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História e evolução do Direito do Consumidor

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Resumo:


  • O direito do consumidor evoluiu ao longo da história em consonância com a evolução social e a necessidade de proteção do consumidor diante das ofertas do mercado.

  • No Brasil, a criação do Código de Defesa do Consumidor em 1990 foi uma resposta aos anseios do Poder Constituinte Originário, refletindo a proteção dos direitos fundamentais do consumidor.

  • O direito do consumidor ganhou status de irrevogabilidade e constitucionalidade, sendo um instrumento para a efetivação dos princípios e garantias fundamentais da pessoa humana, refletindo a constitucionalização do Direito Privado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Neste sucinto estudo, analisar-se-ão aspectos históricos que deram origem ao direito do consumidor como hoje é conhecido, bem como a evolução dos conceitos que se fazem presentes na relação consumerista em sua forma atual de apreciação, inclusive, como uma categoria jurídica distinta.

Corriqueiro é em estudos sobre matérias que ensejam entendimento ou conhecimento prévio de algum conteúdo, antes mesmo de adentrar a análise central, lançar mão de estudos que visem facilitar a compreensão do que será abordado.

No que tange à matéria doravante analisada, serão apresentadas razões históricas, ainda que divergentes na doutrina, que buscam, de alguma forma, justificar a existência do direito do consumidor que permeia o direito como um todo.

Tal estudo histórico, como já fora mencionado, tem objetivo preponderante de introduzir o estudo do direito consumerista. Ademais, trazer à baila questões que visam situar o momento contemporâneo do direito do consumidor.

1.1.História e evolução do Direito

Conforme preceituam alguns doutrinadores, notadamente Machado Segundo [01], é intrínseco ao ser humano a convivência entre semelhantes, bem como o anseio por liberdade para conduzir suas escolhas das mais diversas maneiras.

Desse convívio e dessa liberdade aparecem, de modo natural às relações, os mais variados conflitos que, de alguma maneira, precisam ser solucionados. Em busca dessa solução de litígios surgiram formas de dissolução de celeumas, quais sejam: autotutela, autocomposição e heterocomposição.

A autotutela foi a primeira forma de solucionar pretensões resistidas, sendo as próprias partes, de modo direto e sem interferência de terceiros, que as solucionavam usando de métodos bastante primitivos, como o poder bélico ou econômico.

De maneira compassada, a autotutela foi dando lugar para a autocomposição, que proporciona aos conflitantes chegarem à solução de seu litígio por meio da interferência de um terceiro desinteressado e eleito pelas partes.

Com a evolução das relações sociais e da necessidade de regulamentação para melhor convívio, surgiu, então, o Direito como um corpo de normas de conduta que têm dentre um de seus objetivos a composição de pretensões resistidas. Posteriormente, surgem o Estado e sua tripartição de funções, dentre elas a jurisdição.

A jurisdição é uma forma de solução de conflitos classificada como heterocomposição, na qual há interferência de terceiros, não escolhido pelas partes, na busca de chegar a um entendimento. É, também, uma das funções desempenhadas pelo Estado, em decorrência da tripartição de "poderes" [02], e possui finalidade de aplicar o direito ao caso concreto, almejando, dessa forma, solucionar a pretensão resistida levada ao seu conhecimento.

No que se refere ao conceito de norma, imprescindível para a integral compreensão do que será abordado, Barros Carvalho ensina que "normas são o mínimo deôntico prescritor de condutas". [03] Em outras palavras, as normas buscam disciplinar, no campo do dever-ser [04], descrevendo, em abstrato, as condutas sociais. Importante ressaltar que as normas possuem seu conteúdo composto de normas-regra e normas-princípio, conforme proclama o atual momento pós-positivista. [05]

Salienta Cavalieri Filho que as mudanças ocorridas nas ações de consumidores e fornecedores, cientes de suas obrigações e direitos, foram possíveis devido à técnica legislativa, fundada em princípios e cláusulas gerais, que permitiu considerar o CDC como uma lei principiológica. [06]

Como já mencionado anteriormente, as normas podem ser divididas em regras e princípios. Tal diferenciação, segundo trata Belchior, foi consagrada por Ronald Dworkin em sua crítica ao modelo positivista, sendo complementada e aprofundada por Robert Alexy, que propôs uma teoria mista de direitos fundamentais. [07]

