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Linhas gerais sobre o processo administrativo previdenciário

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28/08/2010 às 14:43
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4. A FASE DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA E A CRISE PROCESSUAL. PROCESSAMENTO ELETRÔNICO DE BENEFÍCIOS, SISTEMAS CORPORATIVOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL E O RECONHECIMENTO AUTOMÁTICO DE DIREITOS.

Após formalizado o pleito administrativo, segue a etapa do processo administrativo previdenciário destinada à colheita de provas que confirmem ou neguem a existência do direito subjetivo que afirma o requerente possuir.

Podemos afirmar que, enquanto na processualística civil a doutrina aponta a crise do processo na fase de execução [26], diante da inefetividade da decisão judicial em relação à ausência de concreção no mundo dos fatos do comando que dela emerge, na esfera previdenciária a crise do processo atinge a fase de instrução, o que tem desafiado a Administração Previdenciária em busca de soluções que resultem numa decisão administrativa de melhor qualidade e mais justa.

Nessa fase do processo é indispensável uma atuação participativa dos órgãos previdenciários, diante da maior facilidade que possuem para confirmar ou negar a validade jurídica das provas apresentadas pelo interessado, se necessário produzindo novas provas ou solicitando informações a outros órgãos públicos e privados para corroborar aquelas apresentadas, efetivando, assim, a missão institucional da Previdência Social de garantir a proteção ao trabalhador e sua família, por meio de sistema público de política previdenciária solidária, inclusiva e sustentável, com objetivo de promover o bem-estar social [27]. Não obstante seja exigida tal postura administrativa, ainda não se encontra sedimentada nos órgãos previdenciários a cultura da produção probatória de ofício por seus próprios servidores (princípio da oficialidade), quando insuficientes as provas apresentadas pelos interessados. Não raras vezes o segurado apresenta documentos para a comprovação do exercício da atividade laboral, a exemplo da carteira de trabalho com anotações de vínculo de emprego, e os servidores do INSS desconsideram os registros como tempo de contribuição, sem diligenciar junto ao empregador ou a outros órgãos públicos no sentido de confirmar ou afastar a presunção de legitimidade dessas informações.

O modelo adotado atualmente atribui o ônus da produção probatória quase que integralmente àqueles que requerem os benefícios previdenciários. Parte-se da premissa de que se os interessados não produzem os elementos de prova necessários à comprovação dos fatos que alegam ocorridos, não caberia à Administração ir ao encontro das provas para a descoberta da verdade real. Sob esse prisma, diverge o processo previdenciário do processo civil, já que, neste, o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do direito cabe ao autor, devendo o réu apresentar fatos outros impeditivos, modificativos ou extintivos que afastem a pretensão deduzida em juízo. Se o autor não apresenta documentos suficientes ao reconhecimento do seu direito possivelmente a ação será julgada improcedente. No processo administrativo previdenciário, pela sua natureza de atividade estatal vinculada à lei e destinada a garantir o direito social do cidadão, é exigível uma postura diferente da Administração, no sentido de atuar de forma imparcial e proativa, reconhecendo o direito ao benefício ou serviço sempre que os requisitos legais do benefício estejam presentes no processo, se necessário buscando as provas que esclareçam os fatos narrados pelo segurado na oportunidade do requerimento administrativo.

E certamente várias decisões judiciais e administrativas injustas poderiam ter sido evitadas se tivessem sido buscados todos os elementos de prova necessários e disponíveis à apreciação da situação previdenciária do requerente.

O inciso LVI do art. 5º da carta constitucional define bem a ampla possibilidade da produção probatória, admitindo-se no processo a apresentação de todas as provas desde que não sejam obtidas por meios ilícitos, considerando ilícitas aquelas produzidas com ofensa aos direitos e garantias individuais do cidadão, especialmente aquelas que protegem a intimidade e a vida privada. A 2ª turma do STF, na relatoria do Ministro Celso de Mello (HC 93.050, DJE 10/06/2008), definiu a invalidade das provas obtidas por meios ilícitos, bem como aquelas que, embora produzidas aparentemente em conformidade com a lei, se originam de outra prova obtida ilicitamente, cuja pecha da ilicitude é transferida por derivação. Embora a decisão aprecie matéria penal, a interpretação constitucional empreendida mostra-se aplicável à matéria previdenciária. Calha a transcrição parcial da decisão:

Ilicitude da prova. Inadmissibilidade de sua produção em juízo (ou perante qualquer instância de poder) – Inidoneidade jurídica da prova resultante de transgressão estatal ao regime constitucional dos direitos e garantias individuais. A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do due process of law, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. (...) A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do male captum, bene retentum. Doutrina. Precedentes. (...) Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. A exclusão da prova originariamente ilícita – ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação – representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do due process of law e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal [28].

