O Código de Trânsito Brasileiro desde a sua entrada em vigor, tem suscitado relevantes discussões jurídicas em função de suas punições pecuniárias e restritivas de direitos aos condutores de veículos, e não obstante, tem despertado o interesse de muitos cidadãos que buscam incessantemente compreender o novo diploma.
Tema polêmico e de indiscutível importância, é o que trata do efeito suspensivo dos recursos em matéria de trânsito, no âmbito administrativo. No entanto, para que se possa tecer comentários à respeito do assunto, é primordial que se faça uma abordagem, tanto quanto perfunctória, em relação ao procedimento administrativo adotado referente ao assunto.
Quanto ao recurso administrativo, especificamente, em matéria de trânsito, podemos defini-lo como sendo um pedido de reexame feito pelo autuado em infração de trânsito, dirigido ao órgão colegiado, visando obter o arquivamento e o cancelamento da penalidade que lhe foi imposta.
Em regra geral, os recursos de trânsito possuem o efeito devolutivo. O efeito suspensivo é uma exceção à regra.
O festejado jurista Celso Ribeiro de Bastos, ensina que: "pelo recurso com efeito devolutivo apenas se submete a decisão a uma hierarquia superior, sem contudo impedir-se, pela interposição do recurso, a continuidade do ato impugnado. Enquanto o recurso administrativo com efeito suspensivo paralisa, bloqueia a eficácia do ato até superveniência da decisão sobre o mesmo".
O art. 12, da Resolução n.º 829/97, que dispõe sobre os procedimentos para a interposição, instrução e tramitação de recurso contra atos punitivos por infrações de trânsito, prescreve que:
"O recurso terá efeito devolutivo, impondo-se, por conseguinte, que a instância recursal competente o julgue no prazo regulamentar de 30(trinta) dias, a partir do seu recebimento.
Parágrafo único. Se, por motivo de força maior, o recurso não for julgado no prazo regulamentar, a instância recursal competente, de ofício ou por solicitação do recorrente, poderá conceder-lhe efeito suspensivo".
O próprio Código de Trânsito Brasileiro prescreve em seu artigo 285 que:
"O recurso previsto no art. 283 será interposto perante a autoridade que impôs a penalidade, a qual remetê-lo-á à JARI, que deverá julgá-lo em até trinta dias.
§ 1º O recurso não terá efeito suspensivo.
§ 2º A autoridade que impôs a penalidade remeterá o recurso ao órgão julgador, dentro dos dez dias úteis subseqüentes à sua apresentação, e, se o entender intempestivo, assinalará o fato no despacho de encaminhamento.
§ 3º Se, por motivo de força maior, o recurso não for julgado dentro do prazo previsto neste artigo, a autoridade que impôs a penalidade, de ofício, ou por solicitação do recorrente, poderá conceder-lhe efeito suspensivo".
O art. 285 do CTB, faz menção expressa ao art. 283, no entanto, o mesmo foi vetado, pois sua redação dispunha:
"Da notificação prevista no artigo anterior deverá constar a data do término do prazo para a apresentação de recurso pelo responsável pela infração, que nunca será inferior a trinta dias contados da data da imposição da penalidade".
O dispositivo estabelece como marco inicial para a interposição de recurso, a data da imposição da penalidade, no entanto, é irrefutável o princípio de que o prazo inicia-se com a notificação efetiva ou presumida do infrator. Dessa forma, o infrator teria 30(trinta) dias a contar do recebimento da notificação para se opor a penalidade que lhe foi imposta.
O recurso administrativo deve ser interposto perante à autoridade que impôs a penalidade, que no prazo máximo de dez dias, encaminhará o mesmo para a Junta Administrativa de Recursos de Infrações, que deverá julgá-lo num prazo de 30 dias. Caso, entenda que o recurso é intempestivo, assinalará o fato no despacho de encaminhamento.
O § 1º prescreve que o recurso não terá efeito suspensivo, transigindo-se frontalmente com o que estipula o art. 285, § 3º e com o art. 286 que prescreve: " o recurso contra a imposição de multa poderá ser interposto no prazo legal, sem o recolhimento do seu valor".
De imensurável celeuma jurídica, em matéria de trânsito, o art. 285 e seus parágrafos, e com razão.
O § 3º do art. 285 do CTB, contém uma exceção, a única do § 1º. Se o recurso não for julgado dentro de um prazo de 30(trinta) dias, a autoridade que impôs a penalidade, de ofício, ou por solicitação do recorrente, poderá conceder-lhe efeito suspensivo. O dispositivo ainda faz menção a expressão "força maior". A quantidade exacerbada de recursos, é com certeza uma das mais gloriosas justificativas para que ocorra o atraso.
Há no dispositivo, ainda, uma impropriedade técnica, quiçá, um descuido do legislador, pois incumbe a autoridade que impôs a penalidade o condão de conceder o efeito suspensivo ao recurso. Ora, mais apropriado seria a concessão do efeito suspensivo por parte do órgão colegiado, ou seja, pela própria JARI, já que a mesma, com escólio no art. 17, tem competência para julgar os recursos interpostos pelos infratores.