Com o escopo de aumentar a segurança jurídica, as regras são expressas em rol exaustivo [08] e podem ser consideradas como sendo proposições normativas que contêm relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas, normas associadas a comandos de alta densidade semântica, aplicáveis a hipóteses definidas, sob a forma de "tudo ou nada". [09]

Nessa acepção, relevante instruir que, em caso de conflitos de regras, sua forma de colmatação, ou preenchimento de lacuna, é de afastar totalmente uma regra e aplicar outra que, no caso concreto, é entendida como mais adequada. Daí vem o que intitula Dworkin de "tudo ou nada" (all or nothing), já que ou uma regra é aplicada, ou é excluída. [10]

Tais antinomias podem surgir em decorrência de normas tratarem do mesmo assunto, sendo solucionado de acordo com a hierarquia, cronologia ou especialidade. Sobre o tema, expõe Belchior:

Como forma de solucionar o clássico conflito entre regras, já presente desde o positivismo jurídico (já que naquele modelo só existiam as normas-regra), o ordenamento jurídico se utiliza de três critérios tradicionais – logicamente nessa ordem – para resolver as antinomias: o da hierarquia – pelo qual a lei superior prevalece sobre a inferior (lex superior derogat legi inferiori) –, o cronológico – ao assegurar que a lei posterior deve prevalecer sobre a anterior (lex posteriori derogat legi priori) – e o da especialização – em que a lei específica prevalece sobre a lei geral (lex specialis derogat legi generali). [11]

A regra apenas prevê um comando que, caso se concretize, deve incidir de modo a gerar o efeito previsto, sendo aplicada estando presentes todos os pressupostos fáticos. [12] Pode-se ilustrar analisando-se a hipótese de aposentadoria compulsória que incide quando o servidor atinge 70 anos. Em relação à aplicação das regras, Belchior ensina:

A aplicação de uma regra se resolve na modalidade do tudo ou nada: ou ela regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida. Segundo Silva, "caso contrário não apenas haveria um problema de coerência no ordenamento, como também o próprio critério de classificação das regras – dever-ser definitivo – cairia por terra". Notadamente havendo conflito entre duas regras, aplicam-se os mandamentos de validade, de onde apenas uma irá prevalecer. O próprio vocábulo conflito já dá a entender um choque, sendo impossível que duas regras coexistam. Somente uma será valida. [13]

Já os princípios, que alcançaram sua normatividade no período pós-positivista, são valores éticos e morais abrigados no ordenamento jurídico. Segundo Luis Roberto Barroso, os princípios espelham a ideologia da sociedade, o que ela almeja alcançar, seus postulados basilares e seus objetivos, indicando um caminho a ser seguido, tendo sido positivados a fim de garantir-lhes mais segurança jurídica. [14]

Acerca da superação do jusnaturalismo e do positivismo, dando lugar ao pensamento pós-positivista, Belchior doutrina:

A superação histórica do jusnaturalismo demonstra que o Direito não tem como se justificar por fundamentos abstratos e metafísicos de uma razão subjetiva. Por outro lado, a crise do positivismo jurídico ensina que há um longo caminho entre Direito e norma jurídica e que a ética e a moral, próprias de uma sociedade em constante transformação, não têm como permanecer distantes da ciência jurídica. Nenhum dos dois movimentos consegue mais atender de forma satisfatória às demandas sociais. [15]

Vale destacar, que para terem validade, não se faz necessário que os princípios estejam positivados. Assim, os princípios trazidos na ordem jurídica não são exaustivos, podendo o aplicador da lei, conforme o caso concreto, valer-se de outros princípios não escritos de forma expressa. [16] Nesse diapasão, tem-se a lição de Belchior:

Interessante, ainda, mencionar que os princípios não precisam estar positivados de forma expressa na ordem jurídica para ter validade. Não há como o rol dos princípios ser taxativo, na medida em que eles sinalizam os valores e os anseios da sociedade, que estão em constante transformação. Por conseguinte, limitá-los à ordem jurídica positiva é impossível, pois não se tem como engessar a sociedade. Os princípios nascem de um movimento jurídico de indução, ou seja, do individual para o geral, emanando a justiça. A doutrina e, em especial, a jurisprudência realizam referido processo de abstração na teorização e aplicação do Direito. Vê-se que, neste momento, eles já são normas jurídicas, condensando valores e orientando o intérprete, vez que o Direito não é só a lei, como queria o positivismo jurídico. Com a sua reiterada aplicação e permanência no seio social, o legislador, a fim de lhe garantir também segurança jurídica, ampara-o em uma lei, ou na própria Constituição, por meio de um raciocínio jurídico por dedução. [17]

