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O papel do Supremo Tribunal Federal no processo de extradição

15/10/2010 às 07:56
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A partir do caso Battisti, torna-se necessária uma reflexão sobre a efetiva atuação e o papel realmente dispensado ao STF no processo extradicional.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo analisar os aspectos mais relevantes do processo de extradição no sistema constitucional brasileiro.

A extradição constitui num dos instrumentos mais antigos de cooperação diplomática entre Estados e, ainda nos dias atuais, desperta significativas discussões sobre sua amplitude e a efetivação das diversas competências para análise no plano interno.

No Brasil, recentemente, a partir do julgamento do chamado caso Battisti, torna-se necessária uma maior reflexão sobre a efetiva atuação e o papel realmente dispensado ao Supremo Tribunal Federal no processo extradicional. Afinal, sua participação é meramente formal? Qual a real eficácia de suas decisões? O Presidente da República está obrigado a observá-las?

Como se nota, são indagações de suma relevância para um novo entendimento sobre a competência da Suprema Corte Brasileira no processo de extradição que, diuturnamente, julga os mais variados casos dessa natureza.


ASPECTOS GERAIS

Consiste a extradição no ato complexo pelo qual determinado Estado soberano, em cumprimento a tratado internacional ou pelo princípio da reciprocidade, entrega um indivíduo, acusado ou condenado, a outro, para que este o julgue ou execute a pena que lhe foi aplicada.

Hildebrando Accioly (1968) define o a extradição como sendo o ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo, acusado de um delito ou já condenado como criminoso, à justiça de outro, que o reclama, e que é competente para julgá-lo e puni-lo. Nesse mesmo sentido, Carlos Roberto Husek (2006) esclarece que a extradição é a entrega de um indivíduo de um Estado a outro, a pedido deste, para responder a processo penal ou cumprir pena.

O termo provém, segundo corrente majoritária, da expressão latina traditio extra territorium, significando, portanto, a entrega de alguém que está em seu território a outro. Não deve ser confundida a extradição, porém, com outros institutos correlatos, todavia distintos, como a entrega, a abdução, expulsão e a deportação.

Alguns elementos caracterizam a extradição. São eles: Estado requerente; Estado requerido; indivíduo processado ou julgado pelo Estado requerente; estada dessa pessoa no território do Estado requerido; e a entrega do indivíduo pelo Estado requerente ao Estado requerido. A extradição solicitada por Estado estrangeiro ao Brasil é denominada de passiva e a pleiteada pelo Brasil é chamada de ativa.

A entrega é procedimento próprio do Tribunal Penal Internacional, que tem a prerrogativa de dirigir um pedido de detenção, cooperação e entrega de uma pessoa, instruído com os documentos necessários, a qualquer Estado em cujo território o indivíduo se possa encontrar.

De outro lado, a abdução é a captura de uma pessoa que se encontra num determinado Estado para que em outro possa ser julgado. Tal prática é repudiada pelo Direito Internacional. Segundo Roberto Luiz Silva (2008), são utilizadas as vias de fato e não as de direito.

A história apresenta alguns casos de abdução. O líder nazista Eicheman, no ano de 1960, responsável pela morte de judeus nos campos de concentração, foi sequestrado em território argentino para ser julgado em Israel. Ronald Biggs também foi capturado em sua residência, aqui no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, e conduzido até Barbados, no Caribe. Outro caso é de Humberto Alvarez Machain, em 1990, no México, que foi abduzido e levado a julgamento nos Estados Unidos.

Expulsão, ao seu turno, conforme lição de José Afonso da Silva (2009), é um modo coativo de retirar o estrangeiro do território nacional por delito ou infração ou atos que o tornem inconveniente, fundamentando-se na necessidade de defesa e conservação da ordem interna ou das relações internacionais do Estado interessado. Trata-se de ato ligado à soberania estatal.

A deportação também é uma forma de devolver, compulsoriamente, um estrangeiro a outro país e tem base combater os casos de entrada ou estada irregular de estrangeiro. Existe prazo para que o indivíduo retire-se voluntariamente do território nacional. Caso não o faça, haverá a deportação.

Como se pode notar, a extradição não se confunde com os mecanismos acima apontados, possuindo objetivo e regramento próprios. Outra questão importante a ser observada é que, em matéria de extradição, a competência para legislar sobre o assunto é privativa da União, nos termos do art. 22, V, da Constituição Federal.

