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Dos crimes contra a dignidade sexual: as principais mudanças advindas com a Lei nº 12.015/2009

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09/09/2010 às 17:02
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3. DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL

3.1 ART. 217-A – ESTUPRO DE VULNERÁVEL

Estupro de vulnerável (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: 

(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1º  Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 2º  (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 3º  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 4º  Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Anteriormente à Lei 12.015/2009 havia uma acirrada discussão acerca da presunção de violência, nos termos do art. 224 do CP. A maioria (2010, p. 72) da doutrina, que defendia a presunção relativa, exigia a demonstração probatória. Já para os que consideravam a presunção absoluta, o entendimento era o de que a lei havia suprimido essa necessidade. A nova Lei objetivou encerrar essa polêmica, ao considerar o requisito etário como um critério objetivo, de acordo com a Justificativa apresentada no Projeto de Lei original. Porém, cumpre salientar que algumas vozes ainda defendem a relatividade. É o caso de Nucci (2009, p. 37), Estefam (2009, p. 59) e Barros (2010, p. 74). Cumpre registrar, também, a posição de Greco (2009, p. 78) e Estefam (2009, p. 68), que defendem a possibilidade do concurso entre o delito de lesão corporal ou ameaça com o delito do art. 217-A do CP.

Outra divergência que se encerra com o fim da violência presumida era a que versava sobre a ocorrência do bis in idem, pela incidência do art. 9º da Lei 8.072/90 ao delito do at. 224. Como a maioria entendia pela ocorrência da dupla punição, a pena que incidia variava de 06 a 10 anos. Agora, com o fim da citada presunção, a punição para o tipo descrito no art. 217-A é de 8 a 15 anos, portanto mais gravosa, não incidindo aos fatos anteriores.

Por outro lado, a lei se torna mais benéfica quando da ocorrência da violência real ao delito cometido contra menores de 14 anos. Anteriormente, a pena variava de 9 a 15 anos, devido à incidência do aumento da metade prevista no art. 9º da Lei 8.072/90. Com o advento do novo dispositivo, a pena é menor, variando de 8 a 15 anos. Não é de outro modo que julgados colhidos da jurisprudência do STJ atestam a retroatividade da Lei 12.015/2009, para os casos em que ocorrer a violência real e a grave ameaça perpretada contra criança (HC 131987-RJ; REsp 1102005 / SC).

Vale dizer, também, que, do mesmo modo que ocorreu no delito de estupro, do art. 213, uniu-se no tipo tanto a conjunção carnal quanto outros atos libidinosos. A pena também foi elevada, conforme exposto, a pena passa a ser de 08 (oito) a 15 (quinze anos). Ademais, os parágrafos terceiro e quarto também vieram a qualificar as situações em que resultarem lesão corporal de natureza grave e morte.

Uma tese que, possivelmente, poderá ser levantada, mas que ainda não encontra amparo na doutrina e jurisprudência é a que versa sobre a acorrência da abolitio criminis aos casos de violência presumida, pelo fato de a Lei 12.015/2009 ter revogado expressamente, em seu art. 7º, o art. 224 do CP. Um forte argumento que derrubaria essa pretensa tese, bem como evitaria ulteriores controvérsias é o apresentado pelo Promotor de Justiça de São Paulo, Rogério Sanches (2009, p. 95):

