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Um olhar sobre o novo Código de Processo Civil (PLS nº 166/2010) na perspectiva das prerrogativas da magistratura nacional (especialmente na Justiça do Trabalho)

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IV. CONCLUSÕES

Pelo quanto exposto, impende pontuar, acrescer e concluir como segue.

1. Do ponto de vista das prerrogativas da Magistratura nacional, tal como disciplinadas nos artigos 93 a 95 da Constituição Federal e na Lei Complementar n. 35/79 (LOMAN), os principais cuidados que a redação de um novo Código de Processo Civil deve guardar dizem respeito à preservação da independência funcional do magistrado, tanto perante os órgãos judiciais revisores (excetuada, é claro, a sua própria função revisora, que está igualmente sob a guarida da independência funcional, desde que não se desdobre em constrangimento para que o juiz de 1º grau reproduza teses que não perfilha) como perante órgãos correicionais (inclusive quanto ao tempo concretamente razoável para a distribuição de justiça) e também perante pessoas ou entidades externas (inclusive quanto à sua imunidade pelas decisões prolatadas).

2. Violam a cláusula constitucional da independência judicial quaisquer gestões ou preceitos que priorizem prazos, números e "metas" em detrimento das necessidades instrutórias ou persecutórias concretas de cada causa, a serem aquilatadas primeira e precipuamente pelo seu juiz natural (no 1º ou 2º graus). «Eficientismo» descalibrado sacrifica o conceito mesmo de ordem jurídica justa.

3. Também violam a cláusula constitucional de independência judicial os preceitos legais que vulnerabilizam as imunidades do magistrado, sujeitando-o a sanções de qualquer ordem (criminal, civil ou administrativa) pelo mero exercício consciente de suas convicções jurídicas, ainda quando contrárias à jurisprudência pacificada nos tribunais ─ o que inclui todos os enunciados de súmulas não-vinculantes ─ ou aos modelos de gestão adotados pelos vários órgãos de administração judiciária (conselhos e administrações de tribunais). Nesse diapasão, o "excesso dos prazos previstos em lei" não pode ser causa única e isolada para a punição ou para a responsabilização do juiz, notadamente quando tal excesso se justifica pelo exercício de suas convicções quando aos efeitos jurídicos de atos ou fatos jurídicos externos (como, e.g., nas hipóteses de prejudicialidade externa), quando à necessidade de dilação instrutória, quando à extensão do contraditório, etc.

4. Quanto ao mais, porém, e na perspectiva global, registre-se tratar-se de texto muito bem afinado com a processualística contemporânea, consentâneo com o novo perfil da Magistratura nacional (proativa, jusgarantista e conciliatória) e sensível a princípios de direito material e processual intensamente repercutidos pela doutrina de vanguarda, conquanto atualmente ignorados pela letra da legislação processual em vigor. Nessa ensancha, cite-se, p.ex., a recepção formal (textual ou contextual) do princípio da cooperação processual (artigos 8º e 107, III) [22], do princípio da adequação material dos atos e procedimentos (artigo 107, V), do princípio da proporcionalidade ─ em geral (artigo 472, par. único) e aplicado à valoração das provas obtidas por meio ilícito (artigo 257, par. único) [23] ─ e até mesmo do princípio geral da razoabilidade (artigo 6º), entre outros. Converge-se mesmo para uma abordagem hermenêutica pós-positivista (artigo 108). Por essa ancoragem principiológica tão rica, e somente por isso, a proposta já nos mereceria os melhores encômios.

5. Nesse diapasão, e adstrito aos lindes propostos (âmbito das prerrogativas da Magistratura nacional), recomenda-se a exclusão peremptória do texto do artigo 192 do Anteprojeto de Código de Processo Civil (atual PLS n. 166/2010); a exclusão ou, ao menos, a adequação material do texto vazado no artigo 192 do anteprojeto, assim como naqueles que reproduzem seu espírito (como, e.g., o artigo 110, par. único); e, bem assim, a adequação material dos artigos 14 e 503, §8º, tudo isso sem qualquer prejuízo à elevada conveniência da aprovação global do texto (notadamente para a Teoria Geral do Processo), uma vez feitos esses reparos.


V. BIBLIOGRAFIA

BAPTISTA SILVA, Ovídio Araújo. Processo e Ideologia: o paradigma racionalista. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1998.

COSTA MACHADO, Antonio Claudio da. "Um Novo Código de Processo Civil?". In: Jornal Carta Forense. São Paulo: Stanich & Maia, 05.07.2010 (Legislação).

CRUZ, José Raimundo Gomes da. Lei Orgânica da Magistratura Nacional interpretada. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998.

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Direito à prova e dignidade humana. São Paulo: LTr, 2008.

FELICIANO, Guilherme Guimarães. PISTORI, Gerson Lacerda. MAIOR, Jorge Luiz Souto. FILHO, Manoel Carlos Toledo. Fênix — por um um novo processo do trabalho: a proposta dos juízes do Trabalho da 15ª Região para a reforma do processo laboral (comentada pelos autores). São Paulo: [s.e.], 2010 (no prelo).

MARINONI, Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. v. I.

OLIVEIRA, Alexandre Nery de. "Hierarquia e subordinação judiciárias. Inconstitucionalidade". In: Jus Navigandi. Teresina, ano 5, n. 48, dez. 2000. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/246 (acesso em 17.06.2010).


Notas

  1. Adiante, referiremos indistintamente "projeto" e "anteprojeto de lei", remetendo sempre ao mesmo texto, uma vez que o PLS n. 166/2010 corresponde integralmente ao anteprojeto de lei apresentado pela Comissão de Juristas, sem alterações relevantes.
  2. COSTA MACHADO, Antonio Claudio da. "Um Novo Código de Processo Civil?". In: Jornal Carta Forense. São Paulo: Stanich & Maia, 05.07.2010 (Legislação).
  3. O que está decerto conforme à melhor doutrina. Por todos, confira-se, com MARINONI: "a norma constitucional que afirma a ação institui odireito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, e, dessa forma, confere a devida oportunidade da prática de atos capazes de influir sobre o convencimento judicial, assim como a possibilidade douso das técnicas processuais adequadas à situação conflitiva concreta. [...] O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva obriga o juiz a garantir todos os seus corolários, como o direito ao meio executivo capaz de permitir a tutela do direito, além de obrigar o legislador a desenhar os procedimentos e as técnicas processuais adequadas às diferentes situações de direito substancial. [...] As novas técnicas processuais, partindo do pressuposto de que o direito de ação não pode ficar na dependência de técnicas processuais ditadas de maneira uniforme para todos os casos ou para alguns casos específicos,incorporam normas abertas, isto é, normas voltadas para a realidade, deixando claro quea ação pode ser construída conforme as necessidades do caso conflitivo" (MARINONI, Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. v. I. pp.285-291 — g.n.).
  4. "Quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o juiz oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações".
  5. MARINONI, op.cit., p.176.
  6. Assim, p.ex., o magistrado que se vir instado a decidir litígio para o qual se julga legalmente suspeito (artigo 135 do CPC), por ter o tribunal, em mandado de segurança, entendido o contrário. Não se trata de hipótese acadêmica, havendo precedentes na própria Justiça do Trabalho.
  7. OLIVEIRA, Alexandre Nery de. "Hierarquia e subordinação judiciárias. Inconstitucionalidade". In: Jus Navigandi. Teresina, ano 5, n. 48, dez. 2000. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/246 (acesso em 17.06.2010 — g.n.). O autor, não por acaso citado, é desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região.
  8. CRUZ, José Raimundo Gomes da. Lei Orgânica da Magistratura Nacional interpretada. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p.44 (g.n.).
  9. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1998. pp.617-618 (g.n.).
  10. Aliás, quanto à alínea «d», restaria a esclarecer — e isto tanto poderia ser tentado mediante sucessivas incursões nos recônditos da Filosofia do Direito como ainda, mais intimamente, mediante sucessivas visitas ao divã do psicanalista, tal a extensão e as possibilidades da ideia contida — o que vem a ser a «pertinência» da doutrina ou da jurisprudência citada. Com toda vênia, conceito assim aberto jamais poderia ser eleito como "critério objetivo" de promoção de magistrados.
  11. BAPTISTA SILVA, Ovídio Araújo. Processo e Ideologia: o paradigma racionalista. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. pp.112 e ss.; pp.128-129.
  12. Ver artigo 795 c.c. artigo 893, §1º, da CLT.
  13. Ver, no atual CPC, os artigos 522 a 529. No PLS n. 166/2010, vide artigos 929 a 936.
  14. Cfr. artigo 5º, incisos e XXXVII, LIII e LIV da CRFB.
  15. STF, ADI n. 2885/SE (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA vs. Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região), Tribunal Pleno, rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 18.10.2006, in DJ 23.02.2007, p.16 (g.n.).
  16. STF, ADI n. 3053/PA (Associação dos Magistrados do Brasil – AMB vs. Corregedoria de Justiça das Comarcas do Interior do Estado do Pará), Tribunal Pleno, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j. 11.11.2004, in RTJ 193/129 (g.n.).
  17. STF, ADI n. 2580/CE (Procurador-Geral da República vs. Assembléia Legislativa do Estado do Ceará e Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará), rel. Min. CARLOS VELLOSO, j. 26.09.2002, in DJ 21.02.2003, p.27 (g.n.).
  18. Com a qual, diga-se, não concordamos. A rigor, tanto o processo civil quanto o processo penal poderiam ser considerados, em um sentido mais amplo, «direito processual comum». Quanto a isso, v. "Fênix — por um um novo processo do trabalho: a proposta dos juízes do Trabalho da 15ª Região para a reforma do processo laboral (comentada pelos autores)", ainda no prelo, de nossa lavra (em coautoria com os juízes GERSON LACERDA PISTORI, JORGE LUIZ SOUTO MAIOR e MANOEL CARLOS TOLEDO FILHO).
  19. A que atualmente corresponderia, "mutatis mutandi", o artigo 475-H do Código de Processo Civil em vigor.
  20. "Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 2 (dois) anos".
  21. Processo n. 000222-2007-126-15-00-6 (2ª Vara do Trabalho de Paulínia). A liminar deferida, depois confirmada com pequenas modulações (MS n. 0005200-24.2009.5.15.0000), beneficia cerca de 3,5 mil ex-empregados e parentes (a cada qual, por sentença, será devido o valor de R$ 64,5 mil). Segundo estimativas do Ministério Público do Trabalho, cerca de sessenta e seis trabalhadores perderam a vida no local, por exposição a agentes tóxicos.
  22. Sobre isso, de nossa lavra, v. Direito à prova e dignidade humana. São Paulo: LTr, 2008. passim.
  23. Idem, ibidem.
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Sobre o autor
Guilherme Guimarães Feliciano

Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Doutor pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Lisboa. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Um olhar sobre o novo Código de Processo Civil (PLS nº 166/2010) na perspectiva das prerrogativas da magistratura nacional (especialmente na Justiça do Trabalho). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2625, 8 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17356. Acesso em: 24 abr. 2024.

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