RESUMO
A Emenda Constitucional nº 29 de 13 de setembro de 2000 trouxe profundas modificações no campo do Direito Tributário, notadamente na parte em que alterou as regras da cobrança do Imposto Predial e/ou Territorial Urbano (IPTU), instituindo a possibilidade dos municípios brasileiros cobrarem prefalada exação com alíquotas seletivas em razão da localização ou do uso do imóvel, bem assim a possibilidade da progressividade fiscal do tributo em comento. Como se vê, ao instituto da seletividade, inserido no artigo 156, § 1º, inciso II da Constituição Federal de 1988, foi dado o caráter da "fiscalidade", ou seja, será utilizado para fins meramente arrecadatórios, o que contraria, conforme será apreciado, diversas normas e postulados de ordem constitucional, acarretando, certamente, a inconstitucionalidade da mencionada alteração legislativa (EC nº 29/2000).
PALAVRAS-CHAVE: 1. Direito Tributário. 2. IPTU. 3. Alíquotas. 4. Seletividade Fiscal. 5. Inconstitucionalidade.
INTRODUÇÃO
Objetiva-se com o presente trabalho enveredar-se na discussão acerca da constitucionalidade da Emenda à Constituição nº 29 de 13 de setembro de 2000, a qual, dentre outras alterações normativas, introduziu no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade dos municípios instituírem a progressividade fiscal do Imposto Territorial e/ou Predial Urbano (IPTU), bem assim a possibilidade de cobrança de alíquotas seletivas de tal exação dependendo do uso e localização dos imóveis.
Imperioso destacar, neste ínterim, que esta abordagem cinge-se tão-somente à questão da seletividade das alíquotas prevista na nova redação do artigo 156, § 1º, inciso II da Carta Política, uma vez que a temática atinente à progressividade fiscal albergada pelo inciso I da precitada norma já está sendo alvo de discussão perante o Supremo Tribunal Federal, cujo caso concreto emanou de questionamento formulado em face de Lei Tributária do Município de São Paulo.
A problemática que circunda a matéria de fundo deste trabalho diz respeito à possibilidade jurídica de se emprestar o caráter fiscal à diversidade das alíquotas do IPTU em razão da localização ou uso do imóvel, mormente considerando que o objetivo maior traçado pelo postulado "seletividade" não guarda nenhuma relação com questões meramente arrecadatórias do Estado, nem tampouco traduz em um "refinamento do princípio da capacidade contributiva", como quer fazer crer o fisco municipal.
Portanto, necessário um amplo debate sobre os aspectos e implicações legais emanados da mencionada alteração legislativa constitucional, uma vez que tal normatização veio a lume somente para atender aos interesses econômicos dos municípios brasileiros, os quais estariam perdendo grande volume de arrecadação em decorrência da lacuna que existia antes da promulgação da famigerada Emenda Constitucional nº 29/2000.
1 - BREVE RELATO HISTÓRICO
Para entendermos a atual conjuntura que envolve a lisura da seletividade fiscal das alíquotas do IPTU em razão da localização e uso do imóvel, devemos voltar um pouco no tempo, notadamente no período precedente à vigência da nossa atual Lex Legum (CF/88).
Sabe-se que a legislação tributária de grande parte dos municípios brasileiros, especialmente dos grandes centros urbanos, já previa a cobrança do IPTU progressivo, seja na modalidade fiscal ou extrafiscal, bem assim já havia algumas normatizações acerca da seletividade das alíquotas.
Todavia, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o campo inerente à progressividade foi completamente estreitado, sendo ela permitida tão-somente para assegurar o cumprimento da função social da propriedade (caráter extrafiscal), conforme disposição da redação original do art. 156, § 1º, CF/88 [01], não havendo, portanto, hipótese de seletividade de alíquotas.
Ocorreu que os grandes fiscos municipais exerceram uma grande pressão no parlamento para que fossem alteradas as regras do jogo, ou seja, para que fosse permitida a progressividade fiscal; e mais, fosse autorizada a instituição de alíquotas seletivas em razão da localização e do uso do imóvel, tudo com fins meramente arrecadatórios.
Como era esperado, o Congresso Nacional promulgou, em 13 de setembro de 2000, a Emenda Constitucional nº 29/2000, atendendo aos anseios dos entes federativos municipais, autorizando as legislações tributárias dos municípios instituírem, como de fato instituíram, a progressividade e a seletividade fiscal do IPTU, o que foi um verdadeiro alívio aos cofres públicos, pois incrementaram suas receitas a níveis sem precedentes.