Em decorrência do papel que desempenham, não há falar-se, no que tange aos princípios, em conflito [18], mas em colisão, sendo sua solução dada por meio da ponderação de valores, com base na importância de cada um dos princípios. Assim, afasta-se um princípio, de forma momentânea e procurando preservar o máximo de seu valor, para a aplicação do outro.

Portanto, as regras possuem por fito "estabelecer a conduta adequada para hipóteses específicas, perfeitamente caracterizadas, sob a forma de tudo ou nada" [19], enquanto que os princípios possuem diversas finalidades, dentre elas pode-se enfatizar a função estruturante, que oferece unidade e harmonia ao sistema jurídico, associando suas diferentes partes. Outra relevante função dos princípios é a de condicionar a atividade do intérprete, agindo como diretriz do sistema jurídico. [20]

1.2 Evolução do direito do consumidor

Na relação de consumo, sua evolução não poderia ser diferente, haja vista tratar-se de uma relação que envolve pessoas e, havendo pretensões resistidas, para sua composição, necessário se fez, ainda que indireta e primitivamente, a edição de normas relativas às mencionadas relações.

Segundo Cavalieri Filho, para se conseguir entender a origem desse ramo autônomo que é o Direito do Consumidor, é mister empregar especial atenção à Revolução Industrial. Nesse sentido, tem-se que antes da Revolução Industrial a produção era limitada, haja vista que sua forma era artesanal e balizada ao núcleo familiar ou a uma pequena quantidade de pessoas. [21]

A revolução veio mudar esse modo de produção, aumentando, de forma considerável, a capacidade produtiva do ser humano. Por meio de utilização de maquinário, o fabricante, que antes dominava todos os meios de produção, desde o início da confecção até sua venda, passa a não mais possuir o total controle sob sua cadeia, em decorrência da demasiada produção e distribuição dos produtos. [22]

O comerciante, agora não mais detentor de toda a cadeia produtiva, mas sim comerciante propriamente dito ou, de acordo com o hodierno Código Civil, empresário [23], bem como o consumidor, passam a receber os produtos em embalagens lacradas, sem poder, com isso, ter acesso às condições da coisa comprada. Outro ponto relevante é que, com o advento da produção em massa, os defeitos nos produtos ficaram mais recorrentes do que os que eram confeccionados de modo manual, fato que gera danos a uma quantidade indeterminada de pessoas. [24]

Cavalieri Filho afirma que a falta de disciplina jurídica que fosse eficaz deu origem às atitudes abusivas amplamente praticadas "[...] como as cláusulas de não indenizar ou limitativas da responsabilidade, o controle do mercado, a eliminação da concorrência [...]" [25] ao dar azo às desigualdades econômicas e jurídicas entre o fornecedor e o consumidor.

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De acordo com Fernando Costa de Azevedo [26], a inquietação com a consignação de uma tutela legal das indigências dos consumidores tem como marco histórico de sua consolidação, a segunda metade do século XX, nos Estados Unidos, ao brotar das transformações ocorridas no sistema capitalista de produção e circulação de bens e serviços. Acerca do tema, manifesta-se o autor:

A preocupação com o estabelecimento, nos ordenamentos jurídicos nacionais, de uma tutela das necessidades e interesses dos consumidores se consolidou na segunda metade do século XX, fruto das transformações ocorridas no sistema capitalista de produção de bens e serviços. [27]

Isso significa, segundo aduz o referido doutrinador, que o Direito do Consumidor é um ramo recente da ciência jurídica, que se originou na década de sessenta com o movimento consumerista norte-americano.

