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Anteprojeto de reforma do novo Código Eleitoral: verdades e perspectivas

20/09/2010 às 09:29
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É digna de encômios a iniciativa do Presidente do Congresso Nacional, Senador José Sarney, de nomeação de comissão de juristas encarregada de elaborar anteprojeto de reforma do novo Código Eleitoral, haja vista que o vetusto Código Eleitoral datado de 15 de julho de 1965 (Lei n. 4.737), de há muito se entremostra anacrônico e assistemático, precisando ser reformulado e amoldado à luz da Constituição Federal de 1988, de modo a imprimir-lhe feições e características próprias de um Poder Judiciário da União (art. 92, inciso V, do Estatuto Político vigente); com mais louvor ainda se aplaude a medida complementar encetada por Sua Excelência, ora designando representante do Colégio de Presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais, Desembargador Walter de Almeida, ora designando representante da Justiça Federal, Juiz Federal Roberto Carvalho Veloso, indicações complementares essas de importância ímpar, na medida em que não sendo a Justiça Eleitoral forjada de quadro próprio, específico, exclusivo, de magistrados eleitorais, a ela socorrem-na, diariamente, magistrados oriundos dos diversos ramos da Justiça Comum, Federal e Estadual, sendo mais do que pertinente o direito de vez e voz dessas classes de magistrados.

Dentre as inúmeras atribuições e encargos ínsitos ao regular funcionamento dessa Comissão, dos quais se destaca a criação de sistematicidade das ações e procedimentos eleitorais existentes, uma questão ressai impostergável, qual seja, a discussão acerca da mantença ou não da atual composição da justiça eleitoral, notadamente no âmbito dos 2º e 1º graus (Tribunais Regionais Eleitorais e Zonas Eleitorais), composição essa replicada, mecanicamente, e sem maiores reflexões e/ou questionamentos, pelos estatutos políticos que se seguiram ao advento do vetusto Código Eleitoral em apreço, que, diga-se de passagem, veio a lume à época em que sequer existia justiça federal de 1ª instância, fazendo o juiz de direito as vezes de juiz federal.

De modo a fomentar o debate, de logo se rechaça os termos da Carta de Brasília, subscrita pelo Colégio de Presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais, reunidos na Capital Federal, nos dias 19 a 21 de agosto passado, no que tange à necessidade de "II - manifestar, oficialmente, perante a Comissão de Juristas criada para a elaboração do anteprojeto do novo código eleitoral, a preocupação dos Tribunais Regionais Eleitorais quanto às sugestões propostas para discussão, por seus membros, visando: (i) alterar-se a composição dos Regionais, federalizando estas Cortes para atribuir função jurisdicional eleitoral aos juízes federais". Ora, nada mais despropositada do que essa assertiva: a uma, pelo fato de a pretensa preocupação externada pelos Tribunais Regionais Eleitorais não ter vindo acompanhada de qualquer fundamentação, ainda que tênue, suscetível de per si de engessar a atual composição da Justiça Eleitoral; a duas, por não existir ainda qualquer proposta formal nesse sentido lançada no bojo da Comissão, que, é bom que se diga, agora que está a começar seus trabalhos, sendo dita afirmação no mínimo precipitada e infeliz; a três, porque o termo "federalização" não se mostra apropriado, vez que a Justiça Eleitoral não faz parte da Justiça Estadual, não havendo, portanto, tecnicamente, nada a ser federalizado. Ao contrário, a Justiça Eleitoral é uma Justiça Federal Especializada, tanto que integra o Poder Judiciário da União, conforme assentado no inciso V do art. 92 da Constituição Federal de 1988, estando laureada de inúmeras características que bem revelam o caráter federal de suas atividades, a saber: a) o orçamento é federal; b) os servidores são federais; c) a gratificação eleitoral tem como base o subsídio do Juiz Federal (Resolução TSE nº 20.593/2000); d) Compete à União legislar privativamente sobre Direito Eleitoral (art. 22, I, CF/88); e) a Polícia Judiciária é da União, precisamente a Polícia Federal; f) as multas eleitorais, uma vez inscritas em Dívida Ativa da União, são cobradas pela Procuradoria da Fazenda Nacional; g) a justiça federal já adquiriu substancial capilaridade, possuindo nada menos que 747 varas federais, acrescidas de 230 varas federais em vias de implantação (Lei n. 12.011/2009), em cidades de grande e médio porte, realidade bem distinta da existente à época da eclosão do Código Eleitoral (ausência de justiça federal de 1ª instância em julho de 1965; primeiras varas federais em número de 44, criadas em 1966, com a Lei n. 5010/66; 155 varas federais no Brasil, capital e interior, quando da promulgação da Constituição em referência (outubro/1988); h) o representante do Ministério Público Eleitoral com assento na Corte Eleitoral de 2º grau é oriundo do Ministério Público Federal, denotando o caráter federal do serviço eleitoral; e i) A matéria eleitoral reflete inegável interesse federal, na medida em que resguarda a democracia e o Estado Democrático de Direito, instituição cuja magnitude refoge ao interesse meramente estadual, sendo, nessa banda, inclusive contraproducente e atentatório ao sistema federativo confiar-se o mister eleitoral, com nuances de exclusividade, a um único segmento da federação. A quatro, porque os juízes federais já exercem jurisdição eleitoral, seja como membros, efetivos e substitutos, dos Tribunais Regionais Eleitorais, seja inclusive como juiz auxiliar nas eleições gerais, na linha do preconizado pelo §3º do art. 96 da Lei n. 9.504/97, conhecida como Lei das Eleições, sendo equivocada a não mais poder a premissa de transferência da função jurisdicional eleitoral aos juízes federais, na medida em que, repise-se, o juiz federal já é inequivocamente juiz eleitoral, ocupando, apenas, inexplicavelmente, espaço nos órgãos judiciários eleitorais muito aquém ao munus constitucional que lhe fora confiado.

Como se vê, nada obstante a higidez das nuances federais acima elencadas, a jurisdição eleitoral a cargo dos tribunais regionais eleitorais, na quase totalidade de seus membros (06 dos 07 membros), e das Zonas Eleitorais, de maneira exclusiva, vem sendo exercida, paradoxalmente, por juízes oriundos ou vinculados à magistratura estadual, em detrimento dos juízes federais, fincada em vetustas disposições normativas que não mais guardam correspondência vertical com o espírito inaugurado pela atual Carta Magna Federal, merecendo assim firmes e justas adequações por parte da Comissão do Senado. O trabalho por certo será árduo, enorme, complexo e desafiador. Porém, já começa bem, na medida em que a Comissão põe à mesa a necessidade de se repensar a composição da Justiça Eleitoral, inclusive com a realização de audiências públicas, devendo a AJUFE e a sociedade civil, nessa linha de raciocínio, ficarem vigilantes, confiantes e esperançosos, no sentido de que a melhor decisão haverá de ser tomada em prol de uma Justiça Eleitoral cada vez mais altiva, transparente, independente e efetivamente representativa da categoria de Poder Judiciário Federal na qual está inserida.

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Sobre o autor
Daniel Santos Rocha Sobral

Juiz Federal Membro Efetivo do TRE/PA e Delegado da AJUFE no Pará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOBRAL, Daniel Santos Rocha. Anteprojeto de reforma do novo Código Eleitoral: verdades e perspectivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2637, 20 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17430. Acesso em: 22 dez. 2024.

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