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Redistribuição por reciprocidade entre os órgãos do Poder Judiciário da União

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04/10/2010 às 16:39
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5 DA APARENTE DIVERGÊNCIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

O maior argumento daqueles que defendem a ilegalidade da redistribuição por reciprocidade é, sem dúvida, a postura contrária defendida pelo Tribunal de Contas da União, por meio da Decisão nº. 900/99.

Entretanto, esse entendimento do TCU não é sustentável para refutar o tema em questão.

Vejamos.

Primeiramente, cabe registrar que tal julgado ocorreu há mais de 10 (dez) anos, uma vez que foi publicado em 1999.

Além disso, tal discussão chegou no âmbito do Tribunal de Contas da União porque, à época, investigava-se uma série de irregularidades efetuadas nos processos de Redistribuição que tramitavam em alguns tribunais da do Poder Judiciário da União.

A principal inconsistência indicada pelo TCU foi o fato de estarem sendo deferidas redistribuições efetuadas entre cargos providos com cargos vagos, o que notadamente fere direitos relativos à candidatos aprovados em concurso público ainda em vigência.

As demais irregularidades apontadas na Decisão nº. 900/99 são a não-equivalência de rendimentos dos servidores, a ausência de interesse da Administração e o pagamento indevido de ajudas de custo e transporte, situação fática que igualmente não guarda qualquer relação com o modelo de redistribuição até então defendido, previsto em lei.

Nesses casos anômalos, o Tribunal de Contas da União tem declarado que a redistribuição por reciprocidade atua, de fato, como uma transferência, instituto já banido do ordenamento jurídico brasileiro.

Tal contexto foi prontamente observado pelo Conselho Nacional de Justiça na consulta que consolidou o seu posicionamento a respeito:

O Tribunal de Contas da União, por seu turno, não tem admitido a redistribuição quando um dos cargos está vago, para evitar a caracterização da transferência, forma de investidura em cargo público banida pelo ordenamento jurídico, e possível ofensa a direito de eventuais aprovados em concurso público para o cargo (Acórdão 774/2004; AC 1690-17/08). Tais ponderações, em princípio, parecem pertinentes e denotam a importância de se avaliar o caso concreto e a estrita observância das condições legais.

No mais, é importante frisar que esse precedente do Tribunal de Contas não possui força normativa capaz de impedir novas demandas de servidores federais na esfera da redistribuição por reciprocidade, conforme jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (PA nº. 7230/2003):

ADMINISTRATIVO. REDISTRIBUIÇÃO POR RECIPROCIDADE. SERVIDOR PÚBLICO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. ARTIGO 37, DA LEI 8.112/90. DEFERIMENTO.

2. No que pese as decisões exaradas pelo TCU no sentido de que o instituto da redistribuição constituiria um meio ilegal de transferência, estas foram proferidas na análise de casos diversos do ora analisado, devendo-se, além disso, se considerar que tais decisões não possuem força normativa a obstar o pedido de servidores que preencham os requisitos exigidos no artigo 37 da Lei 8.112/90.


6 O ARGUMENTO DA AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL

Apesar de prevista no art. 37 da lei nº. 8.112/90 e de contar com o aval do CNJ, a redistribuição por reciprocidade no âmbito do Poder Judiciário da União ainda está pendente de regulamentação que saneie as dúvidas que permeiam a aplicação do instituto.

Tais dúvidas são principalmente relativas ao conceito de "quadro geral de pessoal" e ao requisito de "interesse da Administração" previsto no supramencionado artigo.

A expressão "quadro geral de pessoal", trazida pelo art. 37, suscitou dúvidas em virtude de ainda no caput o artigo estipular "com prévia apreciação do órgão central ou SIPEC", órgão este específico do Poder Executivo.

Já em relação ao requisito previsto no inciso I, o interesse da Administração, os questionamentos sempre pairam acerca da subjetividade para o seu enquadramento.

Nesse sentido, cumpre mencionar que a Lei nº. 11.416/06, que dispõe sobre as carreiras dos servidores do Judiciário da União, trouxe em suas disposições finais e transitórias:

Art. 26. Caberá ao Supremo Tribunal Federal, ao Conselho Nacional de Justiça, aos Tribunais Superiores, ao Conselho da Justiça Federal, ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho e ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, no âmbito de suas competências, baixar os atos regulamentares necessários à aplicação desta Lei, observada a uniformidade de critérios e procedimentos, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar de sua publicação.

Com tal determinação em vigor, de pronto o Supremo Tribunal Federal, visando regulamentar a matéria, realizou estudos e propôs o Projeto de Lei nº. 319/07, que hoje tramita no Congresso Nacional sob a Relatoria do Deputado Rodrigo Maia.

Do texto atual do projeto se extrai:

Art. 5º Para efeito de aplicação do art. 37 da Lei nº 8112, de 11 de dezembro de 1990, considera-se como quadro geral de pessoal toda a estrutura integrada pelo conjunto dos órgãos do Poder Judiciário da União.

Parágrafo único. Para fins do inciso I do art. 37 da Lei nº 8.112, de 1990, atende ao interesse da administração a redistribuição por reciprocidade entre os cargos de provimento efetivo, no âmbito do quadro geral de pessoal, mediante provocação ou ex officio, observado os demais requisitos constantes dos incisos II a IV do mencionado dispositivo legal, conforme disposto em regulamento.