2 - A SELETIVIDADE PREVISTA NO ART. 151, § 1º, INCISO II DA CF/88
2.1 - O Princípio da Seletividade:
Consoante escólios pinçados da obra do eminente jurista Eduardo Sabbag, a seletividade é forma de concretização do princípio da capacidade contributiva em certos tributos. Nestes, o postulado da capacidade contributiva será aferível mediante a aplicação da técnica da seletividade, uma evidente forma de extrafiscalidade na tributação. [02]
Assim, teremos a seletividade na medida em que haver a necessidade de regulação da utilidade social do bem tributado, aplicando-se a técnica da diversidade de alíquotas em virtude da diversidade do fato tributário.
No ponto, destaca-se, novamente, o magistério do professor Eduardo Sabbag:
"Mais do que isso, apresenta-se a seletividade como uma inafastável expressão de praticabilidade na tributação, inibitória da regressividade, na medida em que se traduz em meio tendente a tornar simples a execução do comando constitucional, apresentável por meio da fluida expressão ‘sempre que possível’, constante do art. 145, § 1º, CF. A seletividade mostra-se, assim, como o ‘praticável’ elemento substitutivo da recomendada pessoalidade, prevista no citado dispositivo, no âmbito do ICMS e do IPI, como a solução constitucional de adaptação de tais gravames à realidade fático-social." [03]
Neste contexto, a seletividade prestigia, como dito, a utilidade social do bem, sendo que determinado produto sofre variação de tributação em decorrência de sua maior ou menor importância no campo econômico-social, ou seja, paga-se mais imposto de bens supérfluos do que essenciais. Eis aí, portando, o ponto nodal da questão tratada neste trabalho, ou seja, o intercâmbio e implicações do trinômio capacidade contributiva – seletividade – impostos reais, postulados incompatíveis entre si.
De Hanry Tilbery [04] é o ensinamento sobre o tema:
"12.6 - O conceito de essencialidade não deve ser interpretado estritamente para cobrir, apenas necessidades biológicas (alimentação, vestuário, moradia, tratamento médico, etc), mas deve abranger também aquelas necessidades que sejam pressupostos de um padrão de vida decente, de acordo com o conceito vigente da maioria.
12.7 – Consequentemente, os fatores que entram na composição das necessidades essenciais variam de acordo com o espaço (conforme países e regiões) e o tempo (grau de civilização e tecnologia).
[…]
12.9 – Em um país que se encontra em fase avançadíssima de desenvolvimento, como é o caso do Brasil, a imposição seletiva sobre o consumo em função da essencialidade é um instrumento para frenar o consumo de produtos indesejáveis ou ao menos necessários, para liberar forças para investimentos merecedores de apoio, e, ao mesmo tempo, constitui instrumento para nivelar diferenças excessivas no consumo de diversas classes em diversificadas zonas e alcanças a meta de redistribuição de rendas e maior aproximação da Justiça Fiscal."
Assim, a seletividade está atrelada à essencialidade ou imprescindibilidade do bem, acarretando a aplicação da regra das grandezas inversamente proporcionais: maior essencialidade do bem = menor alíquota; menor essencialidade do bem = maior alíquota.
Neste contexto, importante destacar o seguinte aresto proferido pelo Pretório Excelso que bem ilustra a quaestio iuris:
"(...) A essencialidade do IPI, inscrita no art. 153, § 3º, I, da Constituição Federal, não se confunde com imunidade, de modo que os produtos podem ser tributados, desde que a tributação seja graduada em ‘função da essencialidade’. E fixação da alíquota máxima do IPI incidente sobre o açúcar de cana em 18% (dezoito por cento) não vulnera tal essencialidade. Perante o caso do ‘cigarro contendo fumo (tabaco), classificado na tabela do IPI sob o nº 2402.20.00 e que é tributado à alíquota de 330% (trezentos e trinta por cento), segundo o decreto nº 4.542/2002, vê-se logo que é razoável a alíquota máxima de 18% (dezoito por cento) para açúcar de cana. A essencialidade é termo fluido, impreciso, de textura aberta, cuja reconstituição semântica depende da cultura de cada intérprete, o que abre certa margem de discricionariedade ao legislativo para lhe determinar o conteúdo e alcance, sem prejuízo do núcleo significante mínimo, fora do qual a cláusula constitucional seria insultada, como sucederia, por exemplo, se fixada a alíquota de 50% (cinquenta por cento), o que não é o caso. Ademais, a alíquota de 18% (dezoito por cento) é máxima, donde pode o Executivo reduzi-la in concreto." [05]
Na lição de Aliomar Baleeiro [06], a palavra essencialidade refere-se à adequação do produto à vida do maior número de habitantes do País. As mercadorias essenciais à existência civilizada deles devem ser tratadas mais suavemente ao passo que as maiores alíquotas devem ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é, os supérfluos.
