III. A CARTA DE 1967/69: O REGIME MILITAR
1. O Golpe de 1964 e a Mixórdia Jurídica
Se no entreguerras (1918-1945) predominou o conflito entre o totalitarismo de direita (nazi-fascismo) e as forças anti-nazistas, que uniram os mais variados matizes ideológicos, até mesmo aqueles similares ao nazi-fascismo (v.g. Brasil), no após Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os dois países (EUA e URSS) que saíram mais fortalecidos politicamente iniciaram a disputa pela hegemonia no mundo. (61)
No Brasil sentiram-se os efeitos do digládio travado entre os interesses daquelas superpotências. De um lado, as idéias de uma "ditadura do proletariado", alardeada pelas Revoluções Comunistas ocorridas depois do êxito da Revolução Russa de 1917. Contudo, o proletariado havia sido neutralizado com a estatização dos sindicatos, ocorrida no "Estado Novo". De modo que a base de atuação das idéias "comunistas", que tinha na União Soviética o paradigma, ficou bastante prejudicada. No flanco oposto, os ideais de um liberal capitalismo, representado com maior proeminência pelos Estados Unidos. Estes últimos ideais recebiam a adesão da plutocracia nacional. (62) Além de que, difundia-se a imagem de que a URSS e seus "satélites" (os Estados que seguiam um modelo político-econômico similar ao soviético) eram anti-democráticos, enquanto que os ideais norte-americanos representavam os verdadeiros princípios democráticos. Assim, a opinião pública era informada dos horrores perpetrados nos regimes "vermelhos".
O Governo do Sr. João Goulart (Jango) teve início no auge da Guerra Fria (63), travada entre os Estados Unidos e a União Soviética, sobretudo ao nível da América Latina, onde há pouco tempo em Cuba irrompera uma revolução anti-imperialista, liderada por Fidel Castro e Che Guevara. A posse de Jango foi conturbada, visto que setores conservadores das elites do País, apoiados por representantes dos interesses do capital internacional, não queriam permitir o retorno ao poder de alguém com uma linha ideológica que, aparentemente, viesse a contrariar sobreditos interesses, principalmente, no tocante à nacionalização dos setores produtivos da economia brasileira. (64)
Para Jango tomar posse, fez-se um acordo, no qual, através da Emenda Constitucional nº 4, denominada de Ato Adicional, instaurar-se-ia o sistema parlamentarista de governo, esvaziando os poderes do Presidente. Na sobredita Emenda constava a convocação de um plebiscito para ratificar o parlamentarismo ou para o retorno do presidencialismo. O fracasso da política econômica do Gabinete foi um dos principais motivados para o retorno do sistema presidencialista. Contudo, não obstante restaurado o plexo de poderes que lhe haviam sido tirados pela Emenda parlamentarista, Jango não conseguiu formar uma coalizão política que lhe desse sustentação no Congresso, que era refratário há múltiplos dos seus projetos, sobretudo no campo sócio-político, no qual contrariavam interesses de setores da elite econômica, desde a rural até os representantes do capital internacional. A disputa política entre o Presidente e a oposição se acirrava. Jango buscava o apoio do proletariado (urbano e rural) - ainda não adequadamente organizado -, e da pequena burguesia, que tinha interesse na diminuição do poderio econômico internacional no País. A oposição, economicamente forte, controlava a maioria do Congresso e dos veículos de comunicação, além de ter a simpatia dos altos comandantes das força armadas. Os últimos atos do cenário político democrático, antes do Golpe de 31 de março, foram o comício da Central do Brasil e a "Marcha com Deus pela Família e pela Liberdade", esta contrária a Jango, aquele em seu favor (65).
Armara-se o palco. O País mergulhava numa turbulência, na qual Jango não teve habilidade política para contornar a situação, do contrário, muitos de seus atos afugentavam setores de importante substância política. Dentre esses atos de inabilidade política, vê-se claramente a falta de comando nas Forças Armadas, em que era, por parte de setores do governo, incitada para desestabilizar uma das vigas mestras daquelas corporações, a hierarquia. Tais atos causavam enorme insatisfação dentre os oficiais.
