CAPÍTULO 5
IMUNIDADES EM ESPÉCIE
5.1 Imunidade recíproca
Nos termos do artigo 150, VI, a, da CF/88, é vedado às pessoas políticas instituírem impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. Por certo, a regra imunizante, no caso, vem iluminada pelo princípio federativo e a autonomia dos municípios (art. 29 e 30, CF), sendo este o seu fundamento. Como já se pronunciou o STF (ADIN 939), é a própria "garantia da federação", inerente ao Estado Federal, sem a qual restaria comprometida a descentralização pretendida com esta forma de Estado. É corolário de uma relativa descentralização político-jurídica do Estado Federal, que se assenta na isonomia das ordens jurídico-estatais que nele convivem.
Federação implica em esferas de governo autônomas do ponto de vista político. Autonomia política, entretanto, traduz-se na disponibilidade de recursos financeiros, a fim de se garantir a descentralização administrativa visada. Se o valor intrínseco da imunidade recíproca é o de evitar-se que quaisquer entes políticos se utilizem da tributação com a finalidade de interferência uns em relação aos outros, pondo-se em risco a união indissolúvel da União, Estados, Municípios e do Distrito Federal, o princípio fundamental em que é veiculada é aquele atinente à forma federativa do Estado brasileiro.
Assim, mesmo que não houvesse previsão na alínea supra-citada, tal imunidade estaria presente no nosso ordenamento jurídico positivo, conquanto resulta da paridade que deve existir entre as três pessoa jurídicas de direito constitucional interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Isto porque, a tributação pressupõe uma supremacia de quem tributa em relação a quem é tributado. Ou seja, há um estado de sujeição de quem é tributado, em relação a quem tributa.
Tanto é que nos Estados Unidos da América (que também adota o princípio federativo como o Brasil) não há na sua Constituição nenhuma menção expressa à imunidade recíproca como fez o constituinte brasileiro. Contudo, naquele país, acabou-se por reconhecê-la como corolário da Federação.
Merece registro o caso que existiu no início do século XIX, especificamente em 1819, em que o Estado de Maryland pretendeu cobrar imposto sobre a selagem com estampilhas de uma filial do banco oficial (Bank os U.S.). McCulloch (gerente deste banco, na sucursal de Baltimore), insurgiu-se contra isto, levando o caso à Suprema Corte norte-americana. Referência citada por Aliomar Baleeiro, em sua obra sempre recente "Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar", o caso conhecido por "McCulloch vs. Maryland", foi presidido pelo Juiz John Marshall.
Este Chief-justice, como lá denominado, coordenou o julgamento pela Corte norte-americana, julgamento este que assentou vários fundamentos da imunidade recíproca que foram seguidos pelo constituinte brasileiro, seguindo o direito pátrio o norte-americano, neste ponto analisado.
Os fundamentos considerados neste julgamento foram:
a)Que a competência para tributar por meio de impostos envolve, eventualmente, a competência para destruir;
b)Não se admite que a União destrua os Estados-membros, nem que estes se destruam mutuamente ou à União; e
c)Nem a União pode exigir impostos dos Estados-membros, nem estes da União, ou uns dos outros.
Aliomar Baleeiro traz, ainda, outro fundamento tecido por Marshall no julgamento do caso no qual reconheceu a imunidade no âmbito norte-americano, no que diz respeito a tributação da União pelos Estados:
diz MARSHALL naquele ruidoso acórdão, não podem tributar a União, porque seria o mesmo que submeter todos os cidadãos dos Estados Unidos a impostos votados sem representação deles e para restrito interesse local. Faltaria o consentimento, que existe, entretanto, no imposto federal, pelo fato de ser votado pelos representantes de todos os Estados. [116]
Ademais, a imunidade recíproca se fundamenta tanto no princípio federativo quanto na ausência de capacidade econômica da pessoa política, que entre nós, veio consagrada pelo § 1°, do artigo 145 da Constituição Federal, e que é corolário da isonomia, da igualdade.
De fato, esse é outro prisma pelo qual a questão deve ser examinada, não se podendo reconhecer nas atividades estatais próprias, como instrumentalidades governamentais, a capacidade inerente às atividades econômicas de fins lucrativos. Nem seria razoável tributar, decepando a renda, aquela atividade para cuja manutenção compulsoriamente devem contribuir os cidadãos. Tal ângulo de análise também explica por que motivo se excluem da imunidade as empresas públicas, organizadas em regime de Direito Privado.
Com efeito, a riqueza estatal se destina à fins públicos, provindo ela em sua receita derivada de tributos pagos pelos próprios cidadãos. Deste modo, falta aos entes federativos a capacidade contributiva conquanto seu patrimônio, as rendas que obtêm e seus serviços, são utilizados em prol do bem comum, que é a finalidade última de existência do Estado.
Vê-se, portanto, que os fundamentos da imunidade recíproca são estes dois: o princípio federativo e a ausência de capacidade contributiva. Contudo, deve-se ter em mente que, o que diferencia a imunidade recíproca das demais espécies é justamente o princípio federativo, pois a ausência de capacidade contributiva assenta também a imunidade das instituições de educação, de assistência social, dos sindicatos e dos partidos políticos, as quais não podem ser colocadas no mesmo plano comum à recíproca.
Interpretando o preceito imunizante, nos deparamos com o texto da Magna Carta que dispõe ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
"Art. 150.
...
VI- instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;"
Várias são as classificações dos tributos cunhadas pela doutrina, diria até incontáveis. Encontramos na doutrina a classificação dos tributos em: federais, estaduais ou municipais; fiscal, extrafiscal e parafiscal; reais e pessoais; diretos e indiretos; fixos e variáveis; regressivos e progressivos; seletivos e não seletivos; monofásico e plurifásico; cumulativos e não cumulativos; sobre renda, circulação e patrimônio; etc. Dentre as classificações possíveis, quanto aos impostos, encontramos no CTN, a classificação das exações segundo a natureza econômica do fato gerador respectivo, em impostos: sobre o comércio exterior(importação e exportação); sobre o patrimônio e a renda (que incluem os impostos sobre a propriedade imobiliária e sobre a transmissão dessa propriedade, além do imposto de renda); sobre a produção e a circulação (IPI, ICM, IOF, impostos sobre serviços); impostos especiais (que englobavam os antigos "impostos únicos" e os impostos extraordinários de guerra).
Embora a classificação procedida pelo legislador no CTN mereça ser revista, num primeiro instante, a leitura do dispositivo constitucional que estabelece a imunidade recíproca nos leva a crer que somente se estenderia aos impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços.
Aliomar Baleeiro [117] ensina que bens seriam todas as coisas vinculadas à propriedade pública e integrantes do serviço público, móveis ou imóveis, corpóreas ou não, inclusive complexo de coisas, como uma empresa ou um estabelecimento. A totalidade dos bens, inclusive direitos subjetivos, constitui o patrimônio, a universidade das coisas do titular delas, universitas rerum, que a CF quer imune dos impostos de qualquer outra pessoa de direito público.
Rendas não seriam apenas tributos, mas também quaisquer outras, e serviços seriam os serviços públicos, segundo a noção que deles dá o Direito Administrativo.
Com esta distinção, aponta o referido autor que seriam possíveis duas interpretações referente a amplitude da imunidade recíproca, uma mais restritiva e outra mais ampla. A restrita predica em que a acepção dos conceitos de renda, patrimônio e serviços, seria dada pela própria CF para delimitar a norma de atribuição de competência tributária entre os entes estatais, assim como a repartição levada a cabo pelo CTN. Assim, tais conceitos, aparentemente indeterminados e de limites um tanto fluidos, ganhariam conteúdo definido a partir das normas de organização dos diversos tributos, feita pelo CTN, que os distribuiu em impostos sobre o comércio exterior, sobre patrimônio e renda, sobre produção e circulação, e especiais.
Com esta interpretação, estariam excluídos da imunidade recíproca os impostos de importação, sobre produtos industrializados e sobre operações de circulação de mercadorias, assim como o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguros – IOF.