A extradição, por outro vértice, não tem caráter absoluto, ao revés, possui limitações impostas pelo sistema jurídico como um todo. Com efeito, a extradição não poderá ser concedida quando se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido; quando o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente; quando o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando; quando a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano; quando o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido; quando estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente; quando fato constituir crime político; e, finalmente, quando extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de exceção.

O texto constitucional traz algumas dessas restrições, como no caso de crime político e de opinião (art. 5º, LII) e de brasileiro nato em qualquer hipótese, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (art. 5º, LI).

Jamais será extraditado o brasileiro nato. O brasileiro naturalizado também, em regra, não terá sua extradição deferida, a não ser no caso de crime comum praticado antes da naturalização ou na hipótese de comprovação de seu envolvimento, a qualquer tempo, com o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.

A legislação não permite, ainda, a ocorrência da chamada extradição dissimulada, haja vista que proíbe a deportação e a expulsão sempre que estas caracterizarem extradição inadmitida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Há necessidade, ainda, de se verificar a "dupla tipicidade", ou seja, a conduta atribuída ao estrangeiro tem que ser punível tanto no país requerente, quanto no Brasil.

Como já foi mencionado de início, a extradição normalmente é prevista em tratado, mas, também, pode ter como fonte o princípio da reciprocidade. Havendo tratado, a extradição, preenchidos os requisitos, passa a ser obrigatória. Na ausência de tratado, a sua concessão depende da vontade do Estado requerido, que pode subordinar a entrega à promessa ou declaração de reciprocidade pelo Estado requerente.

O extraditado, ao contrário do que ocorre na expulsão, não está impedido de reingressar no território nacional, desde que, se condenado, tenha cumprido a pena imposta pelo Estado requerente.

Vistos os pontos de maior destaque que envolve a extradição, cumpre analisar as fases que a integram.


Fases do processo extradicional

A Lei 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro), que define a situação jurídica do estrangeiro no país, regulamentada pelo Decreto 86.715/81, disciplina o procedimento extradicional.

São três as fases da extradição passiva.

A primeira é administrativa, de responsabilidade do Poder Executivo, onde o Estado requerente envia seu pedido pela via diplomática (e não por carta rogatória) ao Presidente da República, porque é a autoridade competente par manter relações com Estado Estrangeiro, nos termos do art. 84, VII, da Constituição Federal.

Quando o Brasil for o Estado requerente, o pedido é transmitido pelo Ministro da Justiça ao Ministro das Relações Exteriores, que o encaminhará ao Estado estrangeiro, comumente por meio de missão diplomática no país onde se encontra a pessoa perseguida.

Tendo como único fundamento para a extradição a promessa ou declaração de reciprocidade de tratamento, o Poder Executivo poderá indeferi-la, sem a necessidade de apreciação do Supremo Tribunal Federal. Essa forma de indeferimento se denomina recusa sumária.

A segunda fase é judiciária. Uma vez analisada a admissibilidade do pedido pelo Ministério das Relações Exteriores, com base em tratado internacional ou no Estatuto do Estrangeiro, a solicitação de extradição é encaminhada ao Supremo Tribunal Federal, que irá analisar a legalidade e a procedência do pedido (art. 102. I, "g", da CF). Esta fase será objeto de análise mais aprofundada no tópico seguinte.

Derradeiramente, a terceira e última fase também é administrativa. Nela, o Presidente da República, na condição de Chefe de Estado, procede à entrega ou não do extraditando ao país requerente. Embora haja somente uma fase no âmbito do Poder Judiciário, tal sistema de extradição é chamado de judiciário.


Atuação do Supremo Tribunal Federal

Ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar o pedido de extradição, depois de comunicação feita pelo Ministério das Relações Exteriores, atendendo pedido do Estado requerente, que analisará os pressupostos do pleito e se ele não esbarra nas hipóteses em que a extradição é vedada, não se pronunciado sobre o mérito do processo penal existente contra o extraditando. Não será possível a concessão de extradição sem prévio pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a legalidade e a procedência do pedido.

Tal competência está prevista expressamente na Constituição Federal, da seguinte forma:

"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

[...]

g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;"

Interessante notar que nem mesmo a renúncia do estrangeiro ao processo de extradição tem relevância. Quer dizer, ainda assim o Supremo Tribunal Federal terá que analisar o caso, conforme orientação da Corte:

EXTRADIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DA RENUNCIA AO BENEFICIO DA LEI. I - A concordância do extraditando em retornar ao seu país não dispensa o controle da legalidade do pedido pelo STF. II - Verificados os requisitos legais da extradição, impõe-se o seu deferimento. Extradição deferida.

