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Atos do Executivo com força de lei nas Constituições autocráticas do Brasil

(1824, 1937 e 1967/1969)

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"Desde que o poder legislativo sabe respeitar e cumprir sua augusta missão,
e por isso mesmo sabe fazer-se respeitar,
ninguém se anima, nem pode animar-se a contrariar seu impulso animador e benéfico;
quando porém ele é o primeiro a curvar-se ante os ministros,
pode contar certo com a sua degradação,
e a sociedade com o abatimento de suas liberdades"
(Pimenta Bueno)


INTRODUÇÃO

O estudo do direito político tem como objeto principal a análise da conquista e exercício do poder, mediante os atos jurídico-políticos expedidos pelos titulares dos órgãos superiores do Estado. Ao se mecionar o poder do Estado, sempre vem à baila a discussão da sua organização e do seu exercício, sobretudo o princípio da separação de poderes, que, como assinala José Alfredo de Oliveira Baracho, vem ao longo da história recebendo as mais diversas interpretações.(1)

Ao se analisar os atos do executivo com força de lei nas constituições autocráticas brasileiras faz-se um corte metodológico significativo, qual seja, o de interessarmo-nos apenas por aquelas ordens constitucionais na qual o elemento democrático fora desprezado, quer no processo de feitura do texto constitucional, quer no regime político no qual se vivia.

Certa dificuldade encontra-se no segundo império, pois palmilhava-se a consolidação de uma democracia, para os padrões da época. Bem ou mal, havia a disputa dentro das regras constitucionais pelo poder. O fiel da balança era o Imperador, titular absoluto do poder moderador, que, nos momentos delicados, fazia valer sua vontade régia. Se a Constituição do Império teve um nascedouro autocrático, não se pode olvidar que preenchia ela a função de coordenar o exercício e as disputas pelo poder, que se dava dentro do parlamento.

As outras duas constituições analisadas também se originaram de atos anti-democráticos. A de 1937 para instituir um "Estado Novo", entretanto, não passou do nominalismo constitucional, não tendo repercussão alguma, pois não interessava ao Chefe do Poder efetivá-la, salvo naquilo que lho aprouvesse. A de 1967 só passou a ter algum valor após a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, esta que foi editada por uma Junta Governativa usurpadora do Poder Constituinte, como soe acontecer com todas as constituições anti-democráticas. Diz-se anti-democrática porque não houve participação alguma da sociedade ou de outras forças políticas, exceto dos detentores do poder. Nestas duas últimas, o Governo (Poder Executivo) usou dos Decretos-lei para exercer a função legislativa, sendo que no período do Estado fazia sentido, já que o parlamento não funcionava; no período da EC-1º parlamento funcionava, contudo, a função legislativa foi amplamente exercida pelo Governo, com a chancela do órgão legislativo.

Neste trabalho, procurou-se dar um enfoque maior aos aspectos políticos que antecipavam a expedição dos sobreditos atos, fazendo-se um ligeiro relato histórico, a fim de situar o leitor nas circunstâncias e motivos que ensejaram determinadas posturas políticas dos que lidam com o poder, seja exercitando-lhe, seja combatendo-lhe. Espera-se ter feito uma análise política de atos que, não obstante forjadores de relações jurídicas, detinham um caráter político espantoso, no sentido de vinculados, única e tão-somente, à discricionariedade do detentor do poder executivo.

O fato interessante a ser gizado, é a da própria feitura de uma constituição por quem não tinha o menor interesse em respeitá-la. Entretanto, precisava-se dar a aparência de constitucionalidade aos seus atos, para não instar a desobediência civil, pois, apesar de todos os percalços, os textos constitucionais sempre gozaram de um supremacia política, aos olhos da sociedade.


I. A CARTA IMPERIAL DE 1824

1. ANTECEDENTES HISTÓRICO-POLÍTICOS

É fora de toda a dúvida que a tempestade revolucionária ocorrida nos fins do século XVIII, tanto nas treze colônias inglesas da América do Norte, quanto em França, inspirada pelo Iluminismo, tinha no absolutismo monárquico o alvo a ser destruído. Absolutismo este, que usara e abusara do poder estatal, legitimado e exercido em nome da Providência Divina.

