e da causa de pedir, até a sentença, dês que seja feita de boa-fé e não haja prejuízo para o demandado, observado sempre o contraditório.

Ou seja, o Anteprojeto permitiu a flexibilização do sistema de preclusão atualmente conhecido que não permite a alteração da causa de pedir e do pedido após a fase de saneamento.

Essa alteração encontra guarida na opinião dos doutrinadores, tais como RICARDO DE BARROS LEONEL, para quem

É possível afirmar que tal solução, mitigando a rigidez tradicional inerente à imutabilidade da demanda, significa um avanço no âmbito do sistema processual coletivo. É aceito e modo geral, pois é dado notório da experiência forense que os conflitos de natureza coletiva possuem um dinamismo que se destaca daquele inerente aos conflitos tradicionais de natureza individual [104].

Para a doutrina, como visto, a flexibilização em comento será muito bem vinda, pois não raro os direitos e interesses coletivos têm a sua extensão e profundidade somente verificada com exatidão após o encerramento da fase de saneamento processual, o que impede a tutela do que foi descoberto, porém não consta da inicial. Assim, nova ação há que ser proposta, acarretando desperdício de tempo e recursos processuais para a resolução da nova lide, bem como o risco de haver decisões contraditórias para fatos conexos, o que implica descrédito do Poder Judiciário frente a questões de grande relevância.

Esse avanço, que se encontra em plena harmonia com o princípio da instrumentalidade das formas, regente do processo civil contemporâneo, já estava previsto no art. 10, § 2º do Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América, o qual permite a alteração da causa de pedir e do pedido em qualquer tempo ou grau de jurisdição, desde que realizada de boa-fé, não represente prejuízos injustificáveis e seja observado o contraditório [105].

Assim, há quem sustente que essa inovação se mostra deveras tímida, uma vez que deveria ter avançado mais, ao permitir a modificação em todos os momentos do processo e em todos os órgãos jurisdicionais [106], e não somente até a sentença, visto que os fatos novos podem ser conhecidos após a sentença de juiz a quo.

Por fim, não se pode olvidar da lição apresentada pelos professores PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON e DANIELA MONTEIRO GABBAY, para quem os resultados da vertente inovação "são imprevisíveis, pois embora a reforma legislativa seja importante, ela não é suficiente para implementar uma mudança de mentalidade" [107].

Ou seja, em que pese o avanço acarretado pela inovação em análise – em comparação à legislação atual, oriunda do processo civil individual tradicional -, o espírito do dispositivo tem que ser incorporado pelos juízes, quando da sua aplicação, a fim de que ele se transforme num instrumento por meio do qual se oferte um processo civil coletivo mais efetivo e preocupado com os resultados práticos e não somente em atender a normas dogmáticas e teóricas.

Isso porque de nada adiantará esse instrumento se os juízes o interpretarem restritivamente, reputando sempre de má-fé o pedido para a sua aplicação ou considerando-o prejudicial à parte contrária, o que pode tornar a sua efetivação e eficácia praticamente nula.

Concluindo, não se pode olvidar que meras mudanças legislativas não alteram a realidade social e jurídica. Há que se manejar as lei com razoabilidade e bom senso.

3.4. REFORMULAÇÃO DO SISTEMA DA COISA JULGADA

Em resumo, a reformulação do sistema da coisa julgada proposta pelo Anteprojeto busca simplificar as normas vigentes, sem alterá-las substancialmente. Sobre o tema, a principal novidade apresentada é a possibilidade de repropositura da ação, no prazo de 2 (dois) anos contados do conhecimento geral da descoberta de prova nova, superveniente, idônea para mudar o resultado do primeiro processo e que neste não foi possível produzir.

Sobre o tema, vale citar lição da lavra do professor Eduardo Arruda Alvim:

Com efeito, hoje, e, mais claramente, no Anteprojeto de Código de Processos Coletivos, é permitida a liquidação e execução dos danos individuais em caso de procedência de ação visando interesses difusos ou coletivos em sentido estrito (pelas vítimas e seus sucessores [108].

A possibilidade de repropositura da ação no prazo de dois anos contemplada no Anteprojeto segue a trilha do efetivo processo civil coletivo, preocupado cada vez mais com a efetividade processual, em outros termos, com a frutuosidade da atividade processual que deve sempre buscar, ao máximo, a tutela dos bens jurídicos em geral, mormente dos bens jurídicos coletivos, dos quais dependem a vida e a dignidade de todas as pessoas e até mesmo das futuras gerações.