(Ext. 643, Relator(a): Min. FRANCISCO REZEK, TRIBUNAL PLENO, julgado em 19/12/1994, DJ 10-08-1995 PP-23554 EMENT VOL-01795-01 PP-00001)

Recebido o pedido, o Supremo Tribunal Federal decretará a prisão do indivíduo perseguido, a fim de que o processo tenha andamento. Note-se que a disposição contida no art. 81, da Lei 6.815/80, que atribuía ao Ministro da Justiça a incumbência de ordenar a prisão, não foi recepcionada pela atual Constituição Federal, que exige, para tanto, ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária.

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Efetivada a prisão do extraditando, terá início o processo extradicional, que não terá dilação probatória, visto que cabe ao Estado requerente, desde o início, apresentar toda documentação essencial ao processamento do pedido, atendendo às determinações legais. A custódia do estrangeiro deve persistir durante todo o processo de extradição. O Supremo Tribunal Federal já afirmou que:

"A circunstância de o súdito estrangeiro possuir cônjuge brasileiro, ou ter filhos impúberes nascidos no Brasil, ou exercer, em território nacional, atividade lícita e honesta não constitui impedimento jurídico ao processamento e eventual deferimento do pedido de extradição passiva. Precedentes. - A prisão do súdito estrangeiro constitui pressuposto indispensável ao regular processamento da ação de extradição passiva . A privação da liberdade individual do extraditando deve perdurar até o julgamento final, pelo Supremo Tribunal Federal, do pedido de extradição. Doutrina. Precedentes. - Eventuais defeitos de ordem formal existentes no decreto judicial de prisão cautelar reputam-se superados e sanados com a superveniente formalização do pedido de extradição, desde que este se apresente devidamente instruído com a documentação exigida pela lei brasileira ou, quando existente, pelo tratado bilateral de extradição. - Com a instauração do processo extradicional, opera-se a novação do título jurídico legitimador da prisão do súdito estrangeiro, descaracterizando-se, em conseqüência, eventual excesso de prazo que possa estar configurado. É da essência da ação de extradição passiva a preservação da anterior custódia que tenha sido cautelarmente decretada contra o extraditando. Precedentes."

(HC 73552, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno) g.n.

O sistema de contenciosidade limitada caracteriza o regime jurídico da extradição passiva no Brasil. Por conta disso, não é permitido ao Supremo Tribunal Federal qualquer indagação sobre provas ou de mérito pertinentes ao ilícito criminal cuja persecução, no exterior, justificou o ajuizamento da ação extradicional.

A Corte tem admitido, excepcionalmente, de aspectos materiais concernentes à própria substância da imputação penal, sempre que tal exame se mostrar indispensável à solução de controvérsia pertinente à ocorrência de prescrição penal, à observância do princípio da dupla tipicidade ou à configuração eventualmente política tanto do delito atribuído ao extraditando, quanto das razões que levaram o Estado estrangeiro a requerer a extradição de determinada pessoa ao Governo brasileiro (Ext. 1145, Relator Min. Celso de Mello). Existe, assim, a possibilidade de fiscalização quanto à legalidade extrínseca do pedido de extradição, mas não concernente ao seu mérito.

A questão mais polêmica acerca da extradição diz respeito à autoridade da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Se a Corte negar o pedido de extradição, estará o Presidente da República vinculado a essa decisão e não poderá realizar a entrega do extraditando? E se, ao revés, o Tribunal deferir o pedido, o Presidente da República será o obrigado a conceder a extradição ou, contrariando a decisão do Judiciário, negá-la?

No primeiro caso, negando o Supremo Tribunal Federal o pedido de extradição, segundo vem entendo a doutrina majoritária, o Presidente da República fica impedido de autorizar a entrega, isto é, de efetivar a extradição solicitada pelo Estado estrangeiro. Nesse ponto, não á maiores discussões.

Candente discussão existe quando o Supremo Tribunal Federal admite a extradição. A Corte, há tempos, vem entendendo que a competência para decidir, definitivamente, sobre a extradição ou não é do Presidente da República, por ser ele a autoridade responsável por manter relações com Estados estrangeiros (art. 84, VII), quando o julgamento que lhe compete é favorável ao processo extradicional.