Foram as tintas tricolores da Revolução Francesa que pintaram o quadro político mundial descortinado a partir do final do século XVIII e durante quase todo século XIX. Conquanto a Revolução Americana tenha sido cronologicamente anterior, a Francesa foi o coroamento do turbilhão de idéias que fervilharam durante todo o século XVIII. Os ventos revolucionários espraiaram-se para toda a Europa, atravessando o Atlântico, inclusive.

No entanto, o liberalismo político, um dos motores da Revolução Francesa, foi postergado, em nome do "liberalismo econômico", com a ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder. Imperialista, Napoleão trava guerra com vários outros países europeus, na tentativa de subjugá-los. Dentre esses, Portugal. A iminente invasão bonapartista no território lusitano enseja a fuga da família real para a sua colônia mais próspera, o Brasil. Assim, em janeiro de 1808, aporta em terras brasileiras a esquadra real portuguesa, sob os auspícios da marinha inglesa.

Com a chegada da família real, a rudimentar estrutura sócio-administrativa brasileira é induzida a adequar-se para ser o centro de decisões do Reino português. Aos poucos, sedimenta-se a idéia de autogoverno nas elites políticas brasileiras, que tinham perto de si o referencial e o centro do poder, a cidade do Rio de Janeiro, diferentemente de outrora, que era Lisboa. Outrossim, o País passa por um surto desenvolvimentista há muito desejado, sobretudo com a abertura dos portos às "nações amigas" e com a criação de instituições financeiras.

Derrotado Napoleão, formada a Santa Aliança, o Reino lusitano tem que se fazer presente no desenho do novo mapa geopolítico mundial. Em 1815, o Brasil é erigido à categoria de Reino Unido de Portugal e Algarves. A partir desse momento, os demais Estados passaram a reconhecer o Brasil como Reino. No ano de 1816, falece a Rainha D. Maria; seu filho, até então Príncipe Regente, é aclamado, em terras brasileiras, como Dom João VI, o "primeiro Rei do Novo Mundo".(2)

Em Portugal, aumenta a insatisfação pela inversão de pólos: o Brasil tornara-se a metrópole, uma vez que os centros do poder e da economia nele estavam. Explode, em 1820, a Revolução constitucionalista do Porto. O Rei é forçado a voltar para Lisboa. Nomeia, então, o filho, D. Pedro como Príncipe Regente do Reino do Brasil.

Os trabalhos da Corte Constituinte do Reino, formada pelos representantes eleitos em Portugal, no Brasil e nos territórios portugueses da África e da Ásia (3), tendiam para o retorno do status quo ante brasileiro. Não obstante os influxos liberais dos portugueses, a situação brasileira trilhava um caminho de volta ao colonialismo. Impossibilitados de rechaçarem esta idéia, houve a defecção dos representantes brasileiros, liderados por Antônio Carlos de Andrada. Após um mês, seria proclamada a independência do Brasil (4).

Assinale-se, por oportuno, que o 07 de setembro de 1822 não foi um momento de rompante. Em verdade, foi fruto do amadurecimento dos sentimentos anti-absolutistas e nativistas brasileiros, aflorados inicialmente na Inconfidência Mineira. Além de que, mesmo antes de proclamada a independência - pelo menos formalmente - foi convocada, em 03 de junho de 1822, uma "Assembléia Geral Constituinte e Legislativa". O Decreto convocatório desta "Assembléia Constituinte" é tido como um dos gérmens do direito constitucional positivo brasileiro. Nele assentava-se constitucionalmente a independência brasileira, faltando apenas o grito simbólico, brandido, três meses depois, às margens do Ipiranga.(5)