Há que se buscar cada vez mais meios para se proteger os bens difusos, razão por que andou bem o Anteprojeto ao prever tal inovação.

Andou bem o Anteprojeto ao manter a regra atual da extensão da coisa julgada in utilibus ou secundum eventum litis [109], inclusive nas relações entre a ação coletiva e as ações individuais simultâneas, atalhando, assim, a repetição desnecessária de ações para proteger bens coletivos [110].

Outra modificação que mererece ser destacada é a inexistência da atual distinção entre eficácias erga omnes e ultra partes, tal como observado no hodierno Código de Defesa do Consumidor [111].

Há que se gizar também o desaparecimento, no § 1º do art. 13, da ressalva vista atualmente no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 103, II, segundo a qual o interessado que atuar como litisconsorte sofrerá os efeitos da improcedência do processo. Salutar a retirada de tal observação, vez que ela representa, no mínimo, desestimulo e inibição à participação do interessado como litisconsorte. Caso haja julgamento negativo do pedido no processo coletivo, se o interessado participou como litisconsorte não poderá ingressar com a mesma demanda novamente, se não, o resultado negativo não o afetará, mas sim o positivo.

Assim, verifica-se que diante de demandas envolvendo direitos individuais homogêneos e em caso de improcedência do pedido, aos interessados estará aberta a possibilidade de ingresso com ações individuais, mesmo que tenham participado do processo coletivo como litisconsortes. Andaram neste ponto bem os autores do Anteprojeto de Processos Coletivos, em virtude dos argumentos expostos.

Por fim, deve-se elogiar a norma contida no parágrafo quarto do artigo em comento, que corrobora a tese segundo a qual a alteração levada a efeito no art. 16 da Lei da Ação Civil Pública pela Lei 9494 [112] é flagrantemente inconstitucional. Não se pode de modo algum aceitar ou admitir a norma concebida no art. 16.

Sobre o tema arremata com maestria Luiz Guilherme Marinoni:

Ora, da mesma forma que uma fruta não deixará de ter sua cor apenas por ingressar em outro território, só se pode pensar em uma sentença imutável frente à jurisdição nacional, e nunca em face de parcela dessa jurisdição. Se um juiz brasileiro puder decidir novamente a causa já decidida em qualquer lugar do Brasil (da jurisdição brasileira), então é porque não existe , sobre a decisão anterior, coisa julgada. O pensamento da regra chega a ser infantil, não se lhe podendo dar nenhuma função ou utilidade [113].

Assim, uma vez aprovada a modificação, será ilidida a atual problemática acerca da competência territorial do órgão prolator nas ações civis públicas, tal como previsto na Lei da Ação Civil Pública.

3.5. RESTRUTURAÇÃO DA LITISPENDÊNCIA, CONEXÃO E CONTINÊNCIA

Como dito no capítulo pretérito, no Anteprojeto em análise tais institutos não sofrem alterações de grande relevância a ponto de converter a natureza dos institutos.

Destaca-se a modificação do art. 5º do Anteprojeto que diz que se deve atentar mais para o bem jurídico a ser tutelado que a outros aspectos. Assim, para a verificação de litispendência, basta que os mesmos interesses dos substituídos sejam objeto de duas ações.

Sobremaneira louvável tal dispositivo que funcionará como vetor de interpretação dos processos coletivos, no sentido torná-los mais e mais próximos do tão desejado atualmente processo efetivo e instrumental.

A vertente novidade concretiza com perfeição e se encontra em harmonia com o princípio da economia, previsto na alínea "g" do art. 2, pelo qual se busca o máximo de resultado possível com o emprego de menor tempo e recursos.

Neste ponto, vale atentar para as palavras da professora Ada Pellegrini Grinover:

Os conceitos de conexidade, continência e litispendência são extremamente rígidos no processo individual, colocando entraves à identificação das relações entre processos, de modo a dificultar sua reunião ou extinção. No Anteprojeto, o que se tem em mente, para identificação dos fenômenos acima indicados, não é o pedido, mas o bem jurídico a ser protegido; pedido e causa de pedir serão interpretados extensivamente; e a diferença de legitimados ativos não será empecilho para o reconhecimento da identidade dos sujeitos. Isso significa que as causas serão reunidas com maior facilidade e que a litispendência terá um âmbito maior de aplicação [114].