Recentemente o tema veio à baila com o julgamento da extradição nº 1085, envolvendo o italiano Cesare Battisti.

O estrangeiro foi condenado à prisão perpétua pela Justiça da Itália por sua participação em atos considerados de terrorismo entre os anos de 1977 a 1979, onde teria cometido homicídio contra quatro pessoas.

Após sair da Itália, Battisti ficou por mais de 11 anos na França na condição de refugiado político, quando, após revogação do benefício pelo Governo Francês, veio para o Brasil, tendo sido preso no ano de 2007. Inicialmente, Cesare Battisti requereu ao Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) a concessão de refúgio, nos termos da Lei nº 9.474/97, que, após votação, decidiu negar o pedido. O italiano então recorreu ao Ministro da Justiça, Tarso Genro, que reformou a decisão do CONARE, reconhecendo a situação de refugiado.

Conforme prevê a Lei 9.474/97, o reconhecimento da condição de refugiado obsta o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio e, como o Governo Italiano havia requerido a extradição de Cesare Battisti, pretendia o estrangeiro o arquivamento do processo extradicional, ao passo que a Itália pretendia ver reconhecida a ilegalidade da concessão do refúgio, por falta de atendimento dos requisitos legais para tanto.

Após intenso debate no plenário do Supremo Tribunal Federal, por cinco votos a quatro, a Corte autorizou a extradição de Cesare Battisti para a Itália, entendendo, porém, que a última palavra sobre a entrega ou não do italiano cabe ao presidente da República, que tem poder discricionário para decidir sobre a efetivação da extradição.

Em que pese o entendimento da Suprema Corte, não existe no ordenamento jurídico brasileiro qualquer dispositivo atribuindo ao Presidente da República competência discricionária para decidir sobre extradição.


Limites da discricionariedade do Presidente da República

A grande maioria da doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entendem que o Presidente da República tem discricionariedade para decidir sobre a extradição, com base no art. 84, VII, da Constituição Federal 1.

Para Alexandre de Moraes (2007), findo o procedimento extradicional, se a decisão do STF, após a análise das hipóteses materiais e requisitos formais, for contrária à extradição, vinculará o Presidente da República, fincando vedada a extradição. Se, entretanto, a decisão for favorável, o Presidente da República, discricionariamente, determinará ou não a extradição, pois não pode ser obrigado a concordar com o pedido de extradição, mesmo que lealmente correto e deferido pelo STF, uma vez que o deferimento u recusa do pedido de extradição é direito inerente à soberania.

No mesmo sentido, Valério de Oliveira Mazzuoli (2008) destaca que autorizada a extradição pelo STF, compete ao Presidente da República decidir em definitivo sobre a sua conveniência, sendo possível que a autorização do Supremo não seja efetivada pelo Presidente, sem que isto cause qualquer tipo de responsabilidade para este último. Somente quando existir tratado de extradição entre os dois países, assevera o autor, é que o Presidente da República está obrigado a proceder à entrega do extraditando. Esta foi a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal no caso Cesare Battisti, como se nota do excerto abaixo retirado da ementa do acórdão da extradição nº 1085:

"EXTRADIÇÃO. Passiva. Executória. Deferimento do pedido. Execução. Entrega do extraditando ao Estado requerente. Submissão absoluta ou discricionariedade do Presidente da República quanto à eficácia do acórdão do Supremo Tribunal Federal. Não reconhecimento. Obrigação apenas de agir nos termos do Tratado celebrado com o Estado requerente."

Logo, para a Corte Constitucional brasileira, a decisão que profere em sede de extradição não vincula o Presidente da República, mas ele deve respeitar, se existente, tratado internacional de extradição.

Sem desconsiderar as ponderações trazidas pela corrente majoritária, entendemos, no entanto, que o posicionamento por ela defendido, mormente no Supremo Tribunal Federal, precisa ser revisto.

A Constituição prevê que ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar, originariamente, a extradição solicitada por Estado estrangeiro.

Como é possível notar, se cabe ao Supremo Tribunal Federal "julgar" o pedido extradicional e, na ausência de qualquer outra disposição dizendo que a eficácia desse julgamento se submete ao crivo do Presidente da República, resta concluir que a decisão do STF é definitiva, seja ela qual for, cabendo ao Chefe de Estado apenas cumpri-la.