A primeira Assembléia Constituinte brasileira, intitulada de "Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil", instalou-se a 03 de maio de 1823, sob a presidência de D. José Caetano da Silva Coutinho. Contou, na sessão de abertura dos trabalhos, com a presença de D. Pedro I. Este proferiu a fala inaugural da Assembléia, denominando-se Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, dizendo que "defenderia a Pátria, a Nação e a Constituição, se fosse digna do Brasil e de mim".(6)

O mal estar causado com o discurso do Imperador foi a tônica dos debates travados em sessões posteriores da Assembléia. Enquanto alguns representantes procuravam aclimatar a situação, como os irmãos Andrada, outros constituintes azedavam os discursos, demonstrando as ambigüidades da fala imperial e da limitação imposta aos trabalhos da Assembléia, um atentado contra o soberano poder constituinte, representativo do povo brasileiro, como dito pelo constituinte da época José Custódio Dias.(7) A constituinte padecia de um vício originário: o "soberano augúrio" de D. Pedro I.

Apresentado o Projeto de Constituição ao Imperador, este continha algumas disposições que chocavam-se com os interesses tanto de portugueses radicados no Brasil como os do próprio Imperador, este cioso da enteomania recebida para reger o país. Porquanto estivesse a par das idéias liberais aspergidas pelos movimentos revolucionários da época, o Imperador nutria alguns sentimentos do ranço absolutista, devido ao ambiente no qual fora criado e forjada sua personalidade. Difícil, senão impossível, conciliar idiossincrasias tão díspares.

O estopim para a crise constituinte foi a sova que o boticário David Pamplona recebeu dos capitães Zeferino Freire e Januário Lapa, na noite de 05 de novembro de 1823. Estes pensavam que o boticário era o "brasileiro resoluto", autor de uma série de artigos contra o oficialato português nas Armas do Brasil.(8) O caso tomou conotação política. Na Assembléia Constituinte, eriçados os ânimos, os discursos exigiam enérgicas providências das autoridades. Com as galerias tomadas pela multidão, os oradores ardiam em ataques "àqueles" que atentavam contra a independência e soberania nacionais. O alarido da turba assistente transformou o ambiente em um inflamado palco de discussões.(9)

Insatisfeitos, os oficiais das Armas representaram ao Imperador suas queixas. Este, descontente com os rumos tomados pela Assembléia, apoia-se na substância bélica posta à sua disposição. Instala-se o clima de grande tensão. Os constituintes, em vigília, prevendo o resultado do conflito travado contra o Imperador, permaneceram no recinto, altivos, cônscios da excelsa dignidade dos seus deveres.(10)

O Decreto dissolutório da Assembléia, expedido em 12 de novembro de 1823, foi o "primeiro ato de força" do Executivo ou do já prenhe Moderador. Não apenas legal, e sim constitucional, imposto no Estado brasileiro, atentatório do incipiente Estado de Direito. Utilizou-se do sofisma salvacionista dos perigos iminentes a que estava sujeito o Brasil. Além de que, no malsinado decreto, continha um ato convocatório de uma nova assembléia constituinte, que iria apreciar um Projeto a ser apresentado pelo Imperador, "duplicadamente mais liberal" que o anterior.(11)

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Dos constituintes, os Andradas foram os mais perseguidos, ao tempo em que deram a demonstração de fino senso de humor ante os fatos acontecidos: "Conta-se que, ao saírem os deputados, e ao defrontar com uma peça de artilharia, Antonio Carlos tirou-lhe o chapéu e dirigiu-lhe este cumprimento: "Respeito muito o seu poder". Era a ironia do político vencido ao poder reacionário e brutal".(12)

"Uma frase, porém, muito mais forte e de uma psicologia cortante e mordaz pronunciou-a José Bonifácio, quando, preso, foi conduzido ao Arsenal de Marinha. Diz Drumond que, desde a rua Direita até aí, uma multidão de moleques, pagos pelos portugueses, assobiavam, davam vaias e morras com insuportável alarido... À porta do Arsenal os moleques tornaram-se ainda mais insuportáveis, e porque José Bonifácio que ia de sege, não os ouvia bem, ao chegar à porta do Arsenal, desforraram-se de uma maneira estrondosa. Ao som de semelhante música, termina o meu informante, José Bonifácio disse ao general Moraes, que o esperava à porta: "Hoje é o dia dos moleques!".(13)

Encerrava-se o primeiro capítulo da melancólica história político-constitucional brasileira dos atos de força emanados de um Poder contra a legalidade, a legitimidade e o próprio exercício normal das funções de um outro Poder. Neste específico caso, foi até mais grave, posto que atentou-se contra o soberano Poder Constituinte de uma Nação. Doravante, essa prática deplorável não seria tão incomum.