Ainda nessa linha, leciona Cavalieri Filho que o marco inicial do surgimento da forma mais próxima da atual de se reconhecer o consumidor foi a mensagem especial do Presidente Kennedy endereçado ao Congresso dos Estados Unidos acerca da Proteção dos Interesses dos Consumidores, ao afirmar:

Consumidores, por definição, somos todos nós. Os consumidores são o maior grupo econômico na economia, afetando e sendo afetado por quase todas as decisões econômicas, públicas e privadas [...]. Mas são o único grupo importante da economia não eficazmente organizado e cujos posicionamentos quase nunca são ouvidos. [28]

Urge salientar que a divisão do Direito em ramos é realizada com fito meramente didático, pois deve ser de meridiana clareza que o ordenamento jurídico é uno e indivisível.

Conforme Azevedo:

A origem do direito do consumidor está associada, assim, à necessidade de se corrigir os desequilíbrios existentes na sociedade de produção e consumo massificados. Com efeito, o sistema de produção em série está baseado no planejamento dessa produção pelos fornecedores, o que torna estes sujeitos mais fortes do que os consumidores, pois, além do poder econômico, detém ainda os dados (as informações) a respeito dos bens que produzem e comercializam. [29]

Tal pensamento formulou a ideia de hipossuficiência do consumidor na relação de consumo, ao tomar por base os conceitos de consumidor e fornecedor. Nesse diapasão, tem-se a seguinte decisão proferida por Eros Grau: "A igualdade, desde Platão e Aristóteles, consiste em tratar-se de modo desigual os desiguais". [30]

Diante de tal entendimento, pode ser extraído um dos fundamentos basilares do direito do consumidor, que é a vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo.

De acordo com Fernando Noronha, a relevância do direito do consumidor repousa em dois aspectos essenciais, quais sejam: o ponto de vista prático, no qual o direito do consumidor é o "direito do cotidiano", em que pese as relações consumeristas serem relações do dia-a-dia, e sob a análise dos princípios jurídicos, o direito do consumidor passa a ser um "instrumento para a efetivação de uma idéia de justiça". [31]

À baila de tais lições, pode-se afirmar que a relevância do direito consumerista como parte integrante do ordenamento jurídico que deve ser entendido "[...] a partir da existência de uma hegemonia inconteste do sistema econômico capitalista [...]" e, em decorrência, imprescindível é a intervenção do Estado no mercado com o fito de ponderar o desequilíbrio existente nas relações de consumo, resguardando os sujeitos mais vulneráveis. [32]

José Geraldo Brito Filomeno [33], no entanto, aduz, em seus ensinamentos sobre o histórico do movimento consumerista, que o "Código de Hammurabi" já trazia determinadas regras que tinham como fito proteger o consumidor:

Assim, por exemplo, a Lei nº 233 rezava que o arquiteto que viesse a construir uma casa cujas paredes se revelassem deficientes teria a obrigação de reconstruí-las ou consolidá-las às suas próprias expensas [...]. Consoante a Lei nº 235, o construtor de barcos estava obrigado a refazê-lo em caso de defeito estrutural, dentro do prazo de até um ano. [34]

A referida Lei, no entanto, apenas faz lembrar, como já fora dito, indiretamente o Direito do Consumidor, como o doutrinador acima leciona, ao passo que as implicações para quem descumprisse as determinações seriam desproporcionais nos moldes da sociedade atual:

Extremas, outrossim, eram as conseqüências de desabamentos com vítimas fatais: o empreiteiro da obra, além de ser obrigado a reparar cabalmente os danos causados ao empreitador, sofria punição (morte), caso houvesse o mencionado desabamento vitimado o chefe da família; caso morresse o filho do dono da obra, pena de morte para o respectivo parente do empreiteiro, e assim por diante. Da mesma forma o cirurgião que "operasse alguém com bisturi de bronze" e lhe causasse a morte por imperícia: indenização cabal e pena capital. [35]

O autor em comento cita, ainda, indícios de Direitos do Consumidor na Índia, em meados do século XIII a.C.:

[...] o sagrado código de Manu previa multa e punição, além de ressarcimento dos danos, àqueles que adulterassem gêneros – Lei nº 697 – ou entregassem coisa de espécie inferior àquela certada, ou vendessem bens de igual natureza por preços diferentes – Lei nº 698. [36]

Com o conhecimento de tais fatos, fica clara a relevância da proteção aos consumidores desde os tempos mais remotos quando sequer se tinha noção da amplitude e dimensão de tais direitos, bem como sua relevância nas relações civis.