Tomemos o testemunho de quem se opunha às medidas do governo Jango, Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho: "Em março de 1964, a situação prenunciava tempestade. A inflação cada vez mais se acelerava, mormente estimulada por medidas demagógicas. A economia regredia, atingida pela inflação, por uma crise de confiança, no futuro, pelas ameaças de socialização. Nas Forças Armadas, especialmente entre os suboficiais e marinheiros, a disciplina se deteriorava acentuadamente. Os esquerdistas agiam livremente, pregando abertamente a mudança de sistema. Goulart, em comício realizado em infração à lei, no 13 desse mês, usava da palavra, anunciando medidas demagógicas e socializantes, sem apoio constitucional. Inclusive, era o Congresso ameaçado, pois, nesse, a minoria, a oposição, denunciava e combatia veementemente o Governo. Era claro, então, que o regime estabelecido pela Constituição de 1946 vivia seus últimos dias. Ou Goulart e seus aliados a violavam, para estabelecer uma ditadura socializante; ou setores a ele hostis, para salvaguardar a democracia, tinham de violar a sua letra, ao menos". (66)
Assim, no dia 31 de março, os comandantes das Forças Armadas se rebelaram contra o Governo. Este, receoso de apoio suficiente para resistir, sai do País, abandonando o cargo de Presidente. Com isso, o Congresso declara vago o cargo presidencial e nomeia para ele o Sr. Ranieri Mazzilli, então presidente da Câmara dos Deputados, seu substituto constitucional. Com essa atitude, pretendia-se camuflar de constitucionalidade a situação vigorante. No entanto, o comando militar da Revolução não estava disposto a entregar o poder a um civil, sobretudo oriundo dos círculos tradicionais da política, fazia-se necessário assumir o controle do poder político, revestido de aparente legitimidade. Editou-se o Ato Institucional nº 1, que era o instrumento jurídico-político dos insurretos para legalizar sua vitória. Nele, mantiveram o texto constitucional vigente, com modificações, sendo que dentre elas, convocava-se o Congresso para, indiretamente, eleger o próximo Presidente da República, que seria, evidentemente, um comandante militar, no caso específico o Mal. Humberto Castello Branco. Assim, com o AI-1 juridicizavasse o rasgo ao texto constitucional, dando-lhe uma aparência de legitimidade. (67)
Com o sobredito ato e muitos outros que advieram, no Brasil houve uma verdadeira mixórdia jurídica, na qual a Constituição e suas Emendas dividiam espaço hierárquico com os Atos Institucionais e com os Atos Complementares que também apareceram disciplinando relações jurídicas. Esses instrumentos (Atos Institucionais e Atos Complementares) feriam gravemente o já combalido sistema constitucional, a Constituição de 1946 de nada mais valia, os atos expedidos pelo Chefe do Poder Executivo tinham maior vigor jurídico. A ordem jurídica nacional estava chafurdada, devido a atuação do Executivo desrespeitando todo o arcabouço sistêmico do ordenamento. O Congresso e o Judiciário estavam acocorados, inermes frente à força do Executivo, que disciplinava quaisquer relações jurídicas, em acintoso desrespeito aos princípios do Estado de Direito, que aquela altura, evidentemente, já não fazia parte da realidade jurídico-política brasileira.
Se os decretos-leis eram instrumentos legislativos ordinários, que poderiam sofrer algum tipo de controle, usados pelo Executivo para ocupar o espaço que caberia ao Legislativo, muito mais acintosos foram os Atos Institucionais e os Atos Complementares, que não eram reconhecidos pelo Texto Constitucional e que gozavam de semelhante hierarquia, senão superior, haja vista a repercussão que causava suas edições. Ao lado do primeiro Ato Institucional (de 9 de abril de 1964), aquele que causou maior repercussão foi o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, aumentou substancialmente a instabilidade política do País, (68) uma vez que transferiu para o Executivo uma gama significativa de poderes, usados de modo arbitrário contra os não simpatizantes do sistema vigente.