Em relação ao art. 6º, há quem sustente não ter sido feliz o autor do Anteprojeto em virtude de que trata os diferentes institutos da litispendência, da conexão e da continência da mesma maneira, como se fossem um só.

Entende o professor Luiz Norton Baptista de Mattos que não se deve dar à conexão e à continência idêntico tratamento ofertado à litispendência, vez que frente a esta não deve haver processamento e julgamento conjunto de demandas, mas, sim, deve uma ser extinta, com a ressalva da remessa de cópia para a demanda preventa [115].

Irretorquível a ponderação do professor, haja vista que o Anteprojeto de Processos de fato deixou a desejar quando deu tratamento igual a institutos processuais distintos.

3.6. AMPLIAÇÃO DO ROL DE LEGITIMADOS E REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA

3.6.1. Ampliação do rol de legitimados

Em relação à ampliação dos legitimados à propositura da ação coletiva, mais precisamente à inclusão entre eles do indivíduo, vale comentar que a medida constitui expressivo avanço no sentido de tornar o processo coletivo democrático e acessível a todos.

Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, sobre o tema, aduz com precisão que:

O direito moderno, de matriz constitucional ou processual, vem apontando na direção do acesso à Justiça, da ampliação da legitimidade e da instrumentalidade do processo. A limitação da legitimação do indivíduo, diante de interesses individuais homogêneos, deixa de produzir resultados positivos: economia processual e judicial; maior acesso ao Judiciário; melhoria da prestação jurisdicional, em termos de tempo e qualidade devido à redução do número de feitos; preservação do princípio da igualdade etc. Mas em termos de interesses de natureza indivisível, o resultado é a denegação absoluta de Justiça [116].

Patente está que o Anteprojeto aproxima-se do princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário.

Trata-se, portanto, de avanço considerável, que deve ser acompanhado de outras medidas no mesmo sentido, sob pena de não ser bastante para melhorar a realidade.

3.6.2. Representatividade adequada

Trata-se de instrumento posto à disposição do juiz para coibir eventuais abusos na utilização da legitimação individual para a tutela de direitos coletivos em sentido amplo.

Com esse mecanismo que possibilitará ao juiz controlar e afiançar a existência de representação razoável, apropriada, conveniente, isto é, adequada, o que implicará na defesa tenaz dos direitos coletivos.

Assim, a cidadania e democracia participativa serão incentivadas no direito coletivo pátrio, pois as oportunidades atualmente vistas na ação popular serão por demais estendidas e ampliadas.

Sobre o tema vale atentar para excerto da lavra do professor Marcos Flávio Mafra Leal:

Certamente o pagamento de honorários é um estímulo e poderá surgir uma advocacia especializada em buscar direitos coletivamente ajuizáveis. Não há mal algum nisso, pelo contrário, pode representar um avanço em termos de cidadania e realização de direitos, desde que os conselheiros de ética da OAB funcionem extrajudicialmente e o Ministério Público e os juízes fiscalizem o andamento do processo [117].

Sobre a crítica à legitimação individual, de que esta é inoportuna mercê do individualismo e despreparo do povo para líder com questões coletivas, vale dizer que o mesmo raciocínio pode utilizado para o voto. Não se legitima de modo algum o tolhimento ao direito do voto em virtude de que o povo ainda não sabe exerce-lo adequadamente com espírito cidadão. Pelo contrário, se ainda não sabe emprega-lo corretamente, é por meio da sua prática, da experiência, que aprenderá a manuseá-lo com eticidade e para proveito de todos.

Há, todavia, quem critique o acolhimento de tal teoria pelo Anteprojeto em análise:

Prevê o controle judicial (ope judicis) da representatividade adequada (art. 19), o que é inconstitucional, pois a Constituição brasileira não admite esse controle, conforme se nota dos seguintes dos art. 5º, LXX, LXXI, LXXII, LXXIII, 114, 129, III e seu § 1º etc [118].

E continua a reprovação afirmando que:

No Brasil, o controle da representatividade adequada, por imposição constitucional, é feito previamente, ope legis (pelo próprio legislador). A implantação desse mecanismo no País, além de flagrantemente inconstitucional — salvo nas hipóteses da dispensa de requisitos às associações para facilitar o acesso à justiça — tal controle irá gerar incidentes indesejados que impedirão o andamento do processo coletivo. É mais uma tentativa de americanização do sistema jurídico brasileiro [119].

Portanto, a legitimidade adequada se mostra em consonância com os princípios constitucionais da democracia participativa e com o acesso ao Judiciário.

