A antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional consiste na faculdade de o juiz antecipar a solução pretendida pelo autor na inicial desde que preenchidos certos requisitos. Esta prática é admitida em casos de dano irreparável ou de difícil reparação, de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, conforme preceitua o artigo 273 do Código de processo Civil.
Apesar de prevista no CPC, em razão da aplicação subsidiária do direito processual comum (art. 769, CLT), a antecipação da tutela é amplamente aceita e aplicada no Processo do Trabalho.
A discussão que se trava, tanto no processo civil quanto no trabalhista, é a respeito da possibilidade de o juiz, sem requerimento da parte, conceder a antecipação da tutela.
Para os juristas que se apegam à literalidade da legislação, incabível a concessão de ofício da tutela antecipada tendo em vista a clareza de sentido do artigo 273 do CPC.
Compartilhando deste entendimento, o autor Renato Saraiva conceitua tutela antecipada como "instrumento processual que permite ao autor, mediante postulação expressa, desde que no processo se encontrem presentes os requisitos de natureza objetiva que a autorizem, adiantar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela jurisdicional que lhe seria apenas conferida por ocasião da sentença final" [01].
Ainda nesse sentido, transcrevo parte de julgado do TRT 15ª Região:
"Estipula o art. 273 do CPC que o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial. No caso dos autos, o autor nada requereu, (...) sendo que o juiz da 3ª Vara de Jundiaí concedeu a tutela antecipada de ofício (fls. 15). Logo, havendo previsão expressa no ordenamento de necessidade de provocação do interessado, improsperável a concessão de ofício da medida." [02]
Entretanto, para os juristas mais maleáveis, que preferem uma análise interpretativa caso a caso, o instituto da tutela de urgência seria aplicável ainda que não pleiteado pelo jurisdicionado. Justificam tal posição por meio do princípio do impulso oficial, consistente na determinação, por parte do Magistrado, de medidas que visem à maior efetividade do processo.
Acerca desse segundo entendimento, cito a seguinte jurisprudência do mesmo Tribunal da anterior:
MANDADO DE SEGURANÇA. TUTELA ANTECIPADA DE OFÍCIO. CABIMENTO NO PROCESSO DO TRABALHO. SEGURANÇA DENEGADA. (...) a exigência (art. 273, "caput", CPC) do prévio requerimento da parte para a concessão da antecipação da tutela não pode ser importada de forma acrítica. (...) Tal interpretação, além de conflitar com os princípios do processo do trabalho, ignora a garantia constitucional ao acesso a um processo justo, célere e efetivo, especialmente na Justiça do Trabalho. Assim, (...), pode, de ofício, antecipar os efeitos da tutela, determinando o imediato pagamento das verbas rescisórias, que têm natureza alimentar. [03](Grifo nosso)
Apesar de não haver posição consolidada na doutrina e na jurisprudência, aceitar a determinação da tutela antecipada ex officio seria ampliar demais a interpretação do artigo que a prevê. Esse posicionamento permissivo abriria precedente para qualquer tipo de interpretação na legislação e utilizar-se-iam os diversos princípios doutrinários para justificá-la. Seria também ignorar o que o legislador originário quis normatizar com o artigo, desrespeitando o conteúdo deste último e deixando sua aplicação ao arbítrio de cada juiz.
Ao positivar as palavras "a requerimento das partes" no artigo 273, o legislador não quis dizer outra coisa senão o que elas significam. Ou seja, as partes devem pedir o benefício de ter um direito antecipadamente garantido. O artigo é claro e objetivo, não merecendo qualquer tipo de discussão acerca da sua aplicação.
Além disso, quando requer a tutela antecipada, a parte requerente assume o risco de, caso tal decisão não seja confirmada na sentença, ter de arcar com os prejuízos que causou à parte contrária em decorrência da antecipação. Neste diapasão, não teria o juiz autorização para onerar a esse ponto o autor de uma ação concedendo uma antecipação que não foi requerida expressamente.
Saliente-se ainda que o juiz não pode decidir além dos pedidos sob pena de sua sentença ser considerada extra ou ultra petita. No processo trabalhista, um exemplo clássico é o fato de que mesmo a parte tendo direito a uma verba decorrente de um vínculo reconhecido, o juiz não pode concedê-la se não houver sido expressamente pleiteada.
Seguindo esse raciocínio, a decisão antecipatória da tutela concedida sem expresso requerimento do beneficiário seria extra petita. O juiz não pode conceder à parte qualquer providência não requerida na exordial. Inteligência do artigo 128 do próprio CPC.
Convém ressaltar que não se pode fundamentar a argumentação favorável à antecipação de tutela de ofício no fato de a parte poder estar assistida por advogado incompetente, ou mesmo estar postulando por conta própria na Justiça do Trabalho (jus postulandi). Isso porque a organização judiciária (e processual) não pode solucionar todos os problemas procedimentais a que não deu causa. Além disso, quando a parte se utiliza do jus postulandi, esta sabe que pode estar sujeita a erros que um advogado, em regra, não cometeria.
Descabida também a afirmação de que por tratar de verba de caráter alimentar a Justiça do Trabalho seria exceção à regra, admitido a antecipação ex officio. Isso porque a desconsideração da exigência de pedido expresso é ilegal, constituindo uma afronta ao princípio da legalidade.
Finalmente, um ponto fundamental acerca dessa discussão também se respalda no princípio ora citado (legalidade). Trata-se do fato do Poder Público só pode fazer aquilo que está previsto em lei, diferentemente do particular que pode fazer tudo que a lei não proíbe. Dessa forma, fácil vislumbrar que se não há previsão de concessão de tutela antecipada de ofício, o Poder Judiciário está impedido de atuar nesse sentido.
Por todo o exposto, conclui-se que apesar da divergência a respeito do tema e não obstante os argumentos a favor, não há como se aplicar a antecipação dos efeitos da tutela de ofício, nem no processo civil tampouco no processo do trabalho, sob pena de se dilatar a interpretação do texto legal a ponto de gerar insegurança jurídica, criar arbitrariedades e avançar os limites da legalidade.
Referências Bibliográficas
MALLET, Estêvão. Antecipação da Tutela no Processo do Trabalho 2.ED. São Paulo: LTr, 1999.
OLIVA, José Roberto Dantas. Tutela de Urgência no Processo do Trabalho. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2002.
SARAIVA, Renato. Curso de direito processual do trabalho. 7. ed. São Paulo: Método, 2010.
Silvestre, Almir Carlos. Particularidades da antecipação de tutela no processo do trabalho. <http://jus.com.br/artigos/4658>. Acesso em 14.09.2010.
Notas
- SARAIVA, Renato. Curso de direito processual do trabalho. 7. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 744.
- Processo TRT 15ª Região nº 00540-2003-000-15-00-2, LUIZ ROBERTO NUNES - Juiz Relator.
- Processo TRT 15ª Região nº 02061-2009-000-15-00-6, SAMUEL HUGO LIMA – Des. Relator.