Conforme disciplina Flávio Barbosa Quinaud Pedron, os anseios dos consumidores já estavam protegidos na Mesopotâmia, da mesma forma que na vindoura Civilização Romana:

Os interesses dos consumidores já estavam resguardados na Mesopotâmia, no Egito Antigo e na Índia do Século XVIII a.C., onde o Código de Massú previa pena de multa e punição, além de ressarcimento de danos, aos que adulterassem gêneros ("lei" 967) ou entregassem coisa de espécie inferior à acertada ou, ainda, vendessem bens de igual natureza por preços diferentes ("lei" 968). No Direito Romano Clássico, o vendedor era responsável pelos vícios da coisa, a não ser que estes fossem por ele ignorados. Porém, no Período Justinianeo, a responsabilidade era atribuída ao vendedor, mesmo que desconhecesse do defeito. As ações redibitórias e quanti minoris eram instrumentos, que amparadas à Boa-Fé do consumidor, ressarciam este em casos de vícios ocultos na coisa vendida. Se o vendedor tivesse ciência do vício, deveria, então, devolver o que recebeu em dobro. [37]

Referido autor data a origem das legislações referentes ao tema na Suécia e Estados Unidos:

Na Suécia, a primeira legislação protetora do consumidor foi em 1910. Já nos EUA, em 1914, criou-se a Federal Trade Commission, que tinha o objetivo de aplicar a lei antitruste e proteger os interesses do consumidor. Também nos EUA, em 1773, em seu período de colônia, o episódio contra o imposto do chá no porto de Boston (Boston Tea Party) é um registro de uma manifestação de reação dos consumidores contra as exigências exorbitantes do produtor inglês. [38]

No tocante à Revolução americana de 1776, Pedron afirma ter sido uma conflagração consumerista, nas palavras de Miriam Almeida de Souza:

Contra o sistema mercantilista de comércio britânico colonial da época, no qual os consumidores americanos eram obrigados a comprar produtos manufaturados na Inglaterra, pelos tipos e preços estabelecidos pela metrópole, que exercia o seu monopólio. [...] Samuel Adams, uma figura marcante no episódio do chá no porto de Boston, que, já em 1785 na República, reforçou as seculares "assizes" (Leis do Pão), da antiga metrópole, apontando sua assinatura na lei que proibia qualquer adulteração de alimentos no estado de Massachusetts.[39]

Vale lembrar que a importância do direito do consumidor, segundo Costa de Azevedo, deve ser interpretada partindo do princípio de que há uma supremacia sem precedentes e irrefragável do arcabouço econômico anti-marxista e, em decorrência, faz-se cogente a interferência estatal com o escopo primordial de graduar o desequilíbrio, quase que inerente, às relações de consumo.

Por derradeiro, pode-se afirmar que a importância do direito do consumidor como componente dos ordenamentos jurídicos nacionais – como também dos acordos internacionais firmados entre as nações desenvolvidas e as ditas ‘em desenvolvimento’ – deve ser compreendida a partir da existência de uma hegemonia inconteste do sistema econômico capitalista e, por conta disso, da necessária intervenção dos Estados no ambiente desse sistema (mercado), no intuito de corrigir o desequilíbrio existente nas relações de consumo a partir da proteção dos sujeitos mais fracos. [40]

Ainda segundo Azevedo, no que concerne aos instrumentos essenciais à defesa do consumidor:

Em suma, o direito do consumidor é uma ferramenta necessária à proteção das mais legítimas necessidades da pessoa humana que, inserida no contexto de uma civilização pós-moderna, exerce cotidianamente o papel de consumidora (adquirente, usuária) dos produtos e serviços no mercado globalizado. [41]

Destarte, é de meridiana clareza que o direito do consumidor não aborda apenas meros direitos que se possam abrir mão, mas, pelo contrário, trata de direitos inerentes àqueles cujos requisitos são atendidos para o enquadramento na definição de consumidor ou, em outros termos, são direitos indisponíveis, os quais, mesmo não os almejando, não há falar-se em renunciá-los.

1.3 Direito do consumidor como direito fundamental

De todo o exposto acima, observa-se que o direito do consumidor seguiu uma evolução histórica em consonância com a evolução social e, principalmente, com a necessidade do homem em se agrupar e de produzir e trocar bens de consumo, assim desde os primeiros mercados até hoje, o direito do consumidor segue de forma tênue seu desenvolvimento em consonância com os ditames referentes à hipossuficiência do consumidor diante das ofertas dos mercados.