Não houve abolitio criminis, mas simples revogação formal do tipo incriminador. Não podemos confundir abolitio criminis com mera revogação formal de uma lei penal. No primeiro caso, há revogação formal e substancial da lei, sinalizando que a intenção do legislador é não mais considerar o fato como infração penal (hipótese de supressão da figura criminosa). Já no segundo, revoga-se formalmente a lei, mas seu conteúdo (normativo) permanece criminoso, transportado para outra lei ou tipo penal (altera-se, somente a roupagem da infração penal). Sobre o tema, explica Luiz Flávio Gomes: "Revogação da lei e não ocorrência da abolitio criminis: mas não se pode nunca confundir a mera revogação formal de uma lei penal com abolitio criminis. A revogação da lei anterior é necessária para o processo do abolitio criminis, porém, não suficiente. Além da revogação de uma lei formal impõe-se verificar se o conteúdo normativo revogado não foi (ao mesmo tempo) preservado em (ou deslocado para) outro dispositivo legal. Por exemplo: o art. 95 da Lei 8.212/91, que cuidava do crime de apropriação indébita previdenciária, foi revogado pela Lei 9.983/2000, todavia seu conteúdo normativo foi deslocado para o art. 168-A do CP. Logo, nessa hipótese, não se deu a abolitio criminis, porque houve uma continuidade normativo-típica (o tipo penal não desapareceu, apenas mudou de lugar). Para a abolitio criminis, como se vê, não basta a revogação da lei anterior, impõe-se sempre verificar se presente (ou não) a continuidade normativo-típica. (Direito Penal: parte geral, v. 2, p. 100).

Diante da fundamentada exposição acima, só resta deduzir que houve mera revogação formal da lei, pois os dispositivos que abarcavam a conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos (art. 213 ou art. 214 combinado com o art. 224, todos do CP) apenas uniram-se em um artigo próprio, que é o art. 217-A do CP.

Por fim, conforme já mencionado, não é demais explicitar a lacuna possibilitada pelo legislador à situação em que o adolescente, no dia do seu 14º aniversário, consente a ter conjunção carnal. O fato descrito só poderá ser considerado atípico, tendo em vista que não pode haver analogia para prejudicar o réu.

3.2 ART. 218 - CORRUPÇÃO DE MENORES

Corrupção de menores

Art. 218.  Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Parágrafo único.  (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Para André Estefam, o delito de corrupção de menores é uma forma especial de lenocínio ("Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem"), pois neste a indução para a satisfação da lascívia abrange qualquer pessoa, devido à utilização do termo "alguém", enquanto na corrupção de menores a indução recai sobre menor de 14 (catorze anos).

Críticas não faltam em relação às modificações realizadas pelo legislador. Ao invés de realizar o seu intento da maior proteção dos menores, a falta de técnica legislativa acarretou no surgimento de uma norma mais benéfica aos agentes delituosos. Seria um contra-senso punir o induzidor da lascívia à pena do delito em tela, com a pena de reclusão de 02 (dois) a 05 (cinco) anos e, por outro lado, dar tratamento diferenciado a quem instiga, punindo-o pelo delito de estupro de vulnerável, que possui a pena de reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. Assim, atentando-se à correta aplicação da analogia in bonam partem não resta outra solução a não ser abarcar o agente instigador ao tipo penal. Segundo Nucci (2009, p. 47) "o que seria medida lógica e natural, a reforma com o fim de proteger o vulnerável, no campo sexual, terá aberto um flanco significativo de impunidade".

Outro importante registro sobre a nova legislação é o ensejo de uma nova exceção à teoria monística: o estuprador de vulnerável incorre na pena do art. 217-A, enquanto o partícipe torna-se autor do delito em tela.

Por fim, vale dizer que o veto do parágrafo único que estava previsto no projeto de lei, o qual versava sobre a aplicação de multa no caso do delito ser cometido com finalidade de obtenção de vantagem econômica foi alvo de severas críticas. Mais uma vez, Nucci (2009, p. 48) assevera que "muitos agenciadores são, na essência, participes do crime de estupro de vulnerável e a figura do art. 218 somente os beneficiou".

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3.3 ART. 218-A - SATISFAÇÃO DE LASCÍVIA MEDIANTE PRESENÇA DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE

Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Art. 218-A.  Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos." (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

A Lei 12.015 veio a integrar a lacuna que anteriormente existia em relação à tipificação da conduta de praticar ou induzir menor de 14 (catorze) anos a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem, pois a corrupção de menores, que era tipificada no art. 218 do CP, punia apenas o maior de 14 (catorze) anos e menos de 18 (dezoito) anos.

