Há quem ingresse no Judiciário em busca do benefício de prestação continuada de assistência social (Lei Orgânica de Assistência Social – Lei 8.742/93, artigo 20) a fim de obter renda mensal enquanto tramita ação em que a parte pede a concessão de benefício previdenciário por incapacidade. Tal situação decorre do fato de que, em vários casos, a ação previdenciária de concessão de benefícios não permite o deferimento do pedido antecipatório initio litis, no mais das vezes por depender de avaliação pericial dos males alegados na inicial. Salvo diante de farta documentação acerca do quadro patológico atual da parte autora (e ainda estando comprovada a manutenção da qualidade de segurado), não se concede a implantação sumária de benefícios por incapacidade, sendo necessária a avaliação médico-pericial.
Diante disso, a parte tenta obter uma renda do Poder Público enquanto tramita o feito em sua instrução pericial, como forma de atenuar suas agruras imediatas, muitas vezes difíceis de vencer.
Desde logo é de se assinalar que os fundamentos de fato e de direito de ambas as postulações não se confundem. A pretensão previdenciária e a assistencial não têm os mesmos requisitos fáticos e jurídicos. O amparo social por deficiência exige a miserabilidade e a incapacidade da pessoa manter-se por si mesma. A aposentadoria por invalidez, que é o benefício mais próximo na dimensão previdenciária, é um benefício que se assenta na incapacidade laborativa absoluta mas exige, por ser contraprestacional, que a parte ostente sua qualidade de segurado, mantendo ou tendo mantido contribuições previdenciárias suficientes nos termos da lei. O amparo social não é financiado pelo Seguro Social, sendo custeado pelo Tesouro Nacional independentemente da existência de contribuições por parte dos beneficiários.
Bem por isso, o Ordenamento Jurídico dispõe que o benefício assistencial pressupõe que não haja acumulação com nenhum outro, seja de natureza assistencial seja previdenciário, salvo assistência médica (artigo 20, § 4º, da LOAS). Há, pois, dois sistemas independentes. O sistema assistencial e o sistema previdenciário. São excludentes um do outro.
Então pergunta-se: a demora na concessão de um benefício previdenciário pode alicerçar o pedido do benefício assistencial? Pensamos que não.
Se o segurado necessitou ingressar no Judiciário para obter o seu benefício previdenciário é quase certo que não o conseguiu na via administrativa. Conquanto o exaurimento da via administrativa não seja pressuposto para o aforamento da ação perante a Justiça, difícil imaginar que alguém constitua advogado para pedir sua aposentadoria sem antes ter simplesmente formulado o pedido perante o próprio INSS. Eis que existe uma antítese à pretensão previdenciária, algo em que se sustenta o INSS na denegação. Por não se conformar com essa denegação o autor volta-se ao Judiciário em busca do provimento jurisdicional.
Equivale a dizer que o direito que pretende defender diante do Estado-Juiz é o direito decorrente das normas previdenciárias, sob os fundamentos de fato e de direito que sustentam esse direito. O Estado-Admistração denegou-lhe o benefício submetido à apreciação do Estado-Juiz.
Fica evidente que a eventual procedência do pedido levará à condenação do INSS inclusive nos valores atrasados, desde o requerimento administrativo, com todos os ônus decorrentes da mora. É a conseqüência jurídica da mora. Somente com o julgamento final tais ônus são devidos, por imperativos processuais e até constitucionais. No mesmo passo, mesmo a concessão do benefício em socorro do autor, antecipando-se os efeitos do julgamento futuro sob verossimilhança e prova inequívoca (art. 273, caput, CPC), ou fumus e periculum (artigo 273, § 7º, CPC), exigem exatamente a efetiva verificação desses requisitos.
O Estado deveria deslocar recursos destinados aos que não têm qualquer possibilidade de socorro previdenciário para o atendimento provisório enquanto os requisitos legais são averiguados? Novamente, pensamos que não.
Se o Estado-Administração deixou de conceder o que era devido, será onerado com o pagamento de juros. Mas se houve uma denegação administrativa é preciso efetivamente primeiro apurar-se e comprovar o direito alegado, não sendo o caso de onerar o mesmo Estado com a concessão de benefício destinado a quem nada tem. A demora da implantação de um benefício previdenciário não pode constituir fundamento para a concessão de um benefício assistencial.
Pedir amparo social enquanto pende de julgamento pedido de concessão de benefício previdenciário, com alicerce na demora da implantação do benefício, não tem viabilidade jurídica, porquanto equivale a ausência de causa de pedir para o intento assistencial, ferindo a lógica jurídica do ordenamento que disciplina ambos os benefícios.