A seguir, serão abordados os principais meios de prova utilizados no processo administrativo previdenciário (prova documental, testemunhal e pericial), bem como procedimentos adotados pelo INSS para a produção probatória (entrevista, pesquisa externa e justificação administrativa).

As provas documentais constituem o principal meio de prova utilizado pelos interessados para a comprovação dos seus direitos previdenciários. Dentre as provas mais utilizadas podemos citar: documentos de identificação pessoal (certidões de nascimento, casamento, etc.); documentos para a comprovação do exercício de atividade laboral (anotações na carteira de trabalho, comprovantes de pagamento, formulários de rescisão contratual e comprovante do recolhimento das contribuições previdenciárias); documentos que indicam o exercício de atividade rural (contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural, declaração do sindicato ou colônia de pescadores, comprovante de cadastro no INCRA, bloco de notas do produtor rural, notas fiscais de entrada de mercadorias, documentos fiscais relativos à entrega de produção rural à cooperativa agrícola, etc.); documentos médicos que auxiliam na verificação da incapacidade laboral (atestados, exames, laudos periciais); relatórios e laudos das condições ambientais do trabalho, nos benefícios por incapacidade e na aposentadoria especial; declaração do recolhimento do segurado à prisão, nos casos de auxílio-reclusão.

Os documentos cujas informações constam em base de dados oficial da administração pública federal não devem ter sua apresentação exigida do requerente, devendo o órgão público obtê-los diretamente do respectivo órgão ou entidade detentora das informações (art. 2º do Decreto nº 6.932/2009). Os dados constantes do Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS (sistema corporativo da Previdência) relativos a vínculos, remunerações e contribuições valem como prova de filiação à previdência social, tempo de contribuição e salários-de-contribuição, também dispensando o interessado da apresentação da documentação relacionada a essas informações

Quando a lei não exigir forma pública para a produção do documento (exemplo da certidão de nascimento, casamento e óbito), o fato jurídico pode ser comprovado mediante a apresentação de documento particular, não se exigindo a autenticação da cópia do documento por cartório público se esta for apresentada aos órgãos previdenciários juntamente com o original, sendo possível a verificação da autenticidade pelo servidor do INSS. As declarações constantes nos documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários, conforme expõe o art. 219 do Código Civil. A prova documental ganha importância quando se trata da comprovação do período de atividade laboral, havendo dispositivo legal expresso no §3º, art. 55 da Lei nº 8.213/91 dispondo que a comprovação do tempo de serviço, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, só produz efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito.

A prova testemunhal é utilizada no processo previdenciário para complementar o valor probatório dos documentos. A prova testemunhal, por si só, não é suficiente para a comprovação do tempo de serviço, devendo sempre estar vinculada a provas documentais que afirmem a existência do exercício da atividade laboral ou a relação de dependência. Segundo o art. 228 do Código Civil, não podem ser admitidos como testemunhas: os menores de dezesseis anos; aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil; os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam; o interessado no litígio; o amigo íntimo ou inimigo capital das partes; os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade.

A prova pericial é utilizada, em regra, para a aferição da incapacidade laboral do segurado e da condição de inválido do dependente, para os fins da prorrogação da qualidade quando maior de 21 anos de idade (incisos I e III, art. 16 da Lei nº 8.213/91), executada por perito médico do INSS. No benefício de amparo social ao deficiente da Lei nº 8.742/93 a análise médica é realizada à luz das condições sociais em que vive o interessado, com a emissão conjunta de parecer por perito médico e assistente social do INSS.

A entrevista é o procedimento interno utilizado pelo INSS principalmente nos processos dos benefícios rurais, consistente na oitiva do requerente, equivalente ao depoimento pessoal no processo judicial civil, tendo por finalidade a comprovação do exercício de atividade rural, possuindo o caráter complementar em relação às provas documentais. A entrevista também é realizada para a oitiva de vizinhos confrontantes do imóvel rural onde a atividade é exercida pelo segurado.

Justificação Administrativa (JA) é o procedimento administrativo realizado pela Previdência Social e destinado a suprir a falta de documento ou comprovação de fato do interesse do beneficiário ou da empresa, desde que a lei não exija documento público. No processamento da justificação administrativa para a comprovação do tempo de serviço, dependência econômica, identidade ou relação de parentesco deve o procedimento da JA estar lastreado em início de prova material, documentos estes que confirmem os depoimentos colhidos pela Previdência. O interessado poderá solicitar a realização de justificação administrativa arrolando de três a seis testemunhas, a fim de confirmar os fatos que o interessado pretende comprovar.