Com a inovação, vê-se que os três comportamentos descritos no antigo art. 218 (praticar atos de libidinagem, induzir a praticar ou presenciar) foram abolidos quanto às vítimas maiores de 14 (catorze) anos e menores de 18 (dezoito) anos, devendo a norma benéfica retroagir. Já a conduta de praticar ou induzir menor de 14 (catorze) anos a praticar atos de libidinagem ganhou a configuração de "estupro de vulnerável", disposto no art. 217-A do CP, portanto, nesse último caso, a Lei não deve retroagir por ser mais maléfica ao réu.

Vale ressaltar que, devido à desnecessidade de qualquer toque físico em relação à vítima, "o menor pode a tudo assistir ou presenciar por meio de câmeras e aparelhos de TV ou monitores" (2009, p. 48), o que, infelizmente, é muito comum hoje em dia, devido, principalmente, aos avanços tecnológicos e à democratização da internet.

3.4 ART. 218-B - FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE VULNERÁVEL

Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Art. 218-B.  Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1º  Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 2º  Incorre nas mesmas penas: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 3º  Na hipótese do inciso II do § 2º, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Segundo Sanches (2009, p. 60), o tipo penal em estudo visou reunir os artigos 244-A do ECA e 228, §1º do CP, "antes da Lei 12.015/2009, submeter menor de 18 anos à exploração sexual se subsumia ao disposto no art. 244-A do ECA, com pena de 4 a 10 anos. A alteração, portanto, manteve a sanção penal. Já nas modalidades induzir, atrair, facilitar ou atrair alguém, menor de 18 e maior de 14 anos, incidia o art. 228, §1º, com pena de 3 a 8 anos". A Lei nova, no último ponto, é mais gravosa, o que não enseja sua retroatividade.

Nucci (2009, p. 58) tece críticas quanto à ausência de definição do termo "exploração sexual", vez que cria confusão no cenário dos crimes contra a dignidade sexual. Fato que corrobora a citada crítica de Nucci foi o veto do art. 234-C do CP, que considerava a ocorrência da exploração sexual, sempre que alguém fosse vítima dos delitos contra a dignidade sexual. O argumento de sua rejeição foi a necessidade de se diferenciar o termo "exploração sexual" de "violência sexual".

Novamente Sanches (2009, p. 58), citando Eva Faleiros, define a exploração sexual como: "uma dominação e abuso do corpo de crianças, adolescentes e adultos (oferta), por exploradores sexuais (mercadores), organizados, muitas vezes, em rede de comercialização local e global (mercado), ou por pais ou responsáveis, e por consumidores de serviços sexuais pagos (demanda)". A mesma admite quatro modalidades: a prostituição, o turismo sexual, a pornografia e o tráfico para fins sexuais.

Quanto ao inciso II do §2º, criou-se uma nova figura típica para o proprietário, gerente ou responsável. A eles também incide o §3º, que institui como efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e funcionamento do estabelecimento. Nucci (2009, p. 60) menciona que o juiz não necessita da motivação, pois o efeito é decorrente de Lei. O mesmo alerta, porém, sobre a importância da exigência dessa condenação por parte do órgão acusatório, pois se nada constar da sentença, o trânsito em julgado não suprirá a sua falta, restando, apenas, a via administrativa. Por sua vez, Capano (2009, p. 70) entende que a condenação pela cassação da licença do estabelecimento é inconstitucional, pelo fato de possuir o caráter perpétuo, bem como não encontrar respaldo nas penas restritivas de direito.

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Sobre o autor
Willian Oguido Ogama

Advogado da Câmara Municipal de Maringá Pós-graduando na Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná (FEMPAR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OGAMA, Willian Oguido. Dos crimes contra a dignidade sexual: as principais mudanças advindas com a Lei nº 12.015/2009. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2626, 9 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17370. Acesso em: 26 dez. 2024.

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