Resumindo em termos práticos, à luz do princípio da seletividade, haverá uma desoneração da carga tributária incidente sobre bens considerados essenciais, a exemplo dos alimentos, vestuário, etc. Noutro flanco, será gravosamente taxado os produtos tidos como prescindíveis à existência civilizada, como as bebidas, o cigarro, etc.
2.2 - A Nova Redação do Artigo 156 da Constituição Federal:
Com efeito, assim prescreve o artigo 156, § 1º, inciso II da Lei Maior, alterado pela EC nº 29/2000:
"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I - propriedade predial e territorial urbana;
§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:
I - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel."
Percebe-se, portanto, que o IPTU pode, a partir da data da promulgação da Emenda Constitucional nº 29/2000, ter alíquotas seletivas em razão da localização e o uso do imóvel, trazendo a figura inovadora da seletividade para fins meramente fiscais.
Todavia, conforme dito em linhas volvidas, o vocábulo "seletividade" para o direito tributário significa a modulação da tributação em relação à destinação social de determinada categoria de bens, ou seja, de acordo com o critério da essencialidade, determinado produto terá incidência maior de tributos em relação a outro, assim como explicitado no tópico antecedente.
Neste contexto, surge o questionamento alusivo à diferenciação das alíquotas do Imposto Predial e/ou Territorial Urbano (IPTU) prevista no art. 156, § 1º, inciso II da Constituição Federal de 1988, uma vez que a finalidade essencial da seletividade (onerar bens de acordo com sua prescindibilidade social) não é compatível com a natureza jurídica de preditas exações.
3 - CONSIDERAÇÕES BÁSICAS SOBRE O IMPOSTO PREDIAL E/OU TERRITORIAL URBANO
O Imposto Predial e/ou Territorial Urbano (IPTU), previsto no art. 156, inciso I da Carta Política e artigos 32 e seguintes do Código Tributário Nacional, possui o caráter de tributo real, ou seja, o que grava a coisa independentemente da condição pessoal do contribuinte, diferentemente do que acontece com o Imposto de Renda.
O artigo 32 do Código Tributário Nacional descreve o fato gerador da obrigação tributária em destaque, assim redigido:
"Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município."
Destarte, o fato gerador da exação em comento se dá com a propriedade, com o domínio útil ou com a posse do bem imóvel, este localizado na zona urbana do município tributante, "consubstanciando-se, mediante ficção jurídica, no primeiro dia útil do ano civil (1º de janeiro)." [07]
Sobre o tema, eis a lição de Leandro Paulsen [08]:
"A instituição do IPTU deve ater-se à tributação da propriedade. Não se pode equiparar à propriedade qualquer outro direito real. O direito de propriedade envolve a faculdade de usar, gozar e de dispor. É esta revelação de riqueza, relativamente a imóvel urbano, que foi apontada pela Constituição como capaz de ensejar a sujeição do seu titular a um imposto de competência municipal. Assim, não obstante toda a prática em sentido contrário e mesmo a letra do art. 34 do CTN, tenho que o legislador só pode indicar como contribuinte o proprietário e não o titular de outros direitos reais menos densos e que não revelam riqueza na condição de proprietário, ainda que seus titulares exerçam prerrogativas típicas do proprietário, pois sempre serão prerrogativas parciais ou temporárias, com a superfície, as servidões, o usufruto, o uso e o direito do promitente comprador, previstos no art. 1,225, II a VII, do Código Civil (Lei 10.406/02)."
Mais adiante, o artigo 33 do CTN descreve com exatidão a base de cálculo do imposto em análise, nos termos seguintes:
"Art. 33. A base de cálculo é o valor venal do imóvel."
Nesta senda, percebe-se que o tributo em destaque alberga caráter eminentemente real, ou seja, através de aspectos objetivos inerentes à coisa chega-se à sua base de cálculo, não havendo qualquer elemento subjetivo em sua matemática, a exemplo da renda do proprietário do imóvel.