Entretanto, verifica-se que tal imunidade não se estende somente aos impostos classificados como: impostos sobre o patrimônio, impostos sobre renda ou impostos sobre serviços, mas à todas às exações que Geraldo Ataliba nomina de não vinculadas [118], que recaiam sobre os entes estatais.
Esta posição é pacífica. A este respeito, explica Sacha Calmon:
Todavia, não se trata de imunizar apenas a incidência do imposto de renda, dos impostos sobre o patrimônio e dos impostos sobre serviços, como durante muito tempo pensou o STF e também nós. Trata-se de vedar a incidência de quaisquer impostos sobre renda, o patrimônio e os serviços das pessoas políticas, como sempre quis Baleeiro.
O inesquecível mestre de todos nós entendia que as nomina juris renda, patrimônio e serviços possuem significados amplos, abrangentes, expansivos, e que a intergovernamental aplicava-se a todo e qualquer imposto do sistema tributário. [119]
Carrazza tece dois fundamentos para sustentar a assertiva, primeiro, que a constituição não se utilizou de uma linguagem jurídica, mas de uma linguagem econômica, e que para a Economia, todos os impostos são sobre a renda, ou sobre o patrimônio ou sobre serviços. Segundo que, por ser decorrente do princípio federativo e, assim, mesmo sem que houvesse expressa previsão, não poderiam os entes federativos exigir impostos, quaisquer que sejam, uns dos outros.
O Poder Judiciário já assentou o entendimento segundo o qual "não há invocar, para o fim de ser restringida a aplicação da imunidade, critérios de classificação dos impostos, adotados por normas infraconstitucionais, mesmo porque não é adequado distinguir entre bens e patrimônio, dado que este se constitui do conjunto daqueles."(RE n° 193.969-9 SP, Rel, Min. Carlos Velloso, 2° Turma, sessão de 17.09.1996, DJU 1 de 6.12.96, p. 48.733).
De outro giro, vemos que a posição que prevalece na doutrina e jurisprudência é que a imunidade recíproca somente se aplica aos impostos, não se aplicando às taxas e às contribuições de melhoria.
Isto porque, como a imunidade recíproca é decorrência necessária da opção pela forma federal de Estado, assentando-se, em primeiro lugar, na autonomia das pessoas estatais, a imunidade se estende apenas aos impostos, espécie de tributo na qual o poder de império do Estado tributante se manifesta em grau máximo.
Sacha Calmon [120] e Aliomar Baleeiro [121] têm este entendimento, que a imunidade não se estende ás taxas e contribuições de melhoria e também não atua sobre as contribuições parafiscais, especiais ou sociais, se tais contribuições não assumirem feições de impostos.
5.1.1 Imunidade das autarquias e fundações
Os parágrafos 2° e 3°, do artigo 150 da Constituição Federal, estabelece outras disposições relativas à imunidade em tela, verbis:
"§ 2° A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.
§ 3° As vedações do inciso VI, a, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel."
Foi estendida a imunidade recíproca também às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se relaciona às suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. Isso significa que não estão abrangidas pela norma imunizante aquelas atividades econômicas regidas por regime de empreendimentos privados ou nas quais haja contraprestação ou pagamento de tarifas.
O conceito de autarquia e fundações, para fins imunitórios, é fornecido pelo Decreto-Lei n° 300 de 25 de fevereiro de 1967:
"Art. 5º. Para os fins desta lei, considera-se:
I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.
....................................................................................................................................................
IV - Fundação Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes."
Atividades essenciais ou delas decorrentes são eminentemente atividades públicas. Tanto é que mesmo as pessoas jurídicas de Direito Público Interno, por força do que determina o parágrafo 3º do artigo 150 da Constituição Federal, são contempladas pela imunidade somente na condição de que as atividades por si praticadas não sejam aquelas regidas por normas de Direito Privado ou com pagamento de tarifas pelos usuários de serviços.
Impõe-se tal condição, em atendimento ao princípio da livre concorrência, não se permitindo a concessão de privilégios às pessoas públicas em si mesmo consideradas - o que ensejaria deslealdade e desigualdade de tratamento entre elas e as pessoas jurídicas de Direito Privado, mas tão-só na qualidade de prestadores de serviços públicos.
Por último, o titular da promessa de compra e venda de imóvel de uma pessoa política (evidentemente, depois da imprescindível desafetação) sujeita-se ao recolhimento do imposto específico (o ITBI), assim como aquele que adquire imóvel de uma pessoa política. Isto porque as imunidades não beneficiam particulares, ou terceiros que tenham direitos reais em bens das entidades públicas, nem créditos ou rendas de outrem contra tais entidades.
5.2 Imunidade dos templos de qualquer culto
A relevância da religião no ordenamento jurídico positivo pátrio é manifesta. A notamos logo no preâmbulo da Constituição:
"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil"
Quando o preâmbulo da Constituição proclama que ela invoca a proteção de Deus, para organizar um regime democrático, exterioriza a fé em valores espirituais, pretendendo encorajá-los e protegê-los, pelos meios eficazes ao seu alcance.
Alexandre de Moraes expõe que
sendo a religião o complexo de princípios que dirigem os pensamentos, ações e adoração do homem para com Deus, acaba por compreender a crença, o dogma, a moral, a liturgia e o culto. O constrangimento á pessoa humana de forma a renunciar sua fé representa o desrespeito à diversidade democrática de idéias, filosofias e a própria diversidade espiritual. [122]
Durante o Império nosso país tinha uma religião oficial, qual seja, a Católica. Outras religiões haviam, mas apenas a católica recebia uma proteção Estatal.
Com isso, a religião Católica tinha algumas facilidades, como por exemplo, os bispos, sacerdotes e religiosos em geral eram considerados funcionários civis do Império, recebendo salário e aposentadoria. Entretanto, por outro lado, a Igreja Católica no Brasil perdeu neste período sua autonomia, sendo que os bispos dependiam do Imperador para que assim fossem nomeados por Roma, assim como os bispos que criticavam o Imperador eram encarcerados. Sob o aspecto jurídico nenhuma injustiça sofreram, pois sendo funcionários civis tinham o dever de obediência ao Imperador.
Com a proclamação da República foi decretada a separação entre Igreja e Estado, passando este a ser laico. Deixou-se de dispensar maior proteção à uma religião em particular, para tolerar todas elas, sem discriminação.
Por certo, esta tolerância alberga todas as religiões que não ofendem a moral, os bons costumes, ou a segurança nacional. No entanto, existe uma presunção de que toda religião é legítima, a qual somente cederá diante de prova robusta.
Assim, no Brasil o Estado é laico, não tem religião oficial, de maneira que a todas respeita e protege, não indo contra as instituições religiosas, seja mediante o poder de polícia ou através da tributação. As exceções à intervenção do Estado na religião ocorre para evitar abusos, como, por exemplo, seita que pratica sacrifícios humanos ou fanatismo demente e visionários, ou quando sob o manto da fé se pratiquem atos de comércio com finalidade lucrativa, sem qualquer intenção benemérita.
Neste diapasão, a imunidade dos templos de qualquer culto, contemplada pelo artigo 150, VI, b, da Constituição Federal está intrinsecamente ligada ao princípio da liberdade de crença e prática religiosa, prestigiada pelo artigo 5°, incisos VI à VII, da Carta Magna, de modo que o exercício do culto religioso não pode ser embaraçado nem mesmo por meio de impostos.
Templo, do latim templu, é o lugar destinado ao culto. Em Roma era lugar aberto, descoberto e elevado, consagrado pelos augures, sacerdotes da adivinhação, a perscrutar a vontade dos deuses, nessa tentativa de todas as religiões de religar o homem, na sua finitude, à absoluta entidade divina. Hoje, os templos de todas as religiões são comumente edifícios. Nada impede, porém, que o templo ande sobre barcos, caminhões, etc., em suma, onde quer que se oficie a atividade religiosa, existirá o templo.