3.7. GRATIFICAÇÃO AOS INDIVÍDUOS, ASSOCIAÇÕES E SINDICATOS

Outra medida que caminha no sentido de por intermédio do ativismo judicial dar concretude aos princípios da adequada tutela processual e da participação dos cidadãos nas causas coletivas.

Vale, aqui, destacar os comentários de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes:

A medida, assim, pode representar um estímulo para o incremento na participação da sociedade civil nas demandas coletivas, tendo em vista que, no Brasil, a esmagadora maioria das ações coletivas ainda é ajuizada tão-somente pelo Ministério Público [120].

Inobstante o louvável intento da vertente norma em comento, há que se atentar para a vital importância da atuação dos magistrados a fim de concretizá-la com bom êxito. Isso porque eles terão o encargo de, com o mais absoluto bom senso, remunerar tão-somente os que merecerem, incentivando a profícua defesa dos direitos coletivos. Conduta dos juízes diversa disso decerto concorrerá para inefetividade e desrespeito aos direitos coletivos.

3.8. PROVA

É lugar comum entre a doutrina que o atual sistema processual individualista de distribuição de provas não mais se coaduna com a proteção efetiva dos direitos coletivos, não servindo, portanto, para o processo coletivo moderno e voltado para a concretização dos interesses coletivos em sentido amplo.

Isso pois o vetusdo sistema enfatiza a iniciativa das partes na produção das provas – pois as considera de interesse particular e não público -, as quais se se mantiverem inertes não terão os seus direitos atendidos. Nesse sistema, não se leva em consideração a desigualdade entre as partes que por falta de conhecimento, educação e informação podem não saber como provar ou o que provar, bem como se despreza o interesse estatal – do detentor do monopólio da Jurisdição – em pacificar as relações sociais, compondo as lides com pronunciamentos que se aproximam o máximo possível da realidade dos fatos [121].

O professor Marcelo Abelha Rodrigues não ostenta opinião diversa:

A manutenção do atual sistema de distribuição do encargo probatório para as lides civis, tal como previsto no art. 333 e, subsidiariamente, o art. 130 do CPC, constitui uma forma grave de violação ao devido processo legal, porque ofende tanto o aspecto subjetivo quanto objetivo da prova, já que: não dá às partes as mesmas chances processuais, considerando a intensa desigualdade estabelecida no plano material que se reflete no processo; deixa refém o Estado-juiz, que terá que proferir um julgamento com base em elementos de convicção que talvez não traduzam com precisão a real situação dos direitos em conflito [122].

Para resolução desse problema frente à distribuição do ônus probatório no processo coletivo, a doutrina apresenta três caminhos distintos, a saber: a criação de presunções ou ficções jurídicas, que até prova em contrário serão admitidas como verdadeiras, como hoje é visto nos atos administrativos; a criação de técnicas de inversão do ônus da prova, como verificado no art. 6, VIII, do Código de Processo Civil; por fim, a adoção de um sistema flutuante ou dinâmico de distribuição dos encargos probatórios, de forma que o juiz frente ao caso concreto verifica a quem cabe o ônus da prova, segundo as facilidades (técnicas e econômicas) para produzir a prova [123].

Da leitura do art. 11 do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, vê-se que o critério adotado é o dinâmico de distribuição do ônus da prova, cabendo a prova dos fatos a quem tiver maior proximidade com eles e maior facilidade para demonstrá-los.

Segundo parte da doutrina, a novidade ofertada pelo Anteprojeto é assaz ponderada, sensata e, nos dizeres de Édis Milaré:

O equilíbrio do Anteprojeto está justamente no fato de que ele não proíbe, nem impõe, como regra absoluta e imutável, a inversão do ônus da prova nas ações coletivas. Não há uma regra estanque, e sim dinâmica. O Anteprojeto não afasta a regra geral do CPC (art. 333) e demonstra razoabilidade ao permitir que a distribuição do ônus da prova seja feita de acordo com a proximidade das partes em relação a ela [124].

E continua o renomado jurista:

Arriscamo-nos a dizer que o Anteprojeto, neste ponto, acabou afastando uma possível influencia da relação jurídica de direito material sobre a distribuição dos encargos no processo. Com isso a prova será atribuída a quem, processualmente, tiver melhores condições de produzi-la (tornando a instrução mais célere, eficiente e econômica), independentemente de have ou não um desequilíbrio no campo do direito material [125].