No ponto, destaca-se, mais uma vez, o magistério Leandro Paulsen:
"O IPTU é imposto real, conforme tantas vezes foi afirmado pelo STF. Isso porque tem como critério a simples propriedade do imóvel urbano, sem qualquer consideração relativamente à situação pessoal do proprietário. Pois isso, aliás, que o STF dizia da impossibilidade de se instituir IPTU progressivo, eis que não se presta à graduação conforme a capacidade contributiva, não visualizada ao mesmo." [09]
Para afastar quaisquer dúvidas a respeito da natureza jurídica do IPTU, traz-se à colação o seguinte aresto proferido pelo Pretório Excelso, assim ementado:
"TRIBUTÁRIO. IPTU PROGRESSIVO. MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. ARTIGO 67 DA LEI Nº 691/84. PRECEDENTES. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que a progressividade do IPTU, que é imposto de natureza real em que não se pode levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte, só é admissível, em face da Constituição Federal, para o fim extrafiscal de assegurar o cumprimento da função social da propriedade. 2. O artigo 67 da Lei nº 691/84, do Município do Rio de Janeiro, que instituiu a progressividade do IPTU levando em conta a área e a localização dos imóveis - fatos que revelam a capacidade contributiva -, não foi recepcionado pela Carta Federal de 1988. 3. Recurso extraordinário não conhecido." [10]
3.1 - A Natureza Real do IPTU e o Princípio da Capacidade Contributiva:
O princípio da capacidade contributiva, como coeficiente do princípio da igualdade, vez que com este não se confunde, veda o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação de equivalência. Nesse passo, este princípio funciona como desdobramento da regra isonômica, indicando como fator de discriminação a capacidade econômica de quem deve pagar o imposto.
Segundo o professor Eduardo
Sabbag [11], o princípio em comento evidencia, como dito, uma das dimensões da isonomia, a saber, a igualdade na lei, quando se busca tratar de forma distinta situações diversas. Nesse sentido, diz-se que o princípio da capacidade contributiva está profundamente ligado ao da igualdade, mas neste não se esgota. Enquanto a isonomia avoca um caráter relacional, no bojo do confronto entre situações jurídicas, o princípio da capacidade contributiva, longe de servir apenas para coibir discriminações arbitrárias, abre-se para a consecução de um efetivo ideal de justiça para o Direito Tributário.Alguns juristas de renome, dos quais podemos destacar Américo Lacombe, defendem a aplicação do princípio da capacidade contributiva a qualquer espécie de imposto, sejam eles pessoais ou reais, indiretos ou diretos, dizendo, inclusive, que a propriedade, por si só, revela a capacidade do contribuinte de arcar com o tributo. Confira-se:
"A progressividade dos impostos é uma decorrência lógica do princípio da capacidade contributiva. Todo imposto que incida sobre o patrimônio ou a renda deve ser progressivo. A progressividade dos impostos incidentes sobre produto e mercadorias manifesta-se na variação da alíquota em virtude do grau de essencialidade do produto para consumir (contribuinte de fato), e ainda na não-cumulatividade, como já vimos. No imposto sobre renda a progressividade exterioriza-se pela aplicação de alíquotas mais elevadas às maiores rendas tributáveis. Nos impostos sobre o patrimônio as alíquotas devem ser mais elevadas quando aplicadas a maiores bases do cálculo, sob pena de ofensa ao princípio da capacidade contributiva, e, consequentemente, ao princípio da igualdade." [12]
Todavia, a corrente majoritária perfilha o entendimento de que o princípio da capacidade contributiva não se aplica a impostos de caráter real, tal como o IPTU, haja vista que a hipótese de incidência desta exação é um fato objetivamente considerado, ou seja, "ser proprietário", não interferindo a condição do sujeito passivo no cálculo do tributo.
Assim, conforme será visto adiante, o entendimento dominante, inclusive do Supremo Tribunal Federal, caminha no sentido da impossibilidade de um imposto de caráter real ser submisso ao crivo da capacidade contributiva.
4 - O PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE VERSUS SELETIVIDADE FISCAL DO IPTU/ITU
Conforme abordado em linhas volvidas, o postulado da seletividade traduz na graduação da onerosidade tributária incidente sobre determinados produtos, tendo como fundamento norteador o critério da essencialidade de ditos bens da vida.
