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A educação infantil pública: um direito mitigado

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30/08/2010 às 17:01
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5. EDUCAÇÃO INFANTIL

A Educação Infantil faz parte da educação básica, é a sua primeira fase. Antes da lei nº 11.274/06 era destinada a crianças de zero a seis anos. Hoje, com a implementação do que dita a lei supracitada, destina-se a crianças de zero a cinco anos.

Alguns autores acreditam que no Brasil, a Educação Infantil é encarada de duas formas, quais sejam, a Educação Infantil de Pobres e a Educação Infantil dos Ricos. Quem usa esses termos é a pedagoga Taicy de Ávila Figueiredo [24] no seu artigo O que é Educação Infantil?

Em suma, a Educação Infantil dos Pobres seria para compensar deficiências (nutricionais, culturais, cognitivas) da vida dessas crianças para que possam, no futuro, desempenhar seu papel de trabalhador. Já a Educação Infantil para Ricos tem a função de preparar a criança para a vida, como prescreve a Constituição Federal, desenvolvendo as competências e habilidades necessárias para seu desenvolvimento integral.

Nas escolas públicas a Educação Infantil não é oferecida de forma satisfatória. Pode-se observar que o foco não é o desenvolvimento das competências e habilidades necessárias. Isso é observado até por leigos, uma vez que para o objetivo ser alcançado, deve haver toda uma estrutura que vai do material didático até a formação do docente.

Os aspectos afetivos e sociais são importantes para essa fase, mas a referência pedagógica usada neste período é um fator decisivo para a aprendizagem da criança. Neste ponto, a escolaridade do profissional que atua nessa área faz a diferença, pois seu planejamento e suas atitudes que irão nortear o direcionamento das atividades propostas para que a criança alcance os objetivos.

O desenvolvimento integral e a construção da autonomia infantil são alguns dos objetivos esperados que a criança alcance na Educação Infantil. Para isso, deve-se observar o aluno verificando seu ritmo, sua origem social e cultural, os vínculos afetivos, além de seus desejos e suas expectativas. Os aspectos físicos, psicológicos, intelectual e social serão observados durante esse período visando à formação de indivíduos críticos e criativos, preparando-os para o exercício da cidadania em sua vida.

Um ponto relevante sobre a Educação Infantil é que ela não é pré-requisito para o ingresso no Ensino Fundamental. Caso fosse, possivelmente a Educação Infantil seria tratada com mais seriedade pelas autoridades competentes em relação ao seu oferecimento. Hoje ela deve ser oferecida da seguinte forma:

*Para crianças de zero a três anos- em creches.

*Para crianças de quatro e cinco anos- em pré-escola. [25]

O município é o responsável pelo oferecimento da Educação Infantil e fundamental, devendo destinar, no mínimo, 25% da receita resultante de impostos.

Pelo fato de ser vista como uma supressora das carências daquelas crianças menos favorecidas, a Educação Infantil nas escolas públicas é precariamente oferecida. A distância existente entre o que acontece e o ideal é absurda e isso se dá pela super lotação das salas, pelo espaço físico inadequado, pelas atividades sem estímulos ou desafios e por ter profissionais com pouca ou nenhuma formação pedagógica.

Enfim, a Educação Infantil nas escolas públicas é vista como um lugar onde as mães que trabalham possam deixar seus filhos, tendo função de assistência social, sanitária e higiênica, longe da função básica que prevê a lei.

Sobre o oferecimento irregular da Educação Infantil, o STJ já decidiu:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITO CONSTITUCIONAL À CRECHE, AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO COLENDO STF.

1. O acórdão embargado reconheceu, ex officio, a ilegitimidade doMinistério Público para, via ação civil pública, defender interesseindividual de menor, visto que, na referida ação, atua o Parquetcomo substituto processual da sociedade e, como tal, pode defender ointeresse de todas as crianças do Município para terem assistênciaeducacional, configurando a ilegitimidade quando a escolha se dá na proteção de um único menor.

2. "Sendo a educação um direito fundamental assegurado em váriasnormas constitucionais e ordinárias, a sua não-observância pelaadministração pública enseja sua proteção pelo Poder Judiciário"(AgReg no RE nº 463210/SP, 2ª Turma, Rel. Min. CARLOS VELLOSO,DJ de03/02/2006).