Assiste razão ao célebre doutrinador, pois a novidade do Anteprojeto – carga dinâmica do ônus probatório – apresenta a salientada diferença em relação ao CDC, por exemplo, que estabelece a inversão do ônus da prova tendo em vista as condições subjetivas materiais do individuo.

Essa distinção tem relevância nos casos em que o Ministério Público, por exemplo, atuar. Como cediço, o parquet conta com razoável estrutura, não podendo ser considerado, materialmente, como legitimado hipossuficiente. Todavia, em muitos casos em que atua, a colheita do material probatório pode-lhe ser de difícil ou impossível acesso, razão por que o encargo da prova não deve pesar sobre seus ombros, sob pena de o direito ou interesse tutelado não ser de fato protegido pelo Estado-juiz.

3.9. FUNDO DOS DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS

O dispositivo relativo ao fundo de direitos difusos e coletivos consiste em expressiva inovação destinada a solucionar o problema do custeio das perícias, que geralmente são requeridas pelo autor, que em regra não dispõe de condições para arcá-las.

Também, deve-se consignar que não seria justo o Ministério Público – legitimado mais atuante na defesa dos interesses difusos e coletivos – custeasse as perícias, como lamentavelmente o faz atualmente. Isso porque o erário não deve ser (mal) empregado para arcar com custos que moralmente são de responsabilidade do autor do ato lesivo aos direitos coletivos.

Sobre o tema, deveras pertinente é a lição apresentada por Paulo de Bessa Antunes ao comentar a realidade sobre o financiamento das perícias das ações civis públicas:

O objetivo da lei ao determinar que o autor não deve adiantar as despesas foi o melhor possível, porém distante da realidade concreta da vida forense. O certo é que as perícias em geral são realizadas por profissionais autônomos indicados pelo juiz da causa e aceito pelas partes. Eles, evidentemente, são técnicos que atuam profissionalmente e precisam ser remunerados em tempo hábil. Receber os honorários, ao fim de um processo judicial, não raramente, significa aguardar por longuíssimos anos para receber pro labore facto. Em tese, os peritos poderiam se conformar com tal situação e esperar. Entretanto, a perícia na ação civil pública com freqüência necessita de equipamentos, laboratórios, testes e ouitros elementos custosos [126].

Prossegue o renomado autor:

É fato que o legislador tentou solucionar questões orçamentárias dos órgãos públicos que não dispunham de verbas específicas para o pagamento das perícias. O Ministério Público Federal, que é o exemplo que conheço, tem feito incluir em seus orçamentos verbas para perícia, de forma que o experts possam ser remunerados adequadamente e no tempo correto [127].

O fundo em questão, além de gerar recursos para o custeio das perícias – grande incômodo do Ministério Público -, fornecerá recursos para a gratificação destinada aos legitimados que cumpriram com desvelo, acuidade e obtiveram sucesso na defesa dos direitos coletivos.

Sobre o presente instituto, há apenas uma crítica a ser feita, direcionada ao § 4º do citado artigo, que mantém a atual vedação de adiantamento das custas, honorários e perícias. Ora, tendo em mira a efetividade da prestação jurisdicional e um processo justo e próximo da realidade, não se pode olvidar que os profissionais técnicos colaboradores de grande importância do Estado-juiz não podem trabalhar gratuitamente, esperando o final de lento processo para receber a remuneração devida a seus trabalhos. Configura-se tal medida verdadeiro acinte a esses profissionais, que, assim, não se vêm motivados para concorrer com eficácia para o deslinde justo das causas coletivas.

Ademais,

o montante retirado para a indispensável produção de prova pericial retornará ao Fundo ao final do processo, quando o juiz determinar quem arcará e quanto deverá dispor por esse trabalho técnico-científico. Esse mecanismo provisório de utilização de parcelas desses recursos é um importante instrumento de ampliação da utilidade do Fundo e, indiscutivelmente, um obstáculo nítido que se transpõe na busca do resultado mais rápido à solução da lide [128].

Dessarte, o Fundo se mostra solução bastante ponderada e viável para a efetivação do processo coletivo. Todavia, a vedação ao adiantamento das perícias deve ser revisto, sob pena de afigurar-se funesto freio inibitório ao progresso aspirado pelos autores do Anteprojeto com a criação do Fundo.

3.10. VALOR DA CAUSA

A modificação, que dispensa a indicação do valor da causa em determinados casos em que ele é incomensurável ou inestimável, como dito segue a linha constitucional do processo célere e, por consectário lógico, efetivo.