Ocorre que a normatização instituída pelo art. 156, § 1º, inciso II da Constituição Federal, alterado pela famigerada Emenda Constitucional nº 29/2000, traz a chamada "seletividade fiscal" do IPTU, decorrente da localização e do uso do imóvel urbano, ou seja, criou-se um instrumento para "engordar" os cofres públicos municipais mediante aplicação distorcida do princípio da seletividade.
Percebe-se aí, sem maiores dificuldades, uma incompatibilidade entre os termos "seletividade" e "fiscalidade", mormente considerando que seus fins não são convergentes: o primeiro visa regular o mercado de consumo à luz do balizamento "prescindibilidade"; o segundo, tão-somente abastecer o Erário.
De tal forma, não poderia o Constituinte Derivado subverter toda a sistemática axiológica das normas e princípios tributários da Constituição Republicana de 1988 ao permitir que um tributo tenha alíquotas seletivas com a finalidade meramente arrecadatória, jogando por terra os preceitos constitucionais de proteção ao contribuinte, parte mais fraca na relação jurídico-tributária.
Forçoso destacar, neste momento, o Princípio da Unidade da Constituição, que impõe a interpretação e aplicação das normas e princípios constitucionais de maneira conjunta, uma vez que a Constituição Federal de 1988 é base para todo o arcabouço fático-jurídico que se busca harmonizar, almejando sempre dar maior efetividade às suas disposições. No entanto, não raras vezes nos deparamos com práticas odiosas por parte dos entes tributantes, os quais fazem vista grossa aos preceitos constitucionais ao instituir e aplicar normas tributárias por eles confeccionadas. Apesar de contarmos com uma Carta Política altamente protetiva em matéria de garantias e direitos fundamentais, quase sempre não podemos nos socorrer a ela.
Destaca-se, oportunamente, que as regras principiológicas assumem um papel importante na harmonização da sistemática normativa tributária, devendo o legislador observá-las ao desempenhar sua função constitucional, evitando, com isso, conflito com os mandamentos da Lex Legum.
José Jayme de Macêdo Oliveira, discorrendo sobre a natureza jurídica das normas-princípios, leciona:
"Princípios são preceitos representativos das ideias gerais, dos quais se inferem outras proposições que são, por força disso, corolários daqueles. Constituem mandamentos nucleares de um sistema, verdadeiro alicerce, ponto de partida, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a exata compreensão e inteligência destas. Valioso acentuar que, considerando que a lei não encerra todo o Direito, máxime na esfera do direito público (em que se encarta o Tributário), frente à multiplicidade de fatos e circunstâncias não atingidas por previsão legislativa, os princípios jurídicos se destacam como diretivas, como imperativos reguladores da ação dos governos, das instituições, dos indivíduos." [13]
Extrai-se do fragmento doutrinário descrito que a observância das regras principiológicas na atuação legislativa é imperativa, devendo o parlamento se submeter aos comandos constitucionais ao tempo de elaboração das normas. Todavia, no caso em análise, observa-se que não houve uma compatibilização entre o princípio da seletividade e a diversidade das alíquotas do IPTU com fins meramente fiscais, acarretando, portanto, em uma patente colidência normativa.
Ora, o exercício do poder tributário, pelo Estado, submete-se, por inteiro, aos modelos jurídicos positivados no texto constitucional que, de modo explícito ou implícito, institui em favor dos contribuintes decisivas limitações à competência estatal para impor e exigir, coativamente, as diversas espécies tributária existentes.
Os princípios constitucionais tributários, por representarem importante conquista político-jurídica dos pagadores de tributos, constituem expressão fundamental dos direitos individuais outorgados aos particulares pelo ordenamento estatal. Desde que existem para impor limitações ao poder de tributar do Estado, esses postulados têm por destinatário exclusivo o poder estatal, que se submete à imperatividade de suas restrições.
Por outro lado, uma vez que a lei tem caráter universal, não pode prever todas as situações ou casos específicos. Desta sorte, ganha força o papel dos princípios como instrumentos de composição do sistema jurídico, corrigindo eventual omissão com base nos valores acolhidos pela sociedade. Tanto é assim que, expressamente reconhecendo que a norma pode ser omissa, o que pode redundar numa falibilidade do sistema, a Lei de Introdução ao Código Civil determina ao julgador que aplique a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Neste toar, o princípio da seletividade deve ser rigorosamente respeitado pelo legislador ordinário. Tal afirmação não traduz uma mera recomendação, mas uma questão impositiva, sob pena de incompatibilidade da lei criada com o texto constitucional.