3. "A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa doprocesso de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigaçãoconstitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das 'crianças de zero a seis anos deidade' (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, ointegral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal quelhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. A educaçãoinfantil, por qualificar-se como direito fundamental de todacriança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208,IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio emjuízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficáciadesse direito básico de índole social. Embora resida, primariamente,nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular eexecutar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, aoPoder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pelaprópria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à 'reserva do possível'. Doutrina." (AgReg no RE nº 410715/SP, 2ª Turma, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 03/02/2006)

4. Legitimidade ativa do Ministério Público reconhecida.

5. Precedentes desta Corte Superior e do colendo STF.

6. Embargos de divergência conhecidos e providos. [26]

Com a decisão supracitada, faz-se notória a obrigação da Administração Pública em prover a Educação Infantil, impossibilitando o Município de se omitir de tal prestação.


6. ALFABETIZAÇÃO

Para muitos educadores e estudiosos a alfabetização é um processo que se inicia com o ingresso do aluno na escola. Hoje, no Brasil, adotam-se os princípios do construtivismo social, quais sejam:

a) as funções mentais (ler, escrever) derivam da vida social;

b) as atividades humanas são mediadas pelos símbolos, em particular pela linguagem;

c) os membros mais experientes de uma cultura ajudam os mais jovens em sua aprendizagem. [27]

Os princípios elencados mostram que os contextos culturais e sociais são fatores determinantes para o desenvolvimento cognitivo da criança, ou seja, eles são fatores determinantes para a alfabetização.

Segundo Ana Teberosky [28] a perspectiva construtivista entende que a alfabetização supõe um processo de aprendizagem e desenvolvimento que começa antes da escolarização formal e prossegue durante toda a vida dentro de um contínuo.

Antigamente, a alfabetização era ligada ao ensino-aprendizado da escrita e leitura. Hoje há uma discussão grande acerca desse conceito, na verdade houve uma alteração desse, pois se entende que a criança, desde os primeiros contatos com a escrita, além de aprender a habilidade de codificação e decodificação, aprende a dominar conhecimentos que permitem o uso dessas habilidades nas práticas de leitura e escrita.

Antes da lei nº 11.114/05, a idade prevista para a alfabetização era seis anos porém os pais só tinham obrigação de matricular os filhos com sete anos de idade. Hoje a idade para a obrigatoriedade da matrícula é de seis anos de idade. Mesmo com a alteração da lei, não está claro como ficará esse momento da alfabetização. Será inclusa no ensino fundamental? Ou será mantida na Educação Infantil?

É verdade que não existe, na legislação brasileira, a previsão da alfabetização, mas só está prevista a Educação Infantil. Porém, os educadores e estudiosos da educação enfatizam sua importância na vida escolar do estudante por se tratar do momento da aquisição do sistema da escrita e do domínio da leitura.

É notório que a obrigação da alfabetização é implícita ao município, visto que ela é indissociável e está inserida na Educação Infantil. Dessa forma, pode-se afirmar que há um descumprimento do preceito constitucional e decisões já são tomadas com essa visão. O Ministério Público tem uma função importante e indiscutível nessas ações.

EMENTA:  ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ENSINO PÚBLICO. EDUCAÇÃO INFANTIL. MATRÍCULA, ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL. PRESSUPOSTOS AO DEFERIMENTO DA MEDIDA. DECISÃO MANTIDA, TESE ESCUSATIVA REPELIDA. BLOQUEIO DE VALORES, PAGAMENTO DA MATRÍCULA. COMINAÇÃO INADEQUADA À HIPÓTESE, AFASTAMENTO. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70017003849, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos,Julgado em 16/11/2006) [29]

A decisão acima obriga o Município de Montenegro/RS a, no prazo de 15 dias, disponibilizar vagas na Educação Infantil para sete crianças.Caso não haja disposição na rede pública, deverá haver a compra de vagas na rede particular.

Mais uma vez o Poder Judiciário decide a favor do cumprimento de preceito constitucional, evidenciando a eficácia e a integridade de direitos previstos na nossa Lei Maior.


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o estudo da legislação brasileira referente à educação infantil, pode-se observar que não há referência à alfabetização. A alfabetização é um processo, que se inicia com o ingresso da criança na escola, e representa a última fase da Educação Infantil. Sua importância é inquestionável, e não há como dissociá-la daquela, talvez por este motivo a lei não tenha lhe dado um tratamento específico.

