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Novos comentários sobre inventário e partilha pela via administrativa

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08/09/2010 às 17:33
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Escolha do tabelião de notas para a lavratura da escritura, gratuidade do procedimento e aplicação do procedimento administrativo a óbitos ocorridos antes da vigência da Lei em análise

Passaremos agora ao rápido enfrentamento das últimas questões que têm desafiado, na prática, o operador do direito.

A primeira questão diz respeito à escolha do tabelião de notas para a lavratura da escritura de inventário e partilha. Será que os interessados podem escolher livremente o cartório de notas para a lavratura da escritura ou deverão eles observar alguma regra de competência relativa ao inventário judicial?

Para se responder a esta indagação, é preciso ter em mente que as regras de competência previstas no Código de Processo Civil são direcionadas exclusivamente para a seara judicial, isto é, a jurisdição é monopólio do Poder Judiciário. O tabelião do cartório de notas não tem poderes jurisdicionais.

Desta forma, os interessados podem escolher livremente o tabelião de notas que fará a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei 11.441/2007. Não se aplicam, para esta hipótese, as regras de competência do CPC.

Tal entendimento é corroborado pela doutrina de Carlos Roberto Gonçalves:

Para a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei nº 11.441/2007 é livre a escolha do tabelião de notas, ‘não se aplicando as regras de competência’ do Código de Processo Civil. A competência é uma medida da jurisdição, que é monopólio do Poder Judiciário – e o tabelião não tem poderes jurisdicionais. Por essa razão, podem os interessados promover a lavratura da escritura no cartório da localidade que lhes for mais conveniente, independentemente do domicílio do autor da herança, da situação dos bens e de serem ali domiciliados ou não [22].

No mesmo sentido, Salomão de Araujo Cateb. Para tal autor, "as partes procurarão e contratarão seus advogados, ou escolherão um único, elegendo, em seguida, o Cartório de Notas de sua preferência." [23]

Como tal questão não foi tratada pela Lei, sua disciplina veio também através da Resolução nº 35 do CNJ. O art. 1º da Resolução em referência esclarece que "para a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei 11.441/2007, é livre a escolha do tabelião de notas, não se aplicando as regras de competência do Código de Processo Civil".

A segunda questão diz respeito à gratuidade deste procedimento administrativo.

Tal questão também foi disciplina pela Resolução nº 35 do CNJ. Conforme os arts. 6º e 7º da Resolução em referência, a gratuidade prevista na Lei 11.441/2007 compreende as escrituras de inventário e partilha (temas do presente artigo), bem como a de divórcio consensual. Para a obtenção de tal gratuidade, basta a simples declaração dos interessados de que não possuem condições de arcar com os emolumentos, ainda que as partes estejam assistidas por advogado constituído. Trata-se, sem dúvida, de importante disposição que dará plena efetividade ao procedimento em questão.

A terceira e última questão a ser aqui enfrentada diz respeito à possibilidade ou não da aplicação do procedimento administrativo a óbitos ocorridos antes da vigência da Lei 11.441/2007.

Para o devido entendimento desta questão, se faz de mister importância compreender que a Lei 11.441/2007 é norma de caráter procedimental.

Tal compreensão é necessária, pois as normas procedimentais a terem aplicabilidade são aquelas que estiverem em vigor no instante da realização do inventário.

Não podemos confundir normas procedimentais com normas substantivas. Quanto a estas últimas, na sucessão hereditária, aplicar-se-ão aquelas que estiverem em vigor na data da abertura da sucessão, conforme expressa determinação dos arts. 1.787 e 2.041 do Código Civil de 2002.

Desta forma, temos a plena aplicabilidade da Lei 11.441/2007 aos óbitos ocorridos antes de sua vigência, sendo que o inventário e a partilha dos mesmos podem ser feitos através do procedimento administrativo ora em análise, desde que atendam a todos os requisitos já tratados anteriormente.