A imunidade em tela se estende tanto à catedral católica quanto à casa espírita kardecista, o terreiro de candomblé ou de umbanda, a igreja protestante, shintoísta ou budista, à mesquita maometana, etc. Desde que uns na sociedade possuam fé comum e se reúnam em lugar dedicado ao culto, haverá presente a imunidade. Ante a não discriminação das religiões, decorrente em última instância da própria igualdade que é pilar de nosso ordenamento jurídico, a imunidade é extensiva a quaisquer religiões que se possa pensar, desde que, como exposto, tal religião não contrarie a segurança nacional, a moralidade ou os bons costumes.
O apontamento é relevante porque há o perigo, mesmo que remoto, de intolerância para com o culto das minorias, sobretudo se estas se formam de elementos étnicos diversos, hipótese perfeitamente possível num país de imigração como o nosso.
Cumpre-se consignar que a imunidade em tela não se restringe somente ao local em que o culto religioso é feito. Deve-se proceder a uma interpretação teleológica do preceito imunizante, atento à liberdade de religião e na função social que a religião desempenha na sociedade. Há um princípio de que ela decorre e existe um alto cunho axiológico que a sustenta. Ademais, o exercício do culto religioso não ostenta capacidade contributiva. São estas algumas das considerações que fundamentaram a opção legislativa que assentou esta imunidade.
No entanto, por outro lado, também não se pode estender em demasia o âmbito desta imunidade, de forma a permitir que, sob o manto da liberdade de religião, se oculte a fraude ou haja o abuso da forma jurídica do culto com o objetivo de determinada pessoa não arcar com o pagamento do tributo devido.
Entendemos que a imunidade não se estende somente ao prédio ou local que ocorre o culto religioso, mas tudo quanto seja ligado ao exercício da atividade religiosa, não podendo haver impostos sobre missas, batizados, ofertas dos fiéis, ou qualquer outro ato religioso. Nem sobre qualquer bem que esteja vinculado à atividade religiosa e que seja instrumento de consecução da sua finalidade essencial.
Aliomar Baleeiro sustentou:
O templo de qualquer culto não é apenas a materialidade do edifício, que estaria sujeito tão-só ao imposto predial do Município, ou o de transmissão inter vivos, se não existisse a franquia inserta na Lei Máxima. Um edifício só é templo se o completam as instalações ou pertenças adequadas àquele fim, ou se o utilizam efetivamente no culto ou prática religiosa. [123]
Antônio Roque Carrazza tece uma consideração interessante: "temos a considerar, ainda, que a imunidade alcança o veículo que comprovadamente é usado para a catequese ou os serviços do culto. Sobre ele não incide o IPVA." [124]
Ainda em relação ao templo, enfrentamos a questão de averiguar se bens que não servem para o culto ou prática religiosa, mas que sirvam ao condutor do culto, são imunes. Bens como a casa do padre, rabino, pai de santo, etc. Pagaria, o padre, impostos sobre o imóvel que reside?
Nesta questão, encontramos posições nos dois sentidos, mas ficamos com Sacha Calmon Navarro Coelho que entende:
Os terreiros da religião afro-brasileira funcionam, muitas vezes, agregados á casa do "pai-de-santo". Comumente é um barracão nos fundos do terreno. Pois bem, a imunidade colhe apenas o barracão. E a casa do padre? Esta também não goza de imunidade. Não é templo, é moradia (embora de um sacerdote, que nem por isso deixa de ser um cidadão, com direitos e deveres comuns à cidadania). O escopo é imunizar o templo e não o babalorixá, o padre, o rabino, o ministro protestante em seus haveres. [125]
Com razão, porque não se trata de bem ligado à atividade essencial do culto religioso, mas de bem que somente aproveita ao sacerdote, que beneficiaria a pessoa física condutora do culto e não a atividade religiosa que o legislador pretendeu proteger.
Neste diapasão, o § 4° do artigo 150 da Carta Suprema estatui:
"§ 4° As vedações expressas no inciso VI, alínea b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas."
Assim, a imunidade somente contempla atividades essencialmente ligadas ao culto religioso, de maneira que não se estende às rendas provenientes de aluguéis de imóveis, venda de objetos sacros, da exploração comercial de estacionamentos, da venda de licores, etc., pois são atividades econômicas que não se ligam essencialmente à atividade essencial do culto religioso. Com efeito, pois se assim não fosse, as entidades religiosas poderiam desenvolver atividades industriais e comerciais quaisquer, a pretexto de angariar meios financeiros para a manutenção do culto, praticando uma verdadeira concorrência desleal, em detrimento da livre iniciativa.
5.3 Imuidade dos partidos políticos e suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos
A Constituição juridiciza determinados valores, garantindo-os e protegendo-os, naquela função diretiva inerente ao dever-ser da linguagem prescritiva do direito positivo.
Daí dispõe o artigo 150 da CF ser vedado aos entes tributantes:
"VI - instituir impostos sobre:
a)patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;"
De acordo com o § 4°, do mesmo artigo, tal imunidade compreende somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais destas entidades.
5.3.1 Dos Partidos Políticos
Os partidos políticos são de crucial importância para a organização política da sociedade. Desempenham papel relevante na política, reunindo correntes de opinião, representando as minorias e as maiorias, a situação e a oposição. Previstos constitucionalmente pelo artigo 17 da Constituição Federal, de acordo com o artigo 44 do Código Civil de 2002 são pessoas de direito privado. São imanentes ao regime democrático brasileiro e destinam-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo.
Desta forma, é que o constituinte brasileiro conferiu especial proteção aos partidos políticos, conferindo aos mesmos a imunidade tributária relativas aos tributos não-vinculados. Falta aos partidos políticos a capacidade contributiva, por não terem o objetivo auferir lucro, mas a atuação política do indivíduo mediante o regime representativo.
Deste modo, os partidos políticos não podem ter suas rendas, patrimônio ou serviços tributados à mercê de impostos incidentes sobre tais realidades jurígenas, são imunes ao imposto predial e territorial dos municípios, impostos sobre serviços em relação aos serviços que prestarem a terceiros, etc. Também as fundações mantidas pelos partidos políticos, tanto quanto estes, estão imunes á impostos, desde que preencham os requisitos de lei.
A imunidade se estende somente as atividades essencialmente ligadas à finalidade dos partidos políticos.
Pontes de Miranda explica: "Só é imune o serviço inteiramente a cargo e inteiramente destinado ao partido político, ainda que seja locatário da casa ou dos aparelhos e do pessoal." [126]
Por último, observamos que os partidos políticos abrangidos pela imunidade são aqueles constituídos regularmente, observadas todas as formalidades legais à sua constituição, devidamente registrado no Tribunal Superior Eleitoral. Por tal razão, não se estende a imunidade àqueles que existem contra legem, como se tem notícia da existência do partido nazista brasileiro.
5.3.2 Das Entidades Sindicais dos Trabalhadores
A imunidade em tela abrange somente as entidades sindicais dos trabalhadores, estando excluídas as entidades patronais.
Pretendeu o constituinte incentivar a sindicalização dos trabalhadores, mormente dos que desempenham atividades mais humildes. (v.g., barbeiros, empregados no comércio varejista, padeiros, etc.), pois se tais sindicatos tivessem que suportar a carga tributária, restariam inviáveis.
A imunidade contempla as centrais sindicais(por exemplo a CUT), visto que é formada pela reunião de vários sindicatos, sendo o somatório das entidades sindicais dos trabalhadores.
5.3.3 Instituições de Educação e Assistência Social
Quanto ao conceito de instituição, debatido pela doutrina na busca da forma jurídica a ser adotada, verifica-se que a palavra "instituição" não tem a ver com tipos específicos de entes jurídicos, conforme considerações estritamente formais. É preciso distinguirmos quando a distinção for fundamental e não distinguir quando se mostre desnecessário. Instituição é palavra destituída de conceito jurídico-fiscal. Inútil procurado aqui ou alhures, do Direito estrangeiro. Como ensina Sacha Calmon Navarro Coelho, é um functor. O que a caracteriza é exatamente a função e os fins que exercem e buscam, secundária a forma jurídica de sua organização, que tanto pode ser fundação, associação, etc. O destaque deve ser para a função, ou seja, para os fins colimados. [127]
O artigo 206 da Carta Magna dispõe, verbis:
"Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."