Embora não elucide a questão em seu mérito, Francisco Rezek (2005) parece entender pela obrigatoriedade do Presidente da República cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal em qualquer hipótese. Para ele, negada a extradição pela Corte, o extraditando é libertado e o Executivo comunica esse desfecho ao Estado requerente. Deferida, incumbe-lhe efetivá-la.

Não é razoável o argumento de que a competência privativa do Presidente da República para manter relação com Estados Estrangeiros seja suficiente para que ele decida, de modo definitivo, sobre a extração, quando o próprio texto constitucional atribui ao Supremo Tribunal Federal a incumbência de julgar (ou seja, de proferir uma decisão de procedência ou improcedência) a este tipo de processo.

O texto Constitucional não possui qualquer dispositivo atribuindo competência discricionária ao Presidente da República. Não há, também, disposição dizendo que o Chefe do Poder Executivo Federal estaria vinculado quando o Supremo Tribunal Federal negar o pedido de extradição.

A doutrina defendida pela maioria dos membros do STF é imperfeita, na medida em que cria uma competência que a Constituição não o fez, ao passo que infirma sua própria competência, que é de julgamento, esta sim prevista na Carta da República.

Inexiste, outrossim, qualquer afronta aos atos de soberania. A União é responsável por praticar tais atos no plano internacional (art. 21, I, CF), representando a República Federativa do Brasil. E, como cediço, a União é composta por três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário (art. 2º, CF).

O processo extradicional, de seu turno, nas suas fases, passa pelo Poder Executivo da União e pelo Poder Judiciário também da União. Logo, não há falar em desrespeito às atividades do Presidente da República que, em verdade, apenas cumprirá a decisão do Supremo (órgão da União em última análise), estando obrigado a agir dessa forma.

A situação é parecida com o que acontece na Representação Interventiva, onde a decisão de procedência da Corte Suprema vincula o Presidente da República a decretar a intervenção, independentemente de sua vontade.

Pensar de outra maneira seria o mesmo que esvaziar a competência do STF de julgar efetivamente a extradição, à margem de qualquer ressalva existente na Constituição Federal e nas leis pátrias.


Conclusão

O processo de extradição sempre foi um ato de cooperação entre Estados, que, em tempos de globalização, tem sempre reforçado seu importante papel na aplicação da Justiça e na pacificação social.

Exerce o Supremo Tribunal Federal a importante função, atribuída pela Constituição, de decidir sobre o mérito do processo de extradição, de acordo com os tratados internacionais e a legislação interna do Brasil.

Como visto, o Presidente da República, como Chefe de Estado, apenas executa a decisão proferida pela Corte Constitucional Brasileira, não existindo discricionariedade sobre a entrega ou não do extraditando.

Na verdade, a decisão do Supremo Tribunal Federal é soberana e o Presidente da República não pode criar obstáculo ao seu cumprimento, sob pena de se tornar inócua a atividade jurisdicional desempenhada com grande afinco pelo Poder Judiciário.


BIBLIOGRAFIA

ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1968.

Afonso da Silva, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009.

Alves de Oliveira, Larissa Lancha. A extradição no direito brasileiro nos anos de 1968 E 1969. Disponível https://www.sbdp.org.br/ver_monografia.php?idMono=15

COUTO FILHO, Reinaldo de Souza. A inexistência de discricionariedade no cumprimento da decisão judicial de concessão ou não de extradição pelo Presidente da República. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 22, 31/08/2005. Disponível em: https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=368.

DEL ANTONIO, Juliano. Breves apontamentos acerca dos institutos da extradição e do refúgio político a partir do caso Cesare Battisti . Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2333, 20 nov. 2009. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/13880/breves-apontamentos-acerca-dos-institutos-da-extradicao-e-do-refugio-politico-a-partir-do-caso-cesare-battisti>.

HUSEK, Carlos Roberto. Curso de direito internacional público – 6ª ed. – São Paulo: LTr, 2006.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada legislação constitucional. 7. ed. - São Paulo: Atlas, 2007.

PEREIRA, Francisco José de Andrade. Deportação, expulsão e extradição: diferenças e semelhanças. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, no 175. Disponível em: https://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1217

REZEK, Francisco. Direito internacional público – 10 ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2005.

SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.


Notas

1 "Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;"

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Sobre o autor
William Junqueira Ramos

Procurador Federal em Araraquara (SP). Pós-graduado em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC/SP. Professor Universitário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, William Junqueira. O papel do Supremo Tribunal Federal no processo de extradição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2662, 15 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17547. Acesso em: 14 nov. 2024.

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