O efeito suspensivo é uma qualidade do recurso, conferido em lei, em certos casos, que suspende a obrigação de cumprir o encargo, e no caso específico, a penalidade que foi imposta ao infrator, enquanto não houver decisão do órgão de trânsito competente. Essa qualidade deve ser observada até que se transite em julgado a decisão sobre o recurso.
A decisão que não tenha produzido efeitos, em relação ao infrator, por não ter sido prolatada, mantém seu "status quo", ou seja, permanecerá sem produzi-los, até que sobrevenha uma decisão sobre o mesmo.
Deve-se levar em conta que a eficácia do efeito suspensivo, dos recursos administrativos, condiciona sempre ao direcionamento, no sentido, da não executoriedade da penalidade.
Caso seja concedido o efeito suspensivo, o recorrente poderá, sem qualquer cerceamento, licenciar o seu veículo ou até mesmo transferi-lo, pois a eficácia de sua exigência ficaria suspensa. Convém salientar que, mesmo que o efeito suspensivo não seja concedido, é um ato arbitrário e um flagrante abuso, a autoridade de trânsito impedir o cidadão, por qualquer razão que seja, de proceder o licenciamento do seu veículo.
Ressalta-se, no entanto, que com a concessão do efeito suspensivo, fica proibida a impetração de Mandado de Segurança, com supedâneo no art. 5º, I, da Lei n.º 1.533/51.
Um outro aspecto importante, é a utilização do termo "poderá", no art. 285, § 3º. Seria uma faculdade ou uma obrigação?
Alguns estudiosos defendem que, caso o recurso não seja julgado no prazo de 30 (trinta) dias, é uma faculdade a concessão do efeito. E que a autoridade se orientaria para a sua concessão, de elementos como: a natureza da infração, as conseqüências do evento, a dimensão dos danos, a análise do prontuário do infrator como condutor etc.
No entanto, o termo "poderá", no contexto em que ele aparece, se revestiria não de uma faculdade, mas sim de uma obrigação. Dessa forma, leia-se, ao invés de "poderá", o termo "deverá".
Assiste tal interpretação, no fato de que o condutor não poderia ser responsável pela demora, por qualquer motivo, por parte da autoridade de trânsito, para que o seu recurso fosse apreciado pelo colegiado competente. Não seria justo, o condutor, ficar ao julgo da autoridade de trânsito, "sine die", sofrendo as conseqüências por essa demora.
Cabe uma reflexão bastante séria ao fato do CTB não conferir efeito suspensivo aos recursos interpostos. Isso significa dizer que, o órgão executivo de trânsito, poderá exigir o cumprimento de qualquer penalidade, ainda que tenha havido recurso.
O CTB, em seu capítulo destinado as penalidades, faz alusão as penas restritivas de direito, que são extremamente severas. Nesse ponto há de se observar que, a não concessão do efeito suspensivo aos recursos contra as penalidades, que não seja a de multa, pode gerar danos irreparáveis e injustiças imutáveis aos direitos dos cidadãos.
Com relação ao estabelecido no § 1º, do art. 285, algumas questões gerariam polêmica, por exemplo:
Caso a pena fosse executada, qualquer que seja ela, menos a de multa, e se o recurso fosse julgado procedente, quem seria responsabilizado pela injustiça que fora praticada? Quem responderia por dano moral, eventualmente ocorrido?
No caso específico de motoristas profissionais, de táxis ou de motos, que tenham seus veículos apreendidos, ou suspensos seu direito de dirigir, como ficaria a sua situação caso o recurso fosse provido pelo órgão competente? A autoridade de trânsito responderia pelos lucros cessantes?
E o desrespeito as garantias constitucionais?
Como ficaria o art. 5º, inciso LIV ?
"ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".
Para que haja a perda de nossos bens, não apenas deverá haver um motivo legal (previsto em lei), como deverá haver um processo, em que o cidadão possa exercitar sua mais ampla defesa.
E, ainda, o art. 5º, inciso LV ?
"aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
O princípio do contraditório assegura a todas as "partes" contrapor-se à outra, seja produzindo provas contrárias, seja analisando e criticando provas apresentadas por aqueloutra, seja recorrendo, seja respondendo ao recurso da parte contrária. A ampla defesa constitui a liberdade de usar todos os meios que a lei permite, para demonstrar seu interesse.
E por último, o mesmo art. 5º, inciso LVII ?
"ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Todos são inocentes, até prova em contrário. Essa expressão "prova ao contrário" deve ser reconhecida por uma sentença. Quando não houver mais qualquer recurso cabível, haverá o trânsito em julgado.
Por mais que todas as evidências apontem que o condutor é realmente o infrator, ainda assim, não poderá o mesmo sofrer qualquer retaliação, pois ainda tem o "status" de inocente.
Por todas essas razões, o tema é por sua natureza polêmico, trazendo em seu bojo inumeráveis situações interessantes. O importante é que, o tema desperte o interesse de juristas e estudiosos, na busca de um aperfeiçoamento constante, em relação à matéria de trânsito.