A imunidade em tela visa proteger as instituições de educação e assistência social porque suas finalidades acham-se relacionadas com finalidade e dever do próprio Estado, qual seja, a assistência social e a cultura, educação, etc.
Paulo de Barros Carvalho explica:
As instituições de educação e de assistência social desenvolvem uma atividade básica, que, a princípio, cumpriria ao Estado desempenhar. Antevendo as dificuldades de o Poder Público vir a empreendê-la na medida suficiente, o legislador constituinte decidiu proteger tais iniciativas com a outorga da imunidade. [128]
Não perde tal característica a instituição que cobra pelos seus serviços e remunera o trabalhos de seus empregados, porque não se exige a gratuidade de serviços, mas somente a ausência de finalidade lucrativa por aqueles ligados á instituição, por se observar ser benemérita a atividade.
Aliomar Baleeiro ensina:
Instituição de educação não significa apenas a de caráter estritamente didático, mas toda aquela que aproveita á cultura em geral, como o laboratório, instituto, centro de pesquisa, o museu, o atelier de pintura ou escultura, o ginásio de desportos, as academias de letras, artes e ciências. O importante é que seja realmente "instituição" acima e fora de espírito de lucro, e não simples "empresa" econômica, sob o rótulo educacional ou de assistência social. [129]
Desta forma, a instituição de educação imune a imposto é a que, sem finalidade de lucro, secunda o Estado em seu dever constitucional estatuído pelo artigo supra.
O que não é alcançado pela imunidade são aquelas instituições exploradas profissionalmente pelos seus proprietários, ou que, pertencendo à uma instituição, proporcione percentagens, participações em lucros ou comissões a diretores ou administradores, pois, deste modo, seria assente a capacidade contributiva a impor a tributação de tais entidades.
Da mesma sorte, seguem as instituições de assistência social, porque também secundam o Estado no cumprimento de seu dever de realizar o bem comum. Exercem tais instituições de assistência social funções que também ficam a cargo do Estado, como se observa dos artigos 194 e 203 da Carta Magna. A exemplo, as Santas Casas da Misericórdia, que dão assistência médico-hospitalar gratuita a pessoas carentes. É notória que devam usufruir de certos benefícios, e ninguém contestaria a imunidade que lhe é conferida, posto que presente seu propósito beneficente.
Neste aspecto, as instituição fechadas e de previdência privada, também chamadas "fundos de pensão", gozam da imunidade, porque não têm finalidade lucrativa, preenchem os requisitos da universalidade e generalidade, ainda que restrita a uma categoria de pessoas e objetivam a consecução de interesse público. Deste modo, desde que atendam os requisitos de lei, devem lhe ser reconhecida a imunidade.
Consignamos aqui, que inexiste obrigação das entidades estarem abertas à toda a população, em geral, pois podem atender exclusivamente seus associados. Ademais, o texto constitucional não fez tal exigência, de modo que não pode o legislador infra-constitucional a exigir, restringindo o alcance do preceito imunizador em desrespeito às suas finalidades precípuas.
5.3.4 Considerações acerca das imunidades previstas pela alínea c, do inciso VI, do artigo 150, da Constituição Federal
As situações descritas acima se encontram fora da competência tributária dos entes federativos, pelos motivos já expostos, se não tiverem finalidade lucrativa e atenderem aos requisitos de lei, que no caso é o CTN (Lei n° 5.172 de 25 de outubro de 1966) que, apesar de editado em 1966, foi recepcionado pela Constituição de 1988 como Lei Complementar.
Roque Antônio Carrazza [130] e Paulo de Barros Carvalho [131], com razão, dizem que, nos termos do dispositivo constitucional que prevê as imunidades em tela, os requisitos de lei se aplicariam não só às instituições de educação e assistência social como também aos partidos políticos e suas fundações e pelas entidades sindicais dos trabalhadores.
Entretanto, faz-se nota aqui da posição de Luciano Amaro, que defende que a ausência de finalidade lucrativa e atendidos os requisitos de lei, somente se aplica à instituições de educação e assistência social, e não a todas as entidades mencionadas na alínea. [132]
Entendemos, contudo, que a vedação de finalidade lucrativa e o atendimento aos requisitos de lei referem-se à todas as hipóteses contempladas pela alínea c, do inciso VI, do artigo 150, da CF.
5.3.4.1 Da vedação da finalidade lucrativa
A vedação à finalidade lucrativa deve ser compreendida no sentido de que seus objetivos institucionais não perseguem o lucro, que implicam em posterior repasse aos sócios, etc.
Hugo de Brito Machado esclarece:
Só existe para aquelas instituições sem fins lucrativos, conceito que também tem sido muito mal compreendido. A lei não pode acrescentar requisitos a serem atendidos. Basta que não tenham fins lucrativos. É razoável, todavia, entender-se que o não ter finalidade lucrativa pode traduzir-se no atendimento dos requisitos do artigo 14 do Código Tributário Nacional [133]
Não ter fins lucrativos não significa a prestação de serviços gratuitos ou que as receitas sejam limitadas aos custos operacionais. Tais receitas podem e devem ser superiores aos gastos, para que tais instituições possam progredir, modernizando-se e ampliando suas instalações. O que se proíbe é a distribuição de lucros, que implicaria em enriquecimento dos particulares, ou seja, das pessoas por traz destas instituições. Tais pessoas, se não houvesse a vedação à finalidade lucrativa, embolsariam os lucros destas entidades, portando seriam, em última análise, beneficiadas pela imunidade em tela, em detrimento do erário e do próprio progresso das instituições imunes.
Lucro é conceito afeto à noção de empresa, coisa que as entidades, nas circunstâncias previstas pela hipótese imunizante, não são, uma vez que lhe falta o fim lucrativo, ou seja, a entidade não foi criada para o benefício lucrativo de seu criador, mas para atingir uma finalidade altruísta.
Não pode a imunidade que, como vimos, assenta-se em valores consagrados no seio social, beneficiar particulares em sua ânsia de lucratividade. Daí a proibição de finalidade lucrativa. Desta feita, fica claro que a atividade lucrativa repele a imunidade; presente o lucro, ausente a imunidade.
5.3.4.2 Quanto aos requisitos de lei
A legislação acerca das imunidades deve ser feita por meio de Lei Complementar, primeiro porque se encontra no capítulo atinente à "Limitação do Poder de Tributar", atraindo as disposições do artigo 146 da CF. Outro motivo é que, por abranger a imunidade todas as espécies de impostos, seja o federal o estadual e municipal, deve haver uma lei uniforme, ou seja, uma lei nacional que se aplique às diversas esferas de Poder, o que, no campo tributário, é reservado à Lei Complementar.
Sacha Calmon Navarro Coelho ensina:
É que o legislador da União não pode regular limitação ao poder de tributar dos Estados e Municípios, tanto quanto ela, ordens parciais. Só o constituinte pode pôr a limitação, e só o legislador complementar da Constituição pode regulá-la por meio de lei complementar que não é lei federal, mas nacional, de observância obrigatória pelas três ordens de governo, União, Estados e Municípios. [134]
Consignamos que a Lei Complementar deve cuidar apenas dos aspectos formais, apontando medidas aptas a assegurar a eficácia do mandamento constitucional, sem restringi-lo ou alargá-lo.
Todavia, esta não é imprescindível ao gozo das imunidades.
5.3.4.3 A Eficácia das Hipóteses de Imunidade contempladas pela alínea c, do inciso VI, do artigo 150, da Constituição Federal
Conforme já expostos e fundamentado acima, somos pela posição segundo a qual as imunidades são normas jurídicas de aplicação imediata, em virtude do que dispõe o § 1°, do artigo 5°, da CF.
Deste modo, as hipóteses de imunidades que acabamos de tratar (alínea c, do inciso VI, do artigo 150, da CF), embora se refiram à "atendidos os requisitos da lei" não dependem, para sua aplicação, de edição da Lei Complementar.
O que ocorre é que tal norma é de eficácia contível, de maneira que o legislador pode pormenorizar os requisitos para o gozo da imunidade, contudo, sem alagar ou restringir o alcance da norma prevista pelo constituinte. Os condicionantes fáticos a cargo do legislador infraconstitucional não podem ser aquém ou além daqueles que possibilitariam o gozo da imunidade por aqueles que o constituinte almejou proteger.
