III - Conclusão
Como vimos, a aplicação da denunciação per saltum não há que ser contestada. Ela foi incorporada na legislação atual, em conformidade com os preceitos fundamentais do Código Civil de 2002, bem como pelos princípios informadores do processo, numa visão pós-positivista.
Pois bem.
Sendo a denunciação per saltum um instituto de direito processual que permite o adquirente/denunciante notificar o alienante imediato ou qualquer alienante mediato para que possa exercer o direito de regresso, algumas ponderações hão de ser feitas.
Inicialmente, em relação ao termo "notificar" empregado no dispositivo. Para nós, notificar significa citar, posto que o demandado, ou melhor, o denunciado, até então não possui qualquer tipo de relação jurídica processual com o denunciante. Se não possui, a única forma de integrá-lo nessa relação é através da citação. Em outros termos, são os dispositivos concernentes à citação é que irão determinar quando e como essa notificação será feita, conforme a parte final do art. 456 do CC.
Quanto ao instituto da evicção, típica de contratos onerosos, tecemos algumas considerações.
A evicção deve ser analisada por dois aspectos.
Num primeiro aspecto, trata-se da perda de um bem por uma eventual alienação a non domino, que, ocorrendo, é permitido ao evicto exercer o direito de regresso em face daquele que lhe vendeu o bem. Isto significa que o alienante ao transferir coisa, móvel ou imóvel, da qual não lhe pertence, será responsável pela indenização devida ao adquirente, posto que, numa visão patrimonialista, o ordenamento veda o enriquecimento sem causa.
Num segundo aspecto, a evicção está relacionada ao princípio da eticidade, isto é, o sujeito deve agir de maneira proba e honesta nas relações jurídicas. Agindo de forma contrária, essa conduta viola um dever jurídico, provocando um dano que deverá ser indenizado àquele que foi lesado.
A denunciação per saltum nada mais é do que uma ampliação dessa garantia, isto é, do direito de regresso, o qual o adquirente exerce contra qualquer alienante da cadeia negocial. Com isso, o litisdenunciado assume uma posição nessa demanda eventual de legitimado ordinário, porque o compromisso em assegurar a idoneidade jurídica da coisa transcende a função interna do contrato, abrangendo todos os transmitentes da cadeia, e não um sujeito específico.
Tal entendimento está de acordo com as diretrizes apontadas pelo Código Civil de 2002, principalmente no que tange a boa-fé objetiva e a função social. Assim, qualquer componente da cadeia estará defendendo, em juízo, direito próprio em nome próprio, face às alegações afirmadas pelo autor.
Portanto, concluímos que o ordenamento jurídico brasileiro, ao instituir a denunciação per saltum, permite ao adquirente/evicto exercer seu direito de regresso em face de qualquer alienante da cadeia negocial, tendo em vista a responsabilidade desses sujeitos na transmissibilidade legitima da coisa, razão pela qual ingressam no feito na qualidade de legitimado ordinário.
IV - Referências
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Notas
- MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 411.
- AZEVEDO, Fábio. Direito Civil – Introdução e Teoria Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 105.
- Existe na doutrina posicionamento que entende ser aplicável a denunciação per saltum a todos os casos previstos no art. 70 do CPC. Neste sentido explica Marinoni: "Ainda que a solução seja expressa para a evicção, pode ser aplicada, por analogia, às demais hipóteses de denunciação. Nesses casos, o denunciante também poderá indicar o denunciado na cadeia de responsabilidade, cabendo aos demais buscar o ressarcimento dos seus direitos através de outra via". MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. Vol. 1. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 194.
- DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. Vol. 1. 10. ed. Bahia: Jus Podivm, 2008. p. 348.
- BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – Procedimento Comum: Ordinário e Sumário. Vol. 2. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 539.
- BRASIL. Leis. Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, 11 de jan. 2002. Institui o Código Civil.
- Preconizava o art. 1.116: "Para poder exercitar o direito, que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante, quando e como lho determinarem as leis do processo." BRASIL, Leis. Lei nº 3.071, de janeiro de 1916. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro, 05 de jan. 1916. Código Civil.
- BRASIL. Leis. Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Diário Oficial da União, Brasília, 17 de jan. 1973. Institui o Código de Processo Civil.
- Entre eles, Alexandre Freitas Câmara, Cândido Dinamarco, Gustavo Santana Nogueira, Alfredo de Araújo Lopes e Flávio Luiz Yarshall.
- CARNELUTTI, Francesco. Profilo dei rapporti tra diritto e processo. Tradução de Hermes Zaneti Jr. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 165-196.
- DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 406.
- Câmara, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. 1. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juirs, 2004. p. 208.
- YARSHELL, Flávio Luiz. Evicção e Denunciação da Lide no novo Código Civil: Contribuição ao Direito Bancário. Revista de Direito Bancário. São Paulo n.º 26. p. 35 – 40, out.-dez. 2004.
- THEODORO JÚNIOR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Vol. 1. 43. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 151-152.
- NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 229-230.
- THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. Cit. p. 151.
- Art. 265: "A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes". Op. cit.
- BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 539.
- NERY JÚNIOR. Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 435-436.
- FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações. 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 349.
- BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Agravo de Instrumento n.º 1.0702.08.457470-7/001. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br>. Acesso em: 11abr. 2010.
- ARAGÃO, Egas Moniz de. Sobre o chamamento à autoria. Revista da AJURIS. Porto Alegre: AJURIS, 1982, nº 25. p.40-45.
- BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp. 4589/1990, PR. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp>. Acesso em: 11 abr. 2010.