A Educação Infantil é prevista pela Constituição Federal, porém, seu oferecimento nas escolas públicas ainda está distante de ser o satisfatório. Não há como chegar aos objetivos desejados pela Constituição Federal, quais sejam, garantir a realização plena do ser humano, inseri-lo no contexto do Estado e qualificá-lo para o mundo do trabalho, nem ao objetivo desejado pela LDB, qual seja, o desenvolvimento integral da criança até seis anos, com tanto descaso das autoridades competentes, tratando-a de forma inferior em relação às outras fases da vida escolar do estudante.

O não oferecimento da Educação Infantil ou seu oferecimento irregular gera responsabilidade para o município, pois esse é o ente federativo responsável em mantê-la e desenvolvê-la.

Em um país em que a educação pública não é levada a sério, a Educação Infantil nas escolas públicas está longe de ter em sua prática a consonância com o que está expresso na lei.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

  1. Com o advento da lei nº 11.114/05 essa idade foi alterada para seis anos.
  2. BOAVENTURA, Edivaldo. A educação brasileira e o direito. Belo Horizonte: Nova alvorada, 1997.
  3. SILVA, Jose Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
  4. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
  5. Art. 6º, Constituição Federal de 1988
  6. EC nº 53 de 19/12/2006
  7. Antigamente a LDB era chamada de LDBEN, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
  8. Sancionada pelo presidente da república Fernando Henrique Cardoso e pelo ministro da educação Paulo Renato em 20 de dezembro de 1996.
  9. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação e da Pedagogia geral e Brasil. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006.
  10. Ibid
  11. LDB
  12. ECA
  13. ECA
  14. Ibid
  15. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Cível. Município de Montenegro. Agravo de instrumento nº 70017397076-RS. Agravante: Município de Montenegro. Agravado:Ministério Público e outros.Relator:Dês. Luiz Ari Azambuja Ramos. Porto Alegre, 15 de fevereiro de 2007. Disponível em: HTTP://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php acesso em 07 de mai. 2008
  16. BOAVENTURA, Edivaldo. A educação brasileira e o direito. Belo Horizonte: Nova alvorada, 1997
  17. Ibid
  18. DI DIO, 1981, P.25 apud JOAQUIM, 2006.
  19. BOAVENTURA, op.cit.
  20. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação e da Pedagogia geral e Brasil.3.ed. São Paulo:moderna,2006
  21. Guimarães, Deoclecio Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico.8.ed.São Paulo:Rideel,2006.
  22. FEIJÓ, Patrícia Collat Bento. Ampliação do ensino fundamental para nove anos de duração e a matrícula aos seis anos de idade:aspectos administrativos,jurídicos e práticos.In:jus navigandi:HTTP: //jus2. uol. com. br/doutrina/texto.asp?id=9238. Acesso em:22/02/2008
  23. EC nº53
  24. FIGUEIREDO, Taicy de Ávila. O que é educação infantil.Disponível em:www.psicopedagogia.com.br <acesso em 22 de fev. 2008>
  25. LDB, art. 30
  26. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo civil,administrativo e constitucional.Ministério Público Federal.Embargo de divergência no recurso especial nº 2005/0152163-1.Embargante:Ministério Público Federal.Embargado:Município de São Bernardo do Campo.Relator:Min.José Delgado.Disponível em: < http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg= 200501521631&pv=000000000000>>. Acesso em: 07 de mai. 2008
  27. COLL, Cesar; MARCHESI, Álvaro; PALÁCIOS, JESúS. Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia da educação escolar. 2.ed.Porto Alegre: Artmed, 2004,2v.
  28. O ensino e a aprendizagem da alfabetização: uma perspectiva psicológica. 2004
  29. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Cível. Município de Montenegro. Agravo de instrumento nº 70017003849-RS. Agravante: Município de Montenegro. Agravado: Ministério Público e outros. Relator: Dês. Luiz Ari Azambuja Ramos. Porto Alegre, 16 de novembro de 2006. Disponível em: HTTP://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php acesso em:07 de mai. 2008
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Sobre a autora
Ana Cláudia Lima de Oliveira

Professora e advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Ana Cláudia Lima. A educação infantil pública: um direito mitigado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2616, 30 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17297. Acesso em: 23 dez. 2024.

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