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Pesquisa externa são os serviços externos, envolvendo deslocamento de servidor do INSS, que tem por finalidade a elucidação de dúvidas, complementação de informações ou apuração de denúncias junto a empresas, órgãos públicos, entidades representativas de classe, cartórios, contribuintes e beneficiários, destinada a verificar os documentos apresentados pelo interessado, beneficiários ou contribuintes; realizar visitas necessárias ao desempenho das atividades de perícias médicas, habilitação e reabilitação profissional, bem como de serviço social. A pesquisa externa tem valiosa participação nos benefícios requeridos por segurados especiais e demais trabalhadores rurais, para a comprovação do efetivo trabalho rural.

Na fase de instrução processual, bastante relevante é a utilização de informações existentes na base de dados dos sistemas informatizados da Previdência Social, dentre os quais passamos a citar os mais importantes. O Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) teve como origem remota o Decreto nº 97.936/89 que criou o Cadastro Nacional do Trabalhador – CNT e representava um consórcio entre o Ministério da Previdência Social e Assistência Social – MPAS, Ministério do Trabalho e Caixa Econômica Federal, assumindo a denominação atual com a Lei nº 8.212/91. Consiste banco de dados com informações dos trabalhadores e empregadores, de onde se pode extrair, dentre outros, os dados pessoais, vínculos empregatícios, contribuições previdenciárias vertidas, benefícios requeridos, remunerações percebidas, agregando-se recentemente valiosa base cadastral com informações dos segurados especiais. O sistema PLENUS reúne todas as informações relacionadas aos benefícios requeridos pelos segurados e dependentes, deferidos ou não pelas unidades do INSS. Todas as informações necessárias à implantação ou revisão da renda mensal do benefício são inseridas no sistema, desde os dados pessoais do segurado, dependentes e do instituidor da pensão por morte, até os salários-de-contribuição, dados bancários, valores percebidos e informações das perícias médicas realizadas ou não pela Previdência Social. O sistema SABI é o sistema onde são administradas todas as informações relacionadas à perícia médica, desde os atestados médicos e exames apresentados pelos segurados até a conclusão médica obtida pelo perito médico do INSS, declarando a presença ou não da incapacidade laboral.

A partir da edição da Lei Complementar nº 128/2008 iniciou-se na Previdência Social intenso trabalho de fortalecimento dos sistemas corporativos, ampliando as bases de dados que alimentam o sistema CNIS, com a migração de informações da Secretaria da Receita Federal do Brasil, Ministério da Pesca e Aqüicultura, Fundação Nacional do Índio – FUNAI e outros órgãos federais [29], com a finalidade de permitir que a análise administrativa do INSS seja enriquecida com o maior número possível de informações que, confrontadas com os documentos apresentados no processo administrativo, levem o INSS a emitir uma decisão mais célere e melhor fundamentada, com dados objetivos e confiáveis. Nessa linha de atuação, recentemente o INSS iniciou trabalhos direcionados ao reconhecimento automático dos direitos dos segurados no benefício de aposentadoria por idade (aposentadoria em 30 minutos), enviando cartas para as residências dos segurados que estão na iminência de atingir o requisito etário, representando considerável avanço na análise administrativa dos benefícios.

A ideia da política pública previdenciária é transformar o INSS em órgão gestor de informações, reconhecendo automaticamente o direito subjetivo dos segurados quando presentes informações que confirmem os requisitos necessários à concessão do benefício ou, se insuficientes, desonerar o segurado da apresentação de documentos que já constam na base de dados da Previdência.

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Sobre o autor
Allan Luiz Oliveira Barros

Allan Luiz Oliveira Barros. Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Atuou na Procuradoria Federal junto a Superintendência Nacional de Previdência Complementar - Previc. Membro da Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC). Mestrando em Direito e Políticas Públicas pela UNICEUB. Máster en Dirección y Gestión de Planes y Fondos de Pensiones pela Universidade de Alcalá, Espanha. Pós-Graduado em Direito Constitucional e Direito Previdenciário. Professor de Cursos de Pós-Graduação em Direito Previdenciário e da Escola da Advocacia-Geral da União. Editor do site www.allanbarros.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Allan Luiz Oliveira. Linhas gerais sobre o processo administrativo previdenciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2614, 28 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17278. Acesso em: 19 abr. 2024.

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