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Auxílio doença: período de carência e as distorções do benefício refletidas no Direito do Trabalho

19/10/2010 às 15:43
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RESUMO

A Constituição Federal de 1988 assegura, em seu artigo 201, a cobertura dos eventos de doença pelo órgão da Previdência Social, mediante o implemento do benefício com o nomen iuris de auxílio doença.

O auxílio doença é regulado pela Lei 8.213/91, onde o artigo 59 fixa que o trabalhador, para ter direito ao benefício, tem de contribuir para a Previdência Social por, no mínimo, 12 meses. Sem a observância do aludido prazo de carência não existe possibilidade do deferimento do pedido.

Diante da existência de previsão legal acerca do prazo de carência para concessão do benefício auxílio doença, questão interessante se forma caso o trabalhador, segurado da Previdência Social por período inferior a 12 meses, seja acometido de doença que necessite de afastamento superior a 15 dias. Nesta situação surge a celeuma de como ficará a situação do trabalhador perante a seara trabalhista, pois na área previdenciária ele não fará jus ao benefício auxílio doença, tendo em vista que a Lei Federal 8.213/91 exige carência de 12 meses, hipótese de incidência não alcançada.

O presente artigo aborda esta questão que não raras vezes acontece no contrato de trabalho visando situar tanto o empregador quanto o empregado, que se encontram em um limbo jurídico.

PALAVRAS-CHAVE: Auxílio doença. Direito Trabalho. Período de Carência. Lei Federal 8.213/91. Distorções do benefício. Reflexo no Direito material do Trabalho. Interrupção e suspensão do contrato de trabalho.


INTRODUÇÃO

O auxílio doença está amparado constitucionalmente como benefício integrante da Previdência Social, conforme expressa o inciso I do artigo 201 da Constituição Federal.

O desiderato principal do auxílio doença é abranger o risco social protegido, ou seja, segurar o risco da incapacidade laborativa temporária (incapacidade total ou parcial), até porque, se não houvesse proteção a este risco, o trabalhador ficaria à margem da sociedade, sem qualquer apoio estatal. Assim, a Previdência Social ampara o trabalhador, garantindo proteção ao mesmo quando diante do risco social.

Para ter direito ao benefício de auxílio doença o trabalhador tem que estar incluído no Regime Geral da Previdência Social, visto que o constituinte fixou como ponto fulcral do Instituto o caráter contributivo.

Insta frisar que o artigo 201 da Carta Magna, que possuía eficácia contida, foi regulamentada pela Lei Federal 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, discorrendo nos artigos 59 a 63 acerca do benefício auxílio doença.

O artigo 59, da Lei 8.213/91, determina que para ter direito ao benefício o trabalhador tem de contribuir para a Previdência Social por, no mínimo, 12 meses. Este prazo mínimo possui o nomen iuris de carência e sem a sua observância não haverá possibilidade do deferimento do pedido. O artigo 24, da Lei 8.213/91, em interpretação autêntica, assevera que "período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências."

Impende destacar que a carência não será exigida em caso de acidente de qualquer natureza (por acidente de trabalho ou fora do trabalho) ou de doença profissional ou do trabalho.

Ademais, o artigo 151 da Lei 8.213/91 discorre o rol de doenças em que não será exigido carência, são elas: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, doença de Paget em estágio avançado (osteíte deformante), síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), contaminação por radiação (comprovada em laudo médico) ou hepatopatia grave. Trata-se, portanto, de exceção do sistema a ausência de carência para o deferimento do benefício previdenciário.

Possuindo o prazo de carência ou estando enquadrado na exceção legal que dispensa a carência, deverá ser averigurado se o segurado está impedido de trabalhar por doença ou acidente por mais de 15 dias consecutivos.

O artigo 60, da Lei Federal 8.213/91, assevera que no caso dos trabalhadores com carteira assinada, os primeiros 15 dias são pagos pelo empregador, sendo pagos a partir do 16º dia de afastamento do trabalho pela Previdência Social. Para os demais segurados, a Previdência paga o auxílio desde o início da incapacidade e enquanto a mesma perdurar.

Em ambos os casos, o beneficiário deverá passar por perícia médica do INSS para confirmar a sua doença, eis que para concessão de auxílio-doença é necessária a comprovação da incapacidade em exame realizado pela perícia médica da Previdência Social.

Concedido o benefício, o artigo 61 da Lei 8.213/91 discorre que a verba recebida pelo segurado será de 91% do salário benefício. A alíquota de 91% foi determinada como forma de compensar a contribuição previdenciária a cargo do empregado, vez que deixará de arrecadar contribuição enquanto em gozo do benefício.

É preciso esclarecer que a Previdência Social não objetiva em momento algum garantir o padrão de vida do segurado, mas tão somente o mínimo vital, para que o segurado, durante o período em que receber auxílio-doença, possa manter-se dignamente, razão pela qual se justifica o valor de 91% do salário benefício.