Em síntese, Azevedo afirma que o direito do consumidor é um instrumento imprescindível para blindar as "mais legítimas necessidades da pessoa humana". Logo, mister frisar que a regulação do mercado de consumo por meio de normas impostas pelo Estado para corrigir desequilíbrios, no Brasil, foram concebidas para a proteção de um novo sujeito de direitos fundamentais, o consumidor. [42]

No Brasil, com a evolução da proteção dos direitos do consumidor, os referentes direitos tomaram corpo de normas jurídicas que regem as relações de consumo com a criação do Código de Defesa do Consumidor em 1990 – obedeceu, no Brasil, aos anseios do Poder Constituinte Originário, observado o disposto no Art. 5º, inciso XXXII da Constituição Federal de 1988 [43], bem como o delineado no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. [44]

Com efeito, a criação do Código de Defesa do Consumidor não decorreu de mera conveniência legislativa, mas sim, da obediência do Poder Legislativo à vontade do Poder Constituinte, traduzida em expresso comando constitucional (art 5º, XXXII da CF/1988 c/c art. 48 do ADCT). [45]

Em decorrência de tal previsão constitucional, vale dizer, no título que integra os direitos e garantias fundamentais – dos direitos e deveres individuais e coletivos, o direito do consumidor ganhou um status de irrevogabilidade, em que pese o Art. 60, §4º, IV da Constituição Federal trazer em seu rol exaustivo a limitação imutável das ditas cláusulas pétreas, que são aquelas nas quais não poderão incidir modificações com o escopo de mitigar ou, segundo o texto legal: "Art. 60. §4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:[...]IV - os direitos e garantias individuais".

Devido à relevância do dispositivo acima mencionado, urge salientar, embora pareça redundante, a irrevogabilidade dos direitos e garantias fundamentais elencados, de modo não taxativo, no art. 5º da Constituição Federal de 1988, visando garantir, de fato, que tais direitos sejam cumpridos, não podendo ser alvo de modificações prejudiciais.

Para Cláudia Lima Marques, a opção do constituinte originário pela inclusão da proteção ao consumidor no rol dos direitos e garantias fundamentais, deixa claro o novo papel desempenhado pela Constituição, qual seja, "ser o centro do sistema jurídico de direito privado". [46]

Nessa linha de pensamento, Azevedo ainda traz que:

Há, por assim dizer, uma ruptura com a tradicional dicotomia direito público (Constituição) – direito privado (Codificações) e o surgimento de uma relação de submissão – não apenas formal (hierárquica), mas principalmente material (de conteúdo) – das normas codificadas e extravagantes às normas constitucionais, compreendidas como normas fundamentais do direito privado. [47]

Daniel Sarmento trata sobre a constitucionalização do Direito Privado, afirmando que tal processo "catalisou mudanças significativas na ordem jurídico-privada, que passou a gravitar em torno da pessoa humana e dos seus valores existenciais". [48]

Aduz, ainda, que necessário se faz, em todas as deliberações, lançar mão da Constituição como instrumento de resistência "[...] às tendências que já se esboçam no horizonte, de ‘despersonalização’ e ‘repatrimonialização’ do Direito Privado [...]". Leciona que a função do Direito não é mais cuidar das pessoas, mas garantir a estabilidade das relações econômicas, em ambiente de livre mercado. [49]

Logo, toda atitude que for de encontro à dignidade da personalidade humana deve ser restringido pela ordem jurídica, seja por "[...] invalidação de negócios jurídicos, responsabilidade civil por reparação a danos morais e matérias, a imposição de obrigações específicas de fazer ou não fazer etc". [50]

No que tange ao status constitucional do direito do consumidor, tem-se que foi atribuído a esse ramo "a função de ser verdadeiro instrumento para a efetivação dos princípios e garantias fundamentais da pessoa humana". Portanto, as normas contidas no Código de Defesa do Consumidor "possuem âmbito de aplicação distinto do de outros ramos jurídicos, como o direito civil" [51], possuindo, assim, esfera de aplicação específica.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA NETO, Antonio Prudente. História e evolução do Direito do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2645, 28 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17500. Acesso em: 22 dez. 2024.

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