2. A ORGANIZAÇÃO DOS PODERES

A Carta constitucional do Império foi outorgada no dia 25 de março de 1824. Não obstante a gênese autocrática, trazia em seu bojo princípios liberais, sobretudo no concernente aos direitos e liberdades individuais e na divisão e harmonia dos Poderes do Estado, maior garantia daqueles direitos, afirmação contida no próprio Texto.(14)

No "Projeto Antônio Carlos" estava a organização dos Poderes vazada dentro dos preceitos exarados nas demais constituições liberais de então, ou seja, da tripartição dos Poderes.(15) Na Carta outorgada acrescentou-se mais um Poder: o Moderador (16) , que foi divulgado pela obra do suíço Benjamin Constant (17) , como um "poder neutro", cuja missão é a de fazer possível o correto funcionamento dos demais Poderes, sem que se cruzem entre si, conservando cada um em seu lugar. (18)

No concernente aos demais Poderes, a Carta mantinha praticamente a mesma estrutura do "Projeto Antonio Carlos". No Texto imperial, todos os poderes do Império do Brasil são delegações da Nação (Art. 12). A representação nacional, dispôs o Texto, pertencia ao Imperador e a Assembléia Geral (Art. 11).

O Poder Legislativo (19) é delegado à Assembléia Geral com a sanção do Imperador (Art. 13). O Parlamento Nacional é bicameral, composta de Deputados e Senadores. (20) Das atribuições da Assembléia Geral (Art. 15), ressaltam-se duas das mais alta importância: fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las (inciso 8º); e velar na guarda da Constituição, e promover o bem geral da Nação (inciso 9º). Outrossim, não se poderia celebrar sessão em cada uma das Câmaras sem que esteja reunida a metade e mais um dos seus respectivos membros (Art. 23), sendo que os negócios se resolverão pela maioria absoluta de votos dos membros presentes (Art. 25), cujas sessões serão públicas, à exceção dos casos em que o bem do Estado exigir que sejam secretas (Art. 24).

A fim de permitir um desempenho independente e denodado, a Carta garantia a inviolabilidade dos parlamentares pela opiniões que proferirem no exercício de suas funções (Art. 26). Dispunha também que nenhum parlamentar, durante a sua deputação, poderia ser preso por autoridade alguma, salvo por ordem da sua respectiva Câmara, menos em flagrante delito de pena capital (Art. 27), e se acaso algum parlamentar fosse pronunciado, o Juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, daria conta à sua respectiva Câmara, a qual decidirá se o processo deve continuar, e o membro ser ou não suspenso do exercício de suas funções (Art. 28). A Câmara dos Deputados é eletiva e temporária (Art. 35), enquanto o Senado é composto de membros vitalícios, e será organizado por eleição provincial (Art. 40).

O processo legislativo estava inserto no Capítulo IV, do Título IV, sob a epígrafe "Da Proposição, Discussão, Sanção e Promulgação das Leis". Nele configura-se a competência de cada uma das Câmaras para a feitura das leis (21), competindo ao Poder Executivo, através de seus Ministros a proposição que lhe compete na formação das leis, permitindo-lhes assistir e discutir a proposta, vedando-lhes o voto e a presença na votação, salvo se forem parlamentares.

