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O dolo eventual nos homicídios de trânsito:

uma tentativa frustrada

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01/07/2000 às 00:00
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NOTAS

  1. Artigo publicado originariamente na Revista dos Tribunais n° 576/461. O assunto mereceu destaque na nova edição da obra do autor, que fez questão de arrolar decisões sobre o tema, as quais, à evidência, na hipótese de reprodução, não prescindem do contexto fático do qual emergiram. Veja-se Tribunal do júri: símbolos e rituais, 3 ed., POA, Livraria do Advogado, 1997, p. 153 e segs.
  2. Derecho Penal aleman, Santiago de Chile, Ed. Juridica de Chile, 1993, p. 83.
  3. Cfe. Comentários ao Código Penal, v. I, t. II, RJ, Forense, 1958, p. 116.
  4. Direito Penal: parte geral, POA, Fabris, 1976, p. 52.
  5. Teoria geral do delito, POA, Fabris, 1988, p. 60.
  6. Teoria geral do delito, RJ, RT, 1997, p. 112.
  7. In ob. cit., Comentários ao Código Penal, p. 116-117.
  8. Jescheck fala em três teorias: teoria da probabilidade, teoria da possibilidade (teoria do risco) (que seriam as teorias da representação) e teoria do consentimento (Cfe. Tratado de Derecho Penal: parte general, 4 ed., Granada, Comares editorial, 1993, p. 271-272). Destacamos, ainda, que a teoria do consentimento poderá ser, cfe. Frank, hipotética ou positiva, como bem expõem em sua análise crítica, Manuel Cobo del Rosal e Vives Anton, in Derecho Penal: parte general, 4 ed. Valencia, Tirant lo Blanch, 1996, p. 564. Também não desconhecemos a moderna doutrina alemã de Roxin e Hassemer, teoria do consentimento ou do dolo de decisão, quando o agente tem que, necessariamente, lesionar o bem jurídico.
  9. Somente à guisa de curiosidade, destacamos que a questão também é levantada pelos professores italianos. Giorgio Licci analisa a construção do "dolo evetuale" como figura limite e, refere a problemática da teoria da vontade e da representação. O professor italiano chega a analisar a o dolo eventual no contexto de uma revisão teórica do quadro epistemológico. Licci fala que a demarcação do dolo eventual e culpa consciente haverá de passar pela resposta do indivíduo a uma situação, resposta profundamente condicionada aos fatores "endogeni" e "esogeni". Vemos aí a dificuldade da questão. Confira-se em "Dolo eventuale", Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, v.33, n. 4, p. 1.498-1.514, ott./dic. 1990. Confira-se, também, o artigo de Giovannangelo de Francesco, Dolo eventuale e colpa consciente, Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, v. 31, n. 1, p. 113-165, gen./mar, 1988.
  10. Tal fato não é peculiaridade somente nos pretórios brasileiros. Enrique Bacigalupo, em sua obra Principios del Derecho Penal: parte general, 3 ed., Madrid, Akal Ediciones, 1994, p. 136, cita Gimbernat, para dizer que o critério jurisprudencial espanhol é confuso, mencionando decisões do Supremo Tribunal utilizando as duas teorias. Vide também Muñoz Conde e Garcia Arán, Derecho Penal: parte general, 2 ed., Tirant lo Blanch, 1996, p. 251.
  11. In ob. cit., Principios de Derecho Penal: parte general, p. 135.
  12. Confira-se in Muñoz Conde e Garcia Arán, ob. cit., Derecho Penal: parte general, p. 251.
  13. In ob. cit., Princípios del Derecho Penal: parte general, p. 136.
  14. Na caracterização do dolo eventual em acidente de trânsito que deu causa a homicídio, já que não se pode ingressar no complexo processo psicológico do agente, será necessário que se realize um exaustivo exame da moldura fático-probatória do contexto dos autos. Encontramos aqui certa dificuldade. Mais das vezes, a questão probatória é complicada, face aos depoimentos de vítimas e testemunhas. Nós, seres humanos, carregamos uma natural vulnerabilidade à hipérbole da emocionalidade, sempre presente em acontecimentos traumáticos e, além disso, trazemos, cada um de nós, uma diversa introjeção e análise subjetiva dos fatos. Isto, acumulado a pressão realizada pela mídia poderá, in these, acarretar até o "linchamento moral" do agente que escapou do "linchamento físico". O julgador deve sopesar os elementos probatórios de forma serena, o clamor social não está acima da lei. Aliás, o grande tratadista da prova, Mittermayer, lecionando sobre a devida prudência que o Magistrado deve ter para apreciar a prova testemunhal, refere que para se dar credibilidade ao depoente, este deve "mostrar-se firme, verídico e surdo a todas as influências exteriores" (in C. J. A. Mittermayer, Tratado da prova em matéria criminal, 3ª. ed., RJ, Jacintho Ribeiro dos Santos, 1917, p. 422).
  15. In ob. cit., Derecho Penal: parte general, p. 76.
  16. In ob. cit., Teoria geral do delito, p. 60. O autor faz questão de frisar que a favor desta teoria estão penalistas consagrados: Anton Oneca, Luís Jiménez de Asúa, Rosal, Cuello, Cobo-Vives... E, em nota de rodapé, Juarez Tavares acrescenta: "O Código Penal brasileiro, ao conceituar o dolo no art. 18, I, equipara, para efeitos de mesmo tratamento, o dolo direto e o dolo eventual. Quando a este, adota o critério da "assunção do risco", constante no Projeto Gürtner de 1933 para o III Reich. Embora definindo o dolo, o legislador não esclareceu definitivamente sua diferença da culpa ou negligência. A doutrina, porém, e de certo modo a jurisprudência têm seguido os critérios da teoria do consentimento (Anibal Bruno, Fragoso, Hungria)." (in ob. cit., p. 61)
  17. Ob. cit., Derecho Penal: parte general, p. 249-250.
  18. In El dolo eventual, Valência, Tirant lo Blanch, 1994, p. 168-169.
  19. Cfe. ob. cit., Direito Penal: parte geral, p. 52-53.
  20. Curso de Derecho Penal español: parte general, v. II, Teoría juridica del delito, 5 ed., Madrid, Tecnos, 1997, p. 142-143.
  21. Ob. cit., Derecho Penal: parte general, p. 567, in verbis: "Existen indubitables dificultades semánticas para la inclusión del dolo eventual en el seno de la intención, pues la intención es, en su sentido más proprio, determinación de la voluntad en orden a un finy, precisamente, lo característico del dolo eventual es que la producción del resultado antijurídico no aparece como un fin alque se dirija la voluntad del agente. Pero, a partir de esse estricto del término ‘intención’, habría que incluir en la imprudencia no sólo el dolo eventual, sino también el dolo directo de segundo grado, porque tampoco en él el evento antijurídico constituye el fin al que se dirige la voluntad. Esta inaceptable conclusión obliga a pensar que, en la legislación española, se há utilizado el término ‘intención’ en su acepción lata, para designar la relación entre el querer y su objeto. ..."
  22. Cfe. ob. cit., Curso de Derecho Penal español, p. 145.
  23. Ob. cit., Tratado de Derecho Penal: parte general, p. 269. Jescheck esclarece ainda que "considerar en serio el peligro quiere decir que el autor calcula como relativamente alto el riesgo de la realización del tipo. De este modo se obtiene la referencia a la magnytud y proximidad del peligro, necesaria para acreditación del dolo eventual."
  24. In ob. cit., Curso de Derecho Penal español, p. 145.
  25. Para José Cirilo de Vargas a questão é simples. Em sua recente obra, Instituições de Direito Penal: parte geral, t. I, Belo Horizonte, Del Rey, 1997, p. 277, o autor não viu a necessidade de abrir espaço ao tema espécies de dolo e, justifica-se alegando que dolo ou "é sempre vontade do resultado, ou sempre assunção do risco do resultado, dolo é direto ou eventual, nos exatos termos em que a lei coloca, sendo que a lei é a referência."
  26. Confira-se in RT 607: 274. Consigne-se, ainda, que a exposição de motivos do Código Penal, adotando o ponto-de-vista de HUNGRIA, esclareceu que "assumir o risco é alguma coisa mais do que ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso venha este, realmente, a ocorrer."
  27. Comentários ao Código Penal, 4 ed., SP, Saraiva, 1996, p. 75.
  28. Cfe. ob. cit., Comentários ao Código Penal, p. 75.
  29. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, 5ª. ed., SP, RT, 1995, p. 205.
  30. Cfe. Tratado de Direito Penal, v. II, Campinas, Bookseller, 1997, p. 260.
  31. Lições de Direito Penal, 15ª ed., RJ, Forense, 1994, p. 173-174. Vide também a obra de Lenio Streck, ob. cit., Tribunal do júri: símbolos e rituais, p. 157.
  32. Código Penal comentado, 3ª. ed., Rio de Janeiro, Renovar, 1991, p. 30.
  33. Cfe. excelente artigo, Morte no trânsito: homicídio doloso?, Temas Atuais de Advocacia Criminal, SP, Escola de advocacia criminal, p. 96 e segs.
  34. Ob. cit., Tribunal do júri: símbolos e rituais, p. 155. Cfe. o autor: "Dito de outro modo, o operador do direito, em face dos delitos de trânsito, embora graves, não deve ser obrigado a optar entre ‘civilização’, representada pela adoção do dolo eventual – de onde exsurgirão punições rigorosas – e a ‘barbárie’, representada pelos milhares de crimes praticados cotidianamente. Isto porque é nas crises e nos casos limites que o Direito Penal e a própria teoria do delito são colocados em xeque. ..."
  35. A expressão é bem utilizada por Bitencourt, Princípios garantistas e a delinqüência de colarinho branco, in Revista brasileira de ciências criminais, SP, RT, 1995, n° . 11, p. 118.
  36. Ob. cit., Tribunal do júri: símbolos e rituais, p. 155.
  37. Ob. cit., Comentários ao Código Penal, p. 544. Vide também o livro do professor da UFRGS, Frederico Abrahão de Oliveira, Dolo e culpa nos delitos de trânsito, POA, Sagra, 1997, p. 51-52.
  38. A figura do dolo eventual começou a ser usada nestes casos. Veja-se: "Dolo eventual. Acidente de trânsito. Colher pedestre em acostamento, em velocidade excessiva, após tentativa de ultrapassagem em local proibido, caracteriza dolo eventual, sendo contrária à prova dos autos decisão dos jurados que desclassifica o fato para homicídio culposo. Embargos desacolhidos, por maioria. (Embargos Infringentes nº 695055400, 2º Grupo Criminal do TJRGS, Estrela, 16.06.95)"
  39. Ob. cit., Tribunal do júri: símbolos e rituais, p. 155.
  40. In Manual de Derecho Penal: parte general, 6 ed., Buenos Aires, Ediar, 1997, p. 420. Vide também, Zaffaroni e Pierangelli, in recente Manual de Direito Penal brasileiro: parte geral, SP, RT, 1997, p. 501-502.
  41. Zaffaroni e Pierangelli não tiveram sorte na exemplificação da matéria. Até se compreende que em certos casos, principalmente nos "rachas", o agente possa, extrapolando o senso comum, em casos limites, anuir no resultado (teoria do consentimento). Com efeito, isso não pode ser tratado como um dogma, uma verdade absoluta, sob pena de termos que admitir absurdos como a anuência em colisão frontal, amplamente exposta em nosso trabalho. O que não se admite é a padronização, a estereotipação in malam partem.
  42. In ob. cit., Manual de Direito Penal brasileiro, p. 501.
  43. In ob. cit., Manual de Direito Penal brasileiro, p. 502.
  44. Apud Frederico Marques, ob. cit., p. 260.
  45. Heleno Cláudio Fragoso, ob. cit., Lições de Direito Penal, p. 173-174. No mesmo sentido, Lenio Streck, in ob. cit., Tribunal do júri: símbolos e rituais, p. 157.
  46. Ob. cit., Comentários ao Código Penal, p. 76.
  47. Recentemente a segunda Turma do Supremo Tribunal Superior deferiu habeas corpus para anular acórdão do tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, que confirmara sentença de pronúncia do paciente, envolvido em acidente de trânsito com vítima fatal, considerado o dolo eventual e desclassificar o crime para homicídio culposo. Entendeu-se que o paciente, trafegando na contra-mão, em cidade na qual residia há pouco tempo, sem o domínio maior do sentido dos logradouros, não assumira, conscientemente, a possibilidade de produzir o evento morte. Vencidos os ministros Néri da Silveira e Carlos Velloso que, considerando necessário o reexame de provas, indeferiram o writ. (HC n° 76.778-RO, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 28.04.98) (vide também in Boletim do IBCCrim n° 67, junho/98, p. 261)
  48. Confira-se a excelente obra de Cezar Roberto Bitencourt, Falência da pena de prisão: causas e alternativas, RJ, RT, 1993. Veja-se, à guisa de informação, Antonio Sánches Galindo, El derecho a la readaptación social, Buenos Aires, Depalma, 1983.
  49. Toma-se, in exemplis, a Lei nº. 9.099/95 que, embora não desconhecemos suas imperfeições, instituiu em nosso direito processual penal algumas medidas que servem como paradigmas para um novo Direito Penal, um Direito Penal Mínimo e Humano.
  50. Nesse sentido, vale trazer à baila o seguinte decisório: "Dolo eventual. Acidente de trânsito. Para atender reclamos sociais contra aquilo que denominam de impunidade pelas penas brandas em acidente de veículo, a jurisprudência tem aceitado a tese do dolo eventual em que o agente, depois de beber grande quantidade de cerveja, em casa noturna, sai em velocidade elevada e abalroa outro veículo estacionado, ferindo várias pessoas. Apelo improvido. Condenação mantida. (Apelação Crime nº 694035692, 4ª Câmara Criminal do TJRGS, Carazinho, 23.06.94)" Em sentido oposto está o Tribunal de Justiça Mineiro (Recurso em sentido Estrito n° 75.631/2, 2ª Câmara Criminal, Relator Des. Alves de Andrade, pub. no Diário do Judiciário de Minas Gerais, Belo Horizonte, em 20.02.1997, fl. 01): "Despronúncia. Delitos de trânsito. Elemento subjetivo. Dolo eventual. Culpa consciente. Clamor social. Segurança nas relações jurídicas. Divisão de poderes. Age sob modalidade de culpa consciente e não dolo eventual o condutor do veículo que, mesmo inabilitado, em velocidade excessiva e apresentando sintomas de embriaguez, atropela pedestre, não se podendo dizer que o mesmo quis ou admitiu positivamente que o resultado se produzisse. A atividade jurisdicional não pode sofrer injunções ditadas pelo clamor social que emerge de certos delitos de trânsito, sob pena de instalar-se a insegurança jurídica, extrapolando o Julgador suas funções para transformar-se também em legislador, em afronta à divisão tripartite de Poderes." Do corpo do acórdão destacamos: "O clamor social que o trágico evento deflagrou, traduzido em manifestações populares, no sentido da punição do responsável é perfeitamente compreensível. Merece o acusado receber as conseqüências de sua reprovável conduta, de acordo com o direito positivo aplicável. Todavia, o Juiz não pode transmudar seu papel, de interprete da lei para legislador. ..."
    Inadmissível que o judiciário, embalado pela comoção e revolta popular, arroste a legislação pertinente ou faça sua aplicação conforme a repercussão que o fato suscitar no meio coletivo. Seria a instalação do caos e da insegurança jurídica, a mesma que reinava antes do racionalismo implantado pela revolução francesa."
  51. Utilizamos a expressão "garantista" em atenção ao "sistema de garantias ou garantismo", muito bem colocado por Luigi Ferrajoli, in Derecho y razón: teoria del garantismo penal, Madrid, Trotta, 1997. Ferrajoli, explica as três acepções do garantismo. Garantismo como estado de direito: níveis de normas e níveis de deslegitimação, garantismo como teoria do direito e crítica do direito e, ainda, o garantismo como filosofia do direito e filosofia política. O garantismo é um modelo de direito. Segundo Ferrajoli "el estado de derecho: gobierno ‘per leges’ y gobierno ‘sub lege’. Legitimación formal y legitimación sustancial. En la primera de las tres acepciones que se han distinguido, el ‘garantismo’ es el principal rasgo funcional de esa formación moderna específica que es el estado de derecho."
  52. Um projeto do Código de Trânsito Brasileiro trazia em seu bojo o seguinte artigo: "Art. 301: O art. 121 do Decreto-lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar acrescido do seguinte § 6º: Art. 121. ... ... § 6º. No homicídio culposo, ocorrido em acidente de trânsito, dobram-se as penas se o agente: I - encontra-se em estado de embriaguez ou sob efeitos de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica; ..." Ao que tudo indica, terminaria aqui o lamentável equívoco do dolo eventual. Ocorre que, a redação final foi exposta no artigo 302 do Código em vigor: "Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas: detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único: No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: I – não possuir permissão para dirigir ou carteira de habilitação; II – praticá-lo em faixa de pedestre ou na calçada; III – deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; IV – no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros."
  53. In De la justicia, México: Universidad Nacional Autónoma del México, Centro de Estudos Filosóficos, 1964, Cuaderno 14, p. 16.
  54. In As misérias do processo penal, Campinas, Conan, 1995, p. 70.
  55. In Código de Trânsito Brasileiro: disposições penais e suas incongruências, Boletim do IBCCrim, ano5, n. 61, p. 9, dez., 1997.
  56. In art. cit., Código de Trânsito Brasileiro: disposições penais e suas incongruências, p. 9.
  57. In art. cit., Código de Trânsito Brasileiro: disposições penais e suas incongruências, p. 9.
  58. In Desvalor da ação e desvalor do resultado nos crimes culposos de trânsito, Boletim do IBCCrim, ano 6, n. 64, p. 14, mar., 1998.
  59. Quando nos referimos à figura do "legislador" (propositadamente entre aspas), o fazemos no mesmo sentido que Lenio Streck. Estamos cientes da problemática do "mito do legislador racional" e de suas "treze características" e, ainda, de que a expressão mais correta seria Poder Legislativo ou Poder legiferante. Em sua obra citada, Tribunal do júri: símbolos e rituais, p. 22, o autor esclarece, em nota de rodapé: "Quando me refiro à figura do ‘legislador’, estou ciente da problemática relacionada ao ‘mito do legislador racional’ e suas ‘treze características’, muito bem enfocadas e ironizadas - por Santiago Nino e Ferraz Jr. Trata-se, conforme Ferraz Jr., ‘de uma construção dogmática que não se confunde com o legislador normativo (o ato juridicamente competente conforme o ordenamento) nem com legislador real (a vontade que de fato positiva normas). É uma figura intermédia, que funciona como um terceiro metalingüístico em face da língua normativa (LN) e da língua-realidade (LR). A ele a hermenêutica se reporta quando fala que ‘o legislador pretende que...’, ‘a intenção do legislador é que...’ ou mesmo ‘a mens legis nos diz que...’." Confira-se, também, Tércio Sampaio Ferraz Jr., Introdução ao estudo do Direito, SP, Atlas, 1989, p. 254-255.
  60. Nesse sentido, é digno de destaque o artigo da lavra do Juiz Walter Fanganiello Maierovitch, publicado no Jornal Estado de S. Paulo, em 27.03.91, p. 2, reproduzido por Alberto Silva Franco, in Crimes Hediondos, 2ª. ed., RJ, RT, 1992, p. 45: "O perfil do Juiz Criminal, na perspectiva do movimento da lei e da ordem, é o de uma pessoa totalmente empenhada no combate, sem quartel, à criminalidade, na defesa dos ‘homens decentes’ que nunca delinqüem, na proteção da parcela ‘sadia’ da sociedade, na aplicação cada vez mais severa do poder punitivo estatal (penas privativas de liberdade longas e pena de morte), no encurtamento dos direitos e garantias processuais, na diminuição dos controles judiciais da execução da pena, enfim, no comprometimento ideológico com o establishment. ... A missão do juiz criminal é bem outra: é exercer a função criativa nas balizas da norma incriminadora, é infundir, em relação a determinadas normas punitivas, o sopro do social; é zelar para que a lei ordinária nunca elimine o núcleo essencial dos direitos do cidadão; é garantir a ampla e efetiva defesa, o contraditório e a isonomia de oportunidades, favorecendo o concreto exercício da função da defesa; é invalidar as provas obtidas com a violação da autonomia ética da pessoa; é livrar-se do circulo fechado do dogmatismo conceitual, abrindo-se ao contato das demais ciências humanas e sociais; é compatibilizar o Estado de Direito com o Estado social que lhe é subjacente; é em resumo ser o garante da dignidade da pessoa humana e da estrita legalidade do processo."
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Sobre o autor
Alexandre Wunderlich

advogado criminal, especialista e mestre em Ciências Criminais (PUC/RS), professor de Direito Penal da pós-graduação da PUC/RS e UFRGS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WUNDERLICH, Alexandre. O dolo eventual nos homicídios de trânsito:: uma tentativa frustrada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1732. Acesso em: 26 abr. 2024.

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