Neste sentido, a doutrina de Maria Helena Diniz:

Urge não olvidar que a CGJSP, na conclusão 4.26, admite a aplicação da Lei nº 11.441/2007, de caráter procedimental, também na hipótese de óbito ocorrido antes de sua vigência. Tal se dá porque as normas procedimentais a serem aplicadas são as que estiverem vigorando no instante em que se fizer o inventário; todavia, as normas substantivas relativas à sucessão hereditária serão as da época em que se deu a abertura da sucessão, ou seja, na data do falecimento do de cujus (CC, arts. 1.787 e 2.041) [24].

No mesmo sentido, Sílvio de Salvo Venosa:

Para que não paire a menor dúvida, o art. 30 dispõe que a Lei nº 11.441/07 aplica-se também a óbitos ocorridos antes de sua vigência. Não há que se falar em efeito retroativo porque se trata de norma procedimental e prejuízo algum haverá a quem quer que seja [25].

Portanto, temos sim a aplicabilidade das disposições procedimentais da Lei 11.441/2007 aos óbitos ocorridos antes de sua vigência, 04 de janeiro de 2007.


CONCLUSÃO

Não há dúvidas de que, na seara do Direito das Sucessões (com repercussão também no Direito de Família), uma das últimas novidades legislativas está na promulgação da Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007, legislação esta que possibilita a realização de inventário e partilha pela via administrativa.

Por meio desta Lei, foi instituído o chamado procedimento administrativo ou extrajudicial (realizado através de escritura pública), visando à solução mais célere e econômica de problemas tratados pelo Direito de Família e pelo Direito das Sucessões.

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Como vimos, para a realização do inventário e partilha, pela via administrativa, se faz necessária a presença dos seguintes requisitos: partes capazes, concordes e ausência de testamento contendo disposições de ordem patrimonial.

Como tratamos, existindo testamento com disposições apenas pessoais, abre-se a possibilidade de que o inventário seja feito pela via administrativa, não obstante a existência daquele. Também é obrigatória a presença e o acompanhamento do advogado na realização do procedimento pela via administrativa.

Em outra frente, discorremos que a adoção do procedimento administrativo é facultativo para os interessados, pois, possuem eles a "faculdade" de escolher o procedimento administrativo ou o judicial. Ademais, podem os interessados desistir do meio escolhido anteriormente (judicial ou extrajudicial) e realizar o inventário e a partilha pelo outro.

Quanto à necessidade ou não de homologação judicial, verificamos que as escrituras públicas de inventário e partilha não dependem de homologação judicial e são títulos hábeis para o registro civil e o registro imobiliário, para a transferência de bens e direitos, bem como para promoção de todos os atos necessários à materialização das transferências de bens e levantamento de valores.

Ainda no campo da manifestação das partes, constatamos que os interessados podem escolher livremente o tabelião de notas que fará a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei 11.441/2007, pois não se aplicam, para esta hipótese, as regras de competência do CPC.

Por fim, sobre a aplicabilidade ou não da Lei 11.441/2007 aos óbitos ocorridos antes de sua vigência, constatamos a sua plena aplicabilidade, sendo que o inventário e a partilha dos bens podem ser feitos através do procedimento administrativo ora em análise, desde que atendam a todos os requisitos tratados ao longo do presente artigo.

Que a presente Lei consiga, ao longo do tempo, atingir verdadeiramente os seus objetivos de desburocratizar e racionalizar os procedimentos, resolvendo com eficácia estas questões afetas ao Direito das Sucessões e ao Direito de Família.


REFERÊNCIAS

CARVALHO, Dimas Messias de; CARVALHO, Dimas Daniel de. Direito das sucessões, inventário e partilha. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

CATEB, Salomão de Araujo. Direito das sucessões. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 23. ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 6.

FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 13. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 7.

OLIVEIRA, Antonio José Tibúrcio de. Direito das sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 15. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. 6.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões.8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. v. 7.