Por fim, o auxílio-doença deixa de ser pago quando o segurado recupera a capacidade e retorna ao trabalho ou quando o benefício se transforma em aposentadoria por invalidez.


PERÍODO DE CARÊNCIA E AS DISTORÇÕES DO BENEFÍCIO REFLETIDAS NO DIREITO DO TRABALHO.

Questão interessante se forma em torno do período de carência para a concessão do benefício auxílio doença, qual seja: trabalhador segurado da Previdência Social por período inferior a 12 meses que é acometido de doença que necessite de afastamento superior a 15 dias. Neste caso surge a questão de como ficará sua situação perante a seara trabalhista, pois na seara previdenciária ele não fará jus ao benefício auxílio doença, tendo em vista que a Lei Federal 8.213/91 exige carência de 12 meses.

A hipótese aventada, que não raras vezes acontece em vários contratos de trabalho, não possui qualquer resposta no ordenamento jurídico brasileiro, existindo verdadeira lacuna quanto aos direitos do empregado nesta situação.

Se, por um lado, a Previdência Social não pode conceder o benefício, eis que o segurado não está enquadrado no requisito previsto no artigo 59 da Lei Federal 8.213/91, por outro lado, o órgão previdenciário estaria deixando de conferir direito ao trabalhador assegurado constitucionalmente no artigo 201 da Carta Magna.

Poder-se-ia argumentar, nesta situação, que a proteção à incapacidade laborativa por motivo de doença advém de questão social surgida com a Revolução Industrial, que deu início à luta da classe operária por melhores condições de trabalho e que neste momento da história, o trabalhador - que até então não possuía qualquer amparo da previdência - quando ficava doente, não era protegido pelo Estado, acarretando um problema social: este trabalhador e sua família ficariam em situação de completa miserabilidade enquanto durasse a doença.

Entretanto, como o servidor da agência da Previdência Social cumpre o princípio da estrita legalidade, previsto também no texto constitucional (artigo 37, caput, da Constituição Federal), sendo a concessão do auxílio doença ato vinculado, correto o entendimento de que a falta de carência impede o deferimento do benefício, salvo nas exceções expressamente previstas na própria lei – v.g artigo 151 da Lei 8.213/91.

Não obstante, persiste o nefasto efeito colateral desta medida de indeferimento do benefício, qual seja: o trabalhador e sua família ficariam em situação de completa miserabilidade enquanto durasse a doença, pois nos 15 primeiros dias haveria a interrupção do contrato de trabalho e, do 16.º dia em diante, ocorreria a suspensão do contrato de trabalho.

Assim, o trabalhador afastado por mais de 15 dias por doença e que não tenha cumprido o requisito da carência, só receberá do seu empregador os primeiros 15 dias, ante a interrupção do contrato de trabalho, ficando, a partir deste momento, sem remuneração até convalescer e voltar ao labor ou sua situação agravar-se e ter de aposentar por invalidez.

Tal distinção ocorre vez que, na interrupção do contrato de trabalho, o empregado não presta serviços, não fica à disposição do empregador, porém continua a receber salários, sendo o tempo contado como de efetivo serviço. Assim, nos 15 primeiros dias da incapacidade o empregador continua efetuando o pagamento do salário, embora o empregado não esteja à sua disposição e nem lhe esteja prestando serviços.

Já na suspensão, o empregado não trabalha, não fica à disposição do empregador e não recebe salário, sendo que este tempo não é computado como de serviço. É o que ocorre a partir do 16.º dia.

Ressalte-se que o artigo 476 da CLT é expresso no sentido de que no curso do auxílio doença o empregado é considerado em licença não remunerada, ou seja, o contrato está suspenso.

Nesta esteira, no caso em debate ocorreria o mesmo efeito: o trabalhador teria seu contrato de trabalho suspenso a partir do 16º dia, inclusive, não recebendo qualquer remuneração neste período, nem de seu empregador, quiçá da Previdência Social, pois não almejou o período de carência fixada em lei.

Frise-se que nesta situação o empregador em hipótese alguma pode autorizar que o empregado volte ao trabalho somente porque não foi deferido o benefício auxílio doença, pois neste caso certamente o seu exame de retorno ao trabalho acusará sua inaptidão para o labor.

Aqui o empregador encontra-se em situação delicada, pois se admitir o retorno do empregado, ainda doente, poderá ser acionado em futura reclamação trabalhista para indenizar os danos materiais e morais de eventual piora do estado de saúde do trabalhador.

O recomendado, portanto, é o empregador só admitir o empregado de volta ao trabalho se no exame de retorno ao trabalho conste a aptidão para o labor.

Enquanto perdurar a suspensão do contrato de trabalho o empregado estará em um vácuo jurídico, eis que a lei não obriga nem o empregador, tampouco o Estado, a lhe pagar qualquer verba pecuniária.