Na percuciente análise da Constituição do Império, Pimenta Bueno, o "constitucionalista do Império", versando acerca do Poder Legislativo, diz que o mesmo "deve ser confiado a uma reunião numerosa de luzes derivadas de todas as localidades, interesses e necessidade, porque as leis dependem, e são o resultado de uma multidão de idéias, combinações e conveniências entrelaçadas, debatidas, e que afinal devem ser preferidas conforme o seu mérito, e no sentido do maior bem social. Não basta, porém, essa condição por si só, nem a divisão em duas câmaras; é de mister circundá-la de outras garantias que ainda mais segurem os direitos da sociedade. A primeira destas garantias é sem dúvida reconhecer que a coroa, que é também um centro de luzes, não deve de modo algum ser excluída do complexo da representação nacional, que pelo contrário deve ter dentro dela o seu Assento. Assim, continua o citado mestre, e com toda a sabedoria, foi o poder legislativo brasileiro delegado à assembléia geral com a sanção do imperador".(22)

Quanto ao Poder Judiciário, ou Judicial, conforme a Carta, sua disposição é no Título VI (Do Poder Judicial), num único capítulo, intitulado "Dos Juízes e Tribunais de Justiça", contido entre os Art. 151 e Art. 164.

Ao Judiciário é garantida a independência, sendo-lhe composto de juízes e de jurados (23), estes se pronunciam sobre o fato, aqueles aplicam a lei (Art. 152). A perpetuidade ou inamovibilidade é outra garantia dos juízes, conquanto possam ser mudados de lugares de acordo com as prescrições da lei (Art. 153). Poderão ser suspensos pelo Imperador por queixas contra eles feitas, garantindo-lhes audiência, e ouvido o Conselho de Estado (24). Somente por sentença perderão o lugar (Art. 155). A magistratura e demais membros do Poder Judicial respondiam legal e moralmente por atos abusivos e prevaricações(Art. 156), assim como por suborno, peita, peculato e concussão, mediante ação popular (Art. 157). Outrossim, como garantia de moralidade, impõe-se a publicidade dos atos judiciais (Art. 159). "A publicidade, leciona Pimenta Bueno, anima as discussões, enfraquece os preconceitos, as intrigas, os empenhos. Os juízes não podem olvidar que os olhos do povo estão sobre eles, e que seus erros ou abusos serão bem percebidos e expostos com energia à reprovação. A opinião pública é o tribunal da responsabilidade moral" (25).

O órgão de cúpula do Judiciário é o Supremo Tribunal de Justiça, composto de juízes letrados, que receberiam o título de Conselheiros (Art. 163). Os magistrados serão nomeados pelo Imperador (Art. 102, 3º). A eles não foi reconhecido o controle de constitucionalidade das leis. A competência de velar a Constituição era da Assembléia Geral. Outrossim, à época, permitir a sindicabilidade judicial nos atos normativos seria um atentado ao princípio da separação dos Poderes, então claudicante, diga-se, em face do Poder Moderador.

O Judiciário tinha uma missão própria; "é ele quem examina a natureza e circunstâncias dos fatos, ou questões de interesse privado e as disposições das leis, ou direito respectivo, e determina, julga, declara quais as relações que vigoram entre essas questões e o direito. Sua atribuição ou missão consiste pois em conhecer das contestações dos direitos ou interesses que se suscitam entre os particulares, e em punir os fatos criminosos pela aplicação das leis civis e penais".(26)

3. DO PODER DO IMPERADOR

Na Carta de 1824, o Imperador enfeixava sob o cetro dois poderes: o Moderador e o Executivo. Este exercitado através dos Ministros de Estado (Art. 102), encarregado da execução das leis, da segurança e gestão da alta administração do Estado. Aquele, delegado privativamente ao Imperador (27), "é a suprema inspeção da nação, é o alto direito que ela tem, e que não pode exercer por si mesma, de examinar o como os diversos poderes políticos, que ela criou e confiou a seus mandatários, são exercidos. É a faculdade que ela possui de fazer com que cada um deles se conserve em sua órbita, e concorra harmoniosamente como outros para o fim social, o bem-ser nacional; é quem mantém seu equilíbrio, impede seus abusos, conserva-os na direção de sua alta missão; é enfim a mais elevada força social, o órgão político mais ativo, o mais influente, de todas as instituições fundamentais da nação", predica Pimenta Bueno. (28)

Contudo, nem todos assim pensavam, para o Frei Caneca, "o poder moderador não era a chave de toda a organização política, mas sim, a chave mestra de opressão da nação brasileira e o garrote mais forte da liberdade dos povos" (29).

As afirmações expendidas acima não são de todo erradas, conquanto pareça paradoxal esta afirmação, haja vista o plexo de atribuições (30) que competiam ao titular do sobredito Poder.

Em que pesem as prerrogativas desse Poder, não há o que se afirmar que o seu exercício seja eximido de responsabilidade. Se o monarca é irresponsável, alguém, ou algum órgão, terá que responder por seus atos. Antes da reforma de 1834, com seu Ato Adicional que extinguiu o Conselho do Estado, cabia a este a responsabilidade dos atos imperiais, sobretudo no uso do Poder Moderador. (31) Com essa celeuma, ou seja, a inexistência de um órgão responsável pelos atos do Poder Moderador, necessário se fez encontrar uma solução para tamanho problema. Em 1841, a Lei nº 243, cria o Conselho de Estado, composto de membros ordinários e dos Ministros de Estado (Art. 1º). Neste documento legislativo é novamente atribuída aos Conselheiros do Estado a responsabilidade pelos atos do Poder Moderador. (32)

Em primorosa obra (33) de 1860, o juspolítico Zacharias de Góes e Vasconcelos parteja a tese de que os Ministros de Estado também são responsáveis pelos atos do Poder Moderador, uma vez que não só aconselhou mal a coroa, mas incumbiu-se de, por um decreto, que leva a sua referenda, dar execução ao abuso. (34) Além da responsabilidade pelos atos do Poder Executivo (35) têm os Ministros de Estado que responder também pelos do Moderador; em síntese, são responsáveis por todos os atos do Imperador, exceto daqueles que expressamente não tenham participado, quer nos conselhos, quer na execução.

Na Carta do Império não há referência a atos do Imperador, sejam do Executivo, sejam do Moderador, que tenham a mesma força dos atos legislativos ordinários, como soe acontece em outras Cartas, inclusive na atual Constituição (Art. 62). O que poderia ser concebido como um ato dessa espécie seria o disposto no Art. 179, parágrafos 34 e 35 da Carta Imperial (36) .

Entretanto, não deixemos que a semelhança das palavras confunda com a substância das mesmas. O termo "medidas provisórias" encontrado em ambos os diplomas tem significado próprio em cada um deles. Na atual Constituição, cremos que significa um ato normativo emanado do Chefe do Poder Executivo, em circunstâncias excepcionais de relevância e urgência, com força provisória de lei, que necessita da aprovação do Congresso Nacional para que tenha força definitiva de lei, posto que é convertida em lei mesma; caso contrário, perde sua eficácia desde o momento de sua edição. Na Carta Imperial, o dispositivo significa uma autorização para suspender determinadas garantias individuais, em face de circunstâncias excepcionais, sem mencionar o caráter legiferante do ato. Além de que, seria o mesmo provisório, ou seja, seria uma medida provisória enquanto perdurasse a circunstância motivadora do mesmo. De certo que, o ato imperial tem características similares as do Estado de Defesa (Art. 136) e as do Estado de Sítio (Art. 137) da Constituição hodierna.

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

LUIS CARLOS é piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; orador da Turma "Sexagenária" - Prof. Antônio Martins Filho; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA, do Centro Universitário de Brasília - CEUB e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; e "Lições de Direito Constitucional".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. Atos do Executivo com força de lei nas Constituições autocráticas do Brasil: (1824, 1937 e 1967/1969). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. -2173, 20 jul. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/173. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Monografia referente à conclusão da Disciplina Direito Político, ministrada pelo Prof. Dr. José Alfredo de Oliveira Baracho, no segundo semestre de 1996, nos cursos de Pós-Graduação (Mestrado/Doutorado), Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais

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