Notas

  1. O princípio constitucional da razoável duração do processo está expresso no art. 5º, inciso LXXVIII. Este inciso foi acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, possuindo a seguinte redação: ‘LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação’.
  2. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 489. v. 7.
  3. Note-se que todas as doutrinas com edições anteriores a 2007 confirmavam tal assertiva. Como exemplo, citamos a doutrina de Caio Mário da Silva Pereira (edição de 2006) que, ao discorrer sobre o inventário judicial, ensinava que "a presença da matéria procedimental na ‘liquidação da herança’ é uma constante. E tanto mais inevitável que o inventário é hoje, obrigatoriamente, judicial." (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 15. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 369. v. 6). No mesmo sentido, na excelente doutrina de Antonio José Tibúrcio de Oliveira (edição de 2005) consta expressamente que "o inventário será sempre judicial, ainda que todos os herdeiros do de cujus sejam maiores e capazes." (OLIVEIRA, Antonio José Tibúrcio de. Direito das sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 427)
  4. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões.8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 35. v. 7.
  5. CATEB, Salomão de Araujo. Direito das sucessões. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 253.
  6. Tal resolução disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/2007 pelos serviços notariais e de registro.
  7. Tal provimento cuida da aplicação da Lei 11.441/2007, disciplinando as atividades profissionais dos advogados em escrituras públicas de inventários, partilhas, separações e divórcios.
  8. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões, p. 83.
  9. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões, p. 82.
  10. CATEB, Salomão de Araujo. Direito das sucessões, p. 253.
  11. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 23. ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 83. v. 6.
  12. Há autores que entendem que o comparecimento pessoal das partes não é requisito essencial. Sobre o assunto, Dimas Messias de Carvalho e Dimas Daniel de Carvalho defendem que "a nova redação do art. 982, parágrafo único, do Código de Processo Civil, introduzida pela Lei nº 11.441/2007, não exige como requisito essencial, o comparecimento pessoal das partes para lavratura e assinatura da escritura pública de inventário de partilha, como ocorre com o advogado, exigindo apenas que estejam assistidos, permitindo, portanto, sejam representados por procuradores com poderes especiais, mediante instrumento público. Veda-se, entretanto, a função de mandatário com a de advogado das partes (art. 12 da Resolução 35 do CNJ)." (CARVALHO, Dimas Messias de; CARVALHO, Dimas Daniel de. Direito das sucessões, inventário e partilha. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 223).
  13. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões, p. 494/495.
  14. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões, p. 83.
  15. Existem outros requisitos, tais como a quitação dos tributos incidentes; ser o Brasil o último domicílio do falecido; bens não sujeitos a inventário etc. Não trataremos de tais requisitos no presente artigo tendo em vista a limitação de espaço. Por outro lado, reitere-se que os principais requisitos são os que foram adequadamente tratados no tópico em questão.
  16. Artigo com redação determinada pela Lei 11.441/2007.
  17. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões, p. 490.
  18. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões, p. 405.
  19. César Fiuza, discorrendo sobre o inventário e partilha extrajudicial, aduz que "pagos os tributos e lavrada a escritura, os bens serão repartidos entre os herdeiros. Com relação aos imóveis e demais bens sujeitos a registro, como automóveis, a escritura constituirá título hábil para a transferência junto ao órgão registral." (FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 13. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 1081).
  20. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões, p. 491.
  21. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões, p. 405/406.
  22. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões, p. 491.
  23. CATEB, Salomão de Araujo. Direito das sucessões, p. 254.
  24. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões, p. 405.
  25. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões, p. 84.
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Sobre o autor
Alan de Matos Jorge

Advogado. Mestre em Direito pela Universidade de Itaúna - Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva - Professor de Direito do Consumidor, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito Processual Civil e Direito Constitucional em Cursos de Graduação e Pós-graduação no Estado de Minas Gerais - Professor da Universidade Estadual de Montes Claros/MG - UNIMONTES (Pós-Graduação) - Professor das Faculdades Integradas de Caratinga/MG (Pós-Graduação) - Professor de Direito Civil e Direito Empresarial no Curso de Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC - Campus Mariana/MG - Professor de Direito Civil, Direito Empresarial e Direito do Consumidor da Faculdade da Cidade de Santa Luzia/MG - FACSAL. Professor da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JORGE, Alan Matos. Novos comentários sobre inventário e partilha pela via administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2625, 8 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17357. Acesso em: 26 abr. 2024.

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