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Cabe ressaltar algumas alternativas que podem ser observadas para minimizar os prejuízos suportados pelo obreiro.

A primeira delas é que o empregado deve continuar contribuindo para a Previdência enquanto estiver com o seu contrato de trabalho suspenso, visto que cumprido a carência de 12 meses poderá requer o auxílio doença caso sua enfermidade tenha agravado, pois o parágrafo único do artigo 59, da Lei 8.213/91, assevera que "não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão (grifo nosso)".

Há entendimentos de que caso faltem poucos dias para completar-se o período de carência, quando da ocorrência da doença, deve considerar-se que um único dia trabalhado dentro do mês vale como contribuição para aquele mês (v.g. a situação de um segurado que tenha ficado doente no mês em que completaria o período de carência. Um dia trabalhado referente a este mês considerar-se-á cumprida a carência). Digno de aplauso este posicionamento, até mesmo porque afasta o trabalhador do limbo jurídico que estaria caso não fosse considerado este período de carência.

A segunda alternativa ao caso em análise é que o obreiro fique com o seu contrato de trabalho suspenso até que seja constatado a impossibilidade de sua recuperação ou reabilitação, momento no qual poderá pleitear à Previdência Social o benefício de aposentadoria por invalidez, devendo ser observado a ressalva que faz o §2º do artigo 42 da Lei 8213/91, quanto às doenças preexistentes.

A terceira alternativa será o empregador continuar a realizar o pagamento da remuneração ao empregado doente, medida esta que somente se justificaria no plano misericordioso e social do empregador, eis que o contrato de trabalho está suspenso a partir do 16º dia de afastamento.

Por fim, a última hipótese aventada é a ocorrência de recuperação do empregado para o exercício de sua atividade habitual ou até mesmo a reabilitação para outra atividade, momento no qual seu contrato de trabalho voltará a viger normalmente.

Portanto, este imbróglio jurídico somente será resolvido pela edição de Lei que abarque esta questão, não deixando o trabalhador doente à margem do sistema Previdenciário.

O panorama está sendo aclarado pelo Poder Legislativo, que prende rever os prazos de carência para os benefícios da Previdência Social, sendo o assunto objeto de dois projetos de lei - PLs 2600/00 e 2291/00, que visam a redução do prazo de carência para seis meses.

Diminuindo-se a carência, seria reduzida a incidência do caso em análise, fazendo com que o sistema previdenciário alcançasse seu almejado objetivo previsto no artigo 193 da Constituição Federal, que é a proteção ao trabalhador com a conseqüente configuração do bem-estar e da justiça sociais, o que já é um início para a solução do tema na seara trabalhista.


CONCLUSÃO

Das alternativas apontadas nenhuma afasta os prejuízos sofridos pelo trabalhador doente que não possui o período de carência para perceber o benefício auxílio doença, sendo certo que a partir do 16º dia de afastamento não receberá remuneração do seu empregador, visto que seu contrato de trabalho estará suspenso a partir do 16º dia de afastamento, quiçá da Previdência Social, ante o não enquadramento dos requisitos legais de deferimento do benefício.

Nesta esteira pode ser questionada a extensão do período de carência de 12 meses, pois na hipótese aventada o trabalhador fica completamente desamparado se, logo no início de suas atividades, ou seja, antes de completar o período de carência, ficar doente, até mesmo porque a fonte de custeio da Previdência Social pode ser previamente delineada.

Assim, cabe ao Poder Legislativo rever os prazos de carência para o benefício de auxílio doença, que inclusive já foi objeto de dois projetos de lei - PLs 2600/00 e 2291/00, visando a redução do prazo de carência para seis meses.

Diminuindo-se a carência seria reduzido a incidência do caso em análise fazendo com que o sistema previdenciário alcance o almejado objetivo previsto no artigo 193 da Constituição Federal, que é a proteção do trabalhador com a conseqüente configuração do bem-estar e da justiça sociais, o que serviria de paliativo para resolver o reflexo da exigência de carência pela Previdência Social perante o Contrato Individual de Trabalho.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum/Obra Coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes - 5 ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2008.

BRASIL. LEI 8.213/91. Consolidação das Leis do Trabalho. Obra Coletiva. [coordenadores] Armando Casimiro Costa, Melchíades Rodrigues Martins- 36ª ed. – São Paulo: LTr, 2009.

BRASIL. DECRETO Nº 3.048 de 06 DE MAIO DE 1999. Consolidação das Leis do Trabalho. Obra Coletiva. [coordenadores] Armando Casimiro Costa, Melchíades Rodrigues Martins- 36ª ed. – São Paulo: LTr, 2009.

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Sobre o autor
Leonardo Ramos Gonçalves

Advogado.Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Instituto Brasiliense de Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Leonardo Ramos. Auxílio doença: período de carência e as distorções do benefício refletidas no Direito do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2666, 19 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17634. Acesso em: 22 dez. 2024.

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