Dos poderes auto-conferidos ao Presidente pelo AI-5, figuram a possibilidade de decretar o recesso das Casas Legislativas (Nacional, Estadual e Municipal), intervir nos Estados sem sofrer as restrições constitucionais, suspender direitos políticos, cassar mandatos, suspensão das garantias dos membros do Judiciário e de outros servidores públicos e o confisco de bens. Assinale-se que o habeas corpus estava suspenso nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e economia popular. Ademais, era vedada a sindicabilidade judicial nos atos praticados com no AI-5 e em seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos. Ressalte-se que tais medidas tinham como fundamento assegurar a democracia no País. (69)
2. A Constituição de 1967 e a Emenda nº 01 de 1969
Com a efetivação do Golpe, os seus líderes precisavam juridicizar os seus atos. Mantiveram a Constituição de 1946, que já não atendia aos interesses dos comandantes revolucionários, no sentido de ser o fundamento de validade formal de seus atos. Convocou-se, então, através do Ato Institucional nº 4, o Congresso Constituinte, que teria a missão de promulgar uma nova Constituição ao País. Este Congresso era composto pelos membros ordinários do Congresso Nacional. Sua tarefa foi apreciar o projeto enviado pelo chefe do Poder Executivo. Em 24 de janeiro de 1967 era promulgada a terceira constituição autocrática brasileira, cuja vigência e efetividade foram pálidas, visto que constantemente foi violentada pelos Atos Institucionais e Complementares do Governo.
A ineficácia da Constituição de 1967 era tamanha, que no 17 de outubro de 1969, a Junta de Governo (70) , em face do recesso parlamentar, promulgou a Emenda Constitucional nº1 que disciplinou matérias de todo o texto constitucional anterior, modificando-o substancialmente vários de seus dispositivos. Esta Emenda, mais do que a própria Constituição de 1967, tinha um cariz de absurdo autoritarismo e flagrante ilegitimidade.
Nesse texto emendado, o poder ficou cada vez mais centralizado, tanto horizontalmente (legislativo, executivo e judiciário), quanto verticalmente (União, Estados e Município), nas mãos do Presidente da República. A tripartição de poderes e o federalismo não passavam de disposições formais do texto, de duvidosa aplicabilidade. O chefe do Poder Executivo federal, segundo a realidade político-constitucional da época, era detentor de poderes quase absolutos, uma vez que poderia legislar, através de Decretos-leis e os seus atos de natureza política, que ele mesmo caracterizava como tal, não eram sindicáveis pelo Judiciário, e mesmo que fossem, dificilmente as decisões judiciais contrárias aos interesses políticos dele seriam cumpridas. Vivia-se numa aparente legalidade, legitimada por uma ordem jurídica que, na maioria das vezes, era desrespeitada por seu principal ator: o Presidente da República.
3. O Decreto-Lei
Ausente na Constituição de 1946, devido ao ranço autoritário do Estado Novo, a figura do decreto-lei retorna na Constituição de 1967, sendo fortalecido pela Emenda nº 1, de 1969. Neste tópico, analisar-se-á o disposto na Emenda nº 1, uma vez que foi ela que realmente vigiu até a promulgação da atual Constituição.
No texto da Emenda nº 1, a regulação da matéria está no Art. 55, no quadro disciplinador do Processo Legislativo (Seção V). Dispõe o Texto:
"Art. 55 - O Presidente da República em casos de urgência ou de interesse público relevante e desde que não haja aumento de despesa, poderá expedir decretos-leis sobre as seguintes matérias:
I - segurança nacional;
II - finanças públicas, inclusive normas tributárias;
III - criação de cargos públicos e fixação de vencimentos.
§ 1º - Publicado o texto, que terá vigência imediata, o Congresso Nacional o aprovará ou rejeitará, dentro de sessenta dias, não podendo emendá-lo; se, nesse prazo, não houver deliberação, o texto será tido por aprovado.
§ 2º - A rejeição do decreto-lei não implicará a nulidade dos atos praticados durante a sua vigência".
O ranço autoritário é patente no disciplinamento dos poderes constituídos, sendo mais flagrante com a existência de um instrumento de tal ordem, como o decreto-lei. Espancado da órbita jurídica pelos constituintes de 46, por ser a marca do Ditador. O regime político instituído em 64 necessitava de um instrumento similar, para não dizer igual, e o fez, ressuscitando o instituto do decreto-lei.
Para Flávio Baüer Novelli, os decretos leis são leis em sentido material, que o Poder Executivo expede, nos termos da disposição constitucional com eficácia de lei em sentido formal (lei ordinária), é uma exceção ao principio da separação de poderes admitida pela Constituição. (71)
Geraldo Ataliba demonstra as diferenças entre o decreto-lei e a lei (estrito sentido) quanto: à forma de produção, que da lei é competência do Congresso, enquanto que o decreto-lei é do Presidente; à eficácia, precária e condicional no decreto-lei, sendo imediata e incondicionada na lei; aos pressupostos de legitimação, só urgência ou interesse público relevante no decreto-lei, sendo a discrição política do Congresso os pressupostos da lei; ao objeto (matéria) sobre que pode incidir, segurança nacional, finanças públicas e normas tributárias e criação de cargos públicos e fixação de vencimentos nos decretos-leis, nas leis, qualquer objeto; às limitações, no decreto-lei não criar despesas, na lei nenhuma, exceto as constitucionais; e condições que devem ser observadas ou preenchidas para sua existência e quanto à perfeição, no decreto-lei a aprovação do Congresso, na lei nenhuma. (72)
Ao nosso ver, os pontos que merecem ser gizados são os referentes às matérias que podem ser objeto de decretos-leis e quanto à existência dos pressupostos constitucionais de urgência ou interesse público relevante.
O dispositivo constitucional deu um substancioso elastério para a atuação do decreto-lei no ordenamento jurídico. O regime político, então vigente, tinha verdadeira devoção pelo princípio da segurança nacional. A mentalidade castrense dos detentores do poder, via em todos aqueles que não compartilhassem dos seus ideais como seus inimigos. A ação do governo foi de reprimir, duramente, qualquer foco de resistência ou oposição às suas diretrizes. Portanto, o sentido da locução segurança nacional, motivadora da edição de decretos-leis foi amplamente usado pelo detentor da faculdade de expedi-los, mesmo que muitas vezes de modo completamente vesgo. Tome-se, à maneira de exemplo, a histórica decisão do Supremo Tribunal, julgando o agravo de instrumento nº 40.960 e os recursos extraordinários nº 62.731 e nº 62.739, sendo relator o Ministro Aliomar Baleeiro, que inquina do vício de inconstitucionalidade o Art. 5º, do Decreto-lei nº 322, de 07 de abril de 1967, que nele não viram matéria de segurança nacional, o que era flagrante. (73)
Nos demais casos, finanças públicas, inclusive tributária e criação de cargos públicos e fixação de vencimentos, era claramente percebida, se estavam ou não adstritos os decretos-leis a tais matérias, mesmo assim, vária foi a quantidade de abusos perpetrados por força dos decretos-leis.
Ademais, a existência dos pressupostos ensejadores dos decretos-leis era de complexa aferição, uma vez que no dispositivo constitucional a locução "urgente ou interesse público relevante" dava ensanchas para uma larga interpretação, pois se a urgência era, realmente, limitada o interesse público não o era, pois em todas as ações envolvendo os poderes estatais há o interesse público, ínsito na própria idéia de Poder público.
Doutro modo, os controles jurídicos e políticos sobre os decretos-leis eram dificilmente exercitados, sobretudo este último, posto que o Congresso tinha uma função meramente confirmatória das decisões do Governo, ademais, na dicção do enunciado do Art. 55, no parágrafo primeiro, consta que a não apreciação por parte do Congresso no espaço de 60 dias implicará na aprovação do decreto-lei, que não poderia ser emendado pelo Legislativo, e caso viesse a ser rejeitado, as relações jurídicas ocorridas durante a sua vigência não seriam nulas (§ 2º).
Por essa razão, os governos que estiveram sob os auspícios da Constituição de 1967/69, usaram e abusaram desse instrumento normativo, de cariz autoritário, pois era uma perigosa exceção ao princípio constitucional da separação de poderes, cujo desiderato imediato é garantir a liberdade e os direitos individuais, através do exercício racional do poder estatal e da possibilidade de controle do Poder pelo Poder, através do Direito.
4. A Redemocratização
Logo no início do Golpe, parcela significativa da sociedade brasileira admitiu a deposição de Jango, insatisfeita com os (des)rumos de seu governo. A oposição imediata ao movimento de 64 foi tênue, logo debelada. Entretanto, a sede dos militares pelo poder político, causou desconfiança em vários setores organizados da sociedade civil. Em pouco tempo, surgiram focos mais consistentes de resistência, que culminou com a guerrilha terrorista, modo desesperado de lutar, no entanto, foi uma das vias que os contrários ao regime encontraram. Com a guerrilha, o Governo endureceu a repressão, que, na maioria dos casos, ultrapassou os limites do razoável, com os desrespeitos absurdos aos direitos humanos que foram perpetrados pelos homens do regime.
No período que vai do final da década de 60 ao início da de 70, momento crítico da repressão aos opositores, o País passava por um surto desenvolvimentista substancial, vivia-se o "milagre econômico", que não repercutiu adequadamente na melhoria das condições sociais da maioria da população. A embriaguez nacional aumentara com o efeito da "tequila", pois a seleção de futebol conquistara a Copa do Mundo no México. Em pouco tempo veio a ressaca, tanto econômica quanto jurídica.
Politicamente, o Governo perdia espaço para a oposição, cujo partido (MDB) havia derrotado o partido governista (ARENA) nas últimas eleições da década de 70. Percebendo a falta de apoio popular, o Governo, presidido por Ernesto Geisel, começa um processo de abertura política chamado de "Distensão", cujo objetivo era flexibilizar a ordem política nacional. Advieram a anistia e o fim da censura aos órgãos de imprensa, no final da década de 70 e início dos anos 80. Em 1982 ocorrem eleições gerais, exceto Presidência da República e em áreas tidas como de segurança nacional, nas quais diminui ainda mais a força política do Governo.
Em 1984 é apresentada uma Emenda à Constituição propondo eleições diretas para o cargo de Presidente. A idéia deflagrou uma campanha de repercussão nacional, na qual tiveram comícios populares monstruosos. O povo estava nas ruas exigindo o direito de escolher o magistrado supremo do País. A proposta de emenda foi derrotada no Congresso, mas o sentimento nacional era de fim dos governos militares. Para a suceder à vaga do Presidente Figueiredo (último dos militares), foi composta uma chapa, intitulada de "aliança democrática", formada por Tancredo Neves e por José Sarney, este figura eminente na estrutura política do regime militar. A oposição e uma parte dos governistas se uniram para derrotar o candidato da situação, Paulo Maluf. (74)
Com a vitória da "aliança democrática" no colégio eleitoral, o País ansiava por mudanças. Inesperadamente, Tancredo Neves é internado para tratamento de saúde, vindo a falecer pouco tempo depois, sem ter tomado posse no cargo de Presidente. Assume o Vice José Sarney, embriorinariamente ligado ao regime que deixava o poder. Houve um misto de frustração e expectativa. Sarney mantém muitas das propostas de Tancredo, sobretudo a convocação de uma constituinte, eleita em 1986, com vista a recuperar a legitimidade constitucional, pois, segundo Raymundo Faoro, a mais grave de todas as formas de falseamento da soberania popular é aquela que usurpa a legitimidade, confundindo-a com o poder. (75)
Da obra daqueles constituintes surgiu a atual Constituição de 1988, que trouxe avanços sócio-democráticos de grande valia. Dentre as novidades do novo Texto era o fim dos Decretos-leis, pois estes representavam usurpação da função legislativa, contudo, o que tiraram "com uma mão puseram com a outra", pois instituíram um instrumento jurídico que tinha alcance semelhante, senão superior, aos decretos-leis, as medidas provisórias (art. 62, C.F. de 1988). Doravante, cabe vigiar o uso de sobredito instrumento, que desde a promulgação da atual Carta Política vem sendo abusivamente utilizado pelo detentor de sua competência, o Presidente da República, estando o Legislativo e o Judiciário num perigoso obséquio silencioso, pois que as medidas provisórias são sucessoras de instrumentos que durante longo tempo feriram o princípio da separação de poderes, pedra angular da proteção aos direitos e garantias fundamentais de um Estado que se pretende democrático.