Segundo Aliomar Baleeiro: "Não cabe ao intérprete – e essa tem sido a posição jurisprudencial uniforme – ou, ao legislador ordinário criar outros requisitos não previstos em lei complementar, tais como a declaração legal de utilidade pública; a exigência da constituição de fundação como único veículo formal ao desenvolvimento das atividades educacionais e assistenciais, etc." [135]
Assim, pode o legislador complementar dispor acerca de requisitos para o gozo da imunidade, entretanto, encontram-se as hipóteses de imunidade suficientemente caracterizadas no Texto Supremo. Caso não haja lei infraconstitucional que trate da imunidade, a interpretação de sua abrangência é construída a partir do próprio texto constitucional, especificamente, no que dispõe que tais entidades não podem ter fins lucrativos.
É relevante, neste ponto, para compreensão desta posição, observarmos que a aplicação destas imunidades não podem ficar ao talante do legislador, na conveniência deste em editar ou não a lei que regulamenta a imunidade. Isto porque, sendo as imunidades direitos fundamentais do contribuinte diante da atuosidade do Poder Legiferante, não podem depender da atuação deste último para que seja aplicada. Seria o mesmo que outorgar a quem terá afastada sua prerrogativa de instituição do gravame, a conveniência de afastar ou não tal prerrogativa.
Nem se diga que, neste caso, socorreria ao contribuinte o mandado de injunção (artigo 5°, inciso LXXI, da CF), porque tal remédio constitucional não preenche a lacuna que existiria se tais normas imunizantes fossem concebidas como de eficácia limitada, permanecendo, desta forma, inviabilizada a imunidade.
Como expõe Alexandre de Morais [136], a natureza jurídica da decisão em mandado de injunção subdivide-se em: não concretista e concretista. Pela corrente concretista pode a mesma ser geral ou individual e, nesta última, direta ou intermediária. O Supremo Tribunal Federal adota a posição não concretista, de modo que sendo procedente o mandado de injunção há somente uma cientificação do órgão competente para edição da norma, no caso o legislador complementar, da omissão verificada, sem que se viabilize o exercício do direito. Acaso a omissão persista, continuaria sem aplicação a imunidade.
É inadmissível que, ante a omissão do legislativo, tais imunidades restem inaplicáveis. É neste sentido que entendemos que as imunidades em tela têm eficácia contível.
Registre-se, porém, que somos posição minoritária neste ponto, sendo que a maioria dos doutrinadores e jurisprudência são no sentido de que as imunidades em tela são de eficácia limitada.
5.3.4.4 Da regulamentação da imunidade
Há regulamentação das imunidades previstas na alínea c, do inciso VI, do artigo 150 da Constituição Federal, que encontramos no Código Tributário Nacional, que tem status de lei materialmente complementar.
O Código Tributário Nacional dispõe:
"Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I - não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (NR) (Redação dada ao inciso pela Lei Complementar nº 104, de 10.01.2001, DOU 11.01.2001)
II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
§ 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.
§ 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são exclusivamente os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previsto nos respectivos estatutos ou atos constitutivos."
Deste modo, os partidos políticos e suas fundações, os sindicatos de empregados e as instituições educacionais e assistenciais, para o gozo da imunidade têm três requisitos a serem observados: não podem ter fins lucrativos; devem aplicar seus recursos no País; e devem escriturar suas receitas em livros próprios e de modo adequado.
A circunstância de não poderem repartir o resultado positivo de suas receitas traduz a ausência de finalidade lucrativa, já tratada por nós, de maneira que os resultados não são divididos entre as pessoas que participam das entidades, recebendo somente seus salários. Desta forma, suas eventuais sobras financeiras são aplicadas na manutenção de sue objetivos institucionais, melhorando, modernizando e ampliando seus serviços.
A escrituração contábil é o meio de se comprovar o cumprimento das exigências exigidas para o gozo da imunidade, sendo de cunho instrumental.
No que se refere à possibilidade de se suspender a imunidade, conforme dispõe o § 1°, do artigo supra, há quem entenda ser inconstitucional, porque ao administrador público não seria concedido o poder de paralisar, mesmo que temporariamente, os efeitos imunitórios, por mera discricionariedade, uma vez que não há competência tributária que alcance as situações imunes. Se a entidade descumpre os requisitos da Carta Magna ou do CTN, ocorre que ela não se enquadrará na hipótese da norma imunizante, impondo-se, por conseguinte, a exigência de impostos, contudo, isto não pode ficar ao talante da administração. [137]
Isto porque, com a edição da Lei Complementar ficam explicitados os requisitos para o gozo da imunidade, de forma que, se determinada instituição não cumprir tais exigência, como forma de se enquadrar na hipótese imunizante, não haverá que se falar em imunidade, e por isto não há que se suspender o que não existe.
Contudo, não podemos passar despercebidos, neste estudo, ao que determina o § 1° do artigo supra, que coloca dentre os requisitos a serem atendidos pelas entidades imunes, o cumprimento de obrigações acessórias, o que, inclusive é acolhido por parte da doutrina [138]. Quanto ao cumprimento dos dispostos nos incisos do art. 14, do CTN, concordamos que o seu descumprimento afasta o enquadramento das entidades na hipótese imunizante, pois tal norma explicita os requisitos da Magna Carta, como suficientes para o gozo da imunidade. O que os chama atenção é, especificamente, a condição imposta às entidades de cumprirem o disposto § 1°, do artigo 9°, do CTN, sob pena de ser-lhes suspendida a imunidade.
O § 1°, do artigo 9°, do CTN, dispõe:
"§ 1° O disposto no inciso IV não exclui a atribuição, por lei, às entidades nele referidas, da condição de responsáveis pelos tributos que lhes caiba reter na fonte, e não as dispensa da prática de atos, previstos em lei, assecuratórios do cumprimento de obrigações tributárias por terceiros."
Observamos que as obrigações acessórias, mormente a de reter tributos devidos na fonte, não tem o condão de afastar a imunidade, pois tal obrigação não foi exigida pela CF, de modo que o legislador infra-constitucional não pode erigí-la como requisitos para o gozo da imunidade, se não foi prevista pelo constituinte.
Da mesma forma, partindo da premissa de que a imunidade estabelece a incompetência dos entes tributantes, e que foi estabelecida pelo Poder Constituinte Originário como preceito fundamental, inafastável até mesmo por Emenda Constitucional, não pode o descumprimento de obrigações acessórias, que não têm relação com a hipótese imunizante, criar a competência tributária, mediante ato da autoridade adminstrativa.
Ressalte-se que somente são imunes o patrimônio, renda e serviços diretamente relacionados com finalidades essenciais das entidades imunes, a teor do § 4°, do inciso VI, do artigo 150, da CF e § 2°, do artigo 14, do CTN.
Quanto ao aspecto instrumental, ou seja, se é necessário o requerimento ou petição á autoridade administrativa para o reconhecimento da imunidade, existem duas posições.
Paulo de Barros explica que deve haver requerimento da imunidade à autoridade administrativa competente, que apreciará a situação objetiva, conferindo seu enquadramento às exigências da Lei n/ 5.172/66, após o que reconhecerá a imunidade do partido político ou da instituição educacional ou assistencial. [139]
Sacha Calmon, em sentido contrário:
Tampouco depende o gozo da imunidade de requerimento ou petição. O imune, enquadrando-se na previsão constitucional, observados os requisitos, tem, desde logo, direito. Não pagará imposto, desnecessária autorização, licença ou alvará do ente político cujo exercício da competência está vedado.
Aceitável que o imune comunique ao ente tributante a sua condição e requeira o respectivo título. O ato e facultativo. [140]
Ficamos com esta última posição, porque não se pode admitir seja necessário requerimento à autoridade administrativa com o objetivo de se reconhecer a incompetência estabelecida pela CF. Se nem mesmo o constituinte derivado pode se opor ao gozo da imunidade em relação àqueles que se enquadrarem na hipótese do preceito imunizante, quem dirá a autoridade administrativa. Ademais, isto não foi exigido pelo legislador compelementar.