Louvável é a norma, mercê de que hoje há muitos casos cujo deslinde se procrastina por discussões infindáveis acerca do valor da causa.

Sobre a alteração, oportuno o comentário da lavra do professor Dorival Moreira dos Santos:

O Anteprojeto mais uma vez sinaliza com a finalidade de alcance da celeridade processual, cumprindo a função instrumentalizadora do comando constitucional expresso na EC 45. (...) E com acerto o art. 16 do anteprojeto prevê o cálculo dos honorários advocatícios sobre o valor da condenação; coloca, assim, definitivamente, uma pá de cal em uma das fissuras do CPC que, rotineiramente, foi e é utilizada como mote para dificultar o andamento dos feitos submetidos aos ritos ali albergados. É o lacre da brecha que eventualmente poderia haver no futuro Código de Processo Coletivo, quando a peça inicial estiver desprovida desse valor da causa [129].

A autora Ada Pellegrini Grinover, por ocasião da Exposição de Motivos do Anteprojeto em comento, afirma que "a fixação do valor da causa é dispensado quando se trata de danos inestimáveis, evitando-se assim inúmeros incidentes processuais, mas seu valor será fixado na sentença" [130].

Assim, conclui-se pela compatibilidade da referida alteração do § 4º do art. 22, do Anteprojeto, com os princípios do acesso à justiça, tutela coletiva adequada, flexibilização da técnica processual, proporcionabilidade e razoabilidade – todos dispostos expressamente no art. 2º do Anteprojeto -, e, por que não dizer, com os princípios constitucionais normatizadores do processo justo e democrático. Portanto, irreparável a proposta neste ponto.

3.11. AÇÃO COLETIVA PASSIVA

A previsão expressa de ação coletiva passiva pode ser considerada uma das mais impetuosas inovações trazidas pelo Anteprojeto.

Sobre o tema vale dizer que esta ação tornará o futuro Código atual e compatível com a realidade do direito processual coletivo construído pela jurisprudência que hodiernamente já admite a ação coletiva passiva [131].

De há bastante tempo os grupos coletivamente organizados vêm desrespeitando a ordem jurídica, o que implica ofensa a direitos subjetivos de titulares diversos, geralmente pessoas naturais ou jurídicas.

As famigeradas torcidas organizadas, que se reúnem para praticar atos de violência e vandalismo são exemplos típico da ação de grupos organizados para ferir a ordem jurídica constitucional. Também, é cabível citar os sindicatos representativos de determinada classe trabalhista que causam prejuízo a toda a sociedade ao praticar atos ilegais em, por exemplo, movimentos grevistas. Ou por que não lembrar do caso em que uma associação de moradores impede o tráfego de carros em uma determinada rua, sem apresentar motivo justo para tanto [132].

Diante casos como esses, a doutrina atual e jurisprudência têm demonstrado forte inclinação no sentido de admitir a ação coletiva passiva, haja vista ser o meio pelo qual as mencionadas agressões à ordem jurídica podem ser estancadas e resolvidas [133].

Em razão do exposto, a inovação do Anteprojeto é bem vinda ao mundo jurídico, por satisfazer premente necessidade da sociedade atual.

Segundo o Anteprojeto, fica conferida capacidade processual expressa para a coletividade organizada, ainda que sem personalidade jurídica, subordinando-se esta capacidade, à avaliação da representatividade adequada do grupo.

Peca, todavia, segundo a doutrina, o Anteprojeto ao tratar sobre o tema em comento, em virtude de tratá-lo com parcimônia:

Hipóteses como a interrupção da prescrição dos direitos da coletividade, da revelia, do abandono da causa ou da perda da representatividade adequada pelo legitimado passivo, da possibilidade ou não de o juiz proferir sentença em favor da coletividade ré, caso julgue improcedente o pedido etc. Poderiam ter sido exploradas para o enriquecimento do pretenso texto legislativo [134].

Em que pese esta crítica, não custa repetir, digna de louvor é a presente inovação que consagrará em lei a previsão de casos cada vez mais corriqueiros atualmente, a fim de ordená-los de modo mais consentâneo com o respeito aos direitos e interesses individuais e coletivos.

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Sobre o autor
Rafael Osvaldo Machado Moura

Analista Judiciário, lotado na 2Vara do Trabalho de São José dos Pinhais-PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Rafael Osvaldo Machado. Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos.: Breves notas e reflexões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2607, 21 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17245. Acesso em: 24 nov. 2024.

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