E o Deputado relator ainda justifica o seu conteúdo:

O parágrafo único do art. 5º tem por objeto deixar explícito que a redistribuição por reciprocidade entre os cargos de provimento efetivo, no âmbito do quadro geral de pessoal, mediante provocação ou ex officio, atende ao interesse da Administração, consoante dispõe o inciso I do art. 37 da Lei nº 8.112, de 1990.

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Assim, resta nítido que a postura do Poder Judiciário, representada por tal Projeto de Lei, de autoria do Supremo Tribunal Federal, é reta no sentido de considerar que a redistribuição por reciprocidade atende ao interesse da Administração, uma vez observados os demais requisitos legais.

Por fim, cabe invocar os argumentos do conselheiro Marcelo Nobre, do CNJ, no seio do seu voto-vista nos autos do Pedido de Providencias nº. 2009.10.00.000514-7:

A posição do Poder Judiciário está expressa no projeto de lei encaminhado para o Congresso Nacional. Por esse relevante motivo, já se pode antecipar, em resposta a esta consulta, os efeitos do que se desenha como sendo adequado ao interesse da administração pública: a redistribuição por reciprocidade.

Em todos os casos, a redistribuição se dá por reciprocidade, o que significa dizer que dois servidores ajustam sua vontade para permutar, exercendo a função no local que escolheram, em combinação de propósito e sem qualquer prejuízo.

O efeito de tal permuta só pode ser benéfico à administração pública porque, na quase totalidade dos casos, o servidor pretende voltar para seu Estado de origem, reencontrar sua família e desempenhar, com mais alegria e vigor sua função pública.

Portanto, com o já encaminhado projeto de lei e tendo em vista o tempo que ainda pode demorar sua aprovação pelas Casas legislativas, entendo que esta Corte pode antecipar o que será o futuro regulamento da matéria.

Ante todo o exposto, voto em convergência com o Relator, respondendo afirmativamente a consulta formulada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Goiás, para afirmar que é possível a redistribuição por reciprocidade entre os órgãos do Poder Judiciário.


7 CONCLUSÃO

A partir do estudo realizado, verificou-se que a prática de redistribuição por reciprocidade de cargos pertencentes aos quadros efetivos de órgãos integrantes do Poder Judiciário da União vem beneficiar amplamente tanto os servidores abrangidos quanto às próprias Administrações que efetuam as trocas de cargos.

Inicialmente, constatou-se que o Conselho Nacional de Justiça, que é o órgão de controle administrativo do Poder Judiciário, firmou entendimento favorável à redistribuição por reciprocidade no âmbito do poder Judiciário federal, mediante acórdão publicado nos autos do Pedido de Providências nº. 2009.10.00.000514-7.

Além disso, concluiu-se que, uma vez obedecidas as exigências impostas pelos incisos II a VI, do artigo 37 da Lei nº. 8.112/90, a redistribuição atende aos interesses da Administração, visto que há: previsão legal; anuência do CNJ, inúmeros precedentes recentes; interesse do servidor, na qualidade de célula que promove o funcionamento dos órgãos públicos; preponderância dos princípios constitucionais da proteção à família, dignidade da pessoa humana e eficiência; e ausência de qualquer prejuízo à Administração.

Quanto à aparente divergência do Tribunal de Contas da União em relação à efetivação de redistribuições por reciprocidade, restou patenteado que tal posicionamento não se aplica aos casos de redistribuição defendidos: entre cargos idênticos, providos e não-pagamento de ajuda de custo.

Relativamente ao argumento de ausência de previsão legal, o mesmo foi suplantado, visto que, diante de uma legislação lacunosa em vigor (Lei nº. 8.112/90), já tramita no Congresso Nacional projeto de lei de autoria do Supremo Tribunal Federal visando encerrar definitivamente discussões acerca do "quadro geral de pessoal" e "interesse da administração", que hoje polemizam o tema.

Por fim, cumpre registrar, diante de todo o exposto, que a prática de redistribuição por reciprocidade no âmbito do Poder Judiciário da União surge no cenário atual apenas para beneficiar: tanto os servidores, que aguardam o seu deslocamento para distintas unidades da federação, seja por motivos pessoais ou profissionais; quanto, ao mesmo tempo, a própria Administração, que passará a ser composta por servidores mais satisfeitos, produtivos e menos rotativos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERCLAZ, Márcio Soares. Algumas considerações sobre o princípio do interesse público no âmbito do Direito Administrativo . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3545>. Acesso em: 30 jun. 2010.

BRASIL. Lei nº. 8.112, 1990.

BRASIL. Lei nº. 11.416, 2006.

BRASIL. Constituição Federal da República, 1988.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Acórdão do Pedido de Providências nº. 2009.10.00.000514-7, 2009.

BRASIL. Projeto de Lei nº. 319, 2007.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. pg. 50.

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Sobre a autora
Danielle Cerqueira Castro

Servidora do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão e Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Danielle Cerqueira. Redistribuição por reciprocidade entre os órgãos do Poder Judiciário da União. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2651, 4 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17489. Acesso em: 18 abr. 2024.

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