Em caso do não preenchimento dos requisitos previstos pela lei para que se implemente a situação imune, o que ocorre é a não realização da hipótese imunizante, do que decorre a submissão da entidade ao dever tributário pela ocorrência dos fato geradores respectivos.
5.4 Imunidade dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão
A alínea c, do inciso VI, do artigo 150, da Constituição Federal, dispõe ser vedado aos entes tributantes:
"VI- instituir impostos sobre:
...
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão."
Percebemos que os princípios que norteiam a imunidade em tela são: a liberdade de manifestação do pensamento (aí compreendido a liberdade de imprensa) e a difusão da cultura.
Aliomar Baleeiro tece as seguintes considerações:
Certo é que o imposto pode ser meio eficiente de suprimir ou embaraçar a liberdade de manifestação do pensamento, a crítica dos governos e homens públicos, enfim, de direitos que não são apenas individuais, mas indispensáveis à pureza do regime democrático. [141]
Os livros, jornais e periódicos são os meios universais da propagação de idéias, de interesse social, a medida que servem de instrumento para melhoria do nível intelectual, técnico, moral, político e humano da comunidade. Ademais, a própria Carta Magna consagra como direito fundamental a liberdade de manifestação intelectual, artística, científica e de comunicação, verbis:
"IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;"
Por sua vez, o artigo 220 da Constituição Federal estatui:
"Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição."
A norma imunizante, no caso, é reconhecida pela doutrina e jurisprudência como de eficácia plena. Desta forma, a importação, exportação e a comercialização de tais bens não se sujeitam ao pagamento de impostos como o ICMS e IPI. A doutrina e jurisprudência são unânimes em afirmar que independe o gozo de tal imunidade de qualquer atividade do legislador ordinário ou complementar, para que tenha aplicabilidade a imunidade em questão.
A maioria da doutrina trata a imunidade dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão como objetiva, o que, como anteriormente considerado, carece de precisão científica. Serve tal classificação apenas para indicar que não se considera as qualificações pessoais de quem opera com esses bens para que seja constatada a imunidade. Isto porque, a finalidade da imunidade não é beneficiar editoras, os autores e os livreiros, nem tampouco a empresa jornalística, mas apenas os bens indicados na norma.
Neste diapasão, a objetividade de tal imunidade nada mais é do que o fato de que as circunstâncias fáticas a serem subsumidas à hipótese imunizante, dizem respeito somente aos objetos que servem ao fim almejado pelo constituinte, quais sejam, o livro, jornal, periódico e o papel destinado a sua impressão, não sendo necessário perquirirmos acerca da pessoa que com eles lida. As notas constantes da hipótese normativa não se relacionam com pessoas, mas com os bens que servem ao fim o constituinte entendeu proteger e estimular. Daí concluirmos que retira-se qualquer possibilidade de considerações acerca das pessoas a quem pertença o livro ou do vendedor destes materiais, ou se quem os produz tem ou não a finalidade lucrativa, bastando a análise dos bens que se considere imunes.
Pelo mesmo motivo, aqueles que lidam com tais produtos não se encontram imunes aos impostos sobre renda e patrimônio, visto a norma afasta a competência dos entes tributantes em instituir tributos que dificultem ou onerem, diretamente, a circulação de tais bens, e não que imponham o dever de pagar tributos a quem os comercializa com a finalidade lucrativa.
A imunidade não se estende aos impostos sobre a renda e patrimônio porque não beneficia particulares, que apesar de desempenharem atividades ligadas à transmissão do pensamento, mesmo quando organizadas em empresa, tais pessoas, titulares de jornais e editoras de livros e periódicos, se apropriam do lucro, ostentando capacidade contributiva.
Na interpretação do preceito constitucional em tela, nos deparamos com duas posições: uma que apregoa a interpretação ampla, e outra menos abrangente (literal).
Os que pretendem maior amplitude afirmam que devem ser equiparados ao livro, para os fins desta imunidade, os veículos de idéias, tais como os CDs-Rom, discos, disquetes, slides, videocassetes, filmes, etc, desde que sendo didáticos ou científicos, sejam instrumentos para alcance do fim que o legislador quis proteger.
Fundamentam-se os defensores desta linha de interpretação, em uma interpretação teleológica da norma, atentos ao escopo almejado com a imunidade, que é a liberdade de expressão do pensamento e a disseminação da cultura. Dentre os que defendem a tese estão: Roque Antônio Carrazza, Hugo de Brito Machado, José Eduardo Soares de Melo, Sacha Calmon Navarro Coêlho, dentre outros.
Assentam que, ante a revolução tecnológica, o livro, como meio de expressão do pensamento está sendo substituído por meios mais modernos, e que isto não pode ser desconsiderado na construção do sentido da norma imunizante.
Hugo de Brito Machado faz algumas considerações:
Isto, porém, não quer dizer que o intérprete da Constituição não possa adotar, para a mesma norma, a interpretação mais adequada, tendo em vista a realidade de hoje. Realidade que já não é aquela vivida pelo constituinte, pois nos últimos dez anos a evolução da tecnologia, no setor de informática, tem sido simplesmente impressionante. Se em 1988 não se tinha motivos para se acreditar na rápida substituição do livro convencional pelos instrumentos e meios magnéticos, hoje tal substituição mostra-se já evidente, embora o livro tradicional ainda não tenha perdida sua notável importância. [142]
Onofre Alves Batista Júnior, acrescenta:
A imunidade dos livros, jornais e periódicos tem, à toda evidência, o intuito de assegurar a liberdade de expressão de pensamento e a disseminação da cultura, desideratos estritamente afinados com o programa social marcante de um Estado Democrático de Direito, que se estriba, fundamentalmente, na busca do desenvolvimento da pessoa humana, portadora de dignidade, que se constitui no valor fulcral da CRFB/88 (art. 1°). A propósito, o art. 215 da CRFB/88 determina que o Estado deve garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes de cultura, além de que, em seu § 3°, determina que a lei deverá estabelecer incentivos para a produção e conhecimento de bens e valores culturais. Por outro giro, nos termos do art. 218 e 219 da CRFB/88, é tarefa do Estado promover e incentivar o desenvolvimento tecnológico. Desses dispositivos, vê-se claramente que o entendimento da regra de imunidade deve ser extensivo, devendo atrair para o sentido do dispositivo aquilo que a letra da norma, em especial pelo momento em que foi redigida, não contempla explicitamente, mas que está em seu espírito. De fato, à luz do princípio de hermenêutica constitucional que exige que o intérprete dê ao dispositivo máxima efetividade, cumpre reconhecer a imunidade em diversas situações, além das estritamente atinentes ao material livro impresso em papel. [143]
O problema do alcance da imunidade nos remete à hermenêutica do preceito imunizante.
Como exposto anteriormente, deve haver uma interpretação teleológica do preceito imunizante, de modo a vir ao encontro dos objetivos constitucionais de democratizar a cultura e a divulgação do pensamento. O intérprete ou aplicador devem seguir o objetivo colimado pelo preceito.
Isto porque, uma interpretação rígida e literal do texto da alínea "d" ensejaria decisões incompatíveis com os valores culturais protegidos, preservados e encorajados pela Magna Carta, afastando a tutela dos valores protegidos pela imunidade em questão.
Ensina-nos Carlos Maximiliano:
Não se deve ficar aquém, nem passar além do escopo referido; o espírito da norma há de ser entendido de modo que o preceito atinja completamente o objetivo para o qual a mesma foi feita, porém dentro da letra dos dispositivos. Respeita-se esta, e concilia-se com o fim.
e continua:
O objetivo da norma, positiva ou consuetudinária, é servir a vida, regular a vida; destina-se a lei a estabelecer a ordem jurídica, a segurança do Direito. Se novos interesses despontam e se enquadram na letra expressa, cumpre adaptar o sentido do texto antigo ao fim atual.
A pesquisa não fica adstrita ao objetivo primordial da regra obrigatória; descobre também o fundamento hodierno da mesma. A ratio juris é uma força viva e móvel que anima os dispositivos e os acompanha no seu desenvolvimento.
E, noutro ponto:
Os que não adaptam o sentido do texto ao fim atual, além de afastarem o Direito de sua missão de amparar os interesses patrimoniais e o bem-estar psíquico do indivíduo consociado, revertem ao quarto século antes de Cristo, quando Teodósio II promulgou a sua célebre Constituição. Prescreveu esta aos magistrados a observância exclusiva e textual dos escritos de Papiniano, Paulo, Gaio, Ulpiano e Modestino; quando houvesse discordância entre os grandes jurisconsultos, dever-se-ia optar pelo primeiro. O Imperador Teodósio instituiu, de fato, uma só autoridade científica, embora coletiva, um tribunal de mortos, sob a presidência de Papiniano. [144]
Pontes de Miranda ressalta:
A lei tributária não há de ser interpretada a favor do contribuinte, nem a favor da entidade que tributa. O método de fontes e de interpretação das leis tributárias não é precisamente o mesmo método de fontes e interpretação das leis comuns; e a fonte é uma só: a lei. Não há tributo sem lei que o haja estabelecido, respeitados os princípios constitucionais. Não se pode, por meio de analogia, ou de argumentos lógicos, estender o que se edictou nas leis. O entendimento é rígido e estrito. A lei tributária limita direitos, impõe deveres. Por outro lado, é da natureza das leis tributárias a precisão, pela taxatividade e pelos elementos matemáticos de que se tem de lançar mão para atingir o patrimônio das pessoas que são sujeitas às regras jurídicas tributárias. As leis tributárias têm de especial serem irradiadoras de deveres sem que se conclua negócio jurídico bilateral entre o Estado e as pessoas atingidas. [145]
Nesta linha de pensamento, certo é que deve-se proceder à interpretação teleológica dos preceitos imunizantes, contudo, não nos esqueçamos dos limites deste tipo de interpretação, que são ditados pela letra da lei.
Quando da construção da norma imunizante não podemos, com o fundamento de que estamos procedendo a uma interpretação teleológica dos preceitos legais, alargar a abrangência da norma para além do que foi colimado pelo legislador. Não pode o intérprete ou o aplicador da norma se sobrepor ao legislador, não lhes sendo permitido invadir a função daquele investido de legislar sobre o assunto.
Como salientado por Carlos Maximiliano "o espírito da norma há de ser entendido de modo que o preceito atinja completamente o objetivo para o qual a mesma foi feita, porém dentro da letra dos dispositivos." [146](g.n.)
Assim, embora a doutrina majoritária se incline pelo reconhecimento da imunidade nas situações citadas acima, entendemos que ela não deve abranger os meios eletrônicos como CDs e afins, porque isto seria ir além do que o dispositivo legal comporta.
De outro modo, a doutrina que prega a interpretação ampla, primeiramente, coloca em parênteses a finalidade da norma, qual seja, a transmissão do pensamento e estímulo à cultura. Após isto, interpretam os preceitos livre da letra da lei, construindo a norma sem que haja limites para sua interpretação, considerando somente a finalidade e estendendo à situações que o próprio intérprete ou aplicador entendem convenientes. A par disto, colocam sob o manto da imunidade todos os meios que, subjetivamente, entendem que servem de instrumento para alcance da comunicação do pensamento.
Entendendo deste modo, seríamos obrigados à estender a imunidade a todas os bens que se encontrarem em situações iguais, tais como a TV, o som estéreo, o rádio, etc., pois não poderíamos negar que também servem de instrumento à transmissão do pensamento, da cultura e educação. Mais, além todos os materiais destinados à fabricação de tais aparelhos também teriam que ser imunes, do que resultaria uma área extremamente abrangente e geraria insegurança jurídica.
Feitas estas considerações, somos pela posição que entendem que a imunidade somente se estende ao livro, jornais e periódicos propriamente ditos, eis que se o legislador pretendesse proteger outros bens, os teria citado no dispositivo legal.
Quanto ao conteúdo de tais publicações, a doutrina aponta que esta circunstância fica no subjetivismo do intérprete ou aplicador da lei, de forma que não pode ser condicionada a imunidade a constatação do conteúdo da publicação, visto que o constituinte não fez tal distinção. Dentre os que capitaneiam esta posição, encontra-se Sacha Calmon Navarro Coêlho [147], o qual é acompanhado por boa parte da doutrina.
A este respeito, Paulo Barros [148] admite a imunidade das listas telefônicas. Em sentido contrário está Aliomar Baleeiro [149] que sustenta que catálogos, anúncios, papéis de interesse mercantil exclusivo, e também o guia telefônico, não são imunes
O STF já reconheceu a imunidade das listas telefônicas, o mesmo se aplicando aos catálogos ou guias, mesmo que neles haja publicidade paga. (RE 101.441-5-RS)
5.4.1 Papel destinado a impressão de livros, jornais e periódicos
Para a garantia na liberdade de pensamento através dos meios impressos, como os livros, jornais e periódicos, mostra-se importante estender a proteção também aos insumos de que são feitos.
Desta forma, o constituinte colocou o papel destinado à sua impressão na área imune aos impostos, porque o papel é para eles imprescindível, de modo que se mostrou necessário protegê-lo, não apenas de controles diretos, mas, sobretudo da tributação extrafiscal que pudesse atingí-lo quer no preço final, quer em qualquer uma das fases de seu processo produtivo, hipótese de uma indústria, destinada exclusivamente a fornecer papéis para impressão de livros, jornais e periódicos.
Pontes de Miranda apregoa:
O fim a que se destina papel é que o imuniza, de modo que o jornal, o periódico e cada editora ou impressora podem importá-lo com explicitude do fim, incorrendo nos crimes previstos, e. g., pelas leis, quanto a dolo, desvios, fraudes, se o não empregam, ou – se a legislação permite – pode importá-lo o vendedor de papeis, comprometendo-se á venda somente para tal fim. O expediente de restituição dos impostos pagos também é adotável pela legislação se o importador não é o consumidor. Nenhum óbice é dado opor à importação direta pela empresa jornalística, de periódicos ou de edições de livros, ressalvadas apenas as precauções fiscais de verificação do fim. (Pena é que o legislador constituinte não tivesse ido mais longe: até à imunização das máquinas destinadas à composição e impressão. O Brasil publica menos livros que a Iuguslávia e o Sião) [150]
Com efeito, se não houvesse a imunidade do papel destinado a impressão dos livros, jornais e periódicos, ficaria mais elevado o custo produtivo e, consequentemente, o preço final do produto, limitando-se o direito da população com poder aquisitivo menor ao seu acesso.
Da obra de Aliomar Baleeiro colhe-se:
Quando Jorge Amado defendeu essa franquia, na Constituinte de 1946, o interesse cultural ocupou o centro de sua argumentação. O imposto encarece a matéria-prima do livro, não apenas pela carga fiscal, que se adiciona ao preço, mas também pelos seus efeitos extrafiscais, criando, em certos casos, monopólios em favor do produtor protegido aduaneiramente. [151]
Ressaltamos que não é o qualquer papel que é abrangido pela imunidade, mas somente o que se destina à impressão de livros, jornais e periódicos. Assim, as operações com papel impróprio ou inadequado à sua impressão são tributáveis.
Portanto, comprovado que o papel destina-se a tal fim, não pode o mesmo sofrer a imposição de impostos.
O problema que encontramos, nesta questão, consiste em se constatar se a imunidade dos insumos necessários à produção de livros, jornais e periódicos se limitaria somente ao papel ou abrangeria outros componentes que são imprescindíveis em seu processo de produção.
Neste ponto, a jurisprudência mais atual entende que a imunidade se estende tanto ao papel quanto à qualquer outro material assimilável ao papel, e que seja utilizado no processo de impressão. Entretanto, não se estende à insumos não assimiláveis ao papel, tais como a tinta e outros destinados à impressão de livros, jornais e periódicos.
No Recurso Extraordinário n° 190.761 e 174.476, apreciados pelo pleno do STF em 26 de setembro de 1996, foi reconhecida a imunidade de filmes e papéis fotográficos por serem similares ao papel, fundamentando-se os Ministros daquele tribunal em uma interpretação teleológica do preceito imunizante, de modo a torná-lo abrangente, para que atinja o fim colimado. Neste acórdão, 5 (cinco) dos 11 (onze) Ministros votaram contra a extensão da imunidade à outros insumos que não o papel propriamente dito, embora tenha prevalecido a interpretação extensiva.
De outro modo, após o julgamento do recurso extraordinário citado acima, o tribunal passou a dar uma interpretação mais restrita. No RE 203.859-8, de 11 de dezembro de 1996, relator Ministro Carlos Velloso, firmou-se o entendimento de que somente são abrangidos pela imunidade os insumos assimiláveis ao papel, não se aplicando à tinta, solução alcalina e demais materiais necessários à impressão de livros, jornais e periódicos.
Andou bem o STF, porque não se pode alargar o preceito de modo a reconhecer-se a imunidade a situações que o constituinte não queria imune.
Como bem assentado no voto do Ministro Sepúlveda Pertence, proferido no RE 203.859-8:
"A interpretação obviamente literal não esgota o trabalho hermenêutico, mas marca, sim, de regra, os limites dentro do qual podem ser exploradas as possibilidades hermenêuticas de um texto.
E por isso, no caso precedente, levei a preocupação final de demarcação da imunidade ao máximo do que me pareceu permitir com a letra do preceito constitucional – editada pelo constituinte brasileiro, quando obviamente tinta e aditivos de tinta já existiam o processo industrial dos jornais: donde dizer então que até ao "papel fotográfico" e "similares" eu poderia ir, na interpretação compeenssiva da imunidade. Mas não pude ir além para abranger nela o que jamais de poderia compreender na alusão ao papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos"
Do voto do Ministro Octavio Gallotti, extraímos:
"A interpretação gramatical certamente não é um método suficiente ou decisivo de exegese, mas é ela que serve para marcar os limites em que possam operar os demais métodos, a começar por aquele teleológico de que se cogita no presente julgamento."
Notamos que, apesar da interpretação teleológica procedida pelo STF, foram observados os limites do texto legal, para que somente fosse estendida a imunidade à materiais assimiláveis ao papel, o que afasta os demais insumos para a confecção de livros, jornais e periódicos, do alcance da norma imunizante. Esta é a interpretação que prevalece.
Os Ministros do Supremo Tribunal Federal tiveram posicionamento condizente com os ensinamentos de hermenêutica de Carlos Maximiliano e Karl Larenz, quanto à interpretação do texto da Constituição Federal.
Nesta esteira, concordamos plenamente com o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que observou os limites do texto para a delimitação do trabalho exegético, como já foi por nós anteriormente exposto, ao tratarmos da interpretação das normas imunizantes.
Na verdade, foi o controle exercido pelo Governo, durante o Estado Novo, por meio da tributação do consumo do papel de imprensa e, por esse meio, da divulgação de novas idéias, que levou o constituinte de 1946 a, cautelosamente, assegurar a imunidade deste insumo, inviabilizando medidas da espécie, de parte dos governantes. O Governo impedia que os jornais de oposição recebessem papel de imprensa. Tal prática arbitrária é que inspirou o Constituinte de 1946 a proibir as pessoas políticas tributassem, mediante impostos, o "papel destinado exclusivamente a impressão de jornais, livros e periódicos, permanecendo o preceito imunizante na atual Carta Suprema.
Por isto, a imunidade se estende somente ao papel e materiais assimiláveis ao papel.
Em julgamentos mais recentes do STF, encontramos o AgR, este de 19/11/2002, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n° 307.932-2, de 19 de junho de 2001, rel. Ministro Néri da Siveira, este último assim ementado:
"Recurso extraordinário inadmitido. 2. Imunidade Tributária. Art. 150, VI, d, da Constituição Federal. 3. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que apenas os materiais relacionados com o papel estão abrangidos por esta imunidade tributária. Agravo regimental a que se nega provimento."
O Agravo regimental no Recurso Extraordinário n° 208.638-0, de 02 de março de 1999, Ministro Sepúlveda Pertence:
"Tributário: Imunidade: Insumos utilizados na produção de jornais.
O STF firmou entendimento de que a imunidade prevista no art. 150, VI, d, CF, embora não se limite ao papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, não alcança o produto de que se cuida na espécie. (tiras plásticas para amarração de jornais."
5.5 Imunidades específicas
Além das imunidades previstas pelo inciso VI, do artigo 150, da Constituição Federal, outras existem espalhadas pela Carta Magna.
Porém, tais imunidades são mais específicas que as citadas anteriormente, por afastarem a competência somente em relação a certos tipos de impostos, ou exigirem qualidades particulares de quem imuniza.
O inciso III, do § °3, e inciso II, do § 4°, ambos do artigo 153, da CF, estabelecem imunidade:
"§ 3º. O imposto previsto no inciso IV:
...
III - não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior."
"§ 4º O imposto previsto no inciso VI do caput:
...
II - não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel;"
Da mesma forma, há previsão de imunidade do ouro com relação à todos impostos, exceto o previsto pelo artigo 153, V, o que está previsto pelo § 5°, do mesmo artigo, da Constituição Federal. Deste modo, o ouro definido como ativo financeiro ou instrumento cambial, somente sofre o ônus dos impostos sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativos à títulos ou valores imobiliários.
Outra hipótese de imunidade encontramos no artigo 155, § 2°, X, a, que afasta a possibilidade de ser cobrado ICMS das situações que prevê, quais seja, concernente às operações que destinem ao exterior produtos industrializados, excluídos os semi-elaborados definidos em lei complementar. Estendo também imunes as operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica. (art. 155, § 2°, X, b, da CF)
Na aliena c, do citado parágrafo, foi prevista a imunidade do ouro em relação ao ICMS, ressaltando o legislador, de modo expresso, a imunidade prevista para o ouro.
No inciso subseqüente, foi prevista a imunidade do ICMS, mas outorgada em estrutura frasal diferente:
"XI - não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do imposto sobre produtos industrializados, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos;"
Também estabelece imunidade o § 3°, do artigo 155, da Constituição Federal:
"§ 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País."
Quanto ao imposto previsto pelo artigo 156, inciso II, da CF, qual seja, o de transmissão de bens e direitos, foi prevista imunidade no § 2°, I, do referido artigo:
"I- não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;"
Por sua vez, o § 5°, do artigo 184, dispõe:
"§ 5º. São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária."
Embora o legislador tenha se referido à isenção, o caso é de imunidade.
5.5.1 Imunidades de taxas e contribuições
Há no texto constitucional outras previsões de imunidade relativas à taxas e contribuições, confirmando, desta forma, o que já expusemos anteriormente, que as imunidades também se estendem à tributos vinculados.
O artigo 5°, inciso XXXVI, da CF, estabelece imunidade; o artigo 226, § 1°, impede a cobrança de taxa pela celebração de casamento; sempre que o serviço de transporte coletivo urbano for remunerado por via de taxa, prevalecerá a imunidade para os maiores de 65 (sessenta e cinco) anos, conforme estatui o artigo 230, § 2°, da CF; o cidadão que propuser ação popular, nos termos do artigo 5°, LXXIII, da CF, estará imune às custas judiciais (taxa); quem for reconhecidamente pobre, nos termos da lei, é conferida imunidade referente à taxas do registro civil, de casamento e da certidão de óbito (art. 5°, LXXVI, a e b); quem impetrar habeas corpus ou habeas data estará imune às custas (taxa) judiciais correspondentes, bem como todos aqueles que, na forma da lei, praticarem atos necessários ao exercício da cidadania, na conformidade do que prevê o art. 5°, LXXVII, da CF; estão imunes ao pagamento da contribuição previdenciária os trabalhadores e demais segurados da previdência social, no que tange aos proventos da aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social, de que trata o art. 201; apesar do legislador haver utilizado a palavra "isentas", há imunidade relativa à contribuição para a seguridade social por parte das entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei, consoante dispõe o art. 195, III, 7°, da CF; nos termos doa art. 149, § 2°, I, há imunidade das contribuições de intervenção no domínio econômico, relativamente